Infecções hospitalares e resistência microbiana em Unidade de Cuidados Intensivos de um    Hospital Universitário

Adriana C. Oliveira, Wanessa T. Clemente, Thabata C. Lucas, Glaucia H. Martinho

Resumo

Nas últimas décadas tem-se observado o aumento da freqüência das infecções hospitalares (IH) por microrganismos resistentes. Essa realidade é ainda mais evidente em Unidades de Tratamento Intensivo (UTI). Objetivou-se nesse estudo determinar os principais sítios de ocorrência das IH e a prevalência dos microrganismos multirresistentes, nesta unidade. Tratou-se de um estudo epidemiológico, descritivo, desenvolvido na UTI adulto de um Hospital Universitário de Belo Horizonte, Minas Gerais no período de janeiro a dezembro de 2004. Dentre as infecções hospitalares mais prevalentes apresentadas verificou-se que a pneumonia, infecção do trato urinário e da corrente sangüínea foram respectivamente as mais importantes. Na prevalência do microrganismo resistente destacaram a Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumanii, MRSA, Klebsiella, Enterobacteriáceas e Serratia. Sendo este um projeto em continuidade espera-se determinar em um período maior a tendência temporal dos microrganismos resistentes correlacionados aos principais sítios de IH.

Palavra-chaves: infecção hospitalar; resistência microbiana a antibióticos; Unidades de Terapia Intensiva.

1- Introdução

            Nas últimas décadas, tem-se observado o aumento da freqüência de infecções nosocomiais por microrganismos resistentes, tornando a resistência microbiana aos antibióticos e as infecções por microrganismos resistentes (MR) uma prioridade para instituições hospitalares de todo o mundo. Infecções por MR determinam a evolução clínica dos pacientes e a utilização geral de recursos institucionais tendo em vista, a redução progressiva do arsenal terapêutico disponível para a condução desses casos.

De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doença (CDC), de Atlanta, Estados Unidos, as infecções hospitalares (IH) causadas por microrganismos resistentes aumentaram dramaticamente no ano de 1990 e, quando comparados aos últimos cinco anos, observou-se um aumento de 89% de Pseudomonas aeruginosa resistente a quinolonas, 55% de Enterococcus resistente à vancomicina (VRE), 30% de Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA) e Pseudomononas aeruginosa resistente a imipenem1. De todas as bactérias isoladas nos hospitais norte-americanos, 70% são resistentes à pelo menos um antibiótico, sendo que os pacientes com infecções por microrganismos resistentes apresentam pelo menos duas vezes mais chances de necessitarem de hospitalização com internações prolongadas podendo evoluir para o óbito.1

Essa realidade é ainda mais evidente em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) e este setor é considerado como um núcleo de emergência e disseminação de MR, devido a algumas características peculiares, como: (1) unidade restrita/fechada, com alta freqüência de contato profissional-paciente; (2) maior possibilidade de transmissão cruzada de patógenos (pela reduzida adesão à lavação das mãos em freqüência e qualidade, sobrecarga de trabalho e problemas relacionados ao acesso às pias e disponibilidade de material); (3) alta pressão seletiva por antibióticos de largo espectro; e (4) maior possibilidade de contaminação do meio-ambiente1.

Além disso, os pacientes hospitalizados, particularmente, na UTI são submetidos freqüentemente à ruptura da barreira tecidual, por procedimentos invasivos, inclusive cirurgia, ou utilizam medicamentos que debilitam a barreira química natural do indivíduo (ex: antiácidos) ou alteram a resposta imune (ex: corticóides). Ainda, a inserção de tubos, sondas e catéteres impedem a eliminação de microrganismos pelos mecanismos fisiológicos. Acresça-se que geralmente esses pacientes apresentam déficit nutricional devido à dificuldade de ingestão associada ao aumento da demanda metabólica2.

Do mesmo modo, o uso excessivo de agentes antimicrobianos e a baixa conformidade com os protocolos/medidas de controle de infecção têm sido identificados como principais fatores para a emergência de resistência microbiana. Tal fato pode ser exemplificado pelo uso abusivo de drogas de largo espectro e ainda por estimativas de que 25 a 50% de todas as prescrições de antibióticos são inadequadas, seja devido à escolha incorreta da droga, dose ou duração do tratamento1,3.

