Adesão ao tratamento com anti-retrovirais entre pacientes com aids

Léa LMMB Barroso, Karla KCP Pereira, Paulo PCA Almeida, Marli MTGG Galvão

 

Resumo

O uso da terapia anti-retroviral combinada colabora para a regressão de manifestações clínicas da infecção pelo HIV e para a melhoria na qualidade de vida dos pacientes, no entanto, apesar da adesão à terapêutica constituir importante ação para a resolutividade do tratamento, permanece como sério problema, tendo em vista as inúmeras dificuldades para alcançar a adesão. Objetivo: Avaliar a adesão dos portadores de HIV/aids em face do uso de terapia anti-retroviral (TARV) e propor estratégias que facilitem a adesão. Métodos: Desenvolveu-se estudo do tipo descritivo e exploratório em ambulatório especializado em Fortaleza-CE entre maio e junho de 2004, com 38 pacientes com aids em uso da TARV, por meio de entrevista semi-estruturada. A adesão foi baseada na soma das quantidades totais de comprimidos da TARV tomados nos três dias que antecederam a entrevista. Como aderente considerou-se o paciente que utilizou pelo menos 95% da quantidade de TARV prescrita. Resultados: Houve predomínio do sexo masculino, com trinta anos ou mais, com ensino fundamental, casados, católicos, desempregados e renda familiar de até um salário mínimo. A taxa de adesão foi de 71%. Ao correlacionar as diferentes variáveis, a não-adesão esteve relacionada ao sexo masculino, faixa etária entre 20 e 29 anos, pouca escolaridade, solteiros, desempregados e entre aqueles com escassos recursos financeiros. Conclusão: Nas diferentes variáveis socioeconômicas obteve-se significância estatística para a idade: os mais velhos tendem a maior adesão. Supõe-se que a atuação de profissional de saúde diretamente voltada a melhorar o uso de medicamentos específicos poderá agir como um facilitador no processo e manutenção de um padrão esperado de adesão. Neste intuito, sugere-se que equipe multiprofissional, organização adequada do serviço, criação de vínculos e formação de grupos de adesão, além de atendimento individual, poderão responder às expectativas e às dúvidas decorrentes do uso contínuo da terapia com ARV.

Palavras-chave: HIV, Síndrome da imunodeficiência adquirida, terapia combinada.

 INTRODUÇÃO

Com o advento da terapia anti-retroviral combinada e de drogas mais potentes, tornou-se evidente a regressão de manifestações clínicas da infecção pelo HIV, e o surgimento de melhora na qualidade de vida e na condição física e emocional dos portadores do HIV/aids1. Associado a este fato, também, observa-se diminuição das internações hospitalares na ocorrência de infecções oportunistas e da mortalidade. Diante disso, a aids passa a ter características de uma doença crônica e potencialmente controlável2.

No entanto, concomitante aos benefícios advindos do uso da medicação, evidenciam-se complicações relacionadas com a toxicidade das drogas, a resistência viral e a necessidade de alta adesão ao tratamento, as quais permanecem como sérios problemas, tornando-se necessária a avaliação cuidadosa de riscos e benefícios da TARV no momento da sua indicação3.

A adesão à terapêutica constitui importante ação para a resolutividade do tratamento. Pode ser entendida como uma atividade conjunta na qual o paciente não apenas cumpre orientações médicas, mas segue, entende e concorda com a prescrição estabelecida, mediante aliança terapêutica entre ele e o profissional2.

Como não-adesão considera-se interromper ou a não tomar a medicação prescrita, tomar menos ou mais do que a posologia recomendada, omitir doses ou alterar intervalos de tempos determinados, não seguir as recomendações dietéticas ou outras que acompanham a medicação4.

Segundo observado, diferentes estudos no Brasil e no mundo divulgam questões relacionadas à adesão de portadores de HIV/aids ao uso dos medicamentos específicos.

