Problemas de usuários cirúrgicos após a alta hospitalar e a atuação de enfermagem*

* Sinopse de Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, em 2004

Lúcia G D M Silva, Rúbia A Lacerda

 
RESUMO.
Estudo transversal, exploratório e descritivo de campo realizado em 2004, que objetivou identificar os problemas apresentados pelos pacientes cirúrgicos após a alta hospitalar, correlacioná-los com a assistência perioperatória e identificar ações possíveis pela enfermagem para a melhoria da evolução dos pacientes após a alta hospitalar. Buscou-se informações sobre problemas apresentados por pacientes submetidos a cirurgias eletivas e aspectos da assistência prestada. Os resultados mostraram que 69,6% dos pacientes relataram problemas, relacionados a alterações emocionais e fisiológicas e dúvidas. Considerou-se que, na maioria dos casos, os períodos de permanência hospitalar pré e pós-operatória são curtos e não favorecem momentos e locais formais para o preparo, avaliação e orientação ao paciente. As intervenções cirúrgicas são cada vez mais rápidas, e o processo cirúrgico tem sido realizado em vários locais alem do hospital, favorecendo o aparecimento de problemas. A enfermagem pode ser uma estratégia como elo de integração entre os envolvidos no processo cirúrgico.

Unitermos: Assistência de enfermagem perioperatória; Processo cirúrgico; Assistência cirúrgica.

 INTRODUÇÃO

Na dinâmica atual do processo cirúrgico a assistência perioperatória tem ocorrido em várias etapas e locais, incluindo o consultório do cirurgião e o domicílio do paciente. Ao hospital cabem somente a etapa final da fase pré-operatória, a transoperatória e a etapa inicial da pós-operatória imediata(1,2), uma vez que a alta hospitalar é cada vez mais precoce. Até há pouco tempo, a alta hospitalar era sinônimo de sucesso e missão cumprida; hoje, ela pode se constituir na transferência de responsabilidade do cuidado ao paciente para a família(3,4). Isto porque a cirurgia ambulatorial e pacientes cirúrgicos-dia são fortes tendências(5).

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças-CDC, dos Estados Unidos, estima que aproximadamente 75% de todas as cirurgias neste país serão realizadas em ambulatórios ou em pacientes não-internados a partir do século XXI(6). O curto período que o paciente permanece no hospital é insuficiente para a assistência completa do processo cirúrgico, tal como tradicionalmente o conhecíamos e preconizávamos. Como hipótese, problemas relacionados com a atual realidade do processo cirúrgico podem estar ocorrendo e nem sempre sendo reconhecidos. Diante disto, faz-se necessário que novos modelos de assistência perioperatória sejam discutidos ou, ao menos, que o modelo convencional seja revisado e se adapte à atual demanda.

            O objeto deste estudo trata dos problemas de pacientes após a alta, com a finalidade de identificar as etapas do processo cirúrgico envolvidas e sugerir estratégias que os minimizem. Para tanto, este estudo teve como objetivos: identificar problemas apresentados pelos pacientes após a alta hospitalar; correlacionar esses problemas com a assistência prestada no processo cirúrgico; identificar ações possíveis pela assistência de enfermagem para a melhoria da evolução do paciente após a alta hospitalar.

MATERIAL E MÉTODO

Estudo transversal, exploratório e descritivo de campo(7), realizado em 2004, em um hospital privado geral. A população foi composta de pacientes submetidos a cirurgias eletivas, nas categorias hospital-dia e internação, independente do tipo e da especialidade cirúrgica. Para a amostra calculou-se a média mensal de cirurgias nos seis meses anteriores ao período do estudo e realizou-se uma estimativa de presença de problemas pós-operatórios, obtendo entre 50-70%. Constituiu-se um intervalo de confiança de 95% desta estimativa, onde probabilisticamente foi obtido um mínimo necessário de 100 cirurgias, sendo sorteados 120 pacientes, dos quais 08 se recusaram a participar, obtendo-se amostra final de 112. A coleta de dados foi aplicada após pré-teste, autorização da instituição, esclarecimento aos sujeitos dos objetivos de pesquisa e obtenção de sua autorização para participação.

