PRÁTICA AVANÇADA
Interconexão entre saúde planetária e resposta ao HIV/aids: uma reflexão sob a ótica do pensamento complexo
Camila Moraes Garollo Piran1, Alana Vitória Escritori Cargnin1, Cristiane de Azevedo Druciak1, Marcela Demitto Furtado1, Mayckel da Silva Barreto1
1Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil
RESUMO
Objetivo: Refletir sobre os pontos de interconexão entre saúde planetária e a resposta do mundo ao HIV/aids sob a ótica do pensamento complexo. Método: Trata-se de ensaio teórico do tipo reflexivo, ancorado no pensamento complexo proposto por Morin e na literatura atual e pertinente sobre saúde planetária e HIV/aids. Resultados: Considerando que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável se interconectam com as atuais discussões sobre a saúde planetária, a reflexão foi tecida a partir dos cinco Ps (isto é, pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias), os quais tem refletido na resposta do HIV/aids entre as diferentes nações. Conclusão: As reflexões incitam alguns pontos importantes que envolvem a saúde planetária e o acesso e a adesão ao tratamento, com a finalidade de controlar e erradicar o HIV/aids até 2030. O cuidar da saúde planetária representará o cuidado com todos os seres humanos, em especial aqueles com maior vulnerabilidade, como pessoas vivendo com HIV/aids.
Descritores: HIV; Síndrome de Imunodeficiência Adquirida; Saúde Ambiental; Saúde Global; Soropositividade para HIV.
INTRODUÇÃO
A discussão acerca do conceito de saúde planetária é crescente. Ela é entendida como um paradigma emergente, um movimento social e um campo do conhecimento transdisciplinar que busca compreender e intervir nos problemas relativos aos impactos nas vidas e na saúde das alterações nos sistemas naturais da Terra. Dessa forma, tem sido possível identificar e reconhecer que as ações humanas, regidas sob as regras do capitalismo, têm afetado a saúde dos ecossistemas terrestres, bem como a saúde humana. Por outro lado, a partir da ótica da saúde planetária, há também a possibilidade de se planejar estratégias que busquem prevenir os riscos e mitigar as consequências danosas tanto para a humanidade como para os sistemas naturais do planeta(1).
Também preocupada com o desenvolvimento sustentável das sociedades, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou há quase uma década os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). Estes objetivos apresentam um conjunto de metas estabelecidas a fim de reduzir as consequências atreladas às desigualdades socioeconômicas e às mudanças climáticas, ampliar a busca pela igualdade, saúde, justiça e bem-estar, assim como potencializar a produção e o consumo de fontes de energia renováveis(2).
Ao considerar as populações mais vulneráveis, é preciso ponderar que elas são afetadas desproporcionalmente pelas mudanças que ocorrem no planeta, em comparação aos grupos não vulneráveis. Estudos recentes apontam que as mudanças climáticas são sentidas mais fortemente por pessoas em condições de pobreza e que vivem em países em desenvolvimento ou nas periferias dos países desenvolvidos(3-4).
Portanto, esse contexto geográfico, socioeconômico e educacional deve constituir uma preocupação fundamental da saúde planetária. Inclusive, os países da 27ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP27) concordaram em criar um fundo monetário para ajudar os países mais pobres a responder às perdas e danos relacionados à crise climática e outras iniquidades(5). Isso porque as desigualdades econômicas, sociais, políticas e de saúde, produzidas pelo sistema capitalista e neoliberal de produção e consumo no âmbito local e global, podem exacerbar ainda mais as vulnerabilidades sociais, econômicas e sanitárias, tornando algumas pessoas menos capazes de ter acesso aos serviços de saúde e de aderir a estratégias de prevenção e tratamento do que outras(6).
As pessoas que vivem com HIV/aids são consideradas vulneráveis, uma vez que a infecção pelo HIV e o desenvolvimento da aids se relacionam com condições precárias de moradia, menor nível educacional, menor renda, situações de violência, entre outras. Em um círculo vicioso, tais situações afetam diretamente a resposta ao HIV/aids, uma vez que essas características também implicam no acesso e na adesão ao tratamento dessas pessoas(7-8).
