Hidden features of the emerging sexuality of older adults: a phenomenological study

Faces ocultas e o emergir da sexualidade na terceira idade: um estudo fenomenológico·

Marcos Augusto Moraes Arcoverde1; Liliana Maria Labronici2

1 - Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Foz do Iguaçu, Brazil; 2 - Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brazil.

 Abstract: Sexuality is a part of the human dimension that comes along with the living body throughout their existential trajectory, the reason because the individual do not west it in time, than it can be experienced in early age. From that concept it was developed a phenomenological study of nature which aimed to understand how the elderly understand and live their sexuality, being held in the period of January to July 2006, with ten senior citizens between 61 and 83 years old, who live in city of Curitiba (Brasil). The objective was to perceive as the aged one understands and lives its sexuality. The data of the study were obtained using a semi-structured interview recorded by digital media. The process of the analysis of speeches followed the moments of the phenomenological description trajectory: description, reduction and phenomenological understanding. From this study three themes emerged. This article describes only the theme "Hidden Faces and the emerging sexuality". We note that this research allowed us to realize how the elderly people perceive and experience their sexuality, and also it provided an opportunity to understand the importance of companionship, socialization and recreational activities as a vehicle of expression for sexuality. The way the aged ones perceive and live your sexuality goes beyond the biological vision. They recognize that, independent of the physiological alterations and marks of the time during the aging process, the manifestation of the sexuality elapses the desire stored in its being and their crosses proper relations.

 Word-key: Sexuality, Aging, Aged.

 Resumo: A sexualidade, parte da dimensão humana, acompanha o corpo vivente durante toda a sua trajetória existencial, motivo pelo qual não se perde no tempo e pode ser vivenciada na mais tenra idade. A partir dessa concepção, foi desenvolvida uma pesquisa fenomenológica de janeiro a julho de 2006 com dez idosos residentes na cidade de Curitiba (Brasil). O objetivo foi perceber como o idoso entende e vive a sua sexualidade. Os discursos foram obtidos mediante entrevista semi-estruturada gravada por meio digital e a análise seguiu os momentos da trajetória fenomenológica: descrição, redução e compreensão fenomenológica. Surgiram três temas dos quais será abordado “Faces ocultas e o emergir da sexualidade”. Este estudo possibilitou compreender a importância do companheirismo, da socialização, das atividades lúdicas como veículo da expressão da sexualidade do idoso. Destarte, a maneira como os idosos percebem e vivenciam sua sexualidade transcende a visão biológica e enriquecem seu aqui e agora. Reconhecem que, independente das alterações fisiológicas e marcas tatuadas pelo tempo em seus corpos durante o processo de envelhecimento, a manifestação da sexualidade decorre do desejo armazenado em seu ser e que permeia as próprias relações.

 Palavras-chave: Sexualidade, Envelhecimento, Idoso.

 INTRODUÇÃO

A sexualidade é a dimensão humana que está presente em toda a trajetória existencial; não se perde no tempo e pode ser vivenciada de diferentes maneiras em cada momento vivido. O seu exercício possibilita diversas formas de manifestação da corporeidade, isto é, da expressão do corpo, que nos faz existir e tomar consciência de si, do outro e do mundo. Assim, não se restringe apenas à relação sexual, ou seja, à visão biológica reprodutiva, mas envolve todos os sentidos e, portanto, abrange um conjunto de experiências, emoções e sentimentos que emergem do corpo vivente. Desse modo, podemos compreendê-la de forma afetiva, sentimental e relacional respeitando o corpo e as peculiaridades de cada fase vivida1; ela é o poder geral que a pessoa tem de “aderir a diferentes ambientes, de fixar-se por diferentes experiências” e que possibilita o homem construir a sua história2.

