Metodologia da
assistência de enfermagem: impasses e perspectivas
Isabel
Cristina Fonseca da Cruz*
* Universidade Federal Fluminense , Niterói, RJ, Brazil.
Originalmente publicado em:
Cruz, I.C.F.da The
implementation of the nursing process methodology: problems and
perspectives. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN -ISSN 1676-4285) 1(1),
2002 [Online].
Available at: www.uff.br/nepae/objn101cruz.htm
Abstract.
The
adherence to an international taxonomy of the nursing practice probably will be
positively related to the implementation of the nursing
process in the practice setting. This paper relates a dialectic analysis for
identifying problems and perspectives related to the utilization of nursing
diagnoses, nursing interventions, and client outcomes. Twelve nurses were
interviewed and based on the data it was concluded that an ideological discourse
about nursing activities is the
principal obstacle to their development although the international and national
political context are favorable implementation of the nursing activities.
Key-words:
taxonomy - nursing process - nursing diagnoses.
Resumo.
Neste estudo, buscamos por
meio de
uma análise dialética identificar os impasses e perspectivas
para o exercício do diagnóstico,
prescrição e avaliação do resultado da assistência de enfermagem, com base
nos depoimentos das enfermeiras. Concluímos que o
método de trabalho alienado (taylorismo) desenvolve-se com conflitos
que constituem o embrião do
método de trabalho artesanal. Identificamos como maior impasse o
discurso ideológico sobre
a metodologia da assistência e entre
as perspectivas o
contexto sócio-político internacional (ICN) e nacional (SUS) e o
surgimento de um novo paradigma (holismo).
Palavras-chave:
taxonomia – processo de enfermagem - diagnóstico de enfermagem
Considerações
iniciais
Em
1989 o International Council of Nursing (ICN) aprovou
uma resolução sobre o desenvolvimento de um projeto para a criação de
uma classificação da prática de enfermagem. Este projeto pretende organizar
os fenômenos relativos ao diagnóstico,
prescrição e avaliação dos resultados da assistência enfermagem (CLARCK;
LANG, 1992), representando, por parte do ICN, o reconhecimento de estudos e
pesquisas que já se acumulavam há seis décadas.
O
Brasil enquanto membro do ICN está engajado neste
projeto, tendo inclusive participado em uma das suas
reuniões consultivas onde se discutiu a prática de enfermagem em Atenção
Primária em Saúde (INTERNATIONAL COUNCIL OF NURSING, 1994).
O
projeto, de uma forma indireta, tem propiciado uma reflexão sobre o status
destas atividades em nossa
prática profissional. Neste
sentido, YOSHIOCA et al (1993) evidenciaram em seu estudo bibliográfico que, no
Brasil, os termos referentes às atividades são diversos e não possuem uma
distribuição equitativa. As autoras verificaram, por exemplo, que a prescrição
é tema constante em 53.5% dos trabalhos analisados. Contudo, o diagnóstico
possui uma freqüência de apenas
39%, enquanto a avaliação do resultado
da assistência só obteve atenção em 7.5% dos estudos.
Os
dados levantados por YOSHIOCA et al (1993)
denunciam não só a diferença
de status entre as atividades de
enfermagem como também a
falta de consenso quanto aos termos que as definem,
pois além da expressão diagnóstico
de enfermagem,
outros 12
termos foram identificados para a mesma atividade. A prescrição, por
sua vez, tem
uma frequência
de utilização
de 3%, dividindo a
percentagem restante com mais vinte expressões.
A avaliação
do resultado tem outros cinco termos para defini-la.
Para
melhor compreensão do nosso estudo, consideramos que
as atividades de enfermagem são o
histórico, o diagnóstico, a
prescrição e a avaliação do resultado.
O
histórico de enfermagem não constitui objeto
de interesse para o projeto
do ICN, mas é uma atividade imprescindível
para a realização das
demais. O histórico envolve a entrevista e o
exame físico do indivíduo, família ou
comunidade para
identificar as respostas
reais ou potenciais aos processos vitais ou problemas de saúde, assim como áreas
de força e fatores de risco (IYER et
al, 1993).