Isso posto, reconhecendo que existem impactos das condições climáticas associados a menores ingressos econômicos e insegurança alimentar e hídrica – por consequência de chuvas irregulares, eutrofização de rios e seca –, as pessoas que, em muitos casos, necessitam imigrar ou refugiar-se têm enfrentado, em diversas partes do planeta, desafios referentes a perdas de suas casas, trabalho e do meio de subsistência. Esse complexo contexto tem concorrido para prejudicar as tentativas globais de lidar com a prevenção da infecção pelo HIV e com a adesão à terapia antirretroviral (TARV), a qual tem sido afetada diretamente(8).
Para promover a saúde planetária e alcançar os ODS relacionados ao controle e tratamento do HIV/aids, o engajamento dos profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, é crucial nos dias de hoje. Eles precisam se familiarizar com esses conceitos e estruturas para ampliar o alcance das metas de um planeta mais saudável e sustentável, capaz de atender às necessidades das pessoas mais vulneráveis(9). Isso é fundamental porque, devido às mudanças climáticas, antigos flagelos como malária, poliomielite, tuberculose, gripe e peste, além do próprio HIV/aids, que foram controlados na maioria das regiões, poderiam ressurgir com maior virulência e capacidade de disseminação. Isso ocorreria em um contexto de insegurança hídrica e alimentar, de conflito e, provavelmente, de totalitarismo em áreas que ainda têm ordem(10).
Além disso, é importante considerar as influências que as pessoas que vivem com HIV/aids recebem, as quais podem atuar de forma isolada ou não, aumentando suas vulnerabilidades(11). As condições de vulnerabilidade envolvem questões psicossociais que causam danos físicos e emocionais, resultando em maiores riscos à saúde. Portanto, a detecção precoce do HIV e a prevenção de doenças oportunistas são estratégias essenciais no cuidado(12), para que as pessoas que vivem com HIV/aids tenham acesso aos serviços de saúde, realizem adequadamente o tratamento e tenham qualidade de vida. Assim, o pensamento complexo deve conduzir e ampliar o entendimento sobre os problemas, interligando-os, contextualizando-os e contribuindo para a capacidade de enfrentamento das incertezas que permeiam o fenômeno do tratamento do HIV/aids, interconectado pelos reflexos antropogênicos na saúde planetária(11).
Portanto, o presente estudo tem como objetivo refletir sobre os pontos de interconexão entre a saúde planetária e a resposta global ao HIV/aids, sob a perspectiva do pensamento complexo.
MÉTODO
Trata-se de um ensaio teórico do tipo reflexivo originário dos estudos e das discussões realizados no âmbito da disciplina de pós-graduação intitulada Salud planetaria y salud global: retos y afrontamientos actuales, oferecida em língua espanhola no 2º semestre de 2022 do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Estadual de Maringá (PSE/UEM). Além disso, os estudos da autora principal, vinculados à sua dissertação apresentada ao PSE/UEM no ano de 2021, subsidiam este estudo de reflexão. A ancoragem do texto está na teoria do pensamento complexo, proposta por Edgar Morin(11), e na literatura atual e pertinente sobre a saúde planetária e o HIV/aids.
Buscas foram conduzidas nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) via Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Banco de Dados em Enfermagem (BDENF) e PUBMED/MEDLINE utilizando os descritores “HIV”, “Síndrome de Imunodeficiência Adquirida”, “Mudanças Climáticas”, “Saúde Ambiental” e “Saúde Global” usando os operadores booleanos “AND” e “OR”. Tal busca foi importante para que os autores identificassem os textos mais relevantes e assim pudessem teorizar sobre o objeto.
A busca ocorreu em novembro de 2022 e limitou-se a textos em português, inglês e espanhol, levando em conta a fluência dos pesquisadores nessas línguas. Somente os textos publicados a partir de 2015, ano em que surgiu na literatura científica o termo “saúde planetária” e em que foram publicados os ODS pela ONU, foram incorporados para leitura e análise. O foco procurado nesses textos era a descrição de como as mudanças climáticas antropogênicas tem afetado o enfrentamento do HIV/aids no mundo. Uma busca manual para ampliar o alcance dos estudos selecionados foi realizada, o que permitiu adicionar textos relevantes que contribuíram para a discussão teórica e que não haviam sido identificados no levantamento anteriormente realizado nas bases de dados.
Após a identificação e leitura atentiva dos textos por parte dos autores, entendeu-se que havia a necessidade de reformar o pensamento corrente e repensar como as pessoas vivendo com HIV/aids têm acesso aos serviços de saúde para tratamento da doença. Isso se aplica especialmente porque a Agenda de 2030 para o Desenvolvimento Sustentável previu a ocorrência de inúmeras situações complexas decorrentes do cenário atual que o mundo está enfrentando. Dessa forma, tem-se a necessidade de ações globais de forma coletiva para o progresso dos ODS em uma resposta multissetorial ao HIV/aids(13).
Visto que a realidade está em constante transformação e evolução(11) e que a saúde planetária pode ter reflexo na resposta do HIV/aids, mas também em toda a sociedade, surgem alguns questionamentos que direcionam a presente reflexão:
Qual a repercussão das mudanças climáticas antropogênicas ocorridas na saúde planetária que interferem na resposta ao HIV/aids por parte das distintas nações?
Quais pensamentos incitam mudanças na forma de fazer a gestão do acesso e da adesão ao tratamento para o HIV/aids que levem em direção às metas compartilhadas para 2030?
A organização e a apresentação das reflexões formuladas ocorreram na forma de eixos condutores, interconectando os pressupostos da saúde planetária e dos ODS, advindos da interpretação da literatura científica, bem como dos insights reflexivos dos autores.
RESULTADOS
Com base na construção teórica sobre o pensar reflexivo foram abordados cinco eixos condutores por meio dos cinco Ps dos ODS (pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias), os quais podem refletir na resposta do HIV/aids entre os sistemas de saúde pública.
Pessoas
A complexidade do viver com HIV/aids e a forma que a sociedade tem interferido na vida das pessoas(11) podem ser problemas na saúde do indivíduo, uma vez que cada pessoa está inserida em uma realidade diferente. Situações de pobreza, que tem sido intensificadas em distintas regiões do planeta em decorrência das mudanças climáticas(3), tem aumentado a vulnerabilidade à infecção por HIV. Isso porque as desigualdades socioeconômicas comprometem a capacidade das pessoas em prevenir a infecção ou postergar/minimizar os impactos da aids(14). Os indivíduos e seus familiares afetados pelo HIV/aids são mais suscetíveis a cair e a permanecer na pobreza por conta da vulnerabilidade do local onde estão inseridos. Com isso, há maiores chances de abandonar o tratamento(15-16).
Dessa forma, o poder público precisa desenvolver estratégias que promovam a proteção social e o empoderamento econômico desses indivíduos e, ao mesmo tempo, implementar ações que mitiguem a deterioração dos ecossistemas terrestres, freando as mudanças climáticas. Isso ajudaria a reduzir a vulnerabilidade de grupos já altamente vulneráveis à pobreza e ao HIV, com o objetivo de auxiliar as pessoas que vivem com HIV a se manterem saudáveis.
Quando se trata de pobreza e mudanças climáticas, também é necessário lidar com a questão da insegurança alimentar, que pode resultar em fome e desidratação, levando as pessoas a comportamentos de risco em saúde. Isso pode se refletir na baixa adesão ao tratamento antirretroviral (TARV) e na progressão da aids. Quando as pessoas estão em estado avançado de aids, seu sistema imunológico fica muito debilitado, o que pode levá-las ao desemprego e à falta de recursos financeiros, contribuindo para a insegurança alimentar e afetando seu estado nutricional(13). Esses fatores influenciam o seguimento das pessoas que vivem com HIV/aids.
Portanto, ao investigar a correlação entre a saúde da civilização humana e a saúde dos sistemas naturais, é importante ressaltar que sistemas de apoio nutricional e hídrico para pessoas vivendo com HIV e seus familiares, especialmente em regiões que já sofrem com secas prolongadas devido às mudanças climáticas, e serviços de saúde que ofereçam apoio, podem ter um impacto positivo nos resultados de saúde dessas pessoas.
Além disso, o aumento do risco de infecção por HIV tem afetado desproporcionalmente mulheres e meninas devido às desigualdades de gênero, violência e discriminação(13). Dessa forma, programas educativos podem auxiliar na redução da violência perpetrada por homens e no empoderamento das mulheres(13). No entanto, é necessário integrar serviços de HIV baseados em direitos com os serviços de saúde sexual e reprodutiva. Além disso, quando enfrentam desigualdades de gênero, violência e discriminação, as mulheres podem interromper o tratamento e sofrer consequências negativas por suas ações, as quais são influenciadas pelas ações da sociedade como um todo.
Planeta
O pensamento complexo possibilita a reflexão e a compreensão acerca dos efeitos deletérios, e ainda em certa medida incertos, da ação humana no meio ambiente, bem como o reflexo de tal ação do indivíduo na sua saúde e na saúde global e planetária(11). No mundo, há uma grande diversidade de territórios e pessoas, sendo que aquelas mais desfavorecidas têm enfrentado crises hídricas e de saneamento, considerando as repercussões das alterações climáticas, como a seca(8). Não há espaço para dúvidas de que as mudanças climáticas estão diretamente e indiretamente relacionadas à saúde humana, inclusive por meio do acesso aos cuidados e ao tratamento(8).
Dessa forma, as intervenções dos gestores para melhorar a saúde e o bem-estar das pessoas que vivem com HIV devem adotar uma abordagem sistêmica para melhorar a saúde do planeta de forma geral, garantindo a disponibilidade sustentável de água e saneamento para todos, além de adotar medidas urgentes para minimizar e combater as alterações climáticas e seus impactos. Sabe-se que as pessoas em maior vulnerabilidade social têm sofrido um impacto mais forte das ações e das interações da sociedade, as quais podem culminar na não adesão à TARV(8).
Tem-se notado que o HIV vem afetando especialmente cidades e áreas urbanas, e no mundo, mais de um quarto das pessoas vivem com HIV. Ao considerarmos a rápida urbanização, as pessoas que residem em comunidades mais pobres são mais suscetíveis a serem infectadas pelo HIV, representando taxas mais elevadas quando comparadas ao restante da cidade(13). Assim, torna-se necessário investir em cidades inteligentes e comunidades mais sustentáveis que tenham apoio para a transformação social, consequentemente, fortalecendo sistemas sociais e de saúde para alcançar as populações marginalizadas que não acessam as estratégias de prevenção, cuidados e tratamentos tanto do HIV quanto de outras doenças.
Diante disso, surge uma importante reflexão acerca da série de problemas que afetam o destino humano. Nesse sentido, é possível compreender que os problemas essenciais dos seres humanos estão inseridos em determinados contextos loco-regionais, mas que, ao mesmo tempo, são interligados e tornam-se globalizados por conta dos problemas globais como desmatamento, mudanças climáticas, poluição do ar e da água, entre outros. Isso traz a perspectiva abrangente e holística de interconexão existente entre as diferentes pessoas e seus contextos e permite dialogar sobre um mundo incerto, mas que consegue encontrar meios para enfrentar as incertezas dos efeitos sobre a saúde planetária e sobre a saúde humana de forma particular(11).
Prosperidade
Para haver prosperidade, é necessário que as pessoas de modo geral tenham uma perspectiva de educação planetária, a fim de que haja mobilização dos saberes capazes de promover a interação dos seres humanos com os problemas particulares de seu cotidiano e também com aqueles de ordem global. De fato, é preciso ir e vir entre certezas e incertezas, entre o elementar/particular e o global/planetário, e entre o inseparável e o separável. Nesse ínterim, é necessário reconhecer a comunidade global, a condição das pessoas, os valores humanos, os problemas e desafios passados, presentes e futuros do mundo atual(11).