Tais constatações fazem com que a UTI se destaque como o principal ambiente para ocorrência de microrganismos resistentes em distribuição endêmica ou epidêmica (surtos)4,5. Sob a ótica epidemiológica, diversos autores apontam a UTI como a principal unidade responsável por contribuir para uma maior taxa de IH em relação aos outros setores do hospital apresentando risco médio de 5 a 10 vezes maior do que outras áreas, correspondendo em média a cerca de 20% do total das infecções hospitalares6-8.

            Assim, considerando a importância da UTI no contexto das infecções hospitalares e a necessidade de se conhecer a realidade institucional, foi proposto por meio desse estudo determinar os principais sítios de ocorrência das IH e a prevalência dos microrganismos multirresistentes, nesta unidade de um Hospital universitário.

2- Metodologia

            Tratou-se de um estudo epidemiológico, descritivo desenvolvido em um hospital público e de ensino de Belo Horizonte, denominado “Hospital do Estudo”.

            O hospital do estudo é um hospital universitário, de cuidado terciário, público e de grande porte com capacidade total instalada de 437 leitos, possuindo atualmente 373 leitos ativos. É considerado centro de referência do Sistema Único de Saúde (SUS), atende aos pacientes portadores de patologias de média e alta complexidade para a propedêutica, tratamento clínico e cirúrgico. Desenvolve programa de Controle de Infecção Hospitalar e neste aspecto, instituiu sistema prospectivo de coleta de dados das infecções hospitalares por busca ativa, desde 1990, adotando a metodologia NNISS (National Nosocomial Infection Surveillance System)9 recomendada pelo CDC, órgão de referência para regulamentação das práticas de prevenção e controle das infecções. Como parte da vigilância das infecções hospitalares, a Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH) realiza a auditoria de antimicrobianos sistematicamente em um trabalho conjunto com a unidade da farmácia.

A Unidade de Terapia Intensiva do hospital do estudo possui oito leitos destinados ao atendimento de pacientes adultos criticamente enfermos. Esta unidade é constituída de recursos humanos especializados, equipamentos adequados e mantém acesso à tecnologia invasiva avançada destinada ao diagnóstico e terapêutica. Caracteriza-se como a unidade de maior consumo de antimicrobianos e entre seus pacientes inclui-se portadores de patologias clínicas e cirúrgicas (urgência e eletiva), essencialmente das especialidades de cirurgia do aparelho digestivo, cardiovascular, neurologia e de transplantes de órgãos sólidos.

Para este estudo adotaram-se como critérios de inclusão: 1) pacientes internados na UTI, no período de janeiro a dezembro de 2004; 2) com permanência nesta unidade acima de 24 horas. E como critérios de exclusão, não fizeram parte deste estudo: 1) pacientes com diagnóstico de infecção hospitalar prévia à internação na UTI; 2) paciente com cultura positiva para microrganismos resistentes seja por colonização/infecção, no momento da internação na UTI.

A notificação da resistência seguiu critérios institucionais que estabelece como marcadores de resistência determinados antimicrobianos tais como: a) oxacilina (Staphylococcus aureus); b) vancomicina (Estafilococos coagulase negativa); c) ampicilina e vancomicina (espécies de Enterococos); d) duas classes de drogas a exemplo de aminoglicosideos e quinolonas ou β lactâmicos ou carbapenem (Enterobacteriáceas); e) quinolona e carbapenem (Acinetobacter); f) ceftazidima e carbapenem (Pseudomonas); g) sulfametoxasol/trimetropim (Stenotrophomonas e Burkolderia).

Os dados foram coletados diariamente por um membro da equipe da pesquisa, através da busca ativa dos casos sendo estes registrados em instrumento próprio adotado pela CCIH, onde as informações se referiam a dados como: idade, sexo, procedência, patologias de base, tempo de permanência prévia e pós-UTI, procedimentos invasivos e procedimentos cirúrgicos.

Para a coleta desses dados foi realizada a leitura de prontuários, registros de enfermagem, consulta ao banco de dados microbiológico, interconsultas com outros profissionais e observação direta do paciente. No tratamento dos dados foi realizada uma análise descritiva das variáveis.

3- Resultados

No período de estudo foram identificados 659 pacientes internados na UTI. Porém, 83 pacientes foram excluídos por não terem atendido aos critérios de inclusão do estudo resultando a amostra final no seguimento de 576 pacientes.

Para caracterização dos pacientes, de acordo com as variáveis propostas para este estudo a TAB. 1  apresenta a freqüência simples e percentual da análise descritiva.