Os dados foram obtidos dos prontuários e das entrevistas aos pacientes, pessoalmente ou por telefone, a partir do 15º. dia do pós-operatório, ainda internados ou com alta hospitalar, pelo reconhecimento de que os problemas decorrentes de cirurgias ocorrem predominantemente até este período, principalmente as infecções de sítio cirúrgico8.

As variáveis dependentes do estudo foram: presença de problemas no pós-operatório (segundo Ferreira9, problema é definido como toda questão não resolvida e que é objeto de discussão em qualquer domínio do conhecimento, ou qualquer questão que dê margem à hesitação ou perplexidade por dificuldade de explicar ou de resolver. Partindo desta definição geral, definiu-se, no contexto deste estudo, como problema pós-operatório toda situação, relacionada ao processo cirúrgico, não resolvida ou que dê margem para dúvidas, incluindo-se condutas para a recuperação ou continuidade do tratamento e repercussões emocionais e fisiológicas); período de início; providências para resolução. As variáveis independentes foram: grau de instrução; períodos de permanência hospitalar antes e após a cirurgia; tipo de anestesia; classificação ASA; exames pré-operatórios; intercorrências no transoperatório; assistência hospitalar nos períodos pré e pós-operatórios; satisfação com o atendimento e com as orientações recebidas para o pós-operatório.

RESULTADOS

Dentre os participantes, a maior freqüência possuía grau médio completo de instrução (44,6%), seguindo-se médio incompleto e superior completo (12,5%), fundamental completo e superior incompleto (8,9%). A incidência de 69,6% dos pacientes classificados como ASA I indica que a maioria era sadia. Somente 19,6% deles foram ASA II e em 10,7% não havia esta informação no prontuário.

O período de permanência hospitalar pré-operatória, da admissão até o início da anestesia, foi principalmente de 2 a 12 horas (44,6%) e até 2 horas (42,9%). Somente 7,1% permaneceram acima de 12 até 24 horas e aqueles acima de 24 horas (5,4%) corresponderam aos que já estavam internados.

Os exames pré-operatórios foram obtidos da ficha pré-operatória. A glicemia foi o mais freqüente (91,0%), seguindo-se hemograma (89,3%), coagulograma (75,0%), ECG (71,4%), urina I (14,3%), ecocardiograma (3,6%) e não obtido (3,6%). Para Bogossian10, os exames pré-operatórios essenciais são: hemograma completo, glicemia, uréia, grupo sanguíneo, fator Rh e teste de coagulabilidade sanguínea, podendo ser solicitados também exames de urina I e fezes, nos casos de cirurgias ginecológicas e abdominais, respectivamente. Os exames cardiológicos estão condicionados à avaliação do especialista. Pelos resultados obtidos, exames considerados essenciais pelo autor citado não estavam presentes em nenhum prontuário: uréia, grupo sangüíneo, fator Rh. E aqueles presentes não corresponderam à totalidade dos pacientes. Não foi possível averiguar se tais exames não foram de fato realizados, ou foram realizados, mas não anotados, ou os pacientes não foram orientados a trazê-los na admissão.

Quase metade das cirurgias (48, 2%) transcorreu em até 60 minutos, seguindo-se 61 a 120 (32,1%), 121 a 180 (10,7%) e acima de 180 (9,0%). As anestesias mais freqüentes foram as gerais IV/inalatórias conjugadas (35,7%), raquidianas (35,7%) e peridurais (10,7%). As demais (18,0%) distribuíram-se entre bloqueio Bier, geral IV (sedação), local/geral IV, geral inalatória/peridural) (17,9%). Constata-se, então, que apesar da maioria das cirurgias terem sido de curta duração, as anestesias mais utilizadas foram complexas, que necessitam de maior prazo para a recuperação.

