Sexualidade e gravidez: aspectos da vida da mulher - revisão da literatura

Rita de Cássia Rocha Moreira, Regina Lúcia Mendonça Lopes

Resumo: Este artigo, foi construído a partir da revisão de literatura, com base na metodologia da pesquisa bibliográfica, e tem como objetivo  favorecer o processo de reflexão sobre a prática dos (as) profissionais de saúde que atendem a mulher no ciclo gravídico-puerperal. Apresenta ainda, considerações sobre a saúde da mulher, referenciando aspectos da sexualidade e da reprodução humana, vistos a partir de um contexto sócio-econômico e cultural. Discute sobre a crise de identidade que, não só a mulher grávida pode apresentar, como seu companheiro, já que, a experiência da maternidade pode exigir uma perda de identidade anterior e a procura de outra que não está bem definida. Traz considerações sobre a atuação das(os) profissionais de saúde no resgate da humanização da atenção no ciclo  gravídico-puerperal, a partir do estabelecimento de uma relação entre sujeitos, com base na integralidade do ser, na perspectiva de que cada mulher vivencia sua gravidez de forma singular, lembrando que este período pode gerar dúvidas, medos, angústias e fantasias, e as(os) profissionais podem favorecer um atendimento que possa  enriquecer este período da vida, de forma a transmitir mais segurança à mulher grávida.

Palavras-chave: sexualidade, gravidez, crise de identidade.

La sexualidad y embarazo: los problemas en la vida de la mujer

Resumen: Este artículo, fue construido a partir de la  revisión de literatura, basado en la metodologia de la investigación bibliográfica y tiene como objetivo favorecer el processo de reflexion acerca de la práctica de los profissionales de salud que atiendem a la mujer en el ciclo embarazo-puerperio. Presenta todavía consideraciones sobre la salud de la mujer, apuntando aspectos de la sexualidad y de la reproducción humana, del punto de vista de un contexto social, económico y cultural. Discute acerca de la crisis de identidad que no solamente puede atingir a la mujer embarazada, como a su compañero,  considerando que la experiencia de la maternidad puede exigir una perdida de identidad anterior y la busca de otra identidad que no está bien definida. Trae consideraciones acerca de la actuación de las profesionales de salud en el rescate de la humanización de la atención en lo ciclo embarazo-puerperio, a partir del establecimiento de una relación entre sujetos, con base en el concepto de ser integral, desde la perspectiva de que cada mujer vive su embarazo de manera singular, valorando que este periodo puede traer dudas, miedos, angustias y fantasías, y las profesionales pueden favorecer a una asistencia que pueda enriquecer este periodo de la vida, de forma la transmitir más seguridad a la mujer embarazada. 

Palabras claves: sexualidad, embarazo, crisis de identidad.

 INTRODUÇÃO

            Ao adentrarmos nas discussões sobre a saúde da mulher, especialmente daquela que se apresenta gestante, torna-se imprescindível abordar que a sexualidade humana deve ser estudada dentro de um contexto sócio-econômico e cultural em que se insere, já que, as pessoas nascem num dado momento da história, no seio de uma cultura e seus desejos, e suas emoções e suas relações interpessoais são formados por suas interações com a sociedade em que vive (1).  

            Sendo assim, a sexualidade e a reprodução humana devem ser tratadas também como dimensões da cidadania e, conseqüentemente, da vida democrática. Neste sentido, as(os) profissionais de saúde devem lidar com essas questões, na perspectiva da formação da consciência de cidadania, o que implica em reconhecer-se e reconhecer na(o) outra(o) o direito à cidadania (2).

            Dessa forma, a assistência à gestante faz-se necessária, pela própria especificidade desta condição, que requer suporte à saúde da mulher e do feto já que, a gravidez se configura como um período de várias mudanças físicas e emocionais que, é vivenciado, por cada ser, de forma singular.

            Essas mudanças podem gerar dúvidas, medos, angústias e fantasias. Assim, informações sobre diferentes vivências devem ser trocadas entre as mulheres e profissionais de saúde, para que este contexto seja enriquecido e a mulher possa sentir mais segurança para vivenciar o ciclo gravídico-puerperal. Essa possibilidade de intercâmbio de experiências e conhecimentos, é considerada a melhor forma de promover a compreensão do processo da gestação (3).

            No ciclo de vida da mulher há três períodos críticos de transição que se constituem em verdadeiras fases de desenvolvimento. No entanto, as fases de desenvolvimento possuem vários aspectos em comum. Os períodos de crise são entendidos como: a adolescência, a gravidez e o climatério. Tais períodos de tensão são biologicamente determinados. Caracterizam-se por mudanças metabólicas complexas, nas quais se estabelece um estado temporário de equilíbrio instável, em função das grandes perspectivas de mudanças, tanto no papel social quanto nas necessidades de novas adaptações e reajustamentos intrapsiquícos, interpessoais e de mudança de identidade (4).