O
diagnóstico de enfermagem é conceituado como um
julgamento clínico sobre as respostas do indivíduo, família ou
comunidade aos processos vitais ou problemas de saúde
atuais ou
potenciais. O diagnóstico fornece a base para as prescrições de
enfermagem e o estabelecimento de
resultados pelos
quais a
enfermeira é responsável
(NORTH, 1990).
Quanto
à prescrição de enfermagem, esta é compreendida como qualquer cuidado direto que a enfermeira realiza em
benefício do cliente,
incluindo os tratamentos decorrentes de diagnósticos de enfermagem, os decorrentes do diagnóstico médico e a
realização de atividades diárias essenciais para o cliente (BULECHEK;
McCLOSKEY, 1992).
A
avaliação do resultado refere-se à condição do cliente
que é influenciada pela
prescrição de
enfermagem, indicando a resolução do diagnóstico, ou a não-resolução
e, conseqüentemente, a continuação dos cuidados ou
a revisão
do diagnóstico
(LANG; MAREK, 1990)
Estas
atividades diferem do que se compreende até
o momento por metodologia da
assistência por representar comportamentos, ações ou habilidades da
enfermeira que são realizados segundo
um referencial conceptual. Elas
não se reduzem a
um modelo
ou impresso, ainda que devam ser documentadas,
por constituírem o Saber
(histórico e diagnóstico) e o Fazer
(prescrição e avaliação) do Ser
enfermeira. Ou ao menos deveriam ser.
Cabe
ressaltar, porém, que estas atividades não constituem
ainda uma obrigação
profissional uma vez
que não estão regulamentadas pela nossa lei do exercício
(BRASIL, 1986).
Mas,
a partir da análise do discurso teórico referente
às atividades da prática de enfermagem, sentimos
a necessidade de investigar
a hierarquia de determinantes profissionais
que estabelecem nexos de causalidade entre as atividades da prática e a
organização do trabalho, visando a exploração das dificuldades e
perspectivas na implementação da metodologia da assistência.
Desenvolvimento
Os
obstáculos e perspectivas da utilização das atividades
de enfermagem vêm a ser uma questão difícil de ser
explicada devido aos diversos determinantes históricos da
nossa prática. Mas, o momento histórico que nos faz viver uma situação
de crise, prepara as condições para a criação de uma ciência extraordinária
baseada nas tentativas de superação da crise e na proposição de novos
paradigmas (AGUIAR; SANDOVAL, 1993).
Para
tanto, buscamos valorizar o depoimento das
enfermeiras que trabalham na assistência direta/supervisão do
cuidado, tendo em vista uma
discussão que pudesse relacionar o método de trabalho (alienado ou não) e
quem o realiza: a enfermeira. Os depoimentos foram obtidos entre onze
enfermeiras e um enfermeiro, mediante a aplicação de um questionário. A análise
dos depoimentos foi feita no sentido de identificar as descrições sobre as
atividades de enfermagem e, a
partir delas, poder estabelecer uma síntese
sobre o método de trabalho.
A
natureza do trabalho da enfermeira.
Apesar
dos constantes esforços para o estabelecimento de
uma prática baseada na Atenção Primária em Saúde, o hospital
permanece como o local onde a maioria das enfermeiras e
das estudantes
de graduação trabalha e desenvolve
suas habilidades
profissionais. Para melhor compreendermos a nossa
prática no presente,
faz-se necessário analisar o papel dessa instituição na nossa formação
e exercício profissional.
O
hospital como cenário
terapêutico é
fato relativamente recente.
No passado ele estava destinado a propiciar não
a cura, mas a
salvação de
quem estava
morrendo (PITTA,
1991). Esta concepção
ideológica sobre o hospital, isto é, local onde
se vai para morrer, persiste
na atualidade em qualquer cenário
onde a enfermeira atua.