Ante as possibilidades de melhorar a qualidade de vida dos indivíduos infectados pelo HIV, uma das formas para alcançar a melhora clínica e aumentar o tempo de vida, enquanto a aids não tem cura, é reduzir as falhas terapêuticas, utilizando como medida a busca por melhores índices de adesão ao uso sistemático dos medicamentos específicos. Outra medida provavelmente eficaz é se identificar os motivos da não-adesão e incentivar a mudança de comportamento.

Neste contexto, objetivou-se avaliar a adesão de pacientes com aids que fazem uso de medicamentos anti-retrovirais em ambulatório especializado, propondo-se estratégias destinadas a facilitar a adesão.

MÉTODOS

Estudo do tipo descritivo e exploratório, desenvolvido de maio a julho de 2004, no qual foram entrevistados 38 pacientes com aids, acompanhados em ambulatório especializado do Hospital São José de Doenças Infecciosas, em Fortaleza, Ceará.

Para seleção dos pacientes adotou-se o método de amostragem de conveniência. Essa técnica utiliza pessoas ou objetos mais prontamente acessíveis como sujeitos da pesquisa4. Quanto aos critérios de seleção foram: pacientes de ambos os sexos; com diagnóstico de aids; idade igual ou superior a 18 anos; em uso de anti-retroviral há pelo menos seis meses e que aceitassem participar do estudo.

Realizou-se coleta de dados mediante entrevista semi-estruturada. Em virtude de se explorar, diretamente, as facilidades e dificuldades de se tomar os anti-retrovirais, empregaram-se perguntas abertas para avaliar o nível de adesão. As questões específicas, sem julgamento, cujo pesquisador ofereça espaço para que a falta de adesão seja revelada, facilitam a obtenção de informações sobre o uso de anti-retrovirais5. Após verificada a saturação6 das informações, ocorreu o encerramento da coleta de dados.

O roteiro de coleta de dados dividiu-se em três partes: 1. Caracterização sociodemográfica, como idade, sexo, escolaridade, situação conjugal, religião e renda familiar; 2. Medicações anti-retrovirais em uso (informação verbal do paciente e busca pela anotação da prescrição), tempo de diagnóstico e de tratamento; 3. Avaliação da adesão ao tratamento, a partir das seguintes perguntas: Fale-nos como julga o seu uso dos anti-retrovirais. Fale-nos como recebe informações sobre adesão. Fale-nos sobre os pontos, positivos e negativos que interferem ou não no seu tratamento.

A medida de adesão foi aquela indicada pelo Ministério da Saúde que define como taxa de aderência à terapia ARV a proporção de indivíduos em TARV que tomaram mais de 95% das pílulas prescritas nos últimos três dias, auto-relatada7.

Na análise dos dados, as variáveis quantitativas foram apresentadas em freqüências absolutas e relativas. Para avaliar a associação entre as diferentes variáveis utilizou-se o Teste Exato de Fisher quanto a sexo, situação funcional, renda familiar e convivência com outros portadores, e o Teste de Fisher-Freeman-Halton quanto a idade, escolaridade, situação civil e tempo de tratamento. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05). Além disso, os dados foram analisados com uso do software SPSS versão 10.0 para windows.

Em relação aos dados qualitativos, utilizou-se a análise de conteúdo, proposta por Bardin8. Enquanto as respostas foram registradas literalmente no formulário, os conteúdos foram reunidos de forma a associar respostas semelhantes.

De acordo com o determinado pela Resolução 196 de 10 de outubro de 19969, referente a pesquisa envolvendo seres humanos, todos os aspectos éticos foram respeitados e o projeto foi avaliado e autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição.

RESULTADOS

Dos 38 pacientes com aids, 52,6% eram do sexo masculino. Entre eles a idade mínima foi de 20 e a máxima de 61 anos, sendo a maioria de casados (47,4%).

Ao investigar a opção religiosa, 82,4% afirmaram ser católicos. Sobre a escolaridade, 57,9% indicaram ensino fundamental incompleto, cuja variação ocorreu de dois a sete anos de estudo.