            Portanto, a experiência de estar grávida, parir e cuidar de filha(o), pode dar à mulher uma nova dimensão de vida e contribuir para o seu crescimento pessoal e emocional. Por outro lado, pode também precipitar em desorganizações internas, roturas de vínculos e de papéis, podendo, até, resultar em quadros de intensa depressão pós-parto (5).

            Neste sentido, o nascimento de uma criança, principalmente a primeira(o) filha(o) tem sido considerado como um evento propício ao surgimento de problemas emocionais nos pais, especialmente nas mães como, depressões, psicoses pós-parto e manifestações psicossomáticas.

            A depressão pós-parto, configura-se como um conjunto de sintomas que incluem, irritabilidade, choro freqüente, sentimento de desamparo, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, entre outros, que geralmente se iniciam entre a quarta e oitava semana após o parto, atingindo 10 a 15% das mulheres. Também, os referidos sintomas podem  surgir em algum outro momento do primeiro ano do exercício da maternidade e não necessariamente nas primeiras semanas após o parto (6).

            Este tipo de depressão, não está associada apenas com os mecanismos biológicos, mas sim, a uma combinação destes, com fatores obstétricos, sociais e psicológicos que podem significar risco para o desenvolvimento deste distúrbio.

            Assim, a experiência da maternidade pode ter um caráter conflituoso e ser um fator de risco para a depressão pós parto, já que esta etapa de vida, implica para a mulher, assumir novos papéis bem como mudanças em sua identidade.

            É importante lembrar que ao longo dos anos, a gravidez deixou também, de ser assunto exclusivo para o ser feminino, porque ela transforma a identidade tanto das mulheres como dos homens, exigindo adaptações destas(es) a uma nova situação de vida. A gravidez é um período de crise, uma vez que há uma perda de identidade anterior, e procura de uma outra que não está bem definida(7).

            Neste contexto, a gravidez é uma situação na qual devem estar envolvidos não apenas a genitora, mas também seu companheiro e o meio social, os quais podem demonstrar maior ou menor grau de aceitação da gestação, reforçando ou não a tendência da mulher para a maternidade, podendo desencadear uma crise, com destaque para a crise de identidade (8).

            Toda gravidez produz uma situação de crise e nessa perspectiva, este período possui várias características de uma situação que faz parte do processo normal do desenvolvimento da gestação.   Tal conflito é definido como um enfraquecimento temporário da estrutura básica do ego, de forma que a pessoa não consegue utilizar seus métodos habituais de solução de problemas, e, portanto, requerem a mobilização dos mecanismos adaptativos do ego, no sentido de buscar respostas novas, anteriormente inexistentes no repertório do indivíduo (4).

Sendo assim, a complexidade das mudanças promovidas pela vinda do bebê não se restringem apenas as variáveis psicológicas e bioquímicas. Os fatores sócio-econômicos desfavoráveis também são elementos que contribuem, sobremaneira nos dias atuais, para aumentar a tensão no período da gestação. Sobretudo, é importante lembrar que o nascimento  é uma experiência familiar, e o pré-natal não deve ser dirigido só às mulheres, mas sim, à família grávida, porque o envolvimento familiar influencia o casal, e mais amplamente a outros membros, colaborando nas possíveis formas de vivenciar a gravidez.

Também, o relacionamento conjugal  reveste-se de maior importância para a vivência da gravidez, tornando-se óbvio que a participação do companheiro no desenvolvimento da gravidez e a forma como ele apóia a mulher neste período, contribui de forma significativa na vivência deste período (9).

 REFLEXÕES SOBRE AS RELAÇÕES ENTRE PROFISSIONAIS DE SAÚDE E A MULHER GRÁVIDA

De sobremaneira, é no serviço de saúde que a mulher gestante tenta buscar o primeiro apoio profissional para a transição do ciclo gravídico-puerperal, na tentativa de superação da crise vivenciada no período gravídico, que poderá se estender ao puerperal. Concretamente, o ser humano está ali, inteiro, vivenciando um período de sua vida, mas, o modelo de atenção à saúde provoca uma abstração dessa unidade, de modo a apresentar apenas uma parte: a biológica, não o considerando como ser complexo, cujas dimensões se constituem de modo indivisível e integrado (10).

De modo igual, a relação, profissional de saúde e indivíduo, é fundamentalmente uma relação de desigualdade, já que, ela tem como ponto de partida a demanda de uma pessoa que necessita de ajuda, dirigida à outra que dispõe de um saber, do qual se espera segurança, apoio, ajuda, proteção e resolutividade do problema de saúde.  E nesta situação,  as(os) profissionais(os)  acabam  fortalecendo-se por trás do biombo do tecnicismo, esquecendo-se  as vezes, que cuidar de um ser humano, não tem as mesmas repercussões que consertar um carro ou um computador (11).