O corpo é o concreto da existência, é o veículo do ser no mundo; é a janela que se abre para o mundo, através da qual percebemos e interagimos. A interação possibilita a expressão do corpo, isto é, da corporeidade. Essa é a essência expressa pelo corpo que vê e é visto, toca e é tocado, sente e é sentido porque é objeto sensível3. Ele é o primeiro e único lugar da experiência humana, é o conjunto de significações experienciadas durante a trajetória existencial que passam a fazer parte do nosso ser, da nossa bagagem cultural e histórica e que fazem do corpo “memória”, memória que guarda, retrata e conta história4.

Cabe salientar que, durante o processo de envelhecimento, as mudanças fisiológicas são marcas tatuadas que desenham este corpo por toda a trajetória vivida. Assim, é um processo que se inicia ao nascer e só será interrompido ao morrer.

Conforme o exposto, o objetivo deste estudo foi “Perceber como o idoso entende e vive a sua sexualidade”.

METODOLOGIA 

Trata-se de uma pesquisa fenomenológica fundamentada nos conceitos de percepção, corpo e corporeidade de Maurice Merleau-Ponty. Para o autor, a percepção se constitui pedra angular para compreensão da realidade, uma vez que nos permite captar e descrever os fenômenos tais quais se apresentam à consciência3. A opção pela fenomenologia justifica-se pelo fato de possibilitar o estudo de situações que emergem da existência humana5.

A pesquisa foi realizada de janeiro a julho de 2006 após sua aprovação pelo Comitê de Ética do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (CAAE n° 216 SM 091.05.10).

Os atores que dela fizeram parte foram 10 idosos com idade entre 61 a 83 anos, católicos e evangélicos, pertencentes ao sexo feminino e masculino de diferentes condições de estado civil e residentes em Curitiba. O convite para que participassem voluntariamente da pesquisa foi feito individualmente e por contato telefônico, ocasião em que foi agendado o dia, a hora e o local para a realização da entrevista, leitura, esclarecimentos e assinatura em duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram assegurados o sigilo e o anonimato das informações.

Os discursos foram obtidos mediante entrevista semi-estruturada gravada por meio digital que foram provocadas por duas questões: Fale-me sobre o como você vive a sua sexualidade; O que você entende por sexualidade. Após sua obtenção as entrevistas semi-estruturadas foram transcritas na íntegra e devolvidas para cada um dos atores a fim de que tomassem ciência do conteúdo e autorizassem sua divulgação. O anonimato foi garantido mediante a utilização da abreviatura M de masculino e F de feminino, seguidos por numeral romano.

A análise dos discursos seguiu os momentos da trajetória fenomenológica proposta por Martins6: descrição, redução e compreensão fenomenológica.

A descrição nada mais é que a exposição de um fenômeno vivenciado por meio da linguagem e que assume a forma de texto a espera de análise, interpretação e compreensão, visa à busca da essência e da sua transcendência. No momento da descrição o pesquisador se envolve com três elementos: a percepção, a consciência e o sujeito. Ela apresenta-se como ponto fundamental do método fenomenológico, uma vez que é a forma de ir às coisas mesmas6.

A redução fenomenológica “se constitui na relação de um objeto com a consciência que dá sentido à existência do mesmo”. Para tanto, o fenômeno é reduzido a tal relação para melhor compreender sua essência, com isso é permitido que a experiência do corpo vivente seja dada ao que é “autenticamente manifesto”. A redução passa pelo ato de refletir sobre as partes da experiência que parecem possuir significados ao pesquisador 6:61.

O último momento da análise é a compreensão fenomenológica, quando é necessário assumir o resultado da redução como um conjunto de asserções significativas para o pesquisador, mas que apontam para a experiência do corpo vivido. Esse conjunto de asserções é denominado de unidades de significados6. Após a categorização na linguagem pura do sujeito é feito um trabalho intersubjetivo, ou seja, transforma-se a expressão do corpo vivido em expressão própria do pesquisador. A última etapa se constitui uma síntese das unidades de significados pelo pesquisador mediante um processo de compreensão e que possibilitou a identificação de três temas ou unidades temáticas. Desses, será abordado o tema Faces ocultas e o emergir da sexualidade.