Desempregados somaram 73,7% dos pacientes e 50,0% informaram renda familiar de até um salário mínimo. Provavelmente a falta de opção por trabalho, associada a estigmas advindos da doença, conduz os pacientes a ampliar as estatísticas de desempregados e mais empobrecidos (Tabela 1).

Tabela 1 - Distribuição das características sociodemográficas dos 38 pacientes com aids. Fortaleza-

                  CE, 2004

Características

%

Sexo

 

 

 

Masculino

20

52,6

Feminino

18

47,4

Faixa etária (anos)

 

 

 

20 – 29

9

23,8

30 – 39

14

36,8

40- 60

15

39,4

Situação conjugal

 

 

 

Solteiro (a)

15

39,5

Casado (a)

18

47,4

Viúvo (a)

5

13,1

Opção religiosa

 

 

 

Católica

32

84,2

Não – católica

6

15,8

Escolaridade

 

 

 

Ensino fundamental incompleto

22

57,9

 

Ensino fundamental completo ou mais

16

42,1

Situação funcional

 

 

 

Empregado (a)

10

26,3

 

Desempregado (a)

28

73,7

Renda mensal familiar ( SM*)

 

 

0 – 1

19

50

 

1 – 2

7

18,4

 

2 – 3

6

15,8

 

3 - 5

6

15,8

*SM – O salário mínimo à época do estudo era de R$ 260,00 (duzentos e sessenta reais).

 

Quanto aos esquemas anti-retrovirais, 60,0% não sabiam referir o nome da medicação, recorriam ao receituário para identificá-los, citaram 22 composições de drogas, com predomínio de esquemas de três ou mais medicamentos (78,6%) (dados não apresentados). Houve intervalo de nenhum a 75 comprimidos, ingeridos nos últimos três dias anteriores à entrevista. Predominou, porém, o uso de dez a dezenove comprimidos diários (39,4%) (Tabela 2).

Tabela 2 - Esquema anti-retroviral e comprimidos ingeridos. Fortaleza-CE, 2004

Esquemas anti-retroviral

N

%

 Duplos

 Triplos

 Quádruplos

 Quíntuplos

7

18,4

26

68,5

4

10,5

1

2,6

Comprimidos ingeridos nos três últimos dias *

 

 

0 - 9

10 - 19

20 - 29

30 - 39

≥ 40

13

34,2

15

39,4

6

15,8

2

5,3

2

5,3

* Intervalo do número de comprimidos ( 0 - 75).

 

O nível de adesão obtido foi 71,0%. Segundo evidenciou esse, 27 pacientes tomaram 95,0% ou mais do total de comprimidos nos últimos três dias.

Ao se observar as diferentes variáveis (sexo, idade, escolaridade, situação conjugal, situação funcional e renda familiar) e a relação com aderentes e não-aderentes, encontrou-se nível significante para a idade (p=0,042). Pacientes mais jovens (20 - 29 anos) mostraram-se pouco aderentes aos esquemas prescritos, com tendência à maior adesão à medida que as idades aumentavam (Tabela 3).

 

Tabela 3 - Distribuição dos pacientes aderentes e não-aderentes e variáveis sociodemográficas. Fortaleza-CE, 2004

Variáveis

Aderentes

N= 27

Não – aderentes

N = 11

p

 

N

%

N

%

 

Sexo

 

 

 

 

 

 

Masculino

14

51,8

6

54,5

0,890 (1)

Feminino

13

48,2

5

45,5

Idade (ano)

 

 

 

 

 

 

20-29

4

14,8

5

45,5

 

0,042 (2)

30-39

10

37

4

36,4

40-49

13

48,2

2

9,1

Escolaridade

 

 

 

 

 

 

Ensino fund. incompleto ou menos

16

59,3

6

54,5

 

0,999 (2)

Ensino fund. completo ou mais

11

40,7

5

45,5

Situação civil

 

 

 

 

 

 

Casado(a)

11

40,8

4

36,4

 

0,893 (2)