Tabela 01 – Distribuição dos pacientes de acordo com as variáveis propostas para o estudo. Belo Horizonte, 2005.

 

Variável

Freqüência (n %)

1-Sexo

Masculino

Feminino

 

 

298 (51,7)

278 (48,3)

2- Idade

15 a 40

41 a 65

> 65

 

 

153 (27)

305 (53)

118 (20)

3-Procedência

Pronto Atendimento

Outros setores do Hospital

Comunidade

Outros Hospitais

 

 

68 (11,8)

398 (69,1)

 95 (16,5)

 15 (2,6)

4-Permanência prévia a UTI

<1 dia

1 a 3 dias

4 a 30 dias

>30 dias

 

 

171 (29,7)

217 (37,7)

166 (28,8)

  22 (3,8)

5- Permanência na UTI

1 a 5 dias

6 a 30dias

> 30 dias

 

 

473 (82,1)

 91 (15,8)

 12 (2,1)

6- Permanência após a alta da UTI

1 a 5 dias

6 a 30 dias

> 30 dias

 

 

288 (50)

249 (43,2)

 39 (6,8)

7- Doença de base (aparelhos)

Cardiovascular

Gastrintestinal

Nervoso (central/periférico)

Respiratório

Geniturinário

Osteomuscular

Ginecologia/ obstetrícia

Hematopoiético

 

 

253 (43,9)

161 (28)

 83 (14,4)

 27 (4,7)

 25 (4,2)

 13 (2,3)

 13 (2,3)

 1 (0,2)

 

8- Tipo de cirurgia

Não fizeram

Cardiovascular

Gastrintestinal

Nervoso (central/periférico)

Geniturinário

Osteomuscular

Respiratório

Ginecologia/ obstetrícia

 

 

129 (22,4)

169 (29,3)

144 (25)

  88 (15,3)

  21 (3,6)

 11 (1,9)

   9 (1,6)

   5 (0,9)

 

 

Do total de 576 pacientes 129 (22,4%) não se submeteram à qualquer cirurgia e 447 (77,6%) foram submetidos a algum procedimento cirúrgico. Deste mesmo total 46 (8,0%) evoluíram para óbito durante a internação na UTI.

Durante o estudo, 196 (34%) pacientes não foram submetidos a procedimentos invasivos e 380 (66%) fizeram uso dos mesmos mais de uma vez ou utilizaram mais de um tipo de procedimento. Os procedimentos são notificados na forma de procedimento-dia, em conformidade com o denominador utilizado para cálculo da IH a eles relacionado. Este denominador expressa com melhor precisão a relação exata de contribuição do procedimento ao risco para IH. Ainda, permite lidar com períodos desiguais de observação, pois o período de exposição ao procedimento é variável e os indivíduos entram no sistema de vigilância em pontos diferentes do tempo, constituindo populações com riscos desiguais. Assim, o denominador procedimento-dia é útil para dar peso apropriado à contribuição de cada um deles9.

Neste estudo, para os pacientes submetidos a procedimentos invasivos, estes foram assim distribuídos de acordo com os dias de utilização: 304 (32,4%) cateteres centrais-dia, 356 (38%) sondas vesicais de demora-dia e 278 (29,6%) ventilações mecânicas-dia. O uso de procedimento invasivo foi considerado importante fator de risco para a ocorrência da infecção hospitalar (p<0,05). A maioria dos pacientes permaneceu com algum procedimento até 3 dias (59%). Esta permanência também pôde ser considerada fator de risco, pois, quanto maior o tempo de exposição ao procedimento invasivo, considerado como fator de risco maiores são as de uma infecção.

Em relação aos dados microbiológicos, do total de pacientes acompanhados durante a internação, foram identificados microrganismos resistentes em 88 (15,3%) pacientes (de 213 culturas realizadas) e destes 48 (54,5%) evoluíram com infecção.

Para fins de análise, em relação às amostras clínicas das culturas realizadas estas foram assim distribuídas: 116 (54,5%) secreções traqueais, 14 (6,6%) hemoculturas, 40 (18,7%) pontas de cateter, 13 (6,1%) uroculturas, 9 (4,2%) ferida operatória  e 21 (9,8%) outros materiais.

Considerando os microrganismos isolados tem-se: Pseudomonas aeruginosa (86), Acinetobacter baumannii (62), Staphylococcus aureus meticilina resistente/MRSA (24), Enterobacter sp (12), Serratia liquefaciens (11), Klebsiella pneumoniae (8), Proteus mirabilis (7), e Stenotrophomonas maltophilia (3).