Reforça-se assim o caráter caritativo do
trabalho da enfermeira que,
organizado pelas
regras do
modo de
produção capitalista, traduz-se por uma
prática ambígüa
entre a
mítica religiosa e as normas do mercado
(BARROS; SILVA,
1990; MOURÃO, 1993).
Para
esta concepção ideológica
de hospital,
a tecnologia dominante, ou
seja, os instrumentos, a experiência, os hábitos que caracterizam a força de
produção, constitui-se
fundamentalmente das técnicas do poder
disciplinar, das técnicas
gerenciais e tayloristas,
em detrimento
das técnicas
terapêuticas, das técnicas de diagnóstico, prescrição e avaliação
do resultado
de enfermagem - formadas pelos ritos e saberes
instrumentalizados a partir
de uma relação artesanal enfermeira-cliente.
Nossas
práticas estão estruturadas sobre relações de produção que desconsideram
os conhecimentos sobre a clientela, dificultando assim nosso atendimento
às necessidades socialmente postas,
a saber: o diagnóstico e tratamento das
respostas do
cliente, da família e da comunidade aos
problemas de
saúde ou
processos vitais.
Na
nossa avaliação, o oposto ao
modelo taylorista
de produção, é o modo de produção artesanal no qual a enfermeira é
o agente de seu diagnóstico e cuidado, sem a intermediação
de uma
categoria profissional
na relação enfermeira-cliente e com uma relação de cooperação entre
os membros de uma mesma categoria.
Com
base no que discutimos sobre a natureza do
trabalho da enfermeira,
consideramos que as atividades administrativas
e de supervisão da equipe
auxiliar constituem
o método
de trabalho cotidiano da
enfermeira (taylorismo), alienando-a de
sua função primordial que
é diagnosticar e tratar
as respostas
de seus clientes aos problemas
de saúde
ou processos
vitais.
As
determinantes principais do método de
trabalho alienado que agem
dinâmica e eficientemente entre si e com outras estariam na formação
da enfermeira,
nas formas
de organização
deste trabalho e na falta de consenso sobre
as atividades básicas
da profissão.
A
formação da enfermeira,
por uma
análise do
currículo, livros textos e experiências de aprendizagem,
está firmemente alicerçada
no conhecimento e modelo
biomédicos. Preparada para
implementar a assistência
médica, tem
na organização
de seu trabalho a valorização
das atividades gerenciais, em detrimento do cuidado direto.
A
legislação profissional, por sua vez, não define as atividades da prática e
só prevê a
prescrição para
clientes graves,
sem contudo determinar sobre qual diagnóstico
ela deve
ser feita. A forte combinação
destas categorias delineiam para
nós o
taylorismo enquanto método de trabalho da enfermeira.
Paradoxalmente,
mesmo com um método de trabalho alienado,
a enfermeira é capaz de se aproximar de seu cliente e
diagnosticar, prescrever e avaliar sua resposta ao problema de saúde,
ainda que precária ou
eventualmente. A execução das atividades básicas
da enfermeira depende contudo
de condições
facilitadoras que
valorizam estas ações.
Neste
estudo, portanto, discutimos esta tese, a sua antítese, buscando construir uma
síntese sobre a metodologia da assistência
de enfermagem, com
base no
discurso dos
profissionais e
na literatura pertinente. É nosso propósito apontar os impasses e
as perspectivas desta metodologia enquanto
instrumento da
produção profissional.
A
investigação
Interessava-nos
para o alcance do propósito desta pesquisa as informações provenientes de
enfermeiras e docentes que
atuassem junto a clientes. Elaboramos um questionário
que contemplasse a caracterização da população e a descrição pelas
enfermeiras de seu processo de trabalho cotidiano.
Intencionalmente
não utilizamos expressões como
metodologia da assistência ou processo de enfermagem, entre outras
similares. Isto porque queríamos
captar aspectos
do cotidiano
e não
o conhecimento referente as teorias de enfermagem. CRUZ et al (1993)
verificaram em seu estudo que os depoimentos sobre a assistência
de enfermagem por vezes assumem um caráter mítico, indicador de fé e não de
ciência. Assim,
buscamos informações
sobre o
que a enfermeira faz no seu
dia-a-dia, segundo
as condições
de seu trabalho e da sua
formação; ao invés do que lhe
foi determinado fazer,
independente dessas mesmas condições.