Assim, há necessidade de proporcionar às pessoas que vivem com HIV/aids a possibilidade de desenvolvimento pessoal e profissional, oferecendo a elas ambientes de trabalho seguros e protegidos. Além disso, deve-se facilitar o acesso a serviços de saúde especializados e assegurar um acompanhamento de qualidade à pessoa que vive com o HIV. Especial atenção deve ser oferecida a trabalhadores informais, refugiados e imigrantes sem documentação e trabalhadores do sexo, decorrente das vulnerabilidades ampliadas que eles apresentam. Importante salientar que pessoas vivendo com HIV vivenciam taxas de desemprego três vezes maiores que outros(13). Dessa forma, abordar o HIV no setor do trabalho e proteger os direitos trabalhistas poderá garantir que as pessoas vivendo com HIV e afetadas pelo vírus desfrutem de emprego, o que auferirá renda e aumentará as possibilidades de acesso a melhor educação, alimentação, moradia, além de proporcionar também melhor acesso ao tratamento(13).
Portanto, se houver uma oferta de trabalho digno com suscetibilidade de crescimento econômico, haverá redução de desigualdades de renda. Nesse ponto, é importante destacar que a saúde planetária, mesmo que se preocupe com os impactos que os seres humanos têm produzido nos ecossistemas terrestres a partir do uso desenfreado e da exploração dos recursos naturais, também entende que o crescimento econômico dos países é relevante para o desenvolvimento social e, por isso, deve ser feito de forma sustentável. Faz-se esse destaque porque é sabido que a desigualdade de renda está ligada a maiores casos de HIV, assim a infecção afeta comunidades vulneráveis de forma mais grave, além desses terem menor acesso a cuidados de saúde e habitação(13). Assim, a proteção contra discriminação, alfabetização, letramento em saúde e acesso à justiça podem promover a prosperidade e capacitar as pessoas a reivindicar seus direitos e melhorar o acesso aos serviços de atendimento.
Salienta-se que as pessoas que vivem com HIV/aids, quando acompanhadas adequadamente pelos serviços de saúde e apresentando elevadas taxas de adesão ao tratamento, possuem plenas condições de seguir apoiando as economias locais. Sendo assim, torna-se crucial proporcionar acesso ao tratamento para todas as pessoas, o que irá proporcionar maior qualidade de vida, além de promover a prosperidade individual, refletindo na prosperidade social.
Paz
As mudanças climáticas antropogênicas e suas consequências têm aumentado o número de conflitos armados e o clima de tensão em diversas regiões do planeta que já sofrem com a falta de água e alimento(3,8). Além disso, tem se notado que a epidemia do HIV/aids é permeada por exclusão, estigma, discriminação e violência, sendo que tais fatores influenciam na continuidade do tratamento(13).
Nesse aspecto, é importante destacar que ao se estabelecer a paz, é possível promover sociedades mais pacíficas, inclusivas e proporcionar acesso aos direitos para todos(2). Assim, para responder ao HIV, é necessário acesso à justiça e mecanismos de responsabilização centrados nas pessoas pela saúde e desenvolvimento sustentável(13).
Diante disso, a busca por mudanças que amplifiquem a paz, inclusive a partir de medidas que diminuam o aquecimento global, seria mais que uma reforma ou uma revolução; seria uma metamorfose na forma de pensar da humanidade e o consumo(11). Ao considerar que o eixo da paz é importante para a manutenção do tratamento das pessoas que vivem com HIV/aids, então deveria haver um compromisso global que buscasse melhorar as condições de vida no âmbito planetário.
Parcerias
As estratégias para responder aos atuais problemas globais que afetam o desfecho das pessoas que vivem com HIV não são apenas técnicas, pois necessita-se de uma reforma do modo de pensar para englobar a relação sociedade/natureza em sua complexidade e as demandas da sociedade(11). Estabelecer parcerias entre os países e meios de implementação conjunta de ações coletivas globais para ofertar e melhorar a condição de vida e saúde de pessoas em regiões afetadas pelas mudanças climáticas, em zonas de maior vulnerabilidade para a infecção pelo HIV e desenvolvimento da aids e os esforços para garantir assistência em saúde de qualidade e acessível às pessoas vivendo com HIV/aids, incluindo antirretrovirais, podem beneficiar o contexto de saúde e equidade entre as diferentes nações, sendo esses aspectos essenciais para o controle e erradicação da epidemia(13).