            Assim, a Tab. 02 apresenta a distribuição dos microrganismos por material de isolamento incluídos na análise.

Tabela 02 – Distribuição de microrganismos por amostra clínica. Belo Horizonte, 2005.

Material

Microrganismos

 

Psa

Acinet

MRSA

Klebsiella

Enterob

Proteus

Serratia

Strenot

Hemocultura

03

06

03

01

01

-

-

-

Secreção traqueal

47

32

11

05

08

05

06

02

Secreção ferida operatória

05

03

-

01

-

-

-

-

Ponta de cateter

15

11

06

01

02

02

03

-

Urocultura

11

01

-

-

-

-

01

-

Outros

05

09

04

-

01

-

01

01

Total

86

62

24

8

12

7

11

03

 

Durante o período do estudo, 66 (11,4%) pacientes adquiriram infecção na UTI, sendo notificadas 131 infecções, o que demonstra que um mesmo paciente adquiriu mais de uma infecção, uma proporção de quase duas IH por paciente, conforme será apresentada na Tab. 03.

Tabela 03 – Distribuição do perfil dos pacientes com IH segundo as variáveis do estudo. Belo Horizonte, 2005.

Variável

Infecção Hospitalar (%) n=66

Valor de p

Risco Relativo

1-Sexo

Masculino

Feminino

 

 

29 (44)

37 (56)

 

p>0,2

 

0,70

2-Idade

15 a 40

41 a 65

> 65

 

 

13 (19,7)

41 (62,1)

12 (18,2)

 

 

3-Procedência

Pronto Atendimento

Outros setores do hospital

Comunidade

 

 

10 (15,1)

51 (77,3)

 5 (7,6)

 

p>0,2

 

4- Proc. invasivos

Cateter venoso central

Sonda vesical de demora

Ventilação mecânica

 

269 *

253 *

221 *

 

 

 

 

5- Cirurgia (aparelho) n=57

Digestivo

Cardiovascular

Geniturinário

Sistema nervoso

Respiratório

Obstetrícia

 

 

 

25 (37,9)

18 (27,3)

 5 (7,6)

 5 (7,6)

 3 (4,5)

 1 (1,5)

 

 

p<0,2

 

 

1,95

6- Antimicrobiano

Uso prévio

Durante

Ambos

 

 

 8 (12,1)

61 (92,4)

 8 (12,1)

 

 

p<0,2

 

 

16,74

7- Doença de base (aparelho)

Digestivo

Cardiovascular

Geniturinário

Respiratório

Nervoso

 

 

36 (54)

26 (39)

 2 (3)

 1 (2)

 1 (2)

 

 

p<0,2

 

                        *Número de procedimentos dias.


        Destas infecções, os principais microrganismos isolados foram Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumannii, MRSA sendo a Stenotrophomonas menos prevalente. A Tab. 04 mostra a distribuição dos pacientes infectados e não infectados de acordo com as variáveis em estudo.

 

            Tabela 04 - Distribuição do perfil dos pacientes com e sem IH segundo as variáveis do estudo. Belo Horizonte, 2005.

 

 

         Do total de pacientes com IH, 14 (21,2 %) evoluíram a óbito e 52 (78,8%) pacientes    receberam alta da UTI.

        Em relação aos procedimentos cirúrgicos 57 (86,4%) pacientes foram submetidos a algum tipo de cirurgia e 9 (13,6%) pacientes não foram cirúrgicos. A distribuição das infecções diagnosticadas nos pacientes por sítios específicos é apresentada na Tab. 05.

Tabela 05 – Distribuição infecções diagnosticadas nos pacientes do estudo, por sítios. Belo Horizonte, 2005.

 

Infecção

Freqüência (%) n=131

1-Pneumonia

44 (33,6)

2-Infecção do Trato Urinário

40 (30,5)

3-Infecção da Corrente Sanguínea

24 (18,3)

4-Infecção arterial/venosa (aparelho cardiovascular)

                 11 (8,4)

5-Infecções de pele

8 (6,1)

6-Infecções do ouvido, nariz e boca

3 (2,3)

7-Infecção do sistema reprodutor

1 (0,8)

Total

131 (100)

 

 Dentre as infecções hospitalares mais prevalentes, distribuídas por seus sítios específicos, pode-se destacar a Pneumonia, (33,6%), as infecções de trato urinário (30,5%) e a infecção da corrente sangüínea (18,3%) sendo menos freqüentes as do sistema reprodutor, (0,8%). Na Figura 01, pode-se observar o gráfico das taxas mensais de infecção destes sítios. Estas taxas se encontram na Tab. 06.