  Porém, apesar dessa situação, as(os) profissionais de saúde, embora historicamente adaptadas(os) a este modelo, vêm tentando ultrapassá-lo, na medida em que, este se mostra insuficiente. Percebe-se que, aquelas(es) preocupadas(os) com a abordagem compreensiva, como um caminho para a assistência ao humano, tem tentado empreender esforços, no sentido de desenvolver uma habilidade cognoscível, empática e intuitiva para perceber o ser que a ela(e) se apresenta. No contexto assistencial, considerando aspectos sociais, econômicos, culturais e existenciais, através de um contato pessoa-pessoa que, valoriza a sensibilidade, o integral, o único e o singular, que se mostra em cada um de nós, há o despertar pelo interesse sobre a história da cliente, sem, no entanto, desprezar a competência técnica (10).

 Sugere-se desta forma, o retorno à humanização da atenção ao ciclo gravídico-puerperal, devolvendo-se o papel de maior importância que lhe cabe na vivência do casal e familiares, em detrimento a tecnologização e medicalização da gravidez, parto e puerpério (12).

Assim, as(os) profissionais de saúde devem desenvolver a capacidade de ouvir e lidar com a pessoa de forma integral, considerando a situação existencial em que esta se encontra. Este posicionamento exige, enquanto pessoa que cuida de pessoa, a capacidade de percepção de mudanças significativas, como é o caso das mudanças que se estabelecem neste ciclo, mudanças essas, que podem interferir em toda a existência da mulher e não apenas em alguns de seus órgãos (5).

 CONCLUSÃO

Nessa perspectiva, é de extrema relevância que ao atender a mulher gestante, as(os) profissionais possam pensar e agir com base na integralidade, porque, se no atendimento prestado, for desconsiderado o saber do indivíduo, e sua condição de sujeito no seu processo de viver, gestar, adoecer curar e morrer, num futuro bem próximo:

[...] terão que responder pela lenta e contínua desintegração do ser humano, quando ele se torna, diante de nossos meios diagnósticos e terapêuticos, débil em si, e debilitado pela disciplina institucional, pelo saber imposto, pela auto-entrega [...] (10 p. 85-104).

 Desse modo, a capacidade de ser gente, sendo profissional, vincula-se, à capacidade de sentir. Quando anestesiamos a nossa sensibilidade com um modo impessoal, e puramente técnico, uma parte importante do nosso ser gente está morta. Vivenciar momentos de ansiedade e de sofrimento faz parte do preço que pagamos quando escolhemos entrar na vida, ao invés de simplesmente passar por ela (13).

 Partilhando esta idéia, acreditamos em autores que referem que a enfermagem pode abordar o mundo da gestação de forma mais humana e holística, trazendo para sua prática um contexto dinâmico, onde interagem cliente, família e profissional, que, de forma diferente, vivenciam a concepção de um ser (14).

 REFERÊNCIAS

 1.       Werebe MJG. Sexualidade, política e educação. São Paulo(SP): Autores associados; 1998.

 2.       Ávila MB. Direitos sexuais e reprodutivos: desafios para as políticas de saúde. Cadernos Saúde Pública  2003; 19(supl 2): 465-9.

 3.       Nogueira MI. Assistência pré-natal: prática de saúde a serviço da vida. São Paulo (SP):          Hucitec;1994.

 4.       Maldonado, MTP. Psicologia da gravidez. 3ªed. Rio de Janeiro (RJ): Vozes;1976.

 5.       Merighi MAB. Reflexões sobre a qualidade da assistência de enfermagem à mulher no período gravídico-puerperal. Rev Enferm UERJ 2000; 8 (1): 253-8.

 6.       Schwengber DDS, Piccinini C.  O impacto da depressão pós-parto para a interação mãe-bebê. Rev Estudos Psicológicos 2003; 8 (3): 403-411.

 7.       Sartori GS, Sand ICPV. Gravidez e atividade de natureza grupal com gestantes: algumas  considerações.online.2004.Disponívelem:<htt://www.unijui.tche.br/grupodegestantes/gravidez e atividade. htlm > acesso em 11 jul 2004.

 8.       Soifer R. Psicologia da gravidez parto e puerpério. 4ªed. Porto Alegre (RS): Artes Médicas;1986.

 9.       Prill HJ, Langen D. Ginecologia psicossomática. São Paulo (SP): Roca; 1985.

 10.   Capella BB, Leopardi MD. O ser humano e a sua possibilidade no processo terapêutico. In: Leopardi MD organizadora Processo de trabalho em saúde: organização e subjetividade. Florianópolis (SC): Papa livros;1999. p. 85-104.

11.   Consoli RJ, et al. Psicologia médica. 2ª ed. Rio de Janeiro (RJ): Medsi; 2000.

 12.   Krebs GO. preparo pré-natal. In: Consoli RJ, et al. Psicologia médica. 2ªed. Rio de Janeiro(RJ): Medsi; 2000.

 13.   Maldonado MTP. Maternidade e paternidade: a assistência no consultório e no hospital. Petrópolis (RJ): Vozes; 1990.

 14.   ORIÁ MOB, Ximens LB, GlicK DF.Casais infertéis vivenciando a fertilização in vitro. online Brazilian Journal of Nursing 3(4)2005. Disponível em: www.uff.br/objnursing/viewarticle. Acesso em 18 dez 2005.