Deaf person's perception on health care in a midsize city: an descriptive-exploratory study

 

Percepção da pessoa surda acerca da assistência à saúde em um município de médio porte: estudo descritivo-exploratório

 

Iratyenne Maia da Silva Bentes1, Eglídia Carla Figueirêdo Vidal2, Evanira Rodrigues Maia3

 

1,2,3Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil

 

Abstract: This work aims to know deaf person's perception on the health care offered in health services, as well as the difficulties/facilities found in search of assistance. Descriptive-exploratory, qualitative study carried out at the Center of Adolescents and Adults Education (CEJA) in Crato-CE, with a sample of 12 deaf people during June and July 2009 through semi-structured interview, using the Brazilian sign language and interpreter's aid. The following categories were found, representing the main difficulties/facilities presented by the subjects: dependence on the companion; communication process concerning the service and professionals; management of service provision; and professional training. Thus, we found that is necessary to train the professionals and organize the services for the health care of deaf people, promoting autonomy and ensuring adequate assistance in the local services network.

Key-words: Delivery of health care; Deafness; Health services accessibility; Disabled persons.

 

Resumo: O trabalho visa conhecer a percepção da pessoa surda acerca da assistência à saúde oferecida nos serviços de saúde, bem como as dificuldades/facilidades encontradas na busca de assistência. Estudo do tipo descritivo-exploratório, qualitativo, realizado no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) em Crato-CE, com uma amostra de 12 pessoas surdas, durante os meses de Junho e Julho de 2009 através de entrevista semi-estruturada, com utilização da língua brasileira de sinais e auxílio de intérprete. Foram encontradas as seguintes categorias representando as principais facilidades/dificuldades apresentadas pelos sujeitos: dependência do acompanhante; processo comunicativo na relação com o serviço e profissionais; gestão da oferta do serviço e capacitação profissional. Dessa forma, observamos ser necessária a capacitação de profissionais e organização dos serviços para o atendimento à saúde dos surdos, promovendo autonomia e assegurando atendimento adequado na rede de serviços locais.

Descritores: Assistência à saúde; Surdez; Acesso aos serviços de saúde; Pessoas com deficiência.

 

 

INTRODUÇÃO

A deficiência auditiva pode ser considerada como o tipo de deficiência de mais difícil convívio na sociedade, pois a audição é o sentido essencial para a aquisição e uso da linguagem, e sua ausência pode levar à exclusão.

No Brasil, o censo 2000 ao incluir a frase “possui alguma dificuldade para enxergar, ouvir, caminhar ou subir escadas” identificou 24,6 milhões de pessoas como pessoas que têm alguma deficiência, correspondendo a 14,5% da população do país. Destes, 5,7 milhões possuem algum grau de deficiência auditiva e pouco menos de 170 mil se declararam surdos1.

Dentre as grandes dificuldades encontradas para a pessoa surda, a maior delas é a dificuldade de comunicação. Atente-se que a linguagem oral, mesmo no país de origem constitui-se em uma segunda língua, e como qualquer língua estrangeira tem aprendizado difícil2.

Como comunicar-se é um processo que exige compreender e compartilhar mensagens enviadas e recebidas, os conteúdos dessas mensagens influenciam o comportamento dos envolvidos3.

Saliente-se que a comunicação, seja verbal ou não-verbal, utiliza respectivamente, da palavra falada, da escrita e da expressão corporal ou facial. Para a pessoa surda esta pode se desenvolver em apenas um aspecto: o não verbal. A troca de informações, inerente à comunicação, pode não ocorrer ou acontecer apenas parcialmente, o que representa uma barreira entre os dois comunicantes, cujas línguas, oral e a de sinais, não devem ser vistas como opostas e sim como canais diferentes para a transmissão e recepção de mensagens4.

A LIBRAS, Língua Brasileira de Sinais, língua oficial da comunidade surda, possui estatuto próprio e sua oficialização ocorreu pela Lei nº. 10.436, de 24 de Abril de 2002. Esta promulgação foi um grande passo para o grupo de surdos, em razão da uniformização dos gestos emitidos no ato de comunicação. É imprescindível aos surdos assegurar o direito de usufruírem dos benefícios de uma língua, uma vez que não são pessoas incomunicáveis. No entanto, a decodificação da comunicação exige formas e conteúdos diferenciados.