Solteiro(a)

12

44,4

6

54,5

Viúvo(a)

4

14,8

1

9,1

Situação funcional

 

 

 

 

 

 

Empregado (a)

9

33,3

1

9,1

0,145 (1)

Desempregado (a)

18

66,7

10

80,9

Renda familiar (SM*)

 

 

 

 

 

 

0 ⊦ 1

11

40,7

8

72,7

 

0,152 (1)

1 5

16

59,3

3

27,3

 

 

 

 

 

 

 

 

(1)     Teste Exato de Fisher; (2) Teste Exato de Fisher – Freeman – Halton.

 

Os testes estatísticos revelaram significância apenas na variável idade. Provavelmente isto decorreu da reduzida casuística estudada. Assim, optou-se por analisar as variáveis de acordo com a freqüência dos aderentes e não-aderentes no intuito de se buscar características dos portadores de HIV/aids sugestivas de influenciar na dinâmica da adesão ao tratamento com ARV.

Conforme percebeu-se, os homens (54,5%) e os participantes menos escolarizados (54,5%) mostraram tendência para não aderir ao tratamento preconizado.

Particularmente os solteiros (54,5%) apresentaram percentual mais elevado de não-aderência. Com base neste resultado, não ter compromisso mais efetivo com um parceiro pode conduzir a dificuldades no estabelecimento da adesão. Além disso, entre os pacientes que não trabalham, observou-se alto índice de não-aderência aos ARVs (80,9%), índice superior ao daqueles que estão exercendo algum tipo de atividade laborial (9,1%).

Portadores com renda familiar de até um salário mínimo [Valor do salário mínimo na época R$ 260,00, equivalente a US$$ 92.0] mostraram-se percentualmente menos aderentes ao tratamento (72,7%).

Ao relacionar não-aderência com a convivência com outros portadores e o tempo de tratamento, não se observou diferença estatística ao nível proposto. Deste modo, analisou-se a freqüência absoluta e relativa (Tabela 4). Dos entrevistados, 26,3% convivem com outros portadores de HIV/aids, 27,3% mostraram-se não-aderentes, enquanto entre os que não conviviam com outros infectados, 72,7% eram de não-aderentes.

Tabela 4 - Distribuição dos pacientes aderentes e não-aderentes aos ARVs relacionada com as

                  variáveis convivência com outros portadores e tempo de tratamento. Fortaleza-CE, 2004

 

Variáveis

Aderentes (N=27)

 

Não-aderentes (N=11)

P

 

N

%

N

%

 

Convivência com outro portador

 

 

 

 

 

0,920 (1)

 

Convivem

7

25,9

3

27,3

Não convivem

20

74,1

8

72,7

Tempo de tratamento (ano)

 

 

 

 

 

 

0 – 1

5

18,5

2

18,2

 

0,999 (2)

2 – 4

8

29,7

3

27,3

5 – 8

12

44,4

5

45,4

9 – 11

2

7,4

1

9,1

 

 

 

 

 

 

 

 

(1) Teste Exato de Fisher; (2) Teste Exato de Fisher – Freeman – Halton.

 

O maior percentual de não-aderentes (45,4%) informou cinco a oito anos de tratamento, sugerindo que o tempo de diagnóstico e os benefícios constatados pelo uso dos ARVs não são suficientes para levar o indivíduo ao uso desejado e nível satisfatório de adesão.

Pelos dados qualitativos, os depoimentos retrataram diferentes situações. Alguns indicaram boa adesão e outros evidenciaram profunda dificuldade para conseguir aderir ao tratamento como recomendado.

Sobre isto, as perguntas abertas foram incluídas para se buscar a percepção do próprio paciente sobre adesão. Pela questão “Como está sua adesão” as falas a seguir retratam essa situação:

“ Tenho uma boa adesão devido ao estímulo encontrado e compartilhado junto ao grupo que se discute o tratamento.”

“ Considero ótima [a adesão], venho sempre às consultas. Faço o tratamento da melhor maneira possível.”