A permanência hospitalar pós-operatória, do término da cirurgia até a alta hospitalar, variou principalmente de 2 a 12 horas (35,7%) e 13 a 24 horas (33,9%), correspondendo, portanto, ao pós-operatório imediato. Somente 26,8% permaneceram acima de 24 horas, distribuídos entre 25 e até 72 horas (19,6%), acima de 7 dias (5,4%) e de 73 horas até 7 dias (1,8%). Ainda, 3,6% permaneceram abaixo de 2 horas. Pelo teste de Fisher, obteve-se associação significativa entre os tipos de anestesia e os períodos de permanência pós-operatória (p< 0,001). A maioria das anestesias raquidianas (77,5%) foi realizada em pacientes que permaneceram no hospital até 24 horas após a cirurgia e, destas, 30,0% até 12 horas. Nas gerais IV/inalatórias (35,7% do total), a maioria (62,5%) também foi realizada em pacientes que permaneceram até 24 horas no hospital após a cirurgia, sendo 35,0% até 12 horas (Tabela 1).

Tabela 1 – Tipos de anestesias realizadas pelos pacientes cirúrgicos e seu período de permanência pós-operatória, desde o término da cirurgia até a alta hospitalar. São José dos Campos – SP, 2004.

Anestesia

 

Permanência

Raqui

diana

Peri

dural

Local / Geral IV

Geral IV /Inalatória

Bloqueio Bier

Geral Inalatória/ Peridural

Geral IV (seda

ção)

Pós -op.

N (%)

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

n (%)

< de 2 horas

1 (2,5)

-

1 (25,0)

-

-

-

2 (33,3)

2 - 12 horas

11 (27,5)

2 (16,7)

3 (75,0)

14 (35,0)

6 (100,0)

-

4 (66,7)

13 - 24 horas

19 (47,5)

8 (66,6)

-

11 (27,5)

-

-

-

25 - 72 horas

9 (22,5)

2 (16,7)

-

9 (22,5)

-

2 (50,0)

-

73 - 168 horas

-

-

-

2 (5,0)

-

-

-

> 168 horas

-

-

-

4 (10,0)

-

2 (50,0)

-

TOTAL

40

12

4

40

6

4

6

p< 0,001, teste exato de Fisher

             Todos os pacientes declararam que receberam orientações pré-operatórias, predominantemente pela enfermagem (98,2%) e pelo cirurgião (94,6%), seguindo-se a secretária do cirurgião responsável (17,9%). As orientações ocorreram principalmente na admissão no hospital (96,4%) e no consultório do médico (91,1%). As demais, na admissão no centro cirúrgico (5,4%) e no consultório do anestesiologista (1,8%). Tais resultados correspondem aos profissionais e momentos mais adequados para as orientações, o que não significa, entretanto, que as mesmas tenham sido suficientes, ao se verificar os tipos e freqüência de orientações recebidas: jejum (100,0%), procedimento cirúrgico (85,7%), tricotomia (51,8%), recuperação anestésica (46,4%), medicamento de uso contínuo (16,1%), cuidado com o sítio cirúrgico (14,3).

A Tabela 2 mostra as visitas pré-operatórias aos pacientes no hospital, quanto aos profissionais e locais. A enfermagem visitou os pacientes praticamente apenas no quarto, o que é coerente, pois se trata da categoria responsável pela admissão e, portanto, pelo primeiro contato com os pacientes. As visitas do cirurgião e do anestesiologista ocorreram predominantemente no CC, portanto, momentos antes de iniciar a cirurgia. O paciente normalmente já conhece o cirurgião na fase pré-hospitalar, mas o reconhecimento do anestesiologista, quando ocorreu, foi apenas no CC.

Tabela 2 - Visitas aos pacientes cirúrgicos pelos profissionais no hospital antes da cirurgia e os momentos/locais em que elas ocorreram. São José dos Campos – SP, 2004.

Profissional

Cirurgião

Anestesiologista

Enfermagem

Total

Momento/Local

N

%

N

%

n

%

n

%

Só quarto

6

5,4

6

5,4

99

88,4

111

33,1

Só Centro Cirúrgico

50

44,6

67

59,8

0

0

117

34,8

CC e quarto

18

16,1

5

4,5

7

6,2

30

8,9

Não recebeu visita

38

33,9

34

30,3

6

5,4

78

23,2

TOTAL

112

100

112

100

112

100

336

100

             Foram encontradas 17 (15,1%) intercorrências trans-operatórias registradas nos prontuários, sendo as mais freqüentes ansiedade (41,1%) e hipertensão arterial (29,4%). As demais corresponderam à recusa da conduta operatória, cólica abdominal, descontrole emocional, lesão bolhosa na pele, impossibilidade de intubaçao (5,9% cada). Em duas, houve suspensão da cirurgia (impossibilidade de intubação e recusa da conduta). Em outra o prazo de recuperação aumentou, com retorno ao hospital (queimadura na pele). Mais da metade das intercorrências aconteceu em pacientes que tiveram permanência pré-operatória até 12 horas, incluindo as de maiores repercussões, além deles estarem inseridos entre os que não receberam visita pré-operatória do cirurgião nem do anestesiologista no quarto.

