The contributions of Preventive Medicine at the resizing of the practice of nursing in Brazil (1977-1980)

 

As contribuições da Medicina Preventiva no redimensionamento da prática da Enfermagem no Brasil (1977-1980)*

 

Erica Toledo Mendonça1, Wellington Mendonça de Amorim2, Fernando Rocha Porto3

 

1Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil, 2,3Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

 

Abstract: In the 1970, because of the crisis that was established in the health sector, initiated the discussions that focused on primary care, the basic point to improving levels of health, under the discourse of the actors of the Sanitary Reform Movement. Objective: To analyze the output on Preventive Medicine published in the Annals of the Brazilian Nursing, period 1977-1980. Methods: The social-historical, based on documentary analysis and thematic. Used as theoretical concepts of Sergio Arouca and Maria Cecilia Puntel de Almeida. Corpus documental: Annals of the Brazilian Nursing (1977-1980). Results and Discussion: The ideal of preventive medicine embodied in nursing scientific production showed a need for reorientation of its practices and actions in primary health care. Conclusion: Nursing who entered the 1980's saw the emergence of its members as political subjects, engaged in the fight for health reform and committed to the social field.

Keywords: History of Nursing; Public Health; Health Policy

 

Resumo: Nos anos de 1970, em virtude da crise que se instalara no setor saúde, iniciaram as discussões que centravam na assistência primária o ponto básico para melhoria dos níveis de saúde, sob o discurso dos atores do Movimento da Reforma Sanitária. Objetivo: Analisar a produção sobre a Medicina preventiva divulgada nos Anais dos Congressos Brasileiros de Enfermagem, período de 1977-1980. Metodologia: estudo histórico-social, embasado na análise documental e temática. Utilizou como referenciais teóricos os conceitos de Sérgio Arouca e Maria Cecília Puntel de Almeida. Corpus documental: Anais dos Congressos Brasileiros de Enfermagem (1977-1980). Resultados e Discussão: o ideário da Medicina preventiva corporificado na produção científica de Enfermagem evidenciou uma necessidade de reorientação de suas práticas para ações primárias em saúde. Conclusão: a Enfermagem que adentrou os anos de 1980 assistiu à emergência de seus integrantes como sujeitos políticos, engajados na luta pela reforma sanitária e comprometidos com o campo social.

Descritores: História da Enfermagem; Saúde Pública; Políticas de Saúde

 

*A pesquisa é parte da dissertação de mestrado intitulada “Enfermagem-saúde: construindo um saber sobre políticas de saúde (1977-1980)” defendida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem- Mestrado, da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO.

 

 

INTRODUÇÃO

O estudo traz como objeto os efeitos do discurso da Medicina preventiva corporificado nos Anais dos Congressos Brasileiros de Enfermagem (CBEN), no período de 1977-1980.

O século XX foi palco de transformações em todas as esferas da vida política, econômica e socio-cultural que refletiram significativamente na área da saúde. O debate sobre as suas relações com o desenvolvimento econômico e social que marcaram a década de 1960 ampliou-se, nos anos de 1970, para uma discussão acerca da extensão da cobertura dos serviços1. Esse fato ocorreu tendo em vista que a saúde, tendo o Instituto Nacional de Previdência e Assistência Social (INPS) como seu maior prestador de serviços, ameaçava sucumbir em meio à crise que havia se instalado decorrente de fraudes e corrupções.

O quadro delineado na área da saúde, desse modo, apresentava sinais de declínio e crescentes críticas ao modelo assistencial predominante, baseado na medicina curativa que representava gastos elevados e insuficiente impacto na melhoria da qualidade de vida da população2.

Com a finalidade de discutir essas questões e diagnosticar problemas no quadro da saúde dos países da América Latina foi que a III Reunião de Ministros da Saúde das Américas (Santiago, Chile, outubro 1972) se reuniu e reconheceu as principais deficiências na prestação de serviços médicos à população. A extensão da cobertura aos grupos populacionais não integrados, rurais dispersos e urbanos marginais foi a preocupação central3, 4. Os problemas pelos quais passava o continente eram, contudo, de natureza eminentemente primária5, sendo necessárias ações no sistema de promoção, proteção e recuperação da saúde, de maneira integrada e integral, igualitária, oportuna, eficaz e suficiente.

As propostas anunciadas na III Reunião de Ministros da Saúde (1972) se constituíram no suporte político para que a modernização e racionalização passassem a fazer parte do ideário da reforma sanitária na América Latina3,4.

De singular importância na década de 1970 foi a produção científica de intelectuais, professores e pesquisadores na crítica do modelo vigente, nas denúncias sobre as condições de saúde da população e na proposição de alternativas, centradas no ideário da Medicina Preventiva defendida por Sérgio Arouca, para a construção de uma nova política de saúde efetivamente democrática6.

Assim, o estudo traz como objetivo analisar a produção sobre a Medicina preventiva divulgada nos anais dos Congressos Brasileiros de Enfermagem no período de 1977-1980.

 

METODOLOGIA

Procedimentos metodológicos

Trata-se de um estudo histórico-social, com base na pesquisa bibliográfica, que utilizou a análise documental como técnica de pesquisa.

O recorte temporal compreendeu os anos de 1977 a 1980, e o critério de seleção dos Anais dos CBEN (fontes primárias) referentes ao período supracitado (XXIX, XXX, XXXI e XXXII CBEN) priorizou aqueles que trouxessem discussões acerca do Sistema Nacional de Saúde, da situação da saúde e da Enfermagem no país à época.

Como fontes secundárias foram utilizadas produções científicas nas temáticas de: História da Enfermagem, Saúde Pública, Políticas de Saúde e História geral e do Brasil.

Para auxiliar o tratamento dos dados utilizou-se como técnica a análise temática, com recorte do texto em unidades comparáveis, denominada categorização, de acordo com Bardin7. As categorias foram originadas após leitura do corpus documental, na medida em que os elementos análogos foram sendo identificados, reconhecidos e classificados por temas.

Para embasar as análises e compor o corpo teórico desta pesquisa foram considerados dois autores: Sérgio Arouca, médico sanitarista, que contribuiu com os conceitos da Medicina Preventiva; e Maria Cecília Puntel de Almeida, enfermeira, que descreveu em sua tese o saber de Enfermagem.

 

Referencial teórico-metodológico

O período compreendido pelo estudo representou o despertar de novas idéias no campo da Medicina, com fomento à mudança, que associaram a saúde às Ciências Sociais, e que teve o sanitarista Sérgio Arouca como seu principal idealizador. Arouca propôs uma nova forma de olhar a saúde, o ensino médico, e a assistência prestada ao indivíduo, baseado nos conceitos da Medicina Preventiva, contidos em sua tese de doutorado, denominada “O Dilema Preventivista”, um marco na saúde pública brasileira.

As questões da saúde, após a tese de Arouca, ganharam uma dimensão social, através da aproximação destas com a Medicina Social, abordando os problemas de saúde e relacionando-os com o modo de vida do indivíduo/comunidade. Até então, essas discussões não eram levantadas em escolas médicas, uma vez que o modelo clínico predominava, e não havia disciplinas de Ciências Sociais nas universidades. Para superar a crise da saúde, dessa forma, Arouca propôs uma prática teórica que permitisse analisar os fatores determinantes da crise do setor saúde, e uma prática política que levasse às mudanças necessárias, sendo concretizada no Movimento de Reforma Sanitária nos anos de 19808.

Portanto, constituiu-se como um novo campo de saber da Medicina, do qual a Enfermagem viria a se apropriar posteriormente, conforme pensamento da enfermeira Maria Cecília Puntel de Almeida.

Almeida9 defendeu a idéia de que é do trabalho, ou seja, da prática, que emergem os elementos constitutivos do saber; é através das relações técnicas e sociais que são estabelecidas no trabalho, sejam com o doente ou com a equipe, que está a essência do saber em Enfermagem, sendo a escola, a instituição que conserva e transmite-o, formaliza-o, universaliza-o, reproduzindo-o na busca de autonomia e neutralidade científica.

Portanto, o saber não seria uma instância abstrata, neutra, desvinculada da prática, sendo uma dimensão desta prática. “Ele vai se compondo e se organizando pelo comando da prática”9. Nesse sentido, o saber em Enfermagem contido na produção científica, sofre influência das idéias emergentes no campo da saúde e traz, como reflexos, mudanças em sua prática assistencial e intelectual.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O foco das ações do enfermeiro, com a redefinição das políticas de saúde e as discussões acerca da inadequação do modelo assistencial, se desviou da atenção centrada no hospital para ações de cunho preventivo, com utilização de tecnologia simplificada, no qual o contato direto com a população seria o foco do trabalho a ser desenvolvido pelo enfermeiro.

Essas modificações na forma de olhar o indivíduo e sua forma de adoecimento provocaram discussões no cerne das instituições de ensino superior, especialmente nos cursos de graduação em Enfermagem, que, procurando se adaptar ao que de novo a saúde trouxera, revisaram seus currículos, na busca de ensino de qualidade e mais adaptado à realidade brasileira. A idéia estava na formação do aluno baseado em competências, ou seja, preparado para os novos desafios que a grande rede composta pelas instituições de saúde públicas e privadas estavam a exigir.

Nesse cenário das políticas de saúde, a assistência primária foi um novo campo que se abriu à enfermeira; e para que ela pudesse dar uma contribuição efetiva, foi necessário não apenas o preparo específico para as ações que lhe cabiam nesse nível, como também uma atitude positiva em relação à utilização de pessoal elementar para a execução de tarefas simples, sob sua supervisão e com a participação da comunidade. Matos10: 25-27, em contribuição ao XXX CBEN, observou que:

[...] As tendências mais marcantes que caracterizaram as novas estruturas são a regionalização com a conseqüente descentralização administrativa e de supervisão, e a preocupação com a extensão da cobertura [...] e mais recentemente pelo Programa de Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) [...]. No Brasil, o grande desafio a enfrentar é a interiorização dos serviços de saúde, ou seja, a implantação de uma rede de “Assistência Primária” voltada para a solução de problemas básicos de saúde que afetam a população dos pequenos centros urbanos e da zona rural [...].

 

A enfermeira Adalgisa Vieira Matos, nessa produção, evidenciou, além de uma postura de envolvimento com as questões políticas, uma preocupação com as novas tendências em saúde, já lançadas, primeiramente, com a implantação do PIASS, em 1976, e que deveria orientar as ações futuras de Enfermagem, uma vez que todos os fatores apontavam rumo à modificação das políticas, sob os princípios da atenção básica, tão defendidos na Conferência de Alma Ata, no ano de 1978.

Face à nova realidade, houve um aumento significativo dos cursos de Enfermagem no Brasil, com inovações no que se referiu ao ensino, demonstrando a busca pelo aperfeiçoamento profissional frente aos desafios impostos pela rede, conforme verificado abaixo:

[...] Em conseqüência, de 1976 a 1978 o número de cursos de Enfermagem no país passou de 41 para 57, havendo uma elevação na oferta de vagas nos cursos já existentes, salientando-se que praticamente em todas as unidades da federação já existem cursos de Enfermagem [...] destaca-se como inovação a introdução da consulta de Enfermagem a gestantes e crianças sadias como atividades básicas nos ambulatórios, bem como a integração de aspectos preventivos na assistência de enfermagem, tais como imunizações, trabalho educativo com grupos, etc [...] 10: 20-21.

 

O processo saúde-doença, nessa perspectiva, deveria ser acompanhado sob um olhar ampliado, propiciando atenção continuada à saúde em todas as etapas do processo de adoecimento, não somente na ocorrência de doença, evidenciando que houve uma preocupação constante da Enfermagem com vistas à mudança dos currículos para formar profissionais condizentes com as necessidades do mercado e da população.

Para tal, a expansão dos serviços, em discussão nos diversos setores da sociedade, dependeria da ação de vários profissionais, dentre esses, os enfermeiros, através do exercício da autonomia profissional, alicerçado na competência técnica. Complementando essa fala, Maria Ivete Ribeiro de Oliveira, em discurso no XXXI CBEN, 1979, ressaltou: “Os modelos devem [...] propiciar uma atenção continuada de saúde e não esporádica, na ocorrência da doença” 11:24.

Todas essas questões deveriam ser consideradas no redimensionamento das ações de saúde, trazendo em seu bojo a idéia das questões sociais, propostas por Arouca8, e confirmando as conseqüências do sistema capitalista em expansão. “[...] se reconhece a necessidade de que sejam adotadas medidas de caráter social, capazes de corrigir os efeitos deletérios de um processo acelerado de acumulação [...]” 12:25.

Nesse trecho, Maria Ivete Ribeiro de Oliveira, trouxe a idéia de uma política social, cujos objetivos giravam em torno da elevação dos níveis de vida da população, no qual a saúde era variável dependente, ou seja, os determinantes sociais e econômicos exerciam influência direta no processo saúde-doença. Este foi um dos aspectos abordados por Arouca8 em sua tese.

O XXXI CBEN, 1979, por outro lado, trouxe reflexões e auto-avaliações sobre o nível de envolvimento dos enfermeiros com a realidade externa, no intuito de mudança de conduta profissional. Neste sentido, a conferência que debateu o tema “Enfermagem e estrutura social”, explicita:

A Enfermagem brasileira mudou neste decênio; cresceu e se tornou uma profissão adulta; saiu do casulo e perdeu o egocentrismo das profissões adolescentes porque tem buscado servir mais sintonizada com os anseios da sociedade a que ela mesma integra [...]11:9.

 

Assim, observou-se que a Enfermagem, mais do que redescobrir papéis e redirecionar suas ações, necessitaria estar integrada aos problemas da sociedade, de forma a atender seus reclamos, delimitando seus espaços perante o sistema de saúde, em suas novas formas de organização.

[...] À luz das mudanças ocorridas nos domínios científicos e sociais e tendo em vista as metas da política de saúde, no sentido de estender os serviços de saúde a toda população, a Enfermagem e outras profissões da área de saúde necessitam adaptar e expandir seus papéis [...]13:10.

 

Portanto, a Enfermagem que adentrou a década de 1980 foi aquela que buscou responder às demandas oficiais, ao delinear uma prática condizente com os programas determinados pelas políticas públicas. Respondendo a esses anseios e assumindo uma postura crítica, reflexiva sobre seu papel e o sentido de sua prática profissional, a Enfermagem responderia a um compromisso social, que consideraria o entorno e os determinantes sociais do processo saúde-doença.

Todas as citações aqui apresentadas, além de confirmarem a adesão das enfermeiras às idéias preventivistas, demonstraram uma postura de reflexão acerca das articulações realizadas no campo social, assumindo uma posição ativa na discussão e proposição de mudanças perante essas questões. Assim, houve, progressivamente, uma ruptura com a postura passiva, acrítica, de subordinação, reprodutora da ideologia dominante14, que começara a perder espaço, cedendo lugar à politização dessas enfermeiras, na busca de respostas para os problemas que enfrentavam.

Sentimos, em todos os documentos emitidos por órgãos nacionais e

internacionais de Saúde, recomendações no sentido de que adeqüemos o ensino e seus currículos às reais necessidades nosológicas regionais e assim procuremos solucionar os problemas do Sistema de Saúde em vigor, incutindo [...] o propósito de prevenção e cura das enfermidades através dos serviços assistenciais de cobertura de saúde à população 15:142.

 

Para operacionalizar os serviços primários, portanto, a Conferência de Alma Ata (1978) destacou os meios a serem utilizados para concretização das ações, que seriam garantidos com base na acessibilidade, redução dos custos, integração de todos os níveis de atendimento à saúde e treinamento de recursos humanos para a execução das atividades. Dessa forma, princípios como hierarquização, integração dos serviços, regionalização, participação comunitária, utilização dos recursos disponíveis, foram incluídos no rol de conceitos que foram se estabelecendo junto à operacionalização das práticas de atenção primária16.

[...] as enfermeiras de que o mundo necessita são as que podem diagnosticar problemas de saúde comunitária e adotar medidas para proteger, proporcionar e promover a saúde geral da população, as que podem cuidar dos doentes e dos incapazes e as que podem ensinar o próximo a cuidar de si mesmo6:93. [...] que estendam também essa assistência à família, dentro do espírito da prática integral da Enfermagem13:177.

 

Essa conceituação nos mostrou que a Enfermagem deveria atuar sob os princípios da Medicina preventivista, tendo como subsídios medidas preventivas, adotadas em todas as fases da História Natural das Doenças, e que incluíam o indivíduo como sujeito ativo no processo de preservação de sua saúde.

Abaixo, uma seqüência de trechos extraídos dos Congressos Brasileiros de Enfermagem apontou alguns aspectos a serem considerados sobre o ensino, que deveria se adequar às novas tendências em saúde, alicerçado nos conceitos da assistência primária, de modo a contribuir na melhoria da qualidade de vida da população, e da extensão das ações. Novas propostas que deveriam ser absorvidas pela Enfermagem.

Ao pretendermos formar um profissional de Enfermagem voltado para as reais necessidades da comunidade, onde saúde é vista como resultante de múltiplas variáveis [...]. Que as enfermeiras/os docentes e de serviços reconhecem a necessidade de um novo enfoque no ensino e nas estratégias metodológicas, para atender às atuais exigências da comunidade brasileira. [...] Que realizem estudos visando à introdução, nos programas de ensino, de inovação que atendam às tendências emergentes do setor de saúde3:180.

 

É interessante destacar que, à medida que avançam as discussões acerca das ações primárias de saúde, e de sua incorporação aos currículos dos cursos da área de saúde, organizações de profissionais de saúde, sejam elas ligadas a universidades, postos de saúde, indústrias, dentre outros, começaram a programar atividades junto à comunidade priorizando extensão de cobertura e atendimento com enfoque educativo. É o que evidenciamos no projeto desenvolvido pela Universidade Federal da Bahia, no ano de 1976, que criou o Programa Integrado de Saúde Rural no município de Cruz das Almas, com o desenvolvimento de ações simplificadas de saúde17.

Outro exemplo foi a iniciativa da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUCCAMP), em 1978, num projeto que integrava as Faculdades de Ciências da Saúde, que programou atividades de assistência à população de bairros, no qual ações básicas de saúde foram desenvolvidas junto aos grupos de hipertensos, puericultura, pré-natal, saúde escolar, dentre outros18.

Os objetivos desse último programa (denominado Programa Integrado de Assistência Progressiva à Saúde – PIAPS) eram: treinamento dos alunos de forma a estimular nos mesmos o interesse pelos problemas comunitários; desenvolver neles o espírito preventivista; integrar as faculdades da saúde à comunidade; desenvolvimento do trabalho em equipe, uma vez que prevenção de doenças requeria ação de equipes multiprofissionais; desenvolver um modelo de prestação de serviços de saúde de baixo custo; reduzir coeficientes de mortalidade materna e infantil e melhorar as condições de saúde da comunidade, promovendo a saúde da família como meta básica18.

Movidos pela necessidade iminente de desenvolver programas dessa natureza, ligados a tendências de assistência à comunidade, valorizando a prevenção de doenças através da promoção da saúde, conforme orientações da Organização Mundial da Saúde, foi que os profissionais de saúde de todas as áreas, reuniram-se e integraram-se à comunidade. Isso mostrou que a assistência à população vinha ganhando uma nova roupagem, uma nova delimitação com priorização de ações básicas, em detrimento de ações de caráter curativo, individual.

A preocupação em desenvolver projetos associados a essas comunidades, conforme observamos nos exemplos anteriores pôde ser considerado como os efeitos produzidos pelas políticas de saúde, estreitamente ligados às idéias preventivistas de Sérgio Arouca, que influenciaram diretamente o papel dos enfermeiros19.

A Enfermagem, em todo esse cenário, se viu diante de muitos desafios, o que contribuiu para a validação de algumas propostas de mudanças frente às necessidades de saúde da população. Isso ficou patente em várias publicações da época, ao situarem o quadro geral das transformações ocorridas neste país no setor de saúde com o desenvolvimento de ações por parte da Enfermagem, especialmente voltadas para o nível de cuidado primário, não deixando de considerar o homem no contexto familiar e social.

A coletânea de conferências corporificadas nos anais dos Congressos Brasileiros de Enfermagem, referentes às políticas de saúde, à situação de saúde e da Enfermagem no país, ofereceu um conjunto diversificado do que podemos chamar de as possibilidades da Enfermagem, tanto naquele momento, vivenciado pela classe, como no confronto com os problemas futuros de saúde. Verificamos que esforços foram empreendidos no redimensionamento da Enfermagem, não somente ampliando suas funções, mas levando-a a repensar criticamente o seu papel.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As publicações e temas corporificados na produção científica de Enfermagem representaram um saber construído pela Enfermagem em articulação com a prática, focados na formação de profissionais integrados às novas tendências da profissão, na tentativa de reverter a dicotomia entre saúde coletiva e individual.

Os efeitos do discurso preventivista, sob esse aspecto, foram evidenciados sob as múltiplas facetas que envolvem o saber/fazer em Enfermagem: de um lado, reorientando as práticas acadêmicas e profissionais para ações preventivas, de outro, fomentando discussões no âmbito científico acerca das mudanças discutidas no campo da saúde. Isso demonstrou o comprometimento social que os membros da classe assumiram face à realidade social brasileira.

Destarte, a Enfermagem, no final da década de 1970 e início dos anos de 1980 assistiu à emergência de seus integrantes como sujeitos políticos, se encontrava fortalecida como profissão, fazendo parte do multigrupo da saúde, e ganhava cada vez mais espaço em discussões políticas na concretização de suas idéias e ideais.

O sistema de saúde atual ainda enfrenta desafios, e é diferente daquele idealizado por Arouca; ainda vivencia uma marcante valorização do individualismo, cheio de contradições e dilemas a serem enfrentados para a garantia plena dos direitos sociais. O caminho, contudo, perpassa pela construção e consolidação dos atores como sujeitos sociais, engajados no processo de produção em saúde, capazes de reconduzir a consciência sanitária.

 

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