Tabela 06 - Taxas mensais de IH, por sítio mais prevalente. Belo Horizonte, 2005.


 

Figura 01 - Gráfico das taxas mensais de IH, por sítios mais prevalentes. Belo Horizonte, 2005

 

 4-Discussão:

A partir da introdução de microrganismos resistentes nas instituições de cuidados a saúde, na década de 1960, como a pandemia de S. aureus, a resistência microbiana tem resultado no aumento da morbidade, mortalidade e dos custos relativos aos cuidados assistenciais.

O uso de agentes antimicrobianos tem sido algumas vezes referenciado como o mais importante fator de seleção de resistência. Esse fato, associado às condições que favorecem a disseminação, determinam porque a UTI tende a ser um setor onde a resistência é geralmente mais freqüente, os patógenos muitas vezes MR e a disseminação mais provável.

Assim, a preocupação inicial com a questão e as estratégias de controle se baseavam fundamentalmente no controle do uso de antimicrobianos, passando em muitas instituições a ser implementado ou recomendado por órgãos de referência a auditoria de antimicrobianos.

Rapidamente verificou-se que o problema permanecia e, por outro lado quando se pretendia seu controle, a realidade mostrava seu agravamento e ainda que seu controle estaria ligado essencialmente ao envolvimento e a co-responsabilidade da equipe multiprofissional.

Com esse enfoque nos chama atenção alguns fatores vistos como possíveis de influenciarem diretamente na qualidade da assistência prestada e por sua vez na disseminação de microrganismos sendo também observado alguns deles no hospital de estudo e aqui destacados, por serem encontrados como dificuldades na realidade de outras instituições são: número reduzido de profissionais de enfermagem para assistência a um grande número de pacientes, o que implica em uma necessária revisão do dimensionamento de pessoal para a unidade e até mesmo em uma revisão das políticas de recursos humanos; falta de locais adequados para higienização das mãos, devendo ser observado a instalação de pias em número suficiente e locais estratégicos, disponibilidade de sabão anti-séptico, álcool gel e papel toalha; baixa adesão às medidas de precauções e práticas instituídas pelo controle de infecção como a lavação das mãos, o uso de equipamento de proteção individual, processos inadequados de desinfecção e esterilização de materiais e equipamentos, dentre outros.10-11 -12

No presente estudo, verificou-se que acima de 60% dos pacientes admitidos na UTI apresentaram uma permanência prévia na instituição entre um e trinta dias, o que denota a exposição anterior à microbiota hospitalar com possível colonização e/ou alteração da flora do paciente, uso de antibióticos, além de cirurgias e procedimentos invasivos.

Em relação à permanência direta na UTI para 82% dos pacientes foi inferior a 6 dias, logo, este pequeno período em que a maioria dos pacientes permaneceram na unidade, a caracteriza como uma unidade essencialmente cirúrgica reafirmando os dados de que 77,6% dos pacientes deste estudo foram pacientes cirúrgicos. Também o tempo que o paciente permanece internado na unidade pode ser considerado um importante fator de risco para se contrair infecção hospitalar (p=0.0000). Destes pacientes, 57 (13%) foram infectados, sendo que 42 (73,7%) foram infectados por bactéria multirresistente. Para estes, a permanência reduzida é desejada a fim de minimizar a exposição a procedimentos invasivos e possíveis complicações.

Independente do material ou amostra clinica, no que se refere à prevalência do microrganismo resistente destacaram a Pseudomonas aeruginosa, Acinetobacter baumanii, MRSA, Klebsiella, Enterobacteriaceas e Serratia.

Verifica-se no contexto internacional que mais de dois milhões de infecções hospitalares ocorrem a cada ano nos EUA e destas de 50 a 60% são causadas por cepas de bactérias resistentes.