A Tabela 3 refere-se às visitas pós-operatórias no hospital. A enfermagem foi a categoria que o paciente mais se recordou de ter tido contato, seguida pelo cirurgião e depois pelo anestesiologista. O contato com o cirurgião ocorreu principalmente no CC e no quarto. A enfermagem esteve presente mais no quarto do que no centro cirúrgico. Já, o contato com o anestesiologista ocorreu quase que apenas no CC, sendo significativo o relato dos pacientes não terem tido este contato.

Tabela 3 – Visitas aos pacientes cirúrgicos pelos profissionais no hospital após a cirurgia e os momentos/locais em que eles ocorreram. São José dos Campos – SP, 2004.

 Profissional

Cirurgião

Anestesiologista

Enfermagem

Total

Momento/Local

N

%

N

%

N

%

n

%

Só quarto

7

6,3

0

0

49

43,8

56

16,7

Só Centro Cirúrgico

8

7,1

76

67,9

11

9,8

95

28,3

CC e quarto

75

67

2

1,8

42

37,5

119

35,4

Não recebeu visita

22

19,6

34

30,3

10

8,9

66

19,6

TOTAL

112

100

112

100

112

100

336

100

             As orientações recebidas para o pós-operatório foram consideradas parcialmente suficientes (55,4%), seguidas de suficientes (35,7%) e insuficientes (8,9%). As justificativas para a não total suficiência foram o pouco tempo para assimilação das mesmas e a sua ausência por escrito.

Sobre a qualidade da assistência recebida, os pacientes consideraram-se parcialmente satisfeitos (65,2%), satisfeitos (33%) e insatisfeitos (1,8%). Os motivos para a não total satisfação foram: ausência de reserva de vaga para cirurgia, demora na admissão e no atendimento no quarto, ausência de visita médica (receita médica e alta previamente prontas) e de orientações escritas, problemas com convênios etc. Dentre os que apresentaram queixas (85%), a falta de orientação para o cuidado da ferida foi a mais freqüente (60,0%), seguindo-se a demora no atendimento às solicitações no pós-operatório (30,5%). A maioria (92,8%) não emitiu sugestões, exceto necessidade de orientações escritas (6,3%) e contato em caso de dúvidas (0,9%).

Problemas pós-operatórios foram relatados por 78 (69,6%) participantes (Quadro 1). O total de citações (296) correspondeu à média de 3,79 dentre os que relataram problemas e de 2,6 para toda a população. Os mais freqüentes foram alterações fisiológicas (32,0%), relacionadas com a ferida cirúrgica (13,5%) e náuseas e vômitos (6,1%). Seguiram-se dúvidas sobre condutas pós-operatórias (31,8%), principalmente com a ferida (16,2%) e o retorno às atividades normais (9,5%). Nos problemas emocionais (20,9%) predominara ansiedade e preocupação com o PO.

Quadro 1 – Problemas relatados pelos pacientes cirúrgicos no período pós-operatório. São José dos Campos – SP, 2004.

PROBLEMAS

TOTAL

 

N

%

1 – Alterações emocionais:

 

 

-                       Ansiedade

32

10,8

-                       Preocupação com PO

28

 9,4

-                       Depressão

2

 0,7

  Sub-total

62

20,9

2 – Alterações fisiológicas:

 

 

-                       Ferida cirúrgica

40

13,5

-                       náuseas e vômitos

18

  6,1

-                       hipertermia

8

  2,7

-                       hipotensão

6

  2,0

-                       constipação/obstrução intestinal

6

  2,0

-                       retenção urinária

6

  2,0

-                       flatulência

4

  1,3

-                       reação medicamentosa

2

  0,7

-                       hiperemia local punção venosa

2

  0,7

-                       pirogenia

2

  0,7

-                       lesão pele por queimadura bisturi elétrico

1

  0,3

Sub-Total

95

32,0

3- Dúvidas:

 

 

-                       Cuidados com ferida/dreno/curativo

48

16,2

-                       Retorno atividade da vida diária

28

  9,5

-                       Dieta a ser seguida

10

  3,4

-                       Retorno para seguimento médico

6

  2,0

-                       Medicações prescritas

2

  0,7

Sub-total

94

31,8

4 – Dor:

 

 

-                       No local da cirurgia

40

13,5

-                       Cefaléia

4

  1,3

-                       Otalgia

1

  0,4

Sub-total

45

15,2

TOTAL

296

100,00

 

Os problemas surgiram até 2 dias (38,5%), de 3 a 10 dias (51,3%) e acima de 10 dias (6-7,7%) após a cirurgia, períodos em que a grande maioria dos pacientes já havia recebido alta. Todos esses pacientes buscaram ajuda no consultório do cirurgião e somente (6-7,7%) também no hospital, porque necessitaram de re-internação, incluindo 4 re-operações devido: defeito no material implantado, re-sutura de parede abdominal, curativos na queimadura de pele, insucesso do procedimento anterior. Excetuando-se casos mais complicados, constata-se que o paciente tem o cirurgião como referência e não o hospital.

DISCUSSÃO

O desenvolvimento tecnológico na assistência à saúde vem determinando rapidez e aumento das intervenções e, ao mesmo tempo, crescimento de custos. Uma solução tem sido a diminuição do tempo de internação. Isto resvala no processo cirúrgico, que não mais inicia e termina no hospital, com suas etapas deslocadas para várias instâncias: consultório do cirurgião, laboratórios externos, domicílio. O desafio é garantir a integralidade da assistência e minimizar repercussões não desejadas.

Um estudo que avaliou cirurgias ambulatoriais constatou que dos casos que retornaram para casa no mesmo dia, 7,0% tiveram algum tipo de complicação fisiológica e, do total dos operados, 0,7% foram re-internados11. Dentre os que apresentaram complicações, 13% necessitou de ajuda em casa e dos que não as apresentaram 14% preferia ter pernoitado no hospital. Tal resultado permite questionar se os pacientes com alta precoce estão sendo considerados quanto às suas condições e de sua família para o cuidado em casa.

Na presente investigação, a maioria dos pacientes relatou problemas no pós-operatório (69,6%). Tanto os problemas fisiológicos quanto as re-internações (32,0% e 5,3%, respectivamente) foram superiores aos obtidos no estudo acima citado.

É passível relacionar os problemas relatados com a qualidade do preparo do paciente, incluindo as orientações para a alta, já que apenas 35,7% avaliaram-nas como suficientes. Esta relação baseia-se no fato de que grande parte dos problemas referiu-se a dúvidas sobre condutas (31,8%) após a alta (Quadro 1).

A incapacidade de compreender orientações não pode ser creditada aos pacientes, cuja quase totalidade apresentava grau médio de instrução. Ela pode ser estar relacionada com o curto período de permanência hospitalar, tanto pré quanto pós operatórios, os contatos no hospital com profissionais envolvidos na assistência e os momentos em que eles ocorreram.

O período de permanência hospitalar pode ser menor ainda, ao considerar que as anestesias mais freqüentes foram, justamente, as que demandam maior tempo para o paciente se restabelecer. A relação entre período de permanência pós-operatória e anestesias mais complexas apresentou, inclusive, associação significativa (p < 0,001).

É verdade que as orientações para alta podem se iniciar na fase pré-operatória, desde a decisão pela cirurgia12,13,14. Neste estudo, todos os pacientes receberam orientações pré-operatórias pelos profissionais mais relacionados com este processo (cirurgião e enfermagem) e nos momentos mais adequados (consultório do cirurgião e admissão no hospital). Porém, elas se referiram quase que exclusivamente aos preparos pré e trans-operatórios. Questionamos, também, se os pacientes estão preparados para orientações após alta nesta fase. Um estudo sobre orientações de enfermagem para a alta constatou que as pacientes apresentaram médio nível de ansiedade na admissão e baixo nível de ansiedade na alta hospitalar15. No período pós-operatório, portanto, os pacientes estariam mais aptos para as principais orientações de condutas após alta.