“Acho que tenho uma boa adesão, apesar de esquecer de tomar os medicamentos.”

“Precisei da ajuda de um psicólogo para aceitar a minha necessidade de usar o tratamento...”

“ Não aceito a doença. Abandono o tratamento e quando pioro é que volto a fazer uso do esquema prescrito...”

“ Pensei em desistir no início do tratamento, mas hoje vejo como é importante para minha vida, melhorei muito, estou bem...”

“Já abandonei o tratamento, outras vezes, não gosto do medicamento...”

Ao serem questionados sobre informações recebidas sobre adesão e quem orientou, dos 38 pacientes, 27 afirmaram terem sido orientados sobre a necessidade da adesão durante o atendimento clínico no próprio serviço e três receberam orientações em atendimento clínico além de participarem de grupo de adesão. Um paciente recebeu informações sobre adesão por meio de psicólogo. No entanto, sete asseguraram não ter recebido informações sobre adesão.

Em relação às dificuldades para aderir ao tratamento, destacam-se algumas falas:

“... quando saio de casa às vezes esqueço. Essa é uma situação que sempre acontece...” [referindo-se às caixas/frascos dos medicamentos].

“ Não tomo os comprimidos diante de pessoas que desconhecem minha doença...”

“É difícil tomar no horário de trabalho, as pessoas podem descobrir...”

“Quando tomo bebida alcoólica, não tomo o remédio para não causar mal-estar”

“... ao tomar os medicamentos sinto náuseas, vômitos. É ruim... desde a quantidade, o tamanho, o gosto...”

DISCUSSÃO

No Brasil a política de distribuição gratuita dos ARVs tem propiciado aumento de sobrevida, redução das doenças oportunistas e abrandamento da progressão da infecção pelo HIV. Entretanto, segundo demonstrado por diferentes estudos em âmbito mundial, há inúmeras dificuldades na adesão. Esta, porém, é absolutamente necessária para se conseguir os benefícios desejados ao longo da vida dos portadores.

Como evidenciado pelas características dos estudados há predominância de indivíduos do sexo masculino, com trinta anos ou mais, com precária inserção escolar e escassos recursos financeiros. Esta situação é condizente com outros estudos no Brasil 10,11 e com o divulgado pelo Ministério da Saúde, demonstrando uma mudança no perfil da epidemia nas duas últimas décadas.

Na América do Norte, conforme estudo avaliativo sobre homens e mulheres, as mulheres foram menos aderentes ao regime anti-retroviral prescrito12, ao contrário do presente estudo, onde os homens foram menos aderentes.

Segundo indicado por estudos, a aderência ao uso de medicamentos aumenta com a idade, e pessoas mais jovens demonstram irregularidade nos tratamentos. Nos EUA, investigação mostra associação positiva entre aderência e idade superior a 50 anos, sugerindo que a idade mais avançada é um fator preditor de aderência desejada13,14,15. Estes estudos confirmam os resultados observados, e reforçam a necessidade de ações possíveis de contribuir para a adesão entre os mais jovens.

Nesta pesquisa, foram observados menores níveis de adesão entre os solteiros. Deste dado pode-se depreender que a ausência de companhia mais efetiva para estimular e apoiar a adesão seja um fator a contribuir para o desencorajamento da tomada dos medicamentos.

Semelhante ao observado nesta pesquisa, como evidenciado por outros estudos, pacientes com menor grau de escolaridade tendem a apresentar pouca adesão ao uso dos anti-retrovirais10,11,14.

Quanto à situação econômica dos participantes desta pesquisa, a maior parte dos não-aderentes referiu renda familiar precária e se disse desempregado. Descrições na literatura corroboram esses resultados, apontando que a baixa renda familiar, associada ao desemprego, demonstra riscos maiores para a não-aderência10,11,13,14.

Ainda segundo os dados demonstram, além de revelarem elevado índice de não-adesão os pacientes integravam os estratos da população menos qualificada, como os empobrecidos, com menor inserção no mercado de trabalho e pouco escolarizados.

