Registro de imunização antitetânica em documentos de mães de uma comunidade carente do município de São Paulo

Nádia Zanon Narchi, Rosa Áurea Quintella Fernandes, Keila Aredes Viana 

Resumo.Diante da constatação de que existe tanto desconhecimento das mulheres quanto à importância da vacinação antitetânica na gestação quanto deficiência nas anotações dessa imunização, decidiu-se elaborar pesquisa com o objetivo de verificar e analisar o registro da imunização antitetânica nos documentos de um grupo de 50 mães de uma comunidade carente de São Paulo/SP. O estudo, descritivo e quantitativo, foi realizado no período de abril de 2005 a abril de 2006. Foram coletados dados dos registros de vacinação nos documentos de pré-natal e vacinação, além de outros referentes à caracterização sócio-demográfica e obstétrica. Os resultados mostraram que em 24% dos casos ocorreram falhas no esquema vacinal. Conclui-se que é essencial melhorar a qualidade dos registros da assistência pré-natal, além de investir na orientação das mulheres sobre a importância da vacinação, o que implica na necessidade de um seguimento mais próximo, com supervisão e reforço, fundamentais na assistência pré e pós-natal.  

Palavras-chave. Saúde materno-infantil; tétano; educação em saúde.

 INTRODUÇÃO

            A despeito de o tétano neonatal encontrar-se no Brasil com níveis de incidência abaixo do preconizado pela Organização Mundial da Saúde, diversos fatores de risco para essa doença ainda podem ser evidenciados, mesmo em São Paulo, município que se encontra fora das áreas geográficas definidas como prioritárias para a implementação das ações de vigilância e controle para esse problema de saúde pública.1

            A ocorrência de casos dessa doença pressupõe deficiência na qualidade da atenção materno-infantil associada às más condições socioeconômicas, acometendo populações carentes que têm dificuldade de acesso aos serviços de saúde, especialmente o pré-natal. Além disso, está diretamente relacionado com as más condições de atendimento ao parto, com a inadequada higiene no cuidado do coto umbilical e com a baixa cobertura vacinal de mulheres em idade fértil, isto é, de 12 a 49 anos. 1-4

            Entre as diferentes medidas de prevenção do tétano neonatal, não há dúvida de que a imunização ativa com a vacina dupla tipo adulto (dT) em mulheres em idade fértil é a mais eficaz e prática. Quando vacinadas, as gestantes produzem anticorpos IgG que são transportados ativamente pela placenta, não existindo evidências de risco para o feto pelo uso do toxóide tetânico, uma das vacinas mais efetivas e seguras dentre aquelas de utilização rotineira, ou do toxóide diftérico, outro composto da vacina dT. 5,6

            O esquema de vacinação contra o tétano neonatal para as mulheres em idade fértil deve levar em conta a história de vacinação e o fato da mulher estar grávida ou não, conforme recomendações da Secretaria Nacional de Vigilância em Saúde. 1

            Desse modo, para que a cobertura vacinal contra o tétano neonatal seja adequada, deve ocorrer a aplicação de duas doses da vacina dT em todas as gestantes não imunizadas que receberão, após o parto, uma terceira dose de reforço. No caso de gestantes imunizadas deve-se atentar para o reforço a cada cinco anos. 7,8

            A respeito do esquema vacinal, é importante salientar que 80 a 90% das gestantes desenvolvem anticorpos suficientes com duas doses. No entanto, elas somente estarão imunizadas se receberem as três doses e se houver respeito aos intervalos entre elas, ou seja, a primeira deve ser dada o mais precocemente possível, a segunda após 30 a 60 dias, no período máximo de 20 dias antes do parto, e a terceira até 180 dias depois da segunda. Nesse processo, a primeira dose induz resposta primária com predomínio de anticorpos da classe IgM sobre os da classe IgG durante curto período; a segunda provoca resposta imunológica com predomínio de anticorpos da classe IgG de duração mais prolongada e a terceira induz resposta semelhante à obtida com a segunda dose, porém mais intensa e duradoura. 7,9

            É importante ainda frisar que, em relação à segurança da primeira dose, mesmo não sendo relatados efeitos adversos para o feto em decorrência da aplicação dos toxóides diftérico e tetânico em qualquer fase da gestação, a Norma Técnica de Imunização de São Paulo 8 aconselha o início da imunização a partir do segundo trimestre da gestação, desde que não haja impedimento que duas doses da vacina sejam aplicadas antes de vinte dias da data provável do parto. Tal recomendação baseia-se na estratégia de evitar que um eventual abortamento venha a ser indevidamente atribuído à vacina.