 ANÁLISE DOS DISCURSOS

 Recentemente, em 2002, a Organização Mundial de Saúde estabeleceu o conceito de envelhecimento ativo para designar o processo de envelhecer mantendo a capacidade funcional e a autonomia, ampliando assim, o entendimento de saúde para essa faixa etária7.

Visto dessa forma, “a abordagem do envelhecimento ativo baseia-se no reconhecimento dos direitos das pessoas idosas e nos princípios de independência, participação, dignidade, assistência e auto-realização”, podendo ser compreendido a partir de três componentes: a menor probabilidade de doença, alta capacidade funcional e engajamento social ativo com a vida, o que nos permite contemplar a terceira idade não mais como declínio, e sim como possibilidade de um processo saudável de vida. Ao partir de tais considerações, as propostas internacionais sugerem que os órgãos governamentais e a sociedade civil sejam responsáveis pela implantação de políticas e programas que melhore e estimulem a saúde, a participação e a segurança da pessoa idosa 7:7.

A sexualidade, por manifestar-se mediante as expressões do corpo, emerge de atividades humanas destinadas ao lazer e pode ser constatada nas falas a seguir que evidenciam essa compreensão:

“Adoro sair, adoro dançar, adoro música. Não é porque você envelheceu que você esqueceu da tua mocidade, do contrário, a juventude fica na lembrança”. (F I)

“Dançar é um troço que me realiza bastante, sabe!”. (M VII)

A ampliação das atividades de lazer cria a possibilidade para que o idoso faça escolhas prazerosas que propiciem a manifestação da sexualidade e ocupe seu tempo de maneira criativa, de forma a mantê-lo ativo. Essa situação de mudança de rotina e ocupação do tempo, parece ser um grande desafio para muitos idosos que iniciam essa fase8. Isto mostra a necessidade de enriquecermos nossas vivências ao longo da trajetória existencial, mediante a busca de soluções para os problemas cotidianos9, criando sempre novas experiências que determinem nosso lugar no mundo10 e nos mantenham vinculados à sociedade porquanto necessitamos dessa ligação9.

O conceito de lazer surge na história da humanidade associado ao trabalho e ao longo dos séculos ambos os conceitos vão constituindo ora relação de proximidade, ora de afastamento entre si8. Atualmente, pode ser compreendido como conjunto de “ocupações ou distrações às quais o indivíduo se entrega espontaneamente durante o tempo que não é absorvido pelo trabalho” 9:33.

A importância dada ao lazer, em nossa sociedade, permite-nos atribuir-lhe um dimensionamento que reside na possibilidade de suscitar atitudes durante a utilização do tempo livre, como a participação consciente e voluntária na vida social, que exige um processo de desenvolvimento de si que busca, na medida do possível, um equilíbrio pessoal entre o repouso e a distração10.

Cabe salientar que grande parte desses idosos teve ao longo de sua trajetória atividades voltadas ao trabalho, ou seja, eram corpos viventes produtivos, com poucos momentos de ócio, de lazer. Essa característica muda nessa fase existencial vivida, trazendo-lhes a possibilidade de enriquecer suas experiências em busca de um desenvolvimento pessoal e momentos de prazer, diferentes do trabalho 11,12.

As atividades mencionadas pelos idosos como manifestação de prazer, em sua maioria, são realizadas em grupo, possibilitam a manifestação da corporeidade e da sexualidade pelos corpos viventes que coexistem no mesmo espaço social e esta coexistência permite que cada um perceba e seja percebido, veja e seja visto, toque e seja tocado, porquanto o corpo é veículo do ser no mundo2, o qual nos coloca em movimento e nos permite experienciamos o mundo e o outro. Esse movimento pode nos levar em direção ao outro para que o encontro se concretize, dando início a relação, e, assim, a possibilidade da troca, porque existir é trocar4. Isso pode ser constatado nas falas abaixo.