Com
o objetivo de identificar os
nexos que
dificultam ou facilitam a
implementação da metodologia
assistencial, buscamos
planejar a análise dos depoimentos em função da tese
(taylorismo) e da antítese (metodologia da assistência) para
a elaboração
da síntese.
A
partir dos questionários preenchidos procedeu-se uma revisão e codificação
dos mesmos, segundo a tese e antítese
previamente construídas. A discussão foi
realizada mediante
a comparação constante dos dados entre si e a literatura profissional.
Nossa
amostra foi constituída por onze enfermeiras e um enfermeiro
das regiões
Sudeste e
Nordeste, alunas
de pós-graduação, sendo sete de cor branca, três pardas, uma
preta e uma não declarou. Quanto ao tempo de formadas, a maioria
tem mais
de 10
anos e especialização
na área
de Enfermagem
Médico-Cirúrgica. Dez
enfermeiras atuam no cuidado direto ou supervisão do mesmo. Duas
declararam atuar em pesquisa
e ensino
de graduação.
O tempo majoritário de atuação
foi de 1 a 5 anos.
O
perfil demográfico
de nossa
amostra indica
um grupo homogêneo no que
se refere principalmente a
formação acadêmica, área
de especialização e atuação.
O
método de trabalho alienado (taylorismo)
Em
dez depoimentos
pudemos verificar
que as
atividades administrativas e
de supervisão
da equipe
são as
mais relacionadas. As atividades que aproximam a enfermeira do
cliente são fragmentadas e geralmente implicam em algum tipo de risco ou
complexidade o que, no nosso entendimento, constitui
uma ação fragmentada na
qual não se tem controle sobre o produto final.
Pela
análise destes
depoimentos podemos
relacionar como atividades
do cotidiano das enfermeiras a elaboração da escala
de trabalho da equipe de auxiliares; o planejamento, a coordenação e a supervisão das atividades e
do pessoal;
e a
organização ou suprimento
do setor quanto
a pessoal,
material de
consumo e permanente.
As
atividades relacionadas corroboram a nossa tese de
que o taylorismo constitui o
método de
trabalho do
nosso cotidiano
profissional. Este fato pode não constituir nenhuma novidade,
mas é a partir da denúncia, da tomada de consciência, do conhecimento da realidade que
poderemos transformá-la.
Quanto
às determinantes
do trabalho
alienado, pudemos
identificar nos depoimentos aspectos referentes à
organização do trabalho e
à falta de consenso sobre as atividades profissionais.
Quanto
à organização do trabalho, há referências ao tempo,
à falta de apoio para a
execução destas
atividades e
ao número excessivo de
incumbências de natureza
administrativa. Há referências ainda ao número reduzido de
auxiliares de
enfermagem e, principalmente, de enfermeiras, além da falta
de treinamentos periódicos.
Não obstante as determinantes institucionais, foi identificada uma na própria
profissional que seria o compromisso,
caracterizado por uma postura mais atuante e pela continuidade das ações
prescritas.
Quanto
à falta de consenso sobre as atividades profissionais, vemos que esta categoria
aparece nos depoimentos como
falta de padronização da
metodologia, falta de padronização das atividades
e ausência de protocolos que unifiquem
as condutas
frente aos problemas de saúde.
O
método de trabalho artesanal: metodologia da assistência de enfermagem
enquanto resistência
Para
tornar compreensível a nossa análise,
utilizaremos as atividades
de enfermagem
que constituem
a metodologia
da assistência como subcategorias
de investigação.
Assim, organizamos os
depoimentos conforme
as referências
ao que interpretamos
como histórico, diagnóstico, prescrição e
avaliação do resultado.
Quanto
ao histórico
de enfermagem,
verificamos que
esta atividade aparece em dois depoimentos como visita diária
e exame físico de rotina e
diálogo com o cliente.