A taxa de adesão de 71 % mostra-se condizente com estudos desenvolvidos no Brasil e em outros países, cuja metodologia foi semelhante. Em São Paulo observou-se índice de 69,0% de aderência11. Outras estudos revelaram índices de adesão entre 74% e 76%, para níveis iguais ou superiores a 90% da medicação prescrita10,11,14.

Entretanto, para o adequado efeito da terapia anti-retroviral exigi-se aderência próxima a 100%, cujos objetivos principais são prevenir a progressão da doença, a mutação viral e a resistência da droga em pessoas infectadas com HIV nas diferentes fases da doença16. Para se obter resposta clínica mais efetiva, a adesão mínima deverá situar-se em torno de 95%. 16,17.

A memorização dos nomes dos medicamentos é um recurso importante para assegurar o devido destes18. Entretanto a maioria não sabia informar a medicação prescrita, provavelmente pela complexidade e diversidade dos nomes dos ARVs, o que dificulta sua assimilação.

À semelhança do verificado em outras investigações10,18, o esquema de três ou mais drogas foi o mais utilizado pela população do estudo. Situação semelhante a diferentes investigações. Esta conduta está de acordo com o recomendado pelo consenso nacional, que preconiza iniciar com esquemas triplos e extinguir os esquemas duplos dos ARVs entre os infectados3. Ainda conforme citado, a quantidade diária de medicamentos ingeridos interfere na adesão em decorrência da maior probabilidade de efeitos colaterais, além da difícil ingestão.

No Brasil e em países de Primeiro Mundo, observa-se percentual semelhante de adesão aos ARV. Isto acontece, principalmente, em decorrência da política brasileira de distribuição gratuita e universal de acesso aos medicamentos. No entanto, mesmo assim, as taxas de adesão mostram-se indesejáveis11,14.

Nesta pesquisa, a convivência com outros portadores não foi situação favorável ao uso mais intenso dos ARVs. Conforme percebeu-se, o percentual de não-aderência foi maior entre aqueles que não conviviam com outros portadores.

Boa adesão no início do tratamento pode significar aderência mais adequada a longo prazo13. No presente estudo, não se realizou avaliação prospectiva, mas entre aqueles com mais de cinco anos de tratamento, houve maior adesão.

Ao serem questionados sobre o conceito que atribuíam ao uso dos ARVs, a maioria dos pacientes foi enfático e considerou ter uma boa adesão, associando-se esta situação ao perceber melhora clínica, pelo medo de adoecer, por participar de grupo e por não faltar às consultas.

Para se sentir encorajados a aderir ao tratamento e comparecer às consultas, os portadores de HIV/Aids que utilizam ARVs precisam saber sobre os efeitos benéficos do tratamento. Nesse intuito, a participação em grupos estimula a adesão ao tratamento. Apesar dos dados extraídos das respostas dos entrevistados terem revelado que a maioria recebeu orientação sobre adesão no ambulatório, esta orientação foi promovida apenas durante o atendimento clínico, portanto, número reduzido recebia orientação em grupo.

Entre os vários fatores possíveis de levar o indivíduo a não aderir ao tratamento destacam-se a insuficiente compreensão sobre o uso dos medicamentos, bem como a falta de informação sobre os riscos advindos da não-adesão3. Neste sentido há necessidade de se investir em estratégias para ampliar o número e a qualidade das orientações fornecidas a esses pacientes18,19.

Apesar de a maioria ter referido boa adesão, segundo alguns relataram, eles não estavam fazendo uso dos medicamentos em decorrência da falta destes no serviço ou por esquecerem de tomá-los. Além disso, outros pacientes, para garantir adesão, recorreram à ajuda profissional, em busca de incentivo ao uso, enquanto alguns pensaram em desistir do tratamento.