Apesar dos diversos microrganismos resistentes isolados em culturas na UTI do hospital de estudo, o MRSA tem se destacado principalmente na América Latina em muitas instituições, por ter se tornado endêmico e de difícil controle, tendo disseminado também de instituições hospitalares para os centros comunitários e de cuidados domiciliares1. Seu aspecto endêmico pode ser verificado quando se analisa que em 1990 das cepas de S. aureus isoladas 20 a 25% eram MRSA e em 1997 estas alcançaram uma taxa de 25 a 50%. Na instituição de estudo, 11,27% dos microrganismos isolados na unidade foram MRSA,o que confere a este mesmo microrganismo a característica de endêmico11.

Quando o MRSA é avaliado observa-se que sua taxa de prevalência é muito menor no Canadá em comparação com a América latina pelas elevadas taxas, talvez justificada pela argumentação de que no Canadá uma seleção apropriada de antimicrobianos, sistema de vigilância e procedimentos efetivos de identificação de microrganismos além das adequadas práticas de controle das infecções11.

Em relação aos 66 pacientes que desenvolveram infecção hospitalar 92,4% precederam de outras unidades da própria instituição, sendo que a maioria deles, 37,7% tiveram permanência prévia de 1 a 3 dias. Este tempo em que o paciente permaneceu na instituição, até sua entrada na unidade, foi considerado importante fator de risco para se contrair uma infecção hospitalar (p<0,05). Dentre as infecções hospitalares mais prevalentes verificou-se que a pneumonia, infecção do trato urinário e da corrente sangüínea foram respectivamente as mais importantes.

De acordo com o relatório do National Nosocomial Infection Surveillance em 2002, taxas de IH apresentadas para UTI clínico-cirúrgicas relacionadas a procedimentos invasivos apontam índices de 5,6% para infecção do trato urinário, 5,1% para pneumonia associada à ventilação mecânica.

De acordo com NNIS, de 1975 à 1996 a porcentagem de infecções no trato respiratório baixo e na corrente sanguínea aumentaram enquanto que a infecção no trato urinário e em feridas cirúrgicas diminuíram.

Apesar de, no presente estudo as taxas encontradas serem superiores aquelas apontadas pelo NNIS, outras pesquisas em desenvolvimento no Brasil e em alguns paises da América latina tem reportado números semelhantes aos nossos. Tais dados constituem uma grande preocupação, porém discussões amplas têm sido realizadas por especialistas na área em que as diferenças entre as estratégias de controle em países desenvolvidos como Estados Unidos e Inglaterra e países da América Latina têm sido confrontados6

Além disso, um fato verificado quando se compara a evolução das taxas de infecção entre países subdesenvolvidos e os de primeiro mundo, um traço comum se destaca como estratégia de redução das infecções hospitalares: a educação permanente da equipe multiprofissional e o retorno de taxas a comunidade hospitalar.

Não se pode esquecer ainda que a abordagem multidisciplinar do problema, deve prever uma estreita correlação entre o serviço de controle de infecção hospitalar, o serviço de enfermagem, médico, farmácia e laboratório com particular enfoque nas UTIs.

Dessa forma a partir da publicação de dados parciais referentes a um ano de seguimento dos pacientes da UTI este estudo continua em andamento. Nesse momento se espera ter contribuído para estimular a equipe multiprofissional a busca de alternativas para o controle de questões tão importantes e tão presentes em nosso cotidiano de cuidadores, educadores e enquanto seres humanos passiveis de sermos cuidados.5-6

 5- Conclusões

Verificou-se no período do estudo que entre os microrganismos isolados, os mais prevalentes foram aqueles que demandam um grande esforço para seu controle. E em relação aos principais sítios de infecção, ainda se verifica as infecções do trato respiratório como as mais freqüentes, fato este bastante freqüente na UTI, porém exigindo grande esforço e dedicação da equipe multiprofissional para seu controle, indo desde os cuidados assistenciais como a revisão dos períodos de troca de circuitos de respirador, a mobilização do paciente no leito até a melhoria dos métodos diagnósticos.

Considerando ser esse um projeto em continuidade espera-se determinar por um período maior a tendência temporal dos microrganismos resistentes correlacionados aos principais sítios de IH.

Ainda se reforça que o sucesso de qualquer iniciativa para o controle da resistência bacteriana deve se fundamentar em condutas que otimizem um programa efetivo com definições precisas, monitoramento da freqüência da resistência, sistema de controle de infecções hospitalares estável, educação permanente, revisão/correção das prescrições (auditoria), determinação do uso de antimicrobianos por unidade de tempo além da habilidade de se identificar o isolamento de sítios de infecção, a cepa bacteriana e os mecanismos de resistência.

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