Não há referência a
nenhum modelo,
roteiro ou
impresso que possa orientar
e sistematizar a coleta de informações junto ao cliente e, desta forma,
permitir o estabelecimento de uma
relação dialógica
da enfermeira com seu cliente.
O
histórico de enfermagem, mais do que
um impresso,
é um processo organizado e sistemático de coleta de dados para
análise do estado de saúde do cliente, elemento-chave para a execução das demais atividades de enfermagem (IYER et al, 1993).
Por meio
do histórico, a enfermeira inicia e mantém a relação terapêutica
com seu cliente. Os resultados deste estudo revelam entretanto
que o histórico (entrevista
e exame físico) não é realizado plenamente ou então só parcialmente, por
poucos e de forma não-sistematizada.
Mas,
ainda que precariamente, o histórico, ou parte
dele, é realizado tendo em vista que sem ele faltam
subsídios para
quem pretende diagnosticar, prescrever e avaliar.
A passagem
para o modelo artesanal vai
exigir o desenvolvimento desta habilidade uma vez que sem ela não se inicia o
processo de trabalho.
Quanto
ao diagnóstico de enfermagem, cabe
observar que
um único depoimento fez referência ao levantamento
de problemas
do paciente.
No
Brasil, predomina o conceito de Wanda Horta que
considera o diagnóstico como
identificação das
necessidades afetadas e
determinação do
grau de
dependência, mas uma observação não sistematizada permite-nos afirmar
que este modelo não se
mostrou operacional. Na prática,
conforme evidenciado
pelo depoimento colhido
neste estudo, ocorre
o levantamento
de problemas,
de sinais e sintomas, de equipamentos, de procedimentos, entre
outras situações.
O
modelo de diagnóstico, quando utilizado, é
biomédico e busca principalmente identificar a existência
de sinais indesejáveis. Enquanto parte de um processo
artesanal, a utilização do diagnóstico propicia tanto o
desenvolvimento da habilidade intelectual dirigida para um
fazer reflexivo, intencional, quanto do conjunto de
conhecimentos de determinada profissão. Os diagnósticos são constituídos
pelos fenômenos que o profissional deve identificar
e tratar com autonomia e independência.
Quanto
à prescrição de enfermagem, esta foi certamente a mais relacionada uma vez
que a execução de determinados cuidados pode ser compreendida como tal. Assim,
verificamos que os depoimentos fazem referência ao cuidado dos clientes graves,
à administração de quimioterápicos, à orientação e supervisão de
cuidados realizados pelo cliente, à realização de técnicas (punção venosa,
aspiração, etc), a esclarecimentos sobre a doença, aos curativos e ao
atendimento de emergências.
As
prescrições são, tais
como os diagnósticos, parte significativa do conjunto de conhecimento
profissional. No modelo artesanal,
vemos que as prescrições decorrem dos diagnósticos,
principalmente. No contexto onde o embrião
deste modelo de organização do trabalho se desenvolve, vemos que a
prescrição, o fazer enfermagem, aparece com características do taylorismo, ou
seja, com quantidade, mas sem vinculação a uma etapa anterior de
trabalho.
Cabe
observar ainda que pelos depoimentos pudemos
perceber uma preocupação com as ações voltadas para a promoção da
saúde e autocuidado.
Consideramos estes dados altamente positivos e promissores diante de um momento
que nos exige a revisão dos
paradigmas da prática profissional.
Quanto
à avaliação do resultado da assistência,
também conhecida como evolução de enfermagem, verificamos
que os depoimentos fazem
referência apenas
ao registro
das ações executadas.
Não
nos surpreende este fato uma vez que agir em
função de resultados
propostos ou metas não é uma prática muito
comum para nós. Desde a
macro-estrutura até a micro, vivemos um dia
após o outro
sem condições
de antecipar
minimamente o
futuro. As conseqüências de um
viver desta
forma podem
ser facilmente compreendidas
por cada uma de nós.