A relação dos profissionais de saúde com usuários ouvintes comumente acontece pelo código verbal. Este mecanismo não pode ser utilizado com usuários surdos. Isto posto, entende-se que o instrumento básico de trabalho dos profissionais de saúde passa a ser a comunicação. Desse modo, devem conhecer os princípios da língua de sinais e desenvolver habilidades para sua eficaz utilização. Assim, os profissionais de saúde poderão cumprir seu papel de auxiliar a pessoa surda a resolver seus problemas e reduzir conflitos, compreendendo que a capacitação profissional é primordial para a qualidade do atendimento, sendo necessária a toda equipe.

Destarte, o reconhecimento legal da língua de sinais pressupõe requisito legalístico para o profissional de saúde, em exercício da profissão, assegurar efetiva comunicação na prestação de cuidados as pessoas surdas2. Não obstante, estudos recentes apontam considerável despreparo dos profissionais de saúde para exercerem o domínio do processo de comunicação com deficientes auditivos2,5,6. Considere-se que aos profissionais de saúde é indispensável construir competências no âmbito da formação acadêmica para comunicar-se efetivamente, haja vista a obrigatoriedade da disciplina de LIBRAS para os formandos da área de saúde e educação conforme a Lei n° 10.436, de 24 de abril de 2002.

Acreditando na premissa de que a busca pela saúde da pessoa surda também é dever de todos os profissionais de saúde, comprometidos em participar de uma sociedade inclusiva e voltada à promoção da saúde, este estudo objetiva conhecer como a pessoa surda percebe o processo de assistência oferecida nos diversos serviços de saúde, no que diz respeito às dificuldades e/ou facilidades encontradas no processo de comunicação.

 

METODOLOGIA

Estudo do tipo descritivo-exploratório de natureza qualitativa realizado no Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA) de Crato-CE, o qual atende 15 surdos de diferentes localidades do município. A escolha deveu-se a este estabelecimento de ensino reunir diariamente um número expressivo de surdos em uma sala especial com uma professora que ministra as disciplinas básicas do ensino fundamental, utilizando LIBRAS. As aulas ocorrem no período diurno, nos turnos da manhã e da tarde.

A pesquisa foi realizada com 12 dos 15 surdos que frequentavam o CEJA de Crato-CE. Incluiu-se apenas aqueles surdos que tinham conhecimento de LIBRAS, que não fosse oralizados e que se fizeram presentes no CEJA nos dias solicitados para aplicação das entrevistas. Respeitou-se as exigências das Diretrizes e Normas da Pesquisa envolvendo Seres Humanos com aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina de Juazeiro do Norte, sob parecer nº: 268564/2009.

A coleta de dados realizou-se nos meses de Junho e Julho de 2009, após uma primeira visita para solicitar autorização de realização da pesquisa junto à coordenação da instituição.

Empregou-se como instrumento de coleta de dados, a entrevista do tipo semi-estruturada. O instrumento utilizado foi validado por uma interprete de sinais, que traduziu para LIBRAS as perguntas a serem feitas para os surdos. Tal fato nos permitiu a modificação de algumas questões, o que gerou, com isso, maior segurança e precisão para a execução da pesquisa e condução da coleta dos dados.

As entrevistas ocorreram em quatro datas previamente agendadas com o CEJA, realizadas, individualmente, em sala de aula e tiveram duração média de quarenta minutos. Ocorreram em duas datas no turno da manhã e duas no turno da tarde com vistas a alcançar o maior número de sujeitos possíveis. Adotamos a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), língua natural dos surdos, como o meio de comunicação respaldada na Lei Nº 10.436, de 24 de abril de 2002.

Durante os encontros, os objetivos da pesquisa foram explicados e aqueles que aceitaram participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. As questões da entrevista foram explicadas e traduzidas em LIBRAS a cada indivíduo, sendo suas respostas registradas manual e integralmente e, como forma de validação, elas foram lidas para os informantes, que concordavam com a transcrição de seu conteúdo, ou complementavam e/ou corrigiam as respostas, quando necessário. Para garantir um diálogo mais fidedigno recorreu-se a participação de uma intérprete de LIBRAS durante as entrevistas, o que facilitou o caminhar do nosso trabalho uma vez que a fluência da pesquisadora não garantia a manutenção segura do fluxo do diálogo e tal condição foi importante porque ao interpretar do português para a LIBRAS a intérprete cria um contexto específico da língua de sinais para clarear as idéias expressas, e alguns deles só possuem sentido se inserido em um contexto, com isso a nossa entrevista tornou-se um diálogo, através do qual eles expuseram algumas experiências vividas e suas percepções quanto as dificuldades e/ou facilidades enfrentadas na procura da assistência nos serviços de saúde. As falas dos protagonistas foram representadas por numerais ao longo do texto.