Orientar sobre a importância da adesão, sobre os medicamentos e o modo correto de usá-los constitui um aspecto prioritário ao tratamento, e deve envolver todos os profissionais de saúde responsáveis pela assistência. De acordo com o evidenciado por determinado estudo, alguns pacientes, mesmo recebendo orientação específica, ao serem investigados, mostraram desconhecer ou ter informações equivocadas a respeito da terapia. Isto conseqüentemente influenciaria na sua adesão18.

Uma das dificuldades alegadas para não aderir ao tratamento foi estar fora de casa, além dos efeitos colaterais das drogas. Pacientes afirmaram sentir vergonha de tomá-los na presença de outras pessoas, mencionaram impossibilidade de tomar no horário em decorrência do trabalho, uso do álcool, esquecimento, grande número de pílulas, tamanho e sabor. Todas estas foram situações que afetavam a adesão. Argumentos semelhantes foram identificados em outros países12,15.

Segundo demonstrado por estudos realizados, às dificuldades do paciente soma-se a incapacidade do setor saúde, a exemplo de limitação da infra-estrutura e pouco treinamento de profissionais como fatores para baixa adesão aos ARVs20.

O enfermeiro tem papel essencial nas intervenções que visam melhoria da adesão ao tratamento antiretroviral. As intervenções de enfermagem fundamentadas no conhecimento científico sobre HIV/aids após implementadas poderão evitar sofrimento ao paciente ao serem direcionadas para o bem-estar individual e/ou coletivo, por meio da melhor adequação das intervenções pelo cliente e da relação enfermeiro-cliente21.

Sugestões de aviso para tomar o medicamento fora de casa e lembretes para não esquecer de tomá-los e até registro de uso diário são estratégias que o enfermeiro pode estar implementando para ampliar a adesão. Ao serem inquiridos sobre as estratégias utilizadas, a maioria revelou não usar nenhuma forma de lembretes. No entanto, alguns afirmaram que esposa e filhos são mediadores para a tomada regular, enquanto outros referiram usar tabela com checagem de horários como alternativa ou lembrete. Algumas sugestões, como relógio com alarme, mensagem telefônica, além do ensino de hábitos e rotinas para tomada dos medicamentos, são estratégias válidas já propostas em estudo15.

CONCLUSÃO

            A medida de adesão foi avaliada a partir do questionamento direto ao paciente, facilitando ou não a avaliação. Para os pacientes com aids, o processo de tratamento é doloroso, repleto de dificuldades a serem superadas, como a adaptação da rotina da terapia no seu cotidiano, além da quantidade de medicamentos e reações adversas. No início do tratamento, sobressaem a necessidade de aceitação da doença e o estabelecimento de relação confiável entre os profissionais e o serviço de saúde para se garantir adesão.

            Conforme se conclui, pesquisar os níveis de adesão e sua relação com características sociodemográficas, conhecimentos do paciente e dificuldades de adesão colabora para o desenvolvimento de estratégias de comunicação e relacionamentos no serviço com o paciente, com vistas ao aumento da aderência. Entretanto, a busca do índice real do uso dos ARVs requer a participação da equipe multiprofissional. Portanto, a presença do enfermeiro como profissional de saúde poderá ser um elemento facilitador no processo de manutenção de uma boa adesão.

            Diante das dificuldades encontradas neste estudo, para se alcançar a adesão, sugerem-se as seguintes medidas:

- Trabalho sistemático com equipe multiprofissional;

- Organização do serviço com implementação do acolhimento, proporcionando criação de vínculos e motivação do paciente;

- Formação de grupos de adesão mais efetivos ou de auto-ajuda e assistência individual que respondam às expectativas e às dúvidas decorrentes do uso dos ARVs.

- Fornecimento gratuito de lembretes, tabelas de horários, diários de uso dos ARVs, pill-box, como recursos externos para se buscar adesão;

- Uso de instrumentos para avaliar a adesão nas consultas de seguimento;

- Participação efetiva do enfermeiro, mediada por processo de enfermagem com ênfase no autocuidado para auxiliar a tão desejada adesão.

REFERÊNCIAS

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