“O prazer que eu sinto também é sair, dançar, divertir, trabalhar, assim na chácara, no sítio, por exemplo. Eu gosto muito, é um prazer que eu tenho”. (M VII)

“Eu adoro sair, adoro dançar, adoro música... Eu extravaso esta solidão dançando, . Eu tenho um par de dança. Um par só. Eu não danço com todos, não me exponho a todos”. (F I)

Os grupos sociais serão formados a partir de diversas necessidades, contudo, têm como objetivo permitir que o idoso crie novos valores, novas maneiras de pensar, de sentir e de agir, além de facilitar as transformações das relações sociais que continuamente vão se enriquecendo10. Neles, os idosos conhecem outras pessoas, redescobrem-se, trocam, vivem, sonham, propiciando assim, momentos agradáveis. Dessa maneira, essas atividades de lazer envolvem uma gama de possibilidades que têm como objetivo principal a socialização do idoso. Assim, ao unir o lúdico com o relacionamento interpessoal, possibilitam a melhoria da qualidade de vida e a auto-estima, além do desenvolvimento do pensamento crítico e da criatividade13.

Entre as atividades descritas pelos idosos participantes do estudo, encontramos a dança, o jogo, o sair, ir ao teatro, participar de jantares e de viagens. O sentido atribuído por eles a elas assemelha-se com a recreação que é compreendida como atividades realizadas com o intuito de sentir-se bem e de se divertir. A sua finalidade é fundamentalmente lúdica e busca resultados imediatos com a ocupação do tempo livre. Assim, não se trata de uma atividade periódica, ou com regras rígidas, uma vez que, o que procuram é apenas a sua satisfação e realização9.

Os fragmentos dos discursos possibilitam compreender que essas atividades proporcionam prazer e satisfação ao idoso, propiciam a sua socialização, visto que permite a convivência em grupo, renova uma rede de afetos que se apresenta entrelaçado ao fazer humano12 e à troca. Tal situação faz com que permaneça ativo e gere um sentimento de satisfação e orgulho por sentir-se disposto, saudável e capaz de realizar tais atividades14, além do que, a participação em diferentes vivências oportuniza ao idoso a possibilidade de dar novos sentidos a sua existência13.

Nas entrevistas realizadas, surge a descrição de atividades de lazer, que sugerem satisfação em executá-las.

“Tenho um namorado, mas é mais velho que eu, assim é uma companhia, mas é uma coisa saudável, ! Jogo, saio, sabe! Vou a teatro, participo de atividades”. (F II)

“Olha, eu vivo sozinho, . E eu vou todo dia jogar tênis, e eu encontro meu amigo lá, e conto uma piada. Eu tenho meus jantares aí fora, eu tenho as minhas temporadas fora também, em hotel”. (M V)

 As atividades de lazer apresentam-se ligadas ao bem-estar e podem ser compreendidas como um dos fatores determinantes para um estilo de vida saudável. Atualmente, é maior o número de pessoas que atingem a terceira idade gozando de saúde, o que permite e estimula ainda mais a execução desse tipo de atividade, lembrando-nos de que a velhice não precisa ser pensada como um período de declínio, mas como possibilidade de renovação, mudanças e realizações que propiciam momentos de prazer, bem como a possibilidade de vivenciar experiências criativas que coloquem os idosos em contato com o próprio corpo11, mantendo-os ativos e retardando algumas características do processo de envelhecimento14. Isso não significa a busca da fonte da juventude, porquanto perceberá os efeitos da idade cronológica, mas a possibilidade de realizá-las com melhor disposição e desempenho que refletem nas suas atividades de vida diária, na autonomia e independência, possibilitando uma vida mais ativa na velhice, tornando-o capaz de tomar suas próprias decisões11, auxiliando-o a perceber e vivenciar esse período como uma nova fase existencial.