Utilizou-se da técnica de categorização para a organização dos dados, chegando às categorias pelo significado comum das expressões referidas pelos entrevistados7.

A discussão dos resultados foi embasada pela literatura científica existente e apresentada diante das categorias encontradas nos dados pesquisados.

Assim, foram identificadas quatro categorias relacionadas às principais dificuldades encontradas pelas pessoas surdas na procura aos serviços de saúde, sendo elas: Dependência da pessoa surda para assistência nos serviços de saúde; Dificuldades no processo de comunicação; Dificuldades do sistema de saúde em assistir a pessoa surda; Qualificação profissional.

 

RESULTADOS

Participaram doze estudantes surdos do ensino fundamental sendo seis homens e seis mulheres.

Quanto à idade, quatro tinham até 20 anos, cinco estavam entre 21 e 30 anos e dois entre 31 e 40 anos. Apenas um tinha idade acima de 41 anos.

Dos, 12 surdos pesquisados apenas três realizam alguma atividade profissional, como jardineiro e lavadeira.

O estado civil da maioria era solteiro com oito nesta condição. Dois eram casados, um separado e um em união estável. A maioria reside com familiares, sendo que nove residem com os pais e três com companheiros. Nenhum mora sozinho.

Observe-se que os sujeitos apresentam características semelhantes, pois em sua maioria são solteiros, residindo com os pais ou companheiros, cursando ainda o ensino fundamental e com dificuldade de inserção no mercado de trabalho, tendo como principal fonte de renda a aposentadoria.

Além das características pessoais, a entrevista com a pessoa surda apresenta características próprias a considerar.

Saliente-se que no transcorrer das entrevistas foi observado que na linguagem dos surdos há uma simplificação semântica e linguística da mensagem, pois faltam em suas falas alguns elementos como preposições, artigos, conjunções e verbos, que são, em sua maioria, exatamente aqueles elementos que inexistem ou se manifestam de outra maneira na língua de sinais, gerando uma omissão de algumas palavras e de elementos coesivos, fazendo com que o surdo possua uma linguagem própria. Observe-se que as falas dos surdos pautadas na língua de sinais não apresentam as mesmas características de um falante de português, mas de um sujeito falante de segunda língua8.

Contudo, clareando-se a existência destes aspectos passamos à análise do conteúdo, compreendendo que a inexistência desses elementos de ligações comuns na língua portuguesa, não se torna fator significante para compreensão do conteúdo. Escolhemos assim, transcrever na íntegra a fala dos surdos entrevistados.

 

Categoria 1. Dependência da pessoa surda para assistência nos serviços de saúde

A maioria dos entrevistados manifestou que na busca ao serviço de saúde, sempre o fazem acompanhados, seja por familiares ou amigos. A necessidade de intérprete permitiu a exposição dos motivos que os levam a procurar o serviço e garante a compreensão dos sinais e sintomas pelo profissional de saúde.

Dos doze entrevistados, nove fazem referência à figura da mãe como principal acompanhante, contudo, nos relatos apareceu também, a figura do amigo, da sogra, do marido e da irmã como mediadores do processo de comunicação.

“não tem pessoa ir junto” 02

 

“Ir posto junto sogra” 05

 

“Ir posto junto mamãe” 10

 

“[...] precisar mamãe ir junto, eu surdo não entender nada” 11

 

Dos doze entrevistados apenas um referiu ter utilizado algum serviço de saúde sem nenhum acompanhante. No entanto, não alcançou resultado, pois não conseguiu ser entendido pelo profissional, retornando sem atendimento satisfatório.

“Ir posto, médico não entender surdo. Precisar voltar” 09

Dentre os sujeitos do estudo, quatro apresentavam-se doentes ou com alguma necessidade de assistência à saúde no momento das entrevistas. Entretanto, referiram não poder ir ao serviço de saúde por não contar com a disponibilidade de alguém para acompanhá-los. Apesar da falta de conhecimento da língua de sinais pelos profissionais, existe ausência de intérprete nos serviços de saúde da rede pública municipal, fato confirmado pela gestão local.

Nunca ir só, mamãe precisar ir junto traduzir” 06

 

“[...] Agora estar doente, precisar ir, mas não ter ninguém traduzir” 09

 

“ninguém traduzir” 12

 

Categoria.2:  Dificuldades no processo de comunicação

A comunicação é o processo de transmissão de uma informação de uma pessoa para outra então compartilhada por ambas9.  Com esse entendimento não poderá haver comunicação se não houver primeiro a compreensão da informação que o destinatário recebe, ou seja, a informação simplesmente transmitida, mas não recebida, não foi comunicada.