A complexidade desses problemas que permeiam o acesso ao diagnóstico precoce e tratamento do HIV abre uma oportunidade para articular o conhecimento de múltiplas relações, interdependências e causalidades que perpassam o biológico, cultural, econômico e social(11). Nesse sentido, parcerias globais que busquem diminuir as discrepâncias entre nações no que tange ao acompanhamento do HIV/aids em seus contextos loco-regionais e, ao mesmo tempo, promovam discussões amplas e propositivas de resoluções para os problemas da saúde planetária são salutares e merecem destaque no cenário da ciência e da gestão.
DISCUSSÃO
O estudo tem como limitação a pouca produção científica na área do enfrentamento do HIV/aids em associação com a saúde planetária. Isso fez com que a reflexão apresentada esteja permeada pela análise dos autores, que buscaram cotejar a parca literatura existente com o referencial do pensamento complexo. No entanto, ainda assim, permite a reflexão de possíveis estratégias com vistas ao manejo da problemática do acesso e da adesão ao tratamento do HIV/aids num contexto em que diferentes partes do planeta vêm sofrendo com as consequências das mudanças climáticas e amplificação de vulnerabilidades. Novas pesquisas são necessárias para compreensão das nuances do campo científico do tratamento do HIV, do espaço social e das condições geopolíticas.
O mundo contemporâneo é bastante complexo, pois envolve globalização, guerras, mudanças climáticas antropogênicas, pandemias, crises migratórias, entre outros aspectos, os quais desafiam os profissionais de saúde, incluindo a enfermagem. Ao ponderar-se especificamente o caso das pessoas que vivem com HIV/aids e que necessitam de tratamento, os enfermeiros devem sustentar suas práticas a partir dos ODS e do entendimento dos conceitos que envolvem a saúde planetária. De fato, para se pensar no controle e erradicação da epidemia do HIV/aids é necessário abordar os determinantes de saúde e vulnerabilidade, como também as necessidades holísticas das pessoas vivendo com HIV/aids que apresentam risco de descontinuidade do tratamento. Esse cenário tem-se mostrado mais complexo em regiões que já sofrem com as consequências das mudanças climáticas.
As lições aprendidas na resposta multissetorial e internacional ao HIV/aids são essenciais para o progresso do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, surge o ser dialógico, que combate e contempla os enfrentamentos na saúde planetária. Sob a ótica complexa, envolve o repensar, as reflexões e os pensamentos que não se isolam do contexto planetário, mas situam as pessoas em tratamento de HIV com reconhecimento das especificidades de cada um de acordo com a realidade em que estão inseridos. Assim, a partir deste ensaio reflexivo, os enfermeiros serão instigados a pensar em sua prática assistencial frente a esse público de uma forma diferenciada do convencional, alinhando-se aos ODS.
CONCLUSÃO
As reflexões tecidas incitam alguns pontos importantes que envolvem a saúde planetária e o acesso e a adesão ao tratamento para controlar e erradicar o HIV/aids até 2030. O cuidar da saúde planetária representará o cuidado com todos os seres humanos e não-humanos, mas em especial aqueles com maior vulnerabilidade, como pessoas vivendo com HIV/aids. Diante disso, nota-se a importância de (re)pensar nas práticas individuais cotidianas relacionadas ao HIV/aids, ponderando as condutas de cada indivíduo, juntamente com os múltiplos aspectos sociais, educacionais, culturais e ambientais envolvidos em um mundo marcado pelas paulatinas e constantes mudanças climáticas antropogênicas.
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
FINANCIAMENTO
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
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Submissão: 30-Ago-2023
Aprovado: 22-Fev-2024
Concepção do projeto: Piran CMG, Cargnin AVE, Druciak C de A, Furtado MD, Barreto M da S Obtenção de dados: Piran CMG, Cargnin AVE, Druciak C de A, Furtado MD, Barreto M da S Análise e interpretação dos dados: Piran CMG, Cargnin AVE, Druciak C de A, Furtado MD, Barreto M da S Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Piran CMG, Cargnin AVE, Druciak C de A, Furtado MD, Barreto M da S Aprovação final do texto a ser publicada: Piran CMG, Cargnin AVE, Druciak C de A, Furtado MD, Barreto M da S Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Piran CMG, Cargnin AVE, Druciak C de A, Furtado MD, Barreto M da S |