É importante destacar que na terceira idade, as respostas às novas situações cotidianas não serão resultados do ímpeto do vigor físico, mas do aprimoramento trazido pela experiência do vivido. Assim, o envelhecimento não carrega o sinônimo de decadência, mas de seqüência da vida14 que exige adaptações diante das transformações ocorridas no corpo, e que é muito importante desfrutar cada instante vivido, perceber o mundo e o outro, enfim, de viver a vida em sua plenitude com tudo o que ela apresenta de possibilidades e de fragilidades. Desta forma, as atividades de laser, como atividades físicas, deixam de cultuar o corpo belo e reforçar padrões estéticos rigorosos, passam a representar uma forma de relacionamento humano e de tomada de consciência do que o idoso é capaz11. Isso permite reiterarmos que o possível deve ser mais valorizado que o perfeito14 e contribui para que os idosos se libertem de preconceitos, diminuam complexos e redescubram a alegria e a espontaneidade ao interagir socialmente, o que possibilita a percepção de si como corpo vivente, “que é movimento em direção ao mundo, o mundo, ponto de apoio de meu corpo” 2:469.

Outra atividade mencionada nas entrevistas que possibilitam a manifestação da sexualidade foi a dança compreendida como “uma forma complexa de encontro” 15:82, que envolve diversos sentidos como: tato, audição e visão.

A dança possibilita o respeito a si próprio e ao outro permitindo transformação, reafirmação e construção significativa na busca de valores pessoais. Propicia o refinamento do sentido cinestésico, ou seja, de movimentos, a livre expressão corporal e a manifestação da sexualidade, proporcionando sensação de prazer16.

É importante lembrar que na história da humanidade, a dança sempre esteve ligada ao corpo, representava uma das mais antigas e elementares maneiras de expressão do ser humano, estava relacionada à caça, à religião, à guerra, à morte, à cura, à fertilidade e não só à arte17. Nesse contexto, podemos considerá-la como linguagem, como forma de manifestação da expressão humana.

A dança é uma das formas de expressão do corpo, envolve um conjunto de movimentos rítmicos, de gestualidades, de sensualidade e erotismo, “que traduzem uma linguagem na qual todo o significado pertence ao corpo que dança solitário, ou aos corpos que se entrelaçam” 4:75.

No discurso dos idosos entrevistados, a dança pode ser compreendida também como um dos modos de manifestação da sexualidade, visto que possibilita o prazer. Isso pode ser percebido a partir das seguintes falas:

 “Adoro sair, adoro dançar, adoro música. Não é porque você envelheceu que você esqueceu da tua mocidade, do contrário, a juventude fica na lembrança [...] Quando você dança, você esquece de tudo. O contato do homem com seu corpo faz com que você fique elétrica, que você dance mais, se arrume mais”. (F I)

A dança nos possibilita expressar nossos sentimentos, emoções, tradições e crenças, perceber o outro e o mundo que nos rodeia17. Isso é possível porque também é uma forma de expressão da nossa corporeidade, visto que o corpo é autor e ao mesmo tempo espaço cênico dessa atividade18. Ela possibilita o encontro dos mundos vividos e pode revelar o desejo pelo outro. Assim, a linguagem do corpo na dança exprime pensamentos construídos por ele mesmo em seu mundo vivido. Ela é múltipla, está aberta e inacabada, e permite a expressão de diferentes compreensões de mundo, no qual o corpo é o espaço que sustenta essa linguagem, pois a cada movimento ou gesto realizado por meio da dança, possibilita a inspiração de vários sentimentos. Dessa forma, o corpo apresenta-se como ponto de partida de existência da dança, que desvela inúmeros horizontes para pensarmos e vivermos essa arte. Ela só existe porque ele a torna possível, ao mesmo tempo em que existe um outro corpo que dança com ele, ou que simplesmente aprecia o que dança. Ele é ser sensível e pensante, porquanto o pensamento é corporal, é vivido, é encarnado pelas experiências na dança e na vida18.