Entre os surdos entrevistados, pudemos observar falhas no processo de comunicação entre estes e os profissionais de saúde como os depoimentos destacam:

“[...] Se ir só ninguém entende” 06

 

“ninguém saber LIBRAS” 10

 

                   “Ir hospital, ninguém saber LIBRAS, não entender surdo” 11

Dentre a maior dificuldade citada pelos entrevistados, encontra-se a da comunicação, pois os surdos, em sua maioria, não têm domínio sobre a língua oral.

Ao questionar que dificuldades/facilidades os surdos vivenciam ao procurar atendimento à saúde, em sua totalidade relatou-se a comunicação. Esse fato demonstra dificuldade no estabelecimento do vínculo e do acolhimento necessário ao processo assistencial profícuo e oportuno. Frequentar o serviço de saúde com um acompanhante, apenas facilita, mas não resolve o problema.

 Vejamos os depoimentos que apontam essa dificuldade:

“Não saber comunicar” 02

 

“achar que comunicação” 04

 

“comunicação difícil” 05

 

Categoria 3: Dificuldades do sistema de saúde em assistir a pessoa surda

Além das dificuldades de comunicação, os surdos ainda enfrentam dificuldades inerentes a organização do sistema de saúde, especialmente nos serviços públicos. Assim, percebe-se as filas, o tempo de espera e a distância da unidade de atendimento são problemas que agravam a situação de saúde da população que necessita destes serviços.

Para os surdos entrevistados, essas dificuldades gerais contribuem para a não procura aos serviços públicos de saúde, levando-os aos serviços privados ou conseqüente distanciamento da assistência. Vejamos os depoimentos abaixo:

“[...] Acordar madrugada, esperar muito” 03

 

“É longe, muitas pessoas, médico sempre atrasado”10

 

“Demora, fila grande, esperar muito, melhor médico particular 12

Como os demais cidadãos, os surdos devem ser atendidos respeitando suas especificidades e a prioridade assistencial, haja vista serem pessoas que vivem com deficiência. Assim, a gestão local deve criar estratégias para minimizar as dificuldades encontradas

 

Categoria 4: Qualificação profissional

Essa categoria apresenta a percepção dos surdos quanto a ausência de capacitação profissional, para uma assistência que atenda com eficácia suas necessidades especificas de saúde.

Em sua totalidade os entrevistados perceberam o despreparo e a falta de capacitação dos profissionais no atendimento à saúde, pois sempre tem de frequentar o serviço acompanhado de intérpretes, demonstrando que o encontro de pacientes surdos e profissionais de saúde, é permeado por barreiras comunicativas que comprometem o vínculo e a assistência prestada, podendo interferir no diagnóstico, tratamento e prevenção conforme sinalizam os depoimentos:

“Profissional não saber LIBRAS” 01

 

“profissional não tem capacitação, não saber comunicar” 02

 

“Não saber LIBRAS, médico não entende surdo” 08

 

“Enfermeira, médico não saber sinais. É importante saber” 10

 

O conteúdo das falas revela que os sujeitos não atentam que a falta de capacitação dos profissionais e de condições favoráveis para atendê-los é um direito de cidadania, apenas consideram a importância dessa capacitação como forma de facilitar o atendimento.

“não conhecer nenhum médico sabe LIBRAS” 06

 

“Profissional precisa conhecer LIBRAS. Não encontro nenhum lugar” 11

 

DISCUSSÃO

Acredita-se que a dificuldade de comunicação causa a dependência da pessoa surda em relação aos familiares e amigos, bem como acentua a iniqüidade de inserção no mercado de trabalho. Daí a necessidade de residir com um familiar, que lhe trará segurança ao estabelecer o mínimo de comunicação, conforme baixa escolaridade apresentada pelo grupo em estudo.

Destaque-se que a dependência de pessoas próximas pode ocorrer com qualquer adulto, por razões que afetam também os surdos, quais sejam, necessidade de apoio ou compreensão de instruções do médico. No entanto, para os surdos a principal razão é a reduzida possibilidade de diálogo, já que não possuem o domínio pleno da língua oral e pela ausência de interlocutor que use a língua de sinais10.

Ressalte-se que o surdo torna-se dependente da família, contudo nem sempre os membros podem acompanhá-lo quando ele necessita de atendimento em saúde, dificultando o acesso ao atendimento oportuno11. Desse modo, observa-se descaso com tal população, que fica privada do seu direito à saúde por não contar com profissionais habilitados para realizar ou intermediar o atendimento.

De modo semelhante, pesquisa realizada com surdos, em 2004, identificou a necessidade da presença de intérprete de LIBRAS durante as consultas, destacando que a maioria dos profissionais não conhece a linguagem de sinais e nos serviços de saúde não há intérpretes disponíveis, sendo tal condição questionada pela maioria dos atores sociais do referido estudo12.

Em nossa realidade, os surdos queixam-se da dificuldade para encontrar a figura do intérprete. Como relatado, alguns encontram na família ou em sua rede social, no entanto, estas pessoas nem sempre podem acompanhar o surdo e, geralmente o município não disponibiliza intérpretes de sinais ou capacita seus técnicos o que contraria a Lei n° 10436, de 24 de abril de 2002, que designa no Art 3º que as as instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em vigor13.

Ressalte-se que a comunicação pressupõe a informação e o domínio sobre o que queremos comunicar, a nossa intenção, emoção e o que pretendemos quando nos aproximamos do nosso cliente ou do nosso paciente14.

Esse processo de comunicação consubstancia-se na existência de dois canais distintos, o oral auditivo, utilizado pelos ouvintes e o visual gestual, utilizado pelos não-ouvintes. Essa forma de apresentação do processo de comunicação é vista como uma barreira entre os dois comunicantes, o surdo e o profissional de saúde e precisa ser transposta para que a assistência ocorra.

Considera-se fundamental que o direito conquistado na legislação seja efetivado. As pessoas surdas devem emprenhar-se junto com profissionais para tal fim. O grande prejudicado é a pessoa surda que deixa de exercer a sua autonomia e sua liberdade, uma vez que necessita de amigos e familiares na busca os serviços de saúde, para entenderem e serem entendidos12.

A relação que se dá entre o profissional de saúde e o surdo fica extremamente comprometida, uma vez que a falta de interação, decorrente da dificuldade de comunicação, “não cria um elo” entre esses atores. Assim, torna a relação frágil tanto para o surdo quanto para o profissional que, em muitos casos não está preparado para atender esta clientela12.

Destarte, os surdos por estarem numa relação de dependência, acabam por não usufruir da autonomia sobre a sua própria saúde, ficando a mercê da solidariedade de familiares e amigos para os acompanharem a um serviço de saúde, abstraindo-se da condição de sujeitos ativos na sua própria assistência à saúde.

Como não se observa o uso da LIBRAS pelos profissionais de saúde e o modo precário com que o surdo se apropria da língua portuguesa, favorece a exclusão do processo de comunicação nos serviços de saúde15.

 É inegável a necessidade de uma melhor comunicação dos profissionais de saúde com os pacientes surdos, no entanto tal comunicação continua negligenciada nos sistemas e serviços de saúde16. É mister que a linguagem não-verbal seja conhecida, valorizada e utilizada nas ações em saúde17. 

De acordo com o Decreto nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que trata da Regulamentação da linguagem de LIBRAS, o atendimento às pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços do SUS e das empresas que detém concessão ou permissão de serviços públicos de assistência à saúde deve ser realizado por profissionais capacitados para o uso de Libras ou para sua tradução e interpretação13.

O direito a saúde e a comunicação da pessoa surda pressupõe a busca dos gestores locais por implementar e materializar condições e elementos que favoreçam o processo comunicativo no âmbito dos serviços de saúde, devendo ser realizada de forma eficiente, respeitando as diferenças culturais, podendo  acontecer por meio dos aspectos da comunicação não-verbal e habilidades de perceber e decodificar a mensagem transmitida pelo surdo18.

Além de utilizar recursos da comunicação verbal ou escrita, o profissional de saúde ao prestar assistência ao surdo pode lançar mão da comunicação não verbal que inclui toda informação obtida por meio de gestos, posturas, expressões faciais, orientações do corpo19. Estas são capazes de transmitir atitudes, sentimentos e reações com grande clareza, mas dependem da prévia capacitados para tal atividade.

Portanto, é necessário ao profissional de saúde ter consciência de quem é a pessoa surda e desenvolver habilidades para integrar a comunicação verbal e não verbal na adequação da assistência prestada a estes usuários. Pois, o profissional poderá se deparar com esse público no cotidiano de suas ações devendo, assim, estar preparado para lidar com a situação compreendendo que as pessoas surdas têm igual direito a vida e busca de sua inclusão na sociedade20.

