ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS NA ÁREA DE SAÚDE MENTAL REALIZADOS NO BRASIL

Emilene Nóbrega Medeiros, Maria de Oliveira Ferreira Filha, Rodrigo Pinheiro de Toledo Vianna

 Resumo - Os estudos epidemiológicos na área de saúde mental ainda são vistos como incipientes e pouco utilizados na elaboração de políticas de saúde, ações de saúde, planejamento dos investimentos e programas de promoção e reabilitação social para os doentes mentais. Esse estudo tem como objetivo fazer uma revisão da literatura sobre o assunto, traçando como início da linha do tempo, a década de 1970, data provável da trajetória dos estudos epidemiológicos na área de saúde mental, até o presente momento. A pesquisa bibliográfica foi realizada em acervos de bibliotecas, bem como em consultas na base de dados do Scielo, Medline e Lillacs, através da internet. Os resultados evidenciaram a predominância de estudos na região  Região Sudeste, Sul e Nordeste, e a carência desses estudos em outras regiões do país. Evidenciou-se a necessidade de que mais estudos sejam realizados abordando-se outros grupos e temáticas poucos investigadas na determinação dos riscos para o adoecimento mental.

 Palavras-Chave: Estudos epidemiológicos, Saúde mental, Epidemiologia, Prevalência.

 Introdução

No contexto mundial, o número de estudos com enfoque epidemiológico, na área de saúde mental, ainda é pequeno. Todavia, o interesse por essa área de pesquisa vem aumentando consideravelmente. Os estudos epidemiológicos ganharam notoriedade a partir do momento que se percebeu a sua importância para a detecção, controle e prevenção das doenças que acometiam a população.

No Brasil o aumento do interesse pela área epidemiológica vincula-se a consolidação do Sistema Único de Saúde – SUS, que através da Lei Orgânica de Saúde No 8080/90 assinala a necessidade da utilização da epidemiologia para o estabelecimento de prioridades estratégicas, alocação de recursos e definições programáticas.

A rede de serviços do SUS, desde a década de 1990, vem organizando-se em serviços de atenção básica, média e alta complexidade. Contudo, ainda persiste uma desintegração entre estes níveis de cuidado bem como a sobreposição de ações nos serviços de média e alta complexidade. No caso específico da saúde mental, ainda é evidente a falta de cuidados nos serviços de atenção básica. A programação de ações por níveis de complexidade deveria ser o resultado do perfil epidemiológico dos estamentos sociais, bem como das necessidades por eles apresentadas.

Atualmente uma das maiores dificuldades para se planejar estrategicamente, é a quase inexistência de informações epidemiológicas nos serviços do SUS, ou ainda a infidelidade das informações existentes. Observa-se uma carência de material bibliográfico sobre estudos epidemiológicos na área de saúde mental. Alguns estudos existentes são referentes à prevalência ou incidência de transtornos mentais que acometem as populações, porém estão mais centralizados na região sudeste e sul do país que possuem características bem específicas, quando comparadas com as regiões norte, nordeste e centro-oeste.

Dados mais gerais de pesquisas realizadas pela OPS e OMS, evidenciam a magnitude dos problemas mentais, que aumentará dentro de 25 anos. Há uma estimativa de que, em cada quatro habitantes do planeta, um enfrentará algum tipo de transtorno mental, podendo ser a depressão, a esquizofrenia, o atraso mental, o distúrbio da infância e adolescência, a dependência de álcool ou de drogas, ou o mal de Alzheimeir1, 2.

Com relação à carga global de morbidade de todo o mundo, os problemas mentais produzem uma carga de 8,1%, enquanto que os transtornos neuropsiquiátricos variam de 3,4%, nos países ao sul de Saara, a 8,0% na China e regiões da América Latina e Caribe.  Especificando por diagnósticos, a Organização Pan-americana de Saúde – OPAS e a Organização Mundial de Saúde – OMS estimam que os Transtornos Depressivos encontram-se no topo com 17,3%, seguidos pelas Demências e Doença de Alzheimer com 12,7%; a Dependência de Álcool com 12,1%; a Epilepsia com 9,3%; as Psicoses com 6,8%; o Transtorno de Estresse Pós-Traumático com 4,7%, a Farmacodependência com 4,8%3.