No
método de trabalho artesanal, a
avaliação do
resultado permite o fechamento do ciclo das atividades e o seu reinício.
O registro das atividades, conforme encontrado por nós neste estudo,
permite uma avaliação
quantitativa, o
que não
deixa de
ser desejável. Mas, uma avaliação qualitativa exige o
estabelecimento de resultados para que se possa proceder as comparações.
As variáveis do método de trabalho (alienado/artesanal)
da enfermeira: medidas de associação.
Uma
vez analisados os depoimentos, as informações
existentes na literatura e tomando sempre
como referência
a tese/antítese apresentada
neste estudo, interessa-nos discutir a magnitude
das determinantes sobre a implementação, ou
não, da
metodologia da assistência.
Assim,
o que
apresentamos com
base nos
depoimentos das enfermeiras
que compõem a nossa amostra é o valor observado
sobre as atividades referentes ao histórico, diagnóstico,
prescrição e avaliação
do resultado; enquanto consideramos no discurso
teórico profissional o valor esperado.
A
razão entre o valor observado e o valor esperado representa a medida de realização
da metodologia da assistência no grupo
de depoentes em relação ao
grupo teórico. Idealmente,
esta razão deveria ser igual a 1 (um). Porém mais
do que um
número, buscamos uma tendência.
A discrepância existente entre o valor observado (prática) e o valor esperado (teoria) fizeram-nos considerar que o discurso sobre a metodologia de enfermagem, enquanto instrumento da nossa produção profissional, tem contribuído para a dissimulação da realidade, constituindo-se, portanto, num discurso ideológico. Assim, representa uma consciência parcial, ilusória e enganadora para fins de dominação de um grupo social (profissional, corporativo) sobre outro (usuários, auxiliares de enfermagem) (COTRIM, 1993).
Caso fosse este discurso, um discurso construído a partir de uma teoria descritiva ou prescritiva, teríamos um valor observado mais próximo do valor esperado. Queremos afirmar que se as atividades de enfermagem que constituem o método de trabalho fossem uma prescrição teórica compreendida pelo grupo executor, alunas professoras e enfermeiras, elas fariam parte do cotidiano profissional, independentemente das condições estruturais.
Como
exemplo, citamos a Medicina. Esperamos
que um médico seja capaz de diagnosticar e tratar doenças
em seres
humanos. Tanto na faculdade,
quanto no
Sistema de
Saúde, ele
deverá realizar uma
anamnese, fazer
o diagnóstico, identificando a
doença, prescrever
e avaliar
o resultado
da terapia.
Estas atividades são ensinadas e treinadas
ao longo da
sua formação acadêmica,
são executadas
no seu cotidiano profissional
e regulamentadas pelas leis profissionais,
em qualquer
lugar do mundo, em qualquer
cultura ou condição. Enfim,
estas atividades são
reconhecidas como
instrumento de
produção pelos
próprios profissionais e pelos usuários.
Para
caracterizar o conteúdo ideológico
do nosso
discurso sobre a metodologia da assistência, observamos que
a sua
lógica desenvolve-se sobre lacunas, omissões, silêncios
e saltos.
Este discurso permanece a revelia da própria realidade vivida pelos que
o disseminam.
Assim,
ocultamos a nossa
fragilidade para
diagnosticar e tratar as
respostas humanas de uma forma autônoma e
independente, ao invés de revelar que não desenvolvemos
estas habilidades
nem nas Escolas, nem nos Serviços. Não revelamos também que nos faltam
condições estruturais para sua implementação. Falseamos
para nós mesmas e para os
nossos clientes a existência de uma ciência
que ainda está para ser teorizada, ao invés de esclarecer que
estamos buscando uma alternativa que não
seja apenas
seguir as
ordens médicas relacionadas ao tratamento da doença. Enfim, escondemos
de nós mesmas as nossas fragilidades para
não descobrirmos
o nosso potencial e sermos
responsabilizadas socialmente por ele.
Nós
nos encontramos firmemente
estabelecidas num
modo de prática
profissional alienado, caracterizado pelo taylorismo, pela fragmentação
das atividades,
enfim, pela
total ausência
de controle sobre o
produto do
nosso exercício
profissional. Entretanto, há
indícios de
um modo
de trabalho
artesanal, caracterizado pela realização
de algumas
atividades, de
forma descontinuada e individual, não
podendo ser
ainda compreendido como um método
de trabalho processual.
Mas,
por que a persistência no taylorismo? Há um tempo
atrás responderíamos a esta questão citando MENZIES (s.d.). Esta
autora, em seu excelente estudo sobre a prática de enfermagem,
apontou a ansiedade e o medo
gerados pela relação enfermeira-paciente
como desencadeantes de
mecanismos de
defesa que,
por sua
vez, cristalizam-se no modo de funcionamento das organizações.
Ainda que concordemos com a autora sobre a natureza estressante do nosso
trabalho, discordamos quanto à afirmação de que este estresse é
a causa do parcelamento do trabalho de enfermagem e
do conseqüente
distanciamento entre enfermeira e cliente.
Com
base nas nossas observações e no estudo de PITTA
(1991), consideramos que é a forma de
organização fragmentada
do nosso trabalho de
enfermagem que conduz a fragmentação do nosso saber
e a destruição do nosso envolvimento afetivo e intelectual
com a nossa clientela, com o
nosso trabalho, tornando a
nossa relação profissional
fria, monótona e apática. PITTA verificou que
quando há condições para o desenvolvimento do modo de trabalho
artesanal, isto é, de
uma forma
de trabalho
não alienada,
acontece a realização do
indivíduo.
Em
síntese, com base no
que foi anteriormente
discutido, consideramos que o método de trabalho da
enfermeira é
alienado, caracterizando-se pelo
exercício de
atividades gerenciais
dirigidas para a implementação da assistência médica.
A execução deste método não
acontece sem conflitos. Os conflitos devem-se
à falta de consenso sobre as atividades básicas
da profissão
e à mudança
de paradigma (biomédico
x holismo) e modelo institucional (Sistema Único de Saúde - SUS).
Conforme
observam AGUIAR; SANDOVAL (1993), as
situações de passagem de
um paradigma
(visão de
mundo partilhada
por uma comunidade científica
e expressa por meio do trabalho teórico)
a outro não são fáceis e envolvem
principalmente uma
mudança de mentalidade,
mais do
que raciocínio
rigoroso ou
experiência.
Assim,
passar do modelo taylorista para o modelo artesanal de produção de enfermagem
implica numa
mudança de
mentalidade no sentido de
privilegiar as atividades de diagnóstico, prescrição e avaliação do
resultado que
propiciam a
relação terapêutica
enfermeira-cliente, enquanto que a municipalização do Sistema de Saúde
implica numa mudança no modelo de atendimento,
visando uma relação
interativa.
Considerações
Finais
Apontar
os impasses
e as
perspectivas na
utilização da metodologia
da assistência de enfermagem implica em analisar
este momento histórico que vivemos.
Estamos na
virada do
milênio, vivendo fenômenos que acontecem mais rapidamente do que
conseguimos elaborar.
Estes
fenômenos estão mostrando a necessidade de mudanças
no sentido do holismo, da Atenção Primária em
Saúde, do
pensamento crítico, da liberdade e da solidariedade humana. A sociedade
está exigindo de nós,
enfermeiras, estratégias para
superar a
compartimentalização da
pessoa, para
promover a
Saúde, para combater
a miséria
intelectual e
para propiciar
o encontro terapêutico com
a nossa clientela.
A
metodologia da assistência de enfermagem: impasses
Quanto
aos impasses a serem superados, as
enfermeiras que colaboraram
neste estudo
com seus
depoimentos apontaram
principalmente a
falta de
recursos humanos
e de recursos materiais.
Esses
e outros impasses poderiam ser arrolados e, provavelmente, concordaríamos com
todos eles. Mas, destacamos para nossa reflexão, diante do que discutimos até
o momento, o discurso ideológico sobre a metodologia da assistência de
enfermagem. Este, no nosso entendimento, constitui o principal impeditivo tanto
da utilização da metodologia da assistência
quanto da
sua rejeição como forma de organização do trabalho.