Ao concebermos o ato de dançar como possibilidade de manifestação da sexualidade, corroboramos com a percepção de que essa não é apenas uma função orgânica relacionada à procriação, e sim, uma intencionalidade que segue o movimento geral da existência e coexiste com o corpo2. Por meio da dança, os corpos se encontram, entrelaçam suas histórias e experiências para tecer o momento vivido, cada um com sua percepção de mundo e intencionalidade, que existe em nós a cada movimento realizado.

No encontro dos corpos dançantes percebemos a possibilidade de transformar o estar com o outro em uma relação imprevisível devido a espontaneidade e improvisação dos passos na dança, ao mesmo tempo que existe o apoio em si e no outro para segui-los. Assim, faz-se necessário que exista respeito pelo tempo e movimento do outro. A sensibilidade da dança surge pela possibilidade de percepção de si e do outro, e assim podemos notar a diferença, a peculiaridade dos corpos viventes.

Destarte, a dança como possibilidade de prazer e encontro, é uma das múltiplas formas de expressão da corporeidade que manifestam a sexualidade. Envolve vários sentidos de modo simultâneo e recíproco, porquanto os corpos dançantes vêem e deixam-se ver, tocam e deixam-se tocar. Eles desejam o movimento e são capazes de sentirem-se satisfeitos por meio dos passos e gestos possíveis. Esses corpos são diários vivos, os quais em si mesmo tatuam suas histórias alicerçadas em sua sexualidade. Assim, jogar, ir ao teatro, dançar, enquanto atividades realizadas pelos corpos idosos no cotidiano são expressões da corporeidade que manifestam a multiplicidade do desejo humano, a sexualidade, e possibilitam um envelhecimento ativo e com qualidade de vida.

CONSIDERAÇÕES 

Mediante esta pesquisa, podemos compreender que os idosos procuram espaços favoráveis à sua satisfação, encontrando em grupos sociais maneiras para estabelecerem suas relações, o que possibilita a manifestação da sexualidade. Esses grupos, quer sejam recreativo ou de convivência, são constituídos de pessoas que se reúnem periodicamente para realizarem atividades nas quais o método fundamental é a interação. Essa permite o favorecimento das relações e auxiliam no desenvolvimento pessoal de todos os participantes.

Nesse contexto, o prazer pela atividade de lazer manifesta-se na ação,e por mais que exista um espírito competitivo, o que vale é a realização. Nessa fase da vida, apesar de vivermos em um mundo que exige uma performance impecável que nos transforma em competidores, não ganha o mais veloz, mas aqueles que participam da atividade como uma experiência prazerosa que possibilita o contato com o outro. Assim sendo, percebo que existem nas atividades físicas alguns elementos compensatórios para sua realização como a possibilidade de encontro e de um convívio, de sociabilidade, ou seja, de ser e estar-com o outro propiciando a construção de uma experiência rica em satisfação que pode ser constatada na fala a seguir:

Destarte, a manifestação da sexualidade mediante as atividades de lazer possibilita uma compreensão que transcende a visão biológica, e dessa forma, possibilita uma visão otimista não somente sobre a sexualidade do idoso como do processo de envelhecimento. Desta forma, acreditamos ter contribuído para o desenvolvimento do conhecimento a respeito da sexualidade e do corpo idoso.

 REFERÊNCIAS

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 Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Marcos A. M. Arcoverde; Liliana M. Labronici - Análise e interpretação: Marcos A. M. Arcoverde - Escrita do artigo: Marcos A. M. Arcoverde; Liliana M. Labronici - Revisão crítica do artigo: Liliana M. Labronici - Aprovação final do artigo: Marcos A. M. Arcoverde; Liliana M. Labronici - Colheita de dados: Marcos A. M. Arcoverde - Pesquisa bibliográfica: Marcos A. M. Arcoverde.

Endereço para correspondência: Av. Paraná, 1610, Polo Centro, CEP: 85863720, Foz do Iguaçu, PR, Brasil. marccosarcoverde@bol.com.br

· Nota: Este artigo é parte da dissertação intitulada A percepção da sexualidade do corpo idoso, defendida no dia 14/12/06. Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná.