The contributions of Preventive Medicine at the
resizing of the practice of nursing in Brazil (1977-1980)
As
contribuições da Medicina Preventiva no redimensionamento da prática da
Enfermagem no Brasil (1977-1980)*
Erica
Toledo Mendonça1, Wellington Mendonça de Amorim2, Fernando Rocha Porto3
1Universidade Federal de Viçosa, MG, Brasil, 2,3Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro, RJ, Brasil
Abstract: In the 1970,
because of the crisis that was established in the health sector, initiated the
discussions that focused on primary care, the basic point to improving levels
of health, under the discourse of the actors of the Sanitary Reform Movement. Objective: To analyze the output on
Preventive Medicine published in the Annals of the Brazilian Nursing, period
1977-1980. Methods: The
social-historical, based on documentary analysis and thematic. Used as theoretical concepts of Sergio Arouca
and Maria Cecilia Puntel de Almeida. Corpus
documental: Annals of the Brazilian Nursing (1977-1980). Results and Discussion: The ideal of preventive medicine embodied
in nursing scientific production showed a need for reorientation of its
practices and actions in primary health care. Conclusion: Nursing who entered the 1980's saw the emergence of its
members as political subjects, engaged in the fight for health reform and
committed to the social field.
Keywords: History of Nursing; Public Health; Health Policy
Resumo: Nos anos de 1970, em virtude da crise que
se instalara no setor saúde, iniciaram as discussões que centravam na
assistência primária o ponto básico para melhoria dos níveis de saúde, sob o
discurso dos atores do Movimento da Reforma Sanitária. Objetivo: Analisar a
produção sobre a Medicina preventiva divulgada nos Anais dos Congressos Brasileiros
de Enfermagem, período de 1977-1980. Metodologia: estudo histórico-social, embasado na análise documental e
temática. Utilizou como referenciais teóricos os conceitos de Sérgio Arouca e
Maria Cecília Puntel de Almeida. Corpus
documental: Anais dos Congressos
Brasileiros de Enfermagem (1977-1980). Resultados e Discussão: o ideário da Medicina preventiva
corporificado na produção científica de Enfermagem evidenciou uma necessidade
de reorientação de suas práticas para ações primárias em saúde. Conclusão: a Enfermagem que
adentrou os anos de 1980 assistiu à emergência de seus integrantes como
sujeitos políticos, engajados na luta pela reforma sanitária e comprometidos
com o campo social.
Descritores:
História
da Enfermagem; Saúde Pública; Políticas de Saúde
*A
pesquisa é parte da dissertação de mestrado intitulada “Enfermagem-saúde:
construindo um saber sobre políticas de saúde (1977-1980)” defendida no
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem- Mestrado, da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO.
INTRODUÇÃO
O
estudo traz como objeto os
efeitos do discurso da Medicina preventiva corporificado nos Anais dos Congressos
Brasileiros de Enfermagem (CBEN), no período de 1977-1980.
O
século XX foi palco de transformações em todas as esferas da vida política,
econômica e socio-cultural que refletiram
significativamente na área da saúde. O debate sobre as suas relações com o desenvolvimento
econômico e social que marcaram a década de 1960 ampliou-se, nos anos de 1970,
para uma discussão acerca da extensão da cobertura dos serviços1. Esse
fato ocorreu tendo em vista que a saúde, tendo o Instituto Nacional de
Previdência e Assistência Social (INPS) como seu maior prestador de serviços, ameaçava
sucumbir em meio à crise que havia se instalado decorrente de fraudes e
corrupções.
O
quadro delineado na área da saúde, desse modo, apresentava sinais de declínio e
crescentes críticas ao modelo assistencial predominante, baseado na medicina curativa
que representava gastos elevados e insuficiente impacto na
melhoria da qualidade de vida da população2.
Com
a finalidade de discutir essas questões e diagnosticar problemas no quadro da
saúde dos países da América Latina foi que a III Reunião de Ministros da Saúde
das Américas (Santiago, Chile, outubro 1972) se reuniu e reconheceu as
principais deficiências na prestação de serviços médicos à população. A
extensão da cobertura aos grupos populacionais não integrados, rurais dispersos
e urbanos marginais foi a preocupação central3, 4.
Os problemas pelos quais passava o continente eram, contudo, de natureza
eminentemente primária5, sendo necessárias ações no sistema de
promoção, proteção e recuperação da saúde, de maneira integrada e integral,
igualitária, oportuna, eficaz e suficiente.
As
propostas anunciadas na III Reunião de Ministros da Saúde (1972) se
constituíram no suporte político para que a modernização e racionalização
passassem a fazer parte do ideário da reforma sanitária na América Latina3,4.
De
singular importância na década de 1970 foi a produção
científica de intelectuais, professores e pesquisadores na crítica do modelo
vigente, nas denúncias sobre as condições de saúde da população e na proposição
de alternativas, centradas no ideário da Medicina Preventiva defendida por
Sérgio Arouca, para a construção de uma nova política de saúde efetivamente
democrática6.
Assim, o estudo traz como objetivo analisar a produção sobre a Medicina preventiva divulgada nos anais dos Congressos
Brasileiros de Enfermagem no período de 1977-1980.
METODOLOGIA
Procedimentos
metodológicos
Trata-se de um estudo histórico-social, com
base na pesquisa bibliográfica, que utilizou a análise documental como técnica
de pesquisa.
O
recorte temporal compreendeu os anos de 1977 a 1980, e o critério de seleção
dos Anais dos CBEN (fontes primárias) referentes ao período supracitado (XXIX,
XXX, XXXI e XXXII CBEN) priorizou aqueles que trouxessem discussões acerca do Sistema
Nacional de Saúde, da situação da saúde e da Enfermagem no país à época.
Como fontes secundárias foram utilizadas produções
científicas nas temáticas de: História da Enfermagem, Saúde Pública, Políticas
de Saúde e História geral e do Brasil.
Para
auxiliar o tratamento dos dados utilizou-se como técnica a análise temática,
com recorte do texto em unidades comparáveis, denominada categorização, de
acordo com Bardin7. As categorias foram originadas após leitura do corpus
documental, na medida em que os elementos análogos foram sendo identificados,
reconhecidos e classificados por temas.
Para
embasar as análises e compor o corpo teórico desta pesquisa foram considerados dois
autores: Sérgio Arouca, médico sanitarista, que contribuiu com os conceitos da
Medicina Preventiva; e Maria Cecília Puntel de Almeida, enfermeira, que
descreveu em sua tese o saber de Enfermagem.
Referencial
teórico-metodológico
O
período compreendido pelo estudo representou o despertar de novas idéias no
campo da Medicina, com fomento à mudança, que associaram a saúde às Ciências
Sociais, e que teve o sanitarista Sérgio Arouca como seu principal idealizador.
Arouca propôs uma nova forma de olhar a saúde, o ensino médico, e a assistência
prestada ao indivíduo, baseado nos conceitos da Medicina Preventiva, contidos
em sua tese de doutorado, denominada “O Dilema Preventivista”,
um marco na saúde pública brasileira.
As
questões da saúde, após a tese de Arouca, ganharam uma dimensão social, através
da aproximação destas com a Medicina Social, abordando os problemas de saúde e relacionando-os
com o modo de vida do indivíduo/comunidade. Até então, essas discussões não
eram levantadas em escolas médicas, uma vez que o modelo clínico predominava, e
não havia disciplinas de Ciências Sociais nas universidades. Para superar a
crise da saúde, dessa forma, Arouca propôs uma prática teórica que permitisse
analisar os fatores determinantes da crise do setor saúde, e uma prática
política que levasse às mudanças necessárias, sendo concretizada no Movimento
de Reforma Sanitária nos anos de 19808.
Portanto,
constituiu-se como um novo campo de saber da Medicina, do qual a Enfermagem
viria a se apropriar posteriormente, conforme pensamento da enfermeira Maria
Cecília Puntel de Almeida.
Almeida9
defendeu a idéia de que é do trabalho, ou seja, da prática, que emergem os
elementos constitutivos do saber; é através das relações técnicas e sociais que
são estabelecidas no trabalho, sejam com o doente ou com a equipe, que está a
essência do saber em Enfermagem, sendo a escola, a instituição que conserva e
transmite-o, formaliza-o, universaliza-o, reproduzindo-o na busca de autonomia
e neutralidade científica.
Portanto,
o saber não seria uma instância abstrata, neutra, desvinculada da prática, sendo
uma dimensão desta prática. “Ele vai se compondo e se organizando pelo comando
da prática”9. Nesse sentido, o saber em
Enfermagem contido na produção científica, sofre influência das idéias
emergentes no campo da saúde e traz, como reflexos, mudanças em sua prática
assistencial e intelectual.
RESULTADOS
E DISCUSSÃO
O
foco das ações do enfermeiro, com a redefinição das políticas de saúde e as discussões
acerca da inadequação do modelo assistencial, se desviou da atenção centrada no
hospital para ações de cunho preventivo, com utilização de tecnologia
simplificada, no qual o contato direto com a população seria o foco do trabalho
a ser desenvolvido pelo enfermeiro.
Essas
modificações na forma de olhar o indivíduo e sua forma de adoecimento provocaram
discussões no cerne das instituições de ensino superior, especialmente nos
cursos de graduação em Enfermagem, que, procurando se adaptar ao que de novo a
saúde trouxera, revisaram seus currículos, na busca de ensino de qualidade e
mais adaptado à realidade brasileira. A idéia estava na formação do aluno
baseado em competências, ou seja, preparado para os novos desafios que a grande
rede composta pelas instituições de saúde públicas e privadas estavam a exigir.
Nesse
cenário das políticas de saúde, a assistência primária foi um novo campo que se
abriu à enfermeira; e para que ela pudesse dar uma contribuição efetiva, foi
necessário não apenas o preparo específico para as ações que lhe cabiam nesse
nível, como também uma atitude positiva em relação à utilização de pessoal
elementar para a execução de tarefas simples, sob sua supervisão e com a
participação da comunidade. Matos10: 25-27, em contribuição ao XXX
CBEN, observou que:
[...] As tendências
mais marcantes que caracterizaram as novas estruturas são a regionalização com
a conseqüente descentralização administrativa e de supervisão, e a preocupação
com a extensão da cobertura [...] e mais recentemente pelo Programa de
Interiorização de Ações de Saúde e Saneamento (PIASS) [...]. No Brasil, o
grande desafio a enfrentar é a interiorização dos serviços de saúde, ou seja, a
implantação de uma rede de “Assistência Primária” voltada para a solução de
problemas básicos de saúde que afetam a população dos pequenos centros urbanos
e da zona rural [...].
A
enfermeira Adalgisa Vieira Matos, nessa produção, evidenciou, além de uma
postura de envolvimento com as questões políticas, uma preocupação com as novas
tendências em saúde, já lançadas, primeiramente, com a implantação do PIASS, em
1976, e que deveria orientar as ações futuras de Enfermagem, uma vez que todos
os fatores apontavam rumo à modificação das políticas, sob os princípios da
atenção básica, tão defendidos na Conferência de Alma Ata,
no ano de 1978.
Face
à nova realidade, houve um aumento significativo dos cursos de Enfermagem no Brasil,
com inovações no que se referiu ao ensino, demonstrando a busca pelo aperfeiçoamento
profissional frente aos desafios impostos pela rede, conforme verificado abaixo:
[...] Em
conseqüência, de 1976 a 1978 o número de cursos de Enfermagem no país passou de
41 para 57, havendo uma elevação na oferta de vagas nos cursos já existentes,
salientando-se que praticamente em todas as unidades da federação já existem
cursos de Enfermagem [...] destaca-se como inovação a introdução da consulta de
Enfermagem a gestantes e crianças sadias como atividades básicas nos
ambulatórios, bem como a integração de aspectos preventivos na assistência de
enfermagem, tais como imunizações, trabalho educativo com grupos, etc [...] 10: 20-21.
O
processo saúde-doença, nessa perspectiva, deveria ser acompanhado sob um olhar ampliado,
propiciando atenção continuada à saúde em todas as etapas do processo de adoecimento,
não somente na ocorrência de doença, evidenciando que houve uma preocupação
constante da Enfermagem com vistas à mudança dos currículos para formar
profissionais condizentes com as necessidades do mercado e da população.
Para
tal, a expansão dos serviços, em discussão nos diversos setores da sociedade,
dependeria da ação de vários profissionais, dentre esses, os enfermeiros,
através do exercício da autonomia profissional, alicerçado na competência
técnica. Complementando essa fala, Maria Ivete Ribeiro de Oliveira, em discurso
no XXXI CBEN, 1979, ressaltou: “Os modelos devem [...] propiciar uma atenção
continuada de saúde e não esporádica, na ocorrência da doença” 11:24.
Todas
essas questões deveriam ser consideradas no redimensionamento das ações de saúde,
trazendo em seu bojo a idéia das questões sociais, propostas por Arouca8,
e confirmando as conseqüências do sistema capitalista em expansão. “[...] se
reconhece a necessidade de que sejam adotadas medidas de caráter social,
capazes de corrigir os efeitos deletérios de um processo acelerado de acumulação
[...]” 12:25.
Nesse
trecho, Maria Ivete Ribeiro de Oliveira, trouxe a idéia de uma política social,
cujos objetivos giravam em torno da elevação dos níveis de vida da população,
no qual a saúde era variável dependente, ou seja, os determinantes sociais e
econômicos exerciam influência direta no processo saúde-doença. Este foi um dos
aspectos abordados por Arouca8 em sua tese.
O
XXXI CBEN, 1979, por outro lado, trouxe reflexões e auto-avaliações
sobre o nível de envolvimento dos enfermeiros com a realidade externa, no
intuito de mudança de conduta profissional. Neste sentido, a conferência que
debateu o tema “Enfermagem e estrutura social”, explicita:
A Enfermagem
brasileira mudou neste decênio; cresceu e se tornou uma profissão adulta; saiu
do casulo e perdeu o egocentrismo das profissões adolescentes porque tem
buscado servir mais sintonizada com os anseios da sociedade a que ela mesma
integra [...]11:9.
Assim,
observou-se que a Enfermagem, mais do que redescobrir papéis e redirecionar suas
ações, necessitaria estar integrada aos problemas da sociedade, de forma a
atender seus reclamos, delimitando seus espaços perante o sistema de saúde, em
suas novas formas de organização.
[...] À luz das
mudanças ocorridas nos domínios científicos e sociais e tendo em vista as metas
da política de saúde, no sentido de estender os serviços de saúde a toda
população, a Enfermagem e outras profissões da área de saúde necessitam adaptar
e expandir seus papéis [...]13:10.
Portanto,
a Enfermagem que adentrou a década de 1980 foi aquela que buscou responder às
demandas oficiais, ao delinear uma prática condizente com os programas determinados
pelas políticas públicas. Respondendo a esses anseios e assumindo uma postura crítica,
reflexiva sobre seu papel e o sentido de sua prática profissional, a Enfermagem
responderia a um compromisso social, que consideraria o entorno e os
determinantes sociais do processo saúde-doença.
Todas
as citações aqui apresentadas, além de confirmarem a adesão das enfermeiras às idéias
preventivistas, demonstraram uma postura de reflexão
acerca das articulações realizadas no campo social, assumindo uma posição ativa
na discussão e proposição de mudanças perante essas questões. Assim, houve,
progressivamente, uma ruptura com a postura passiva, acrítica, de subordinação,
reprodutora da ideologia dominante14, que começara a perder espaço,
cedendo lugar à politização dessas enfermeiras, na busca de respostas para os
problemas que enfrentavam.
Sentimos, em todos
os documentos emitidos por órgãos nacionais e
internacionais de
Saúde, recomendações no sentido de que adeqüemos o ensino e seus currículos às
reais necessidades nosológicas regionais e assim procuremos
solucionar os problemas do Sistema de Saúde em vigor, incutindo [...] o
propósito de prevenção e cura das enfermidades através dos serviços
assistenciais de cobertura de saúde à população 15:142.
Para
operacionalizar os serviços primários, portanto, a Conferência de Alma Ata (1978)
destacou os meios a serem utilizados para concretização das ações, que seriam garantidos
com base na acessibilidade, redução dos custos, integração de todos os níveis
de atendimento à saúde e treinamento de recursos humanos para a execução das
atividades. Dessa forma, princípios como hierarquização, integração dos
serviços, regionalização, participação comunitária, utilização dos recursos
disponíveis, foram incluídos no rol de conceitos que foram se estabelecendo
junto à operacionalização das práticas de atenção primária16.
[...] as enfermeiras
de que o mundo necessita são as que podem diagnosticar problemas de saúde
comunitária e adotar medidas para proteger, proporcionar e promover a saúde
geral da população, as que podem cuidar dos doentes e dos incapazes e as que
podem ensinar o próximo a cuidar de si mesmo6:93.
[...] que estendam também essa assistência à família, dentro do espírito da
prática integral da Enfermagem13:177.
Essa
conceituação nos mostrou que a Enfermagem deveria atuar sob os princípios da Medicina
preventivista, tendo como subsídios medidas
preventivas, adotadas em todas as fases da História Natural das Doenças, e que
incluíam o indivíduo como sujeito ativo no processo de preservação de sua
saúde.
Abaixo,
uma seqüência de trechos extraídos dos Congressos Brasileiros de Enfermagem
apontou alguns aspectos a serem considerados sobre o ensino, que deveria se adequar
às novas tendências em saúde, alicerçado nos conceitos da assistência primária,
de modo a contribuir na melhoria da qualidade de vida da população, e da
extensão das ações. Novas propostas que deveriam ser absorvidas pela
Enfermagem.
Ao pretendermos
formar um profissional de Enfermagem voltado para as reais necessidades da
comunidade, onde saúde é vista como resultante de múltiplas variáveis [...]. Que
as enfermeiras/os docentes e de serviços reconhecem a necessidade de um novo
enfoque no ensino e nas estratégias metodológicas, para atender às atuais
exigências da comunidade brasileira. [...] Que realizem estudos visando à
introdução, nos programas de ensino, de inovação que atendam às tendências
emergentes do setor de saúde3:180.
É
interessante destacar que, à medida que avançam as discussões acerca das ações primárias
de saúde, e de sua incorporação aos currículos dos cursos da área de saúde, organizações
de profissionais de saúde, sejam elas ligadas a universidades, postos de saúde,
indústrias, dentre outros, começaram a programar atividades junto à comunidade
priorizando extensão de cobertura e atendimento com enfoque educativo. É o que
evidenciamos no projeto desenvolvido pela Universidade Federal da Bahia, no ano
de 1976, que criou o Programa Integrado de Saúde Rural no município de Cruz das
Almas, com o desenvolvimento de ações simplificadas de saúde17.
Outro
exemplo foi a iniciativa da Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (PUCCAMP), em 1978, num projeto que integrava as
Faculdades de Ciências da Saúde, que programou atividades de assistência à
população de bairros, no qual ações básicas de saúde foram desenvolvidas junto
aos grupos de hipertensos, puericultura, pré-natal, saúde escolar, dentre
outros18.
Os
objetivos desse último programa (denominado Programa Integrado de Assistência Progressiva
à Saúde – PIAPS) eram: treinamento dos alunos de forma a estimular
nos mesmos o interesse pelos problemas comunitários; desenvolver neles o
espírito preventivista; integrar as faculdades da saúde
à comunidade; desenvolvimento do trabalho em equipe, uma vez que prevenção de doenças
requeria ação de equipes multiprofissionais; desenvolver um modelo de prestação
de serviços de saúde de baixo custo; reduzir coeficientes de mortalidade
materna e infantil e melhorar as condições de saúde da comunidade, promovendo a
saúde da família como meta básica18.
Movidos
pela necessidade iminente de desenvolver programas dessa natureza, ligados a tendências
de assistência à comunidade, valorizando a prevenção de doenças através da promoção
da saúde, conforme orientações da Organização Mundial da Saúde, foi que os
profissionais de saúde de todas as áreas, reuniram-se e integraram-se à
comunidade. Isso mostrou que a assistência à população vinha ganhando uma nova roupagem,
uma nova delimitação com priorização de ações básicas, em detrimento de ações de
caráter curativo, individual.
A
preocupação em desenvolver projetos associados a essas comunidades, conforme
observamos nos exemplos anteriores pôde ser considerado como os efeitos produzidos
pelas políticas de saúde, estreitamente ligados às idéias preventivistas
de Sérgio Arouca, que influenciaram diretamente o papel dos enfermeiros19.
A
Enfermagem, em todo esse cenário, se viu diante de muitos desafios, o que
contribuiu para a validação de algumas propostas de mudanças frente às
necessidades de saúde da população. Isso ficou patente em várias publicações da
época, ao situarem o quadro geral das transformações ocorridas neste país no
setor de saúde com o desenvolvimento de ações por parte da Enfermagem,
especialmente voltadas para o nível de cuidado primário, não deixando de
considerar o homem no contexto familiar e social.
A
coletânea de conferências corporificadas nos anais dos Congressos Brasileiros
de Enfermagem, referentes às políticas de saúde, à situação de saúde e da
Enfermagem no país, ofereceu um conjunto diversificado do que podemos chamar de
as possibilidades da Enfermagem, tanto naquele momento, vivenciado pela classe,
como no confronto com os problemas futuros de saúde. Verificamos que esforços
foram empreendidos no redimensionamento da Enfermagem, não somente ampliando
suas funções, mas levando-a a repensar criticamente o seu papel.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
As
publicações e temas corporificados na produção científica de Enfermagem representaram
um saber construído pela Enfermagem em articulação com a prática, focados na formação
de profissionais integrados às novas tendências da profissão, na tentativa de
reverter a dicotomia entre saúde coletiva e
individual.
Os
efeitos do discurso preventivista, sob esse aspecto, foram
evidenciados sob as múltiplas facetas que envolvem o saber/fazer em Enfermagem:
de um lado, reorientando as práticas acadêmicas e profissionais para ações
preventivas, de outro, fomentando discussões no âmbito científico acerca das
mudanças discutidas no campo da saúde. Isso demonstrou o comprometimento social
que os membros da classe assumiram face à realidade social brasileira.
Destarte,
a Enfermagem, no final da década de 1970 e início dos anos de 1980 assistiu à
emergência de seus integrantes como sujeitos políticos, se
encontrava fortalecida como profissão, fazendo parte do multigrupo da saúde, e ganhava cada vez mais espaço em
discussões políticas na concretização de suas idéias e ideais.
O
sistema de saúde atual ainda enfrenta desafios, e é diferente daquele
idealizado por Arouca; ainda vivencia uma marcante valorização do
individualismo, cheio de contradições e dilemas a serem enfrentados para a
garantia plena dos direitos sociais. O caminho, contudo, perpassa pela construção
e consolidação dos atores como sujeitos sociais, engajados no processo de
produção em saúde, capazes de reconduzir a consciência sanitária.
REFERÊNCIAS
1.
Paim JS, Almeida Filho, N. A crise da saúde pública
e a utopia da saúde coletiva. Salvador: Casa da Qualidade; 2000.
2.
Bertolli Filho C. História da saúde pública no
Brasil. 4ªed. São Paulo: Ática; 2006.
3.
Cordeiro H. Prática médica na América Latina. Rev Memórias. 1978; 2(1): 111-32.
4.
Mendonça ET de, Amorim WM de. Tecendo as
circunstâncias de reformulação e operacionalização do Sistema Nacional de Saúde
de 1973 a 1979. Rev Enferm UFPE On Line. 2009; 3(2):133-140.
5. Paiva
CHA. A Organização Panamericana de Saúde (OPAS) e a
reforma de recursos humanos na saúde na América Latina (1960-1970). [acesso em
2007 Sep 10]. Disponível em http://www.coc.fiocruz.br/observatoriohistoria/opas/producao/arquivos/OPAS.pdf
6.
Noronha
JC de, Levcovitz E. AIS-SUDS-SUS: Os caminhos do
direito à saúde. In: Guimarães R, Tavares R. Saúde e sociedade no Brasil: anos 80. Rio de Janeiro: Relume Dumará; 1994.
7.
Bardin L. Análise
de conteúdo. Lisboa: Edição 70; 2008.
8.
Arouca S. O dilema preventivista. São Paulo: Editora UNESP; Rio de
Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2003.
9.
Almeida
MCP. O saber de enfermagem e sua dimensão prática. São Paulo: Cortez; 1989.
10.
Matos
AV. A Enfermagem e o Sistema Nacional de Saúde. XXX Congresso Brasileiro de
Enfermagem; 1978; Belém. Belém: ABEN; 1978.
11.
Oliveira
MIR. Enfermagem e estrutura social. XXXI Congresso Brasileiro de Enfermagem;
1979; Ceará. Ceará: ABEN; 1979.
12.
Oliveira
MIR. A Previdência Social. XXXII Congresso Brasileiro de Enfermagem; 1980; Brasília.
Brasília: ABEN; 1980.
13.
Castro
IB. Conceito de saúde: predicativos e implicações. Rev Bras Enf. 1978; 31 (1): 275-80.
14.
Pires
DE. Hegemonia médica na saúde e a
Enfermagem. São Paulo: Cortez; 1989.156 p.
15.
Targino RB, Nóbrega AS, Pessoa AL. Inovações no ensino de
Enfermagem na Universidade Federal da Paraíba: possibilidades, limitações e
expectativas. XXX Congresso Brasileiro de Enfermagem; 1978; Belém. Belém: ABEN;
1978.
16.
Matos
AV. A Enfermagem e o Sistema Nacional de Saúde. XXX Congresso Brasileiro de
Enfermagem; 1978; Belém. Belém: ABEN; 1978.
17.
Costa
IS, Souza RG, Magalhães MMA. A enfermagem na aplicação da metodologia de
integração de serviços de saúde rural, através de assistência simplificada. Rev Bras Enf.
1979; 32 (4): 396-402.
18.
Resende
MC, Pires AM, Galti MJ. Atuação da enfermagem em um
sistema de saúde comunitária. Rev Bras Enf. 1980; 33 (2):132-156.
19.
Abrahão A. The
management practice in communitary health units -
preview note. Online Brazilian Journal
of Nursing, North America, 4, dec. 2005.
Available at: <http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/67>. Date accessed: 29 Apr. 2011.