            Naturalmente, o referido esquema vacinal deve ser determinado e seguido durante o acompanhamento da gestante, fato nem sempre verificado, pois diversos trabalhos mostram que no Brasil é necessário melhorar a cobertura vacinal antitetânica da mulher grávida, indicando tanto a baixa escolaridade materna quanto a má qualidade do pré-natal como fatores de risco para a não-vacinação. 4,5,10-12

            Nesse sentido, resultados de pesquisa anterior 2 em que se observou tanto percentual elevado de mulheres sem o devido conhecimento sobre a prevenção do tétano neonatal quanto diversidade de condutas relativas à cobertura vacinal antitetânica, alertam para a necessidade de serem mantidos cuidados de vigilância sobre a doença, especialmente em comunidades socialmente carentes e com baixo nível de escolaridade das mães. 

            Diante dessas considerações, decidiu-se elaborar este estudo pela constatação de que ainda existe desconhecimento quanto à importância dessa vacinação. Trata-se aqui de dar continuidade à pesquisa realizada com gestantes de uma comunidade carente, na qual percebeu-se que suas condições socioeconômicas, a cultura na qual estão inseridas e a falta de informação, fazem com que resistam à vacinação, não realizando ou não completando os esquemas vacinais estabelecidos. 2

            Foi essa necessidade, associada à observação empírica da pouca ocorrência de registros  de vacinação nos cartões de gestantes, que deu idéia da realização deste estudo que se justifica na medida em que pretende mostrar uma realidade e interferir nela de modo a orientar as mulheres daquela comunidade sobre a importância da vacinação antitetânica e conseqüente prevenção do tétano neonatal. Acredita-se que, dessa maneira, consciente do auto-cuidado, aquela população possa requisitar melhoria na atenção à saúde que recebe.

            São objetivos deste estudo, então, verificar e analisar o registro da imunização antitetânica nos cartões de pré-natal e nas carteiras de vacinação de um grupo de mães moradoras em uma comunidade carente do município de São Paulo. 

Método

            Trata-se de estudo descritivo com abordagem quantitativa, desenvolvido com mulheres participantes do Núcleo São Lucas de Atendimento à Saúde da Mulher e da Criança, inserido em uma comunidade carente com cerca de 80 mil habitantes, situada em área nobre da zona sul do município de São Paulo/SP.

            Desde o ano de 2000, o referido Núcleo proporciona assistência à saúde materno-infantil no período gravídico-puerperal, desenvolvendo grupos educativos para gestantes e promovendo consultas de enfermagem no pós-parto a fim de acompanhar e orientar a mãe quanto ao seu auto-cuidado e o do recém-nascido, além de promover o aleitamento exclusivo. 13

            No retorno pós-parto, que normalmente ocorre no prazo de 15 a 20 dias após o parto, foram entrevistadas todas as mães que trouxeram os documentos solicitados para a consulta, ou seja, o relatório do parto e nascimento, o cartão de vacinação do bebê, o cartão de pré-natal e a carteira de vacinação. Caso a mulher não estivesse com os documentos necessários à realização da pesquisa, lhe era solicitado que na próxima vez que retornasse ao Núcleo os trouxesse.

Assim, dentre as 65 mães acompanhadas em consultas pós-parto no período de maio de 2005 a abril de 2006, 77% participaram desta pesquisa por terem  trazido os documentos necessários. Salienta-se que após a entrevista, todas as mães foram re-orientadas a respeito da imunização antitetânica e dos critérios para a adequada cobertura vacinal, tanto delas quanto de seus filhos.

            Os dados foram, então, coletados com 50 mães, sendo utilizado um formulário para verificar o registro da imunização antitetânica nos cartões de pré-natal e nas carteiras de vacinação dessas mulheres. Nesse instrumento também foram coletados por meio de entrevista dados referentes à caracterização sócio-demográfica e obstétrica dessa amostra, como idade, naturalidade, escolaridade, situação conjugal, renda familiar, número de filhos, idade dos filhos, intervalo interpartal, paridade, além do conhecimento referido sobre a vacinação.

            Todas as participantes foram informadas das finalidades da pesquisa e a entrevista somente foi realizada mediante concordância e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Além disso, o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade a qual o Núcleo está vinculado. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

            Na Tabela 1 está caracterizado o perfil sócio-demográfico  das mulheres que participaram do estudo. 

Tabela 1. Caracterização sócio-demográfica das mulheres. São Paulo, 2006.

CARACTERÍSTICAS

N˚.

%

Idade

 

 

15 a 19 anos

20

40

20 a 24 anos

11

22

25 a 29 anos

09

18

30 anos ou mais

10

20

Total

50

100

Situação conjugal

 

 

União Estável

34

68

Solteira 

07

14

Casada 

09

18

Total

50

100

Escolaridade

 

 

Analfabeta

01

02

Ensino fundamental incompleto

26

52

Ensino fundamental completo

05

10

Ensino médio incompleto

12

34

Ensino médio completo

06

12

Total

50

100

Naturalidade

 

 

Região Nordeste

33

66

Região Sudeste (Estado de São Paulo)

13

26

Região Centro-Oeste

02

04

Região Sul

02

04

Total

50

100

           

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

       

            Em relação à idade, verificou-se que a maior parte das mulheres (40%) situava-se na faixa etária de 15 a 19 anos, seguida pelas de 20 a 24 (22%), de 30 ou mais (20%) e de 25 a 29 (18%).

            É importante destacar que todas as jovens de 15 a 19 anos deveriam estar devidamente imunizadas contra o tétano, já que aos 15 anos deve haver o reforço da dT. 1,8 No entanto, constatou-se que duas delas (4%) não possuíam a carteira de vacinação e o registro da imunização não constava no cartão de pré-natal de ambas.

            Grande parte das mães (68%)  informou residir com o pai da criança em um relacionamento estável; 18% disseram ser casadas e 14% solteiras. Quanto à escolaridade, 52% relataram não ter completado o ensino fundamental, seguidas por ensino médio incompleto (34%), ensino médio completo (12%), ensino fundamental completo (10%) e analfabetismo (2%).

            Idade, estabilidade familiar, condições socioeconômicas e psicossociais são importantes para a constituição do auto-conceito de um indivíduo e o modo como ele lida com a sua saúde. 14,15 Nesse sentido, pode-se prever a dificuldade de muitas dessas mulheres ao não compreender ou aderir de forma adequada aos cuidados pré-natais, fato que obriga investimento maior da equipe que as assiste. Além disso, a bibliografia indica que a baixa escolaridade normalmente se relaciona com a inadequada cobertura vacinal tanto de mulheres em idade fértil quanto de crianças e adolescentes.  2,4,5,10-12

            Há algumas características bio-psico-socio-culturais que acarretam problemas na assistência durante o pré-natal, entre elas o baixo nível de instrução, demonstrado pelos anos de estudo, a situação conjugal instável, a baixa renda e as condições ambientais desfavoráveis 7, todas elas presentes em grande parte das mulheres deste estudo.

            Quanto à naturalidade, a maior parte das mães disseram provir de outras regiões do país, como a Nordeste (66%), Centro-Oeste (4%) e Sul (4%). Esse fato alerta para a possibilidade de perda ou extravio de documentos como a carteira de vacinação ou o histórico de pré-natais anteriores, fundamentais para a determinação da necessidade de vacinação.

            A renda familiar referida por 62% das mães não ultrapassava três salários mínimos, sendo o cônjuge, citado por 70% delas, o principal responsável  pelo sustento familiar. Este dado demonstra a situação de dependência econômica destas mulheres que não possuem trabalho remunerado, dependem do companheiro ou da família e têm situação sócio-econômica precária, fatores que as expõem a situações de risco social e de precariedade, muitas vezes determinantes das práticas inadequadas de saúde. 2,4,5,10-15 

Tabela 2. Distribuição de mulheres segundo intervalo interpartal. São Paulo, 2005.

INTERVALO INTERPARTAL

N˚.*

%

de 1 ano a 1ano e 11meses

01

4

2 anos a 2 anos e 11meses

05

22

3 anos a 3 anos e 11meses

03

13

4 anos a 4 anos e 11 meses

04

17

5 anos ou mais

10

44

Total

23

100

*Refere-se às mulheres que tiveram mais que uma parturição. 

            A maior parte das mães (55%) referiu ser primípara. As restantes, possuíam de dois a quatro filhos. A Tabela 2 mostra que o intervalo interpartal mais freqüente (44%) foi o de cinco anos ou mais entre o parto mais recente e o anterior. Como esse intervalo obriga o reforço vacinal, observou-se que duas mães (4%) não o receberam, conforme comprovado nos documentos pesquisados. 

            Ao serem questionadas sobre a finalidade da vacinação antitetânica na gestação, 46% das mulheres o fizeram de forma correta. O fato de 54% não relatarem a indicação correta da imunização foi surpreendente aos pesquisadores, pois todas elas participaram dos grupos de educação em saúde durante a gestação, no próprio Núcleo e até em outros locais, ocasião em que sempre é discutida a finalidade e a importância da vacina para a gestante e para o bebê. 

Tabela 3. Fontes de informação referidas pelas mães sobre a vacinação antitetânica. São Paulo, 2006.

FONTE DE INFORMAÇÃO

NO.

%

Somente o Curso para gestantes do Núcleo

16

32

Não lembra / nunca ouviu

12

24

Curso para gestantes do Núcleo e pré-natalista

06

12

Curso para gestantes do Núcleo e outros cursos da comunidade

07

14

Leitura ou informação de pessoas conhecidas

05

10

Durante a vacinação pelo equipe da unidade básica de saúde

04

8

Total

50

100

             A Tabela 3 mostra que, quando perguntadas a respeito de quais foram as fontes de informação sobre a vacinação antitetânica de que se recordavam, 76% das mães informaram o grupo de gestantes do Núcleo ou outros cursos que freqüentaram de forma simultânea, além de leitura, informação de pessoas conhecidas e profissionais da unidade básica de saúde. A porcentagem de 24% que informou não se recordar ou nunca ter ouvido falar a respeito dessa imunização, aponta mais uma vez para possíveis barreiras de comunicação existentes entre os profissionais de saúde e as populações socialmente desfavorecidas.

        As condições sócio-econômicas, a cultura  na qual estas mulheres estão inseridas e a falta de informação e, até mesmo, de motivação, são fatores que contribuem para que, mesmo quando orientadas, resistam à vacinação, não realizando ou não completando os esquemas vacinais  estabelecidos, o que implica na necessidade de um seguimento mais próximo, com supervisão e reforço  nas orientações 2, conduta muitas vezes difícil de ser estabelecida.

            Ainda que 100% dessas mulheres tenha tido acesso aos cuidados pré-natais, observou-se que apenas 20% relataram ter recebido orientações quanto à importância da imunização antitetânica pelos pré-natalistas e pela equipe das unidades básicas de saúde no momento da vacinação.

            Nesse sentido, salienta-se a importância do envolvimento de todos os que atendem a mulher para a melhoria da qualidade assistencial. A pouca escolaridade destas mães pode ser um fator limitante para seu entendimento sobre as questões de saúde, nas quais a vacinação está incluída, o que aponta para a necessidade de serem empregadas estratégias de educação em saúde mais participativas e inovadoras.

            Acredita-se que o tétano neonatal, como outras doenças imunopreviníveis, ainda não foi totalmente erradicado em nosso país também por esse motivo, além daqueles relacionados à assistência ao parto e ao cuidado com o coto umbilical no domicílio.

            As características epidemiológicas dos casos notificados de tétano neonatal, em todos os países da América Latina, mostraram que eram lactentes nascidos de multíparas em zonas rurais, que necessitavam de uma atenção melhor no pré-natal e que as mães não estavam devidamente imunizadas.9,16,17

            É fato que as mulheres deste estudo receberam todas assistência hospitalar no parto e não se caracterizam por residirem em zona rural. No entanto, não demonstram possuir condições e conhecimentos suficientes que  lhes permitam se prevenir adequadamente deste problema, além de outros relacionados ao cuidado consigo mesmas e com os seus filhos. 2,10,13

            Salienta-se, também, que muitas adolescentes, como é o caso de 40% das mães do estudo,  podem não possuir a idéia de risco pela imaturidade associada ao desconhecimento, fato que propicia a não aderência aos cuidados de saúde. 14, 15 

Tabela 4. Registro da imunização verificado nos documentos das mães. São Paulo , 2006.

REGISTROS

NO.

%

No cartão de pré-natal

 

 

Sim

22

44

Não

28

56

Total

50

100

Na Carteira de Vacinação

 

 

Sim

36

72

Não

14

28

Total

50

100

            Quanto ao registro da imunização antitetânica verificado nos documentos, a Tabela 4 mostra que, entre os cartões de pré-natal, 44% continham a informação; entre as carteiras de vacinação, o índice de anotação foi de 72%.

            A ausência do registro da imunização antitetânica, confirmada nos documentos pesquisados, demonstra problemas na assistência pré-natal dessas mulheres e aponta novamente para a necessidade de alertar os profissionais para o correto preenchimento de documentos de saúde. Nesse sentido,  recorda-se que, no  Brasil, a atenção à mulher na gestação e parto permanece como desafio, tanto no que se refere  à qualidade propriamente dita quanto aos princípios filosóficos do cuidado. 18

            A falta de anotação pelo profissional ou, mesmo, a não realização da profilaxia antitetânica, caracterizam uma insuficiente atenção. Nesse particular,  é importante o processo de educação em saúde durante o acompanhamento pré-natal pois a conscientização da mulher faz com que ela possa requerer e controlar a melhor assistência, torne-se sujeito e não objeto de intervenção. 19,20

            Cabe ressaltar que 22% das mães do estudo referiram extravio de seus cartões de vacinação quando da migração para São Paulo. Este fato deve, também, ser observado pelos profissionais que atuam nas unidades de saúde, pois é necessário recomeçar, segundo a idade, os esquemas vacinais, registrando-os adequadamente.

            Além de verificar e analisar o registro nos documentos, foi realizada a avaliação da vacinação antitetânica de cada uma das mães, comparando os achados com as normas de imunização. 1,8 Assim, verificou-se que em 76% dos casos houve seguimento dos esquemas vacinais estabelecidos para a gestação.

            Do percentual de incorreções, 20% foram assim considerados pelas mulheres referirem inexistência de carteiras de vacinação e por não existir qualquer registro de imunização nos cartões de pré-natal apresentados. Em 4% dos casos, verificou-se que não houve seguimento do esquema vacinal.

            Estudos recentes 18,19 mostram índices semelhantes de inadequada imunização em gestantes. Provavelmente tal problema não deva resultar em porcentagens mais elevadas de tétano neonatal em nosso país, devido às condições assépticas em que o parto hospitalar é realizado.

            No entanto, a experiência das autoras com as mulheres atendidas no Núcleo São Lucas mostra o quanto elas ainda utilizam substâncias inadequadas no cuidado com o coto umbilical. Não é raro encontrar casos de mães que trazem seus bebês às consultas pós-parto com cotos inadequadamente limpos, com granulomas umbilicais inadequadamente tratados, ou com a utilização de outras substâncias no coto ainda úmido, como moedas, faixas ou outros produtos preconizados pela crendice popular, ainda comuns naquela comunidade.

            Os bebês de 24% das mães deste estudo, sem dúvida, correram o risco de adquirirem o tétano neonatal. A não percepção da mulher e a ausência de registros constituem, dessa maneira, o pano de fundo da inadequada assistência pré-natal, infelizmente evidenciada em trabalhos semelhantes a este.

 CONCLUSÕES

            Os resultados apresentados mostraram falhas no esquema vacinal antitetânico das gestantes, conforme comprovado nos documentos analisados.

            Cabe ressaltar que mesmo em Estados, como São Paulo, em que o tétano neonatal está praticamente erradicado, considera-se primordial investir na orientação das mulheres, o que implica na necessidade de um seguimento mais próximo, com supervisão e reforço, fundamentais na assistência pré e pós-natal.

            Não é possível que ainda sejam encontrados no Brasil índices inadequados tanto de imunização antitetânica quanto de outros indicadores de cuidado materno-infantil, como baixas porcentagens de exames para a detecção da sífilis na gestante 18, desmame precoce 13,19,  grande proporção de crianças que não completam a vacinação no primeiro ano de vida 21, entre outros descuidos.

            Faz-se importante ressaltar que áreas potenciais de risco, ou seja, que expressam precárias condições sociais e de saúde da população, como a apresentada neste estudo, deveriam receber maior controle de agravos e intervenção da vigilância epidemiológica, mesmo que não apresentem mortalidade ou incidência notificada de doenças como o tétano neonatal. 17

            Outra observação refere-se à assistência pré-natal. Parece que aumentar o número de consultas, conforme preconizado pelo Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento 17, sem treinamento e conscientização dos profissionais de saúde que prestam essa atenção, não melhorará o quadro vigente.

            Conclui-se que é fundamental melhorar a qualidade dos registros da assistência pré-natal. Estudos como este mostram a necessidade de que todos os implicados na assistência materno-infantil devem se empenhar a fim de garantir melhores resultados maternos e perinatais e oferecer maior segurança à mulher.

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