Os contatos com profissionais no hospital e os momentos em que eles ocorreram, na maioria das vezes, não foram adequados para orientações, tanto no período pré, quanto no pós operatório. Excetuando a enfermagem, que esteve quase sempre presente no quarto, não houve contato significativo com cirurgiões e anestesiologistas e, quando ele ocorreu, foi predominantemente no centro cirúrgico. Isto significa que os pacientes só se encontraram com tais profissionais principalmente, e somente, momentos antes e após a cirurgia, portanto, com menos condições de absorver orientações.

Os problemas ocorreram principalmente a partir de 48 horas após a cirurgia, ou seja, quando a grande maioria já havia recebido a alta hospitalar. Este fato, associado aos demais resultados, permite inferir sobre a transferência de responsabilidade da assistência pós-operatória para o próprio paciente e a família. Neste contexto, há que se resgatar a importância da assistência hospitalar, não apenas como o local de realização da cirurgia, mas como o que permeia e integra as várias etapas do processo cirúrgico. E a enfermagem pode ter papel significativo, atuando como elo entre cirurgião-paciente-hospital-família, desde o agendamento e a liberação da cirurgia, verificando ou complementando as ações já demandadas pelo cirurgião, como as de preparo pré-operatório e de orientações.

Na atual assistência cirúrgica o cirurgião é o primeiro profissional que entra em contato com o paciente e estabelece ações e orientações pré-operatórias. Mas, e, conforme visto nos resultados, elas não estão ocorrendo uniformemente. O hospital pode estabelecer protocolos para exames essenciais e orientações pré e pós-operatórias, gerais e específicas ao tipo de cirurgia.

Outra participação importante do enfermeiro e da enfermagem refere-se ao período pós-operatório, com uma definição formal de momento e local para avaliação e orientações verbais sobre os cuidados após a alta ao paciente e aos familiares. Orientações padronizadas escritas também podem ser elaboradas e fornecidas, onde constem, inclusive, formas de recorrer ao hospital ou ao cirurgião em caso de surgimento de problemas.

Conforme também foi constatado, após a alta os pacientes retornam maciçamente apenas ao consultório do cirurgião, o qual realiza, sozinho, avaliação e, muitas vezes, alguns procedimentos, como retirada de pontos e curativos. Não há garantias de que o mesmo informará o hospital sobre a evolução do paciente, exceto quando surgem complicações que culminem em re-internações. Esta é uma questão atual que não diz respeito apenas à assistência perioperatória. Os Serviços de Controle de Infecção Hospitalar também têm dificuldades de identificar infecções tardias do sítio cirúrgico e um recurso que utilizam é o acompanhamento pós-alta, por meio de visitas domiciliares, correspondência ou telefonemas8. Tal estratégia também poderia ser utilizada para o processo cirúrgico, conjugada a este Serviço.

Estudos devem ser realizados a fim de reconhecer e determinar períodos mínimos de permanência hospitalar pré-operatória e pós-operatória, conforme os tipos de anestesia, cirurgia e intercorrências, e para se incluir avaliação e orientações apropriadas como etapas formais deste processo. Para tanto, uma nova organização das dinâmicas dos setores e equipes envolvidos precisa ser desencadeada, a qual também garanta contatos pré e pós no hospital com os profissionais diretamente envolvidos, tanto para reconhecer o paciente previamente e de maneira adequada, quanto para realizar avaliações e orientações as mais completas e compreensíveis possíveis.

Conclusão

            O estudo evidenciou problemas após a alta de pacientes cirúrgicos. Pelos resultados obtidos é possível correlacioná-los com a assistência perioperatória, principalmente quanto às orientações recebidas.

Evidentemente, o sucesso do processo cirúrgico não depende exclusivamente da assistência prestada, pois envolve diversos fatores, inclusive do próprio paciente. Entretanto, são inadmissíveis problemas decorrentes de ações previamente reconhecidas como necessárias, mas que estão falhando por uma dinâmica inadequada ou incompleta da assistência. Um melhor planejamento da assistência perioperatória, sob a dinâmica atual do processo cirúrgico, pode e deve ser estabelecido.

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