A qualidade nas organizações de saúde pode ser interpretada e representada como a expressão de certas formações subjetivas: preocupação constante em criar e manter entre todos os que estão ocupados nas organizações de saúde, administradores e funcionários, o entendimento quanto à estrutura e ao processo das intervenções; e preocupação quanto aos resultados para satisfazer as necessidades emergentes e as demandas explícitas dos clientes usuários21.

A qualidade das organizações de saúde tem como resultados esperados a melhoria da eficiência e a melhoria no uso dos recursos. Não apenas os recursos materiais, mas os humanos, para que dessa forma haja maior qualificação no atendimento prestado a população, em especial àquela com necessidades especificas, como o surdo, o cego e o cadeirante, cidadãos como qualquer outro, mas que possuem especificidades que necessitam ser respeitadas21.

É necessário não apenas priorizar a saúde como necessidade da população, mas também analisar a atuação cotidiana dos serviços de saúde, frente a essas necessidades. Sendo obrigação ética de todos profissionais de saúde prestar serviços de qualidade, o que demanda comprometimento, disciplina e um esforço crescente por parte dos mesmos.

Os depoimentos mostram a necessidade eminente de capacitação por parte desses profissionais, cabendo-lhes o dever de oferecer uma assistência digna a qualquer cidadão que dela necessite.

Todos os profissionais de saúde devem ter como característica principal a busca por qualificação, devendo inovar sempre, acreditar no seu potencial, fortalecer seus pontos fracos e usar com maestria suas habilidades inatas.

Dentre os entrevistados, um procurou o serviço de saúde acompanhado da mãe, por apresentar alguns manchas pelo corpo, causando certa preocupação. Durante a consulta o surdo sentiu-se excluído por não ter participado, como afirmou em sua fala ao dizer que tentou usar gestos, mas o médico só conversava com sua mãe. Dessa forma observa-se que a ausência de capacitação e sensibilidade profissional aparece como causas principais das dificuldades enfrentadas pelos surdos ao procurar os serviços de saúde, que leva à dependência evidenciada e descrita nas categorias apresentadas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS E AS IMPLICAÇÕES PARA A ENFERMAGEM

O presente estudo conduziu-nos a reflexões importantes sobre a assistência ofertada nos serviços de saúde, considerando iniquidades existentes no atendimento ao surdo, contrárias aos princípios do SUS que busca uma atenção integral, universal e com participação cidadão.

Observa-se uma inadequada assistência aos surdos, que acabam tornando-se excluídos do processo assistencial, do qual deveriam ser atores, pela via da comunicação. Tal exclusão está vinculada a fatores como: dificuldades na comunicação nos serviços de saúde, onde acabam dependendo de familiares para que se estabeleça uma comunicação eficaz. Tal fato se agrava ainda pelas dificuldades gerais presentes no próprio sistema de saúde e pela ausência de capacitação dos profissionais que contribuiria para a melhora da qualidade da assistência e consequente inclusão dos surdos na assistência à sua saúde.

Como a deficiência atinge uma considerável parcela da população mundial, faz-se necessário melhoria na formação de competências dos profissionais de saúde para atender as pessoas com deficiência, pois ao deparar-se com surdos em seu serviço, devem atuar com habilidades e atitudes adequadas a fornecer atendimento qualificado, às necessidades apresentadas por esses usuários. Assim, o interesse e empenho dos profissionais aliado a vontade política dos gestores poderá contribuir para a mudança do cenário atual.

Desse modo, a realização desse estudo pode contribuir na compreensão das necessidades assistenciais da pessoa surda e na inclusão social desses sujeitos, respeitando e valorizando as diferenças, contribuindo com a melhora da qualidade na assistência oferecida nos serviços de saúde a usuários surdos, com base nas suas percepções com relação a esse atendimento em municípios de médio porte.

Isto posto, observamos a relevância do tema estudado, por ser pouco explorado e revelar-se uma área carente de novos estudos ressaltando a necessidade de se investigar a percepção dos profissionais acerca do atendimento a essa clientela, haja vista o número reduzido de publicações na literatura científica no Brasil.

Diante dos achados, sugere-se, especialmente às instituições acadêmicas, oportunizar e favorecer o trabalho com surdos dentro da graduação, especialmente nos cursos voltados para área da saúde, bem como a educação permanente dos profissionais para a necessidade de assistência qualificada a essa população, fortalecendo assim o vínculo profissional-usuário dentro do sistema de saúde.

 

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