            No relatório mais recente da OMS4, a depressão aparece como a quarta doença mais freqüente no mundo, com cerca de 121 milhões de pessoas atingidas, seguida pela Dependência alcoólica, com 140 milhões; a Esquizofrenia, com 50 milhões; a Epilepsia, com 24 milhões de pessoas, a qual é tida como o Transtorno Cerebral mais comum na população geral.

            No Brasil, os levantamentos epidemiológicos apontam para uma estimativa de 9% para os Transtornos de Ansiedade, 3% para os Transtornos Somatoformes, 2,6% para os Transtornos Depressivos (na população feminina) e a Dependência ao Álcool com 8,0% (população masculina) e os Transtornos de Ansiedade com 4,3%5.

            No que se refere a prevalência global de transtornos mentais na população brasileira, Alves e colaboradores6 afirmam que a mesma está estimada em 20%.  Nas cidades brasileiras de diferentes regiões, segundo pesquisas epidemiológicas, há prevalências de demanda por cuidado psiquiátrico que variam de 34% (Brasília e Porto Alegre) a 19% (São Paulo).

Vale ressaltar que na literatura, identificam-se três gerações de estudos epidemiológicos de transtornos mentais, sendo a primeira geração representada por estudos realizados até os anos de 1940, caracterizados pela fragilidade do método utilizado, repleto de deficiências.  A segunda geração vai de 1940 a 1970, onde se acrescentou as entrevistas diretas com pessoas na comunidade, marcando a época em que se iniciou o uso de técnicas de amostragem mais adequadas a grandes populações, o início da utilização de escalas, de entrevistadores leigos e de procedimentos de entrevista expressos formalmente. Por fim, a terceira geração que corresponde à atual, onde se dispõem critérios explícitos para o diagnóstico de transtorno mental, entrevistas diagnósticas padronizadas, desenhos metodológicos mais sofisticados e processamento computadorizado de dados enfatizados por Dohrewend e Dohrewend7

Neste estudo objetiva-se fazer uma revisão da literatura sobre o assunto, traçando-se como início da linha do tempo a década de 1970, data provável da trajetória dos estudos epidemiológicos na área de saúde mental, até o presente momento, enfocando-se os estudos epidemiológicos na Região Sudeste e Sul, e mais especificamente a região Nordeste, onde a pesquisa epidemiológica começa a colher frutos.

Para isso, foi feita uma pesquisa no acervo bibliográfico do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal da Paraíba, na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Biblioteca do Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva (NESC/UFPB), todas localizadas no Campus I da UFPB, e na Biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas de João Pessoa.

O material empírico foi coletado em livros didáticos de referência para a prática de Saúde Pública, em publicações periódicas como revistas da área de saúde de circulação nacional. Foram consultadas as bases de dados: Scielo, Medline e Lillacs, no período de setembro de 2003 a março de 2005, nas línguas inglesa, portuguesa e espanhola. No total, foram consultadas 28 publicações.

            Todas as publicações encontradas foram registradas em fichas elaboradas por uma bibliotecária da UFPB, a qual continha dados com o nome do (s) autor (es), título da obra, local de publicação, tipo de publicação e ano. Em seguida, resumo do material, destacando os principais achados e por fim comentários dos pesquisadores.

Na intenção de contribuir com outros pesquisadores interessados na temática e na perspectiva de subsidiar planejadores da área de saúde mental bem como despertar em outros profissionais o interesse pela produção do dado epidemiológico, buscou-se realizar o presente estudo. Como a maioria dos estudos pesquisados é referente à prevalência ou incidência de transtornos mentais que acometem as populações, eles serão comentados a seguir.

 

 Estudos epidemiológicos na região Sudeste e Sul

Na região Sudeste e Sul, os estudos epidemiológicos que envolvem a área de saúde mental estão concentrados nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul; sendo São Paulo, o Estado que mais se destacou com publicações.

            Na década de 1970, foi desenvolvido com os habitantes de Vila Vargas, em Porto Alegre, por Luz Júnior (s.d.), o inquérito populacional, objetivando-se especificamente, conhecer a prevalência do alcoolismo. Os resultados mostraram que havia uma prevalência de “bebedores patológicos”, com índice de 6,2% entre adultos, com predominância no sexo masculino. A pesquisa foi realizada com uma população de 514 pessoas8.

            Na cidade de São Paulo, na década de 1980, realizou-se um estudo de avaliação da implantação do Serviço de Saúde Mental na rede primária de atenção à saúde em Americana-SP9. Analisando-se os diagnósticos em 231 prontuários de pessoas inscritas no Programa de Saúde Mental, no período de janeiro de 1985 a julho de 1986, foi visto que 26,0% foram considerados dependentes de álcool ou drogas; 36,4% correspondiam aos transtornos neuróticos reativos ou problemas familiares; 19,9% tinham quadros cerebrais orgânicos como a oligofrenia, a epilepsia e a demência, e 13,0%, psicoses funcionais.  Na amostra predominou de adulto-jovem, 64,5%, na faixa etária abaixo de 40 anos e dos dois sexos.  Para os autores, no Brasil, a escassez de estudos epidemiológicos nesse período dificultou a comparação dos achados.

Em quatro cidades, sendo duas no interior do Estado de São Paulo (São Carlos e Araraquara) e duas periféricas à capital (Ferraz de Vasconcelos e Franco da Rocha), foi realizado um estudo sobre a demanda em Saúde Mental. Com relação à idade da população atendida nos serviços de saúde mental, foi encontrado nos municípios estudados, uma maior concentração de pacientes na faixa de 20 a 40 anos, seguida da faixa de 40 a 60 anos. Houve predominância do sexo feminino. Quanto aos diagnósticos, as neuroses atingiram mais o sexo feminino e as psicoses, o sexo masculino10.

Já em 1999, foi traçado o perfil demográfico e sócio-econômico da população de internos dos hospitais psiquiátricos da cidade do Rio de Janeiro, excetuando-se a Colônia Juliano Moreira. Tiveram a participação no estudo 3.223 pacientes internados, sendo 2.126 (66,0%) homens e 1.097 (34,0%) mulheres, na faixa etária predominante de 30-39 anos (29,5%) e prevalecendo os solteiros (66,1%).  O diagnóstico mais freqüente foi a esquizofrenia (42,1%), seguida da oligofrenia e dos transtornos envolvendo o abuso de álcool, com 10%, respectivamente11.

            Destaca-se, também, outro estudo12, realizado com 1.464 pessoas com idade acima de 18 anos, na cidade de São Paulo, onde se objetivava estabelecer a prevalência dos transtornos mentais ao longo da vida do indivíduo. Os resultados evidenciaram como transtorno mais comum a dependência de tabaco, com 25%; transtornos depressivos, com 18,5%; transtornos ansiosos, com 16,8%; transtornos somatoformes, com 6,0% e uso nocivo/dependência de álcool, com 5,5%.

Vorcaro e colaboradores13 realizaram um levantamento dos estudos epidemiológicos de base populacional referentes à depressão, tendo o cuidado de agrupar os estudos pesquisados por aspecto metodológico abordado.  Na pesquisa analisaram-se estudos epidemiológicos em diferentes lugares do mundo, o que proporcionou uma forma de se observar o comportamento das variáveis dos estudos em diferentes culturas.  Como resultados, foram evidenciados o sexo feminino como o mais afetado pela depressão; a prevalência de episódios depressivos aumentando proporcionalmente à idade em mulheres até os 45 anos, decrescendo posteriormente. Quanto ao grupo étnico, há controvérsias, pois alguns estudos apontam maior incidência de depressão em negros e hispânicos do que em brancos, enquanto outros realizados com mulheres e homens judeus demonstram que a prevalência de depressão nesse grupo étnico é maior.  Com relação ao estado civil, essa variável é um fator importante na ocorrência de depressão em homens franceses.

            Lotufo Neto14 pesquisou, na cidade de São Paulo, a prevalência de transtorno mental entre ministros religiosos, distribuindo 750 questionários e sorteando apenas 40 para uma entrevista aberta. Os resultados mostraram uma prevalência de transtornos depressivos, com 16,4%; transtornos do sono, com 12,9%, e, transtornos ansiosos, com 9,4%.

            Mais recentemente, foi realizado um censo dos pacientes internos em uma instituição asilar no Estado do Rio de Janeiro. Na população constituída por 1.494 indivíduos, predominaram homens (53,4%), solteiros (81,6%), na faixa etária produtiva (66,4%).  Os diagnósticos mais freqüentes foram a esquizofrenia (53,6%) e o retardo mental (26,4%)15.

            Em outro momento, realizou-se um estudo transversal de base populacional em Pelotas, Rio Grande do Sul16, objetivando-se determinar a prevalência de Distúrbios Psiquiátricos Menores - DPM e sua associação com fatores de risco. A amostra foi de 1.967 pessoas com idade entre 20 e 69 anos, em domicílio, utilizando-se o Questionário Pré-Codificado, contendo o Self-Report Questionnaire – SRQ - 20, informações socioeconômicas e demográficas, presença de doenças crônicas, uso do serviço de saúde, consumo de álcool, hábito de tabagismo e coleta de medidas antropométricas. Como resultados obtidos, houve a prevalência de 28,5%, com predominância das pessoas inseridas nas classes sociais mais baixas, de menor renda, acima de 40 anos e do sexo feminino.

Em Pediatria, os estudos epidemiológicos psiquiátricos são ainda menos freqüentes. Fleitlich e Goodman17 abordaram em estudo recente, exemplos de estudos epidemiológicos: 1) A pesquisa realizada por Almeida Filho, em 1981, que aplicou, em um primeiro momento, um Questionário de Rastreamento para Pais, denominado QMPI, em uma amostra de 829 crianças, entre 5 e 14 anos, e num segundo momento, realizaram-se entrevistas clínicas que mostraram 15% de problemas de saúde mental. 2) Outra pesquisa foi realizada por Almeida Filho, em 1984, que utilizou o mesmo instrumento, revelando a associação de problemas de saúde mental na infância com problemas de saúde mental materna. 3) No estudo de Brito, Pinto e Lins, em 1995, desenvolvido em Niterói, observou-se que as categorias diagnósticas para Transtornos de Déficit de Atenção/Hiperatividade – TDAH – adotadas nos países desenvolvidos, também funcionavam no Brasil. 4) No estudo de Rohde e colaboradores, em 1999, utilizando-se o mesmo enfoque do TDAH, encontraram-se resultados semelhantes em países desenvolvidos, ao se investigar a relação entre o TDAH e os problemas escolares e comportamentos agressivos ou desafiadores.

Mais recentemente, Maia, Durante e Ramos18 desenvolveram uma pesquisa para detectar a prevalência de transtornos mentais em idosos residentes em área urbana da cidade de Monte Carlos, no norte de Minas Gerais. A amostra foi de 327 idosos, com 60 anos ou mais de idade, selecionados através da amostragem probabilísticas, tendo como unidade amostral o domicilio. Como instrumento de pesquisa, utilizou-se o Questionário de Rastreamento Psicogeriátrico – QRP, que é uma versão brasileira do “Short Psychiatric Evaluation Schedule” - SPES, onde se aferiu uma prevalência de transtornos mentais, estimada em 29,3%, associada ao sexo feminino. Nas conclusões do estudo, destacou-se a alta prevalência de distúrbios mentais encontrada, comparada com outros estudos comunitários, bem como sua associação com múltiplas doenças crônicas, incapacidade e pobreza.

Em outra pesquisa de base populacional, do tipo estudo transversal, realizada com pessoas entre 16 a 59 anos, residentes em Campinas-SP, analisou-se variáveis socioeconômicas e a presença de Transtornos Mentais Comuns – TMC.  Os resultados obtidos, através de entrevistas domiciliares, tendo como prevalência de TMC, com 20,6% e quando associada à renda familiar per capta menor de 1 salário mínimo foi de 29,3% e quando a renda familiar per capta é superior a 4 salários mínimos, foi de 13,8%. Quanto levada em consideração a escolaridade, a prevalência decresceu com o aumento da escolaridade, sendo menor em jovens19.

Ainda em São Paulo, no município de São José do Rio Preto, foi realizado um estudo sobre o levantamento indireto e a análise da morbidade dos transtornos mentais na população do SUS, através dos atendimentos realizados nos serviços ambulatoriais e emergências psiquiátricas, durante o ano de 2002. Os diagnósticos encontrados no ambulatório foram transtornos de humor, com 49%; transtornos neuróticos relacionados com o estresse e somatoformes, com 19%; a esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes, com 14%; os transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, com 4%, drogas, com 1% e outros, com 13%. Já no serviço de emergência psiquiátrica, permaneceu o transtorno de humor, com 36%, seguido pelos transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de álcool, com 23%; a esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes, com 21%; transtornos neuróticos, relacionados com o estresse e somatoformes, com 13% e os transtornos mentais e comportamentais devido ao uso de drogas, com 3%. De acordo com a caracterização da clientela cadastrada no primeiro serviço, 65% eram do sexo feminino, enquanto que o segundo serviço caracterizou-se por fazer 6.398 atendimentos, que se concretizaram em 3.572 pessoas acompanhadas20.

 Estudos epidemiológicos na Região Nordeste

Na Região Nordeste, os trabalhos desenvolvidos estão centrados em Salvador – Bahia, Fortaleza – Ceará e, recentemente, Recife – Pernambuco e João Pessoa – Paraíba.  Os estudos centrados na região de Salvador – Ba iniciaram-se em 1974, por Coutinho, que objetivava estimar a prevalência de doenças mentais no Centro Histórico de Salvador, onde viviam marginais, prostitutas, artesãos, vendedores ambulantes e outros sem profissão definida, com uma população de 1.514 indivíduos, dos quais 1.196 tinham idade acima de 10 anos. A amostra foi constituída dos indivíduos com idade acima de 10 anos (1.196 indivíduos), que apresentaram uma prevalência de 49,3% de doença mental, entre os adultos, onde a neurose e o alcoolismo apresentaram prevalências específicas de 22,6%, e os demais diagnósticos psiquiátricos apareceram com 4,1%. O estudo ficou caracterizado por ter uma predominância do sexo feminino, com taxas de prevalência entre os solteiros, analfabetos e sem ocupação8.

            Um outro estudo foi desenvolvido em duas áreas da Região Metropolitana de Salvador – Ba, sendo um em uma zona marítima pobre e outro na zona industrial.  Na primeira área, a amostra foi de 828 crianças de 5 – 14 anos e 1.549 indivíduos acima de 14 anos; na segunda área, de 1.067 indivíduos, todos adultos.  A prevalência anual global foi de 23,2% que constituía de 1,6% de transtornos de desenvolvimento, 15,3% de desordens neuróticas e psicossomáticas, 2,5% de transtornos orgânicos cerebrais, 2,6% de retardo mental e 1,2% de outros diagnósticos de menor ocorrência8.

Santos e colaboradores21 desenvolveram junto com outros pesquisadores um estudo de coorte transversal, com 345 cuidadores de crianças, entrevistados em domicílios, no período de julho a dezembro de 2001, onde utilizaram o instrumento Composite International Diagnostic Interview (CIDI), que proporcionou resultados com uma população que oscilou entre 16 a 86 anos de idade, com apenas 4% do sexo masculino. O transtorno mais comum foi depressão (34,9%), seguido de Transtorno de Estresse Pós-Traumático – TEPT (16,5%). Nas suas discussão foi enfatizado o alto número de casos de depressão o que faz com que existam mais estudos nessa área.

Ainda na Bahia, em Juazeiro, foi desenvolvido um estudo no CAPS II, com o objetivo de se divulgar o perfil dos usuários desse estabelecimento. Utilizaram-se como referência os cadastros e prontuários de 54 usuários, em regime intensivo e semi-intensivo, tendo como resultados, em relação ao diagnóstico, 21 usuários com Transtornos de Humor afetivo; 21 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes e 4 usuários com Retardo Mental. A população se igualou com relação ao sexo. A faixa etária predominante foi de 15 e 40 anos, solteiros, com ensino fundamental incompleto e renda familiar que varia de 1 a 3 salários22.

Outro Estado contemplado com estudos epidemiológicos, na área de saúde mental, foi Rio Grande do Norte, em Natal, onde Alverga e Dimenstein23 buscaram traçar o perfil da demanda em saúde mental, com 61 entrevistados, dos quais, 50% eram procedentes do interior do Estado; 60% possuíam parentes com algum tipo de transtorno mental; 85% usavam psicotrópicos, na maioria benzodiazepínicos (38%). Com referência a hospital psiquiátrico como primeiro atendimento o percentual foi de 23%, e sem nenhum tipo de atendimento, 67%. Os autores, em suas discussão, ressaltaram o poder do conhecimento epidemiológico como uma ferramenta indispensável para se organizarem os serviços de saúde, por permitir uma investigação sobre a reprodução social dos diferentes grupos humanos, conhecendo-se sua distribuição, determinação e modos de expressão.

No estudo em Pernambuco, com pacientes internados com diagnóstico de esquizofrenia, no período de 1997 a 1999, utilizou-se, por meio de uma amostragem aleatória sistemática, o prontuário dos pacientes de um hospital psiquiátrico, obtendo-se 300 pacientes em faixa etária preponderante de 20 a 40 anos, sem predominância da variável sexo, com uma maioria de solteiros e católicos. Cerca de 95% tiveram como grau de escolaridade máxima o 1º Grau e 83,4% foram atendidos por uma equipe multidisciplinar.  Os tipos de esquizofrenia mais encontrados foram: residual, paranóide e não específico/indiferenciado24.

Na Paraíba, Medeiros25, em 2003, realizou um estudo objetivando identificar a prevalência do Estresse Infantil em estudantes de duas escolas: uma pública e outra particular, com alunos que estavam cursando a 4ª série do ensino fundamental, fazendo uso da Escala de Stress Infantil – ESI, de autoria de Lipp e Lucarelli.  A população foi de 67 alunos, dos quais 40 eram da Escola A e 27 da Escola B, na faixa etária preponderante de 8 a 10 anos, com predominância do sexo feminino na Escola A e do sexo masculino na Escola B. Os resultados obtidos apresentaram uma prevalência de 64,7%, com predomínio do sexo feminino, na faixa etária de 8 a 10 anos, compondo um quadro de 17 alunos em ambas as escolas.  A Escola A apresentou 08 alunos, sendo 29,4% do sexo feminino e 17,6% do sexo masculino, 41,1%, na faixa etária de 8 a 10 anos e 5,8% de 11 a 13 anos, enquanto que a Escola B apresentou 9 alunos, sendo 35,3% do sexo feminino e 17,6% do sexo masculino; 29,4% na faixa etária de 8 a 10 anos e 23,5 de 11 a 14 anos.

Outro estudo desenvolvido por Medeiros26, em 2004, teve como objetivos investigar a prevalência de transtornos mentais em um município paraibano, buscar conhecer o perfil sócio-demográfico da clientela atendida numa Unidade Básica de Saúde da Família II e identificar os medicamentos mais prescritos para a mesma. Os resultados dessa investigação evidenciaram que os 368 usuários atendidos no Setor de Saúde Mental, no ano de 2002, apresentaram como características sócio-demográficas serem do sexo feminino (59,5%) e masculino (40,5%); na faixa etária de 30 a 59 anos (47,3%); solteiros (46,2%); católicos (92,7%); tendo como principal ocupação Do lar (29,5%), Agricultor (28,8%) e Estudante (14,9%), com a situação trabalhista de aposentados (39,4%) e desempregados (31,3%). Com relação ao diagnóstico de transtorno mental, a maior freqüência foi de Epilepsia (26,6%), seguida de Transtornos não-orgânicos do sono (21,2%).  No que diz respeito ao uso de medicação psicotrópica, as maiores freqüências foram de Benzodiazepínicos (45,1%) e de Anticonvulsivantes (13,9%).

Estudo desenvolvido recentemente é o de Andrade27, no município de Pedras de Fogo, que abordou a dependência a benzodiazepínicos pelos usuários de uma unidade de saúde da família. Seus achados confirmam que os maiores consumidores dessas drogas são as mulheres, nas faixas etárias entre 35-45 anos e acima dos 65 anos de idade, em sua maioria casadas, com nível de escolaridade de ensino fundamental, de religião católica com ocupação do lar e renda mensal de 1 a 3 salários mínimos.

 

Considerações finais

A busca de estudos epidemiológicos na área de saúde mental realizados no Brasil, abriu portas para evidenciar que estamos apenas em início de desvelamento de uma realidade marcada pela desagregação social, onde o abuso de álcool e drogas, a esquizofrenia, a depressão e os transtornos ansiosos são identificados como prevalentes nos grupos populacionais estudados. 

A relevância dos estudos epidemiológicos é indiscutível e foi expressa por vários autores, que em sua maioria, apontaram as mesmas finalidades a que os estudos se dedicam, em particular o subsídio na elaboração das ações de saúde. Outro aspecto importante é que a maior parte dos estudos levantados é de base populacional. 

Nos achados deste estudo destacamos a prevalência de estudos realizados na região sudeste e sul do País, principalmente nos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. A região Nordeste aparece com pouca publicação de estudos epidemiológicos na área de saúde mental. A Paraíba vem se destacando através do Programa de Pós Graduação em Enfermagem, através da linha de pesquisa Epidemiologia e Saúde, que tem se empenhado em preencher esta lacuna. Acreditamos que pesquisadores de estados de outras regiões e até mesmo das já citadas devem envidar esforços no sentido de produzir dados para a área de saúde mental que carece de maior visibilidade no cenário nacional, devido a carga de sofrimento que os transtornos mentais acarretam não só para aquele que sofre, mas também para a família e a sociedade como um todo.

Viu-se também que os estudos sobre riscos e fatores de risco para adoecimento mental são quase inexistentes e tais estudos podem fornecer subsídios importantes no planejamento estratégico situacional para ajudar as populações, grupos e ou comunidades a enfrentarem situações mais devastadoras como desastres e migrações. Carecemos também de estudos epidemiológicos que abordem temas como violência, desemprego, abandono, insegurança, pois estes são problemas vividos cotidianamente e que refletem no processo de adoecimento mental e consequentemente podem gerar danos e exclusão social.

Recomendamos que outros estudos sejam feitos ampliando-se o leque de informações para o cenário latino americano pois há evidencias da necessidade de maior compreensão do processo de adoecimento mental em contextos diferentes, tanto urbanos como rurais, bem como sobre  o adoecimento na perspectiva de gênero e de grupos humanos, principalmente entre indígenas os quais têm sido explorados e excluídos do seu habitat e desacreditados da própria cultura.

Nos estudos apresentados corrobora-se com Sampaio28, quando ele afirma que, na área de saúde mental e psiquiatria, os estudos epidemiológicos visam, sobretudo ao diagnóstico comunitário, ao estudo do funcionamento dos serviços de saúde, à estrutura dos quadros clínicos e das síndromes mais comuns na área, à estimativa das populações de maior risco, aos processos de determinação e aos estudos históricos, para o favorecimento de resultados positivos. As justificativas apontadas pelo referido autor, para a realização de estudos nesse campo, dizem respeito principalmente ao fato de que os estudos epidemiológicos são inegavelmente mais complexos, por seu objeto de estudo possuir um caráter subjetivo.  Isso quer dizer que os processos psíquicos sofrem influências dos fatores sociais, econômicos e culturais, e, como se sabe, na Psiquiatria, desde os primórdios da humanidade, aquele que se parece “anormal” ou “fora do padrão” é colocado à margem da sociedade e passa a ser rotulado de louco, tornando-se a grande dificuldade desse tipo de pesquisa.

Com isso, pretende-se que na área da saúde, apesar de ainda permanecerem visões unidirecionais ou unidisciplinares e omissas com relação à historicidade ao se analisarem processos complexos como aqueles que buscam definir a saúde, o adoecimento, a morte e o viver estão presentes na vida de toda e qualquer pessoa.

            Um dos motivos que faz com que isso ocorra pode ser o fato de só se ter até então trabalhado com a definição de doença e, como conseqüência, ter-se projetado para planejamentos de ações, visando ao adoecimento e nunca à saúde, à prevenção, à promoção do indivíduo.

 Referências

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