A
falta de coerência e congruência entre o nosso discurso e a nossa prática não
nos têm
permitido avançar
na definição
das atividades que realmente constituem,
ou devem
constituir, a nossa prática
profissional.
A
metodologia da assistência de enfermagem: perspectivas
O
contexto internacional, seja pelo projeto
coordenado pelo ICN, seja
pela proposição da Organização Mundial de Saúde de Saúde para Todos,
mostra-nos o caminho das atividades
de enfermagem enquanto uma
forma de Ser, Saber e Fazer Enfermagem.
O
Projeto sobre Classificação Internacional da Prática
de Enfermagem denunciou para nós que há muito
a ser construído
se quisermos nos firmar definitivamente enquanto profissão. E nós não
temos o direito de negar às pessoas do futuro o direito
de serem enfermeiras ou de serem cuidadas por enfermeiras.
Mas,
para que este conhecimento seja construído
e possamos alcançar a nossa
finalidade social, garantindo que a Saúde seja um direito de todos e um dever
do Estado, faz-se necessário
remover dificuldades conjunturais, assim como
operacionalizar ações
que traduzam em
práticas institucionais
(escolas e
serviços) as atividades
constituintes do método de trabalho artesanal,
visando a promoção da saúde da clientela.
Neste
sentido, vemos que no Brasil a implantação e/ou implementação eficaz do
Sistema Único de Saúde - SUS favorece a implantação/implementação das
atividades de enfermagem, pois o modelo assistencial preconizado pelo SUS deve
garantir os princípios de integralidade, universalização,
eqüidade da assistência e controle social da população (BARROS;
SILVA, 1990; MOURAO, 1993).
Um
outro aspecto que merece destaque entre as perspectivas é o engajamento da
Associação Brasileira de Enfermagem
- ABEn no projeto do ICN. Esperamos
que doravante a ABEn promova com regularidade as discussões
sobre o tema e crie uma Comissão com o fim específico de coordenar estudos e
atividades nesta área.
Merece
destaque ainda o novo currículo mínimo de
enfermagem. Este
currículo oferece uma oportunidade para a discussão dos paradigmas e
modelos de nossa prática. Sugerimos inclusive que as discussões
em torno da sua
implementação considerem as estratégias necessárias para o
desenvolvimento das atividades de enfermagem nas diversas disciplinas e cenários
de atuação, explicitando o modelo
adotado para diagnóstico de enfermagem, principalmente.
As
perspectivas dadas pelo contexto sociopolítico parecem-nos favoráveis às
atividades de enfermagem dentro de um
modelo processual, tendo em vista as profundas
necessidades de saúde da nossa população. Resta-nos a opção de
atender ou recusar este anseio e direito da sociedade.
Se
optarmos pelo atendimento e assumirmos o modelo
artesanal de produção, será necessário re-ver nosso conhecimento
(histórico e diagnóstico) e prática atual
(prescrição e avaliação) para indivíduos, famílias e comunidades,
tanto sadios quanto doentes.
Será
preciso também re-fazer ou re-organizar nossos conhecimentos. Re-ensinar e
re-aprender, assim como re-pensar estratégias para a realização das
atividades com qualidade e baixo custo (consulta de enfermagem, visita pré e pós-operatória,
históricos auto-aplicados, entre
outras) pois
as dificuldades conjunturais
do taylorismo continuarão existindo e resistindo.
Caso optemos pela permanência no modelo taylorista, contrário a filosofia holística e do SUS, poderemos, em breve tempo, deixar definitivamente a assistência direta para os auxiliares, técnicos e agentes de saúde e nos tornarmos, finalmente, gerentes de unidades de saúde. Neste dia, deixaremos para outros a Enfermagem e abraçaremos a administração de empresas.
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Note: This
lecture was presented at the X Enf Nordeste, Salvador, Brazil, 1994