The instrumental domination on the organisation of services - an analysis of communication with focus habermaseano

 

A dominação instrumental sobre a organização dos serviços – uma análise da comunicação com enfoque habermaseano

 

La dominación instrumental sobre la organización de los serviciosun análisis de la comunicación con enfoque habermaseano

 

Sílvio Eder Dias da Silva1, Lucia Nazareth Amante2, Maria Itayra Padilha3, Lisneia Fabiani Bok4, Denise Faucz Kletenberg5

 

1Universidade Federal do Pará, PA, Brasil; 2,3,4,5Universidade Federal de Santa Catarina, SC, Brasil

 

Abstract: This a reflection on the communication process in nursing emphasizing the domination by scientific knowledge and fragmentation of shares between professionals that manifests itself during the interaction between the subjects that are in health services for solutions for adversity. The method is qualitative, with documentary research of 112 articles published in Brazilian journals between 1990 and 2002. The content analysis of evidence: the domination instrumental on the organisation of services and the mechanization of nursing care. The results indicate the domination by knowledge, normalized and controlled in health services. There is a predominance of technological devices and technology in finding solutions to health problems. The method of construction of knowledge of nursing re-conceptually means the Science, Technical and language with a view to their practical application.

Keywords: Nursing; Communication; Knowledge; Health Services

 

Resumo: Trata de uma reflexão sobre o processo comunicacional em enfermagem, enfatizando a dominação pelo conhecimento científico e no parcelamento das ações entre os profissionais que se manifesta durante a interação entre os sujeitos que se encontram nos serviços de saúde para buscar soluções para as adversidades. O método é qualitativo, com pesquisa documental de 112 artigos publicados em periódicos brasileiros entre 1990 e 2002. A análise de conteúdo evidencia: a dominação instrumental sobre a organização dos serviços e a mecanização do cuidado de enfermagem. Os resultados indicam a dominação pelo conhecimento, normatizada e controlada nos serviços de saúde. Ocorre um predomínio dos aparatos tecnológicos e da tecnologia em busca de soluções para problemas de saúde. O modo de construção do conhecimento de enfermagem re-significa conceitualmente a Ciência, a Técnica e a Linguagem com vistas a sua aplicação prática.

Descritores: Enfermagem; Comunicação; Conhecimento; Serviços de Saúde; Tecnologia

 

Resumen: Trata de una reflexión sobre el proceso comunicacional en enfermería enfatizando la dominación por el conocimiento científico y en la parcelación de las acciones entre los profesionales que se manifiesta durante la interacción entre los sujetos que se encuentran en los servicios de salud para buscar soluciones para las adversidades. El método es cualitativo, con investigación documental de 112 artículos publicados en periódicos brasileños entre 1990 y 2002. La análisis de contenido evidencia: la dominación instrumental sobre la organización de los servicios y la mecanización del cuidado de enfermería. Los resultados indican la dominación por el conocimiento, normatizada y controlada en los servicios de salud. Ocurre un predominio de los aparatos tecnológicos y de la tecnología en búsqueda de soluciones para problemas de salud. El modo de construcción del conocimiento de enfermería re-significa conceitualmente la Ciencia, la Técnica y la Lenguaje con vistas su aplicación práctica.

Descriptores: Enfermería; Comunicación; Conocimiento; Servicios de Salud; Tecnología

 

 

INTRODUÇÃO

No discurso dos pesquisadores de enfermagem, o processo comunicacional pode ser percebido como uma tentativa para “[...] diminuir conflitos, mal-entendidos e atingir objetivos definidos para a solução de problemas detectados na interação com os pacientes [...]”1. A comunicação pode ser utilizada no processo ensino-aprendizagem e na prática de enfermagem e “tem de ser considerada como capacidade ou ‘competência interpessoal’ a ser adquirida pela enfermeira, não importando sua área de atuação” 2 15. A argumentação, sustentada na noção de que a realização da emancipação humana se faz no resgate da subjetividade implícita no discurso, revela conhecimentos teóricos, práticos e morais renovando a linguagem e superando as dificuldades. Sendo assim, tem-se como objetivo identificar no discurso dos Enfermeiros a dominação do conhecimento científico e no parcelamento das ações entre os profissionais, mostrando que a comunicação entre eles é verticalizada e mediada por normas que orientam a ação.

 

MÉTODO

Este estudo é um recorte de uma tese de doutorado3 que considerou a documentação como fonte de pesquisa. Foram selecionados para análise 112 artigos, publicados nos seguintes periódicos Revista Brasileira de Enfermagem, Revista Latino-Americana de Enfermagem e da Revista Texto e Contexto, entre janeiro de 1990 e dezembro de 2002. Durante a exploração do material foram realizadas várias tentativas de categorização, culminando com a construção de duas categorias: a dominação instrumental sobre a organização dos serviços e a mecanização do cuidado de enfermagem.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A dominação instrumental sobre a organização dos serviços

A relação entre profissional de enfermagem e usuário/família envolve a comunicação verbal e não verbal, pois a linguagem é um meio pelo qual os sujeitos falantes se orientam para alcançarem seu próprio êxito, havendo possibilidade de influenciar uns aos outros com a intenção de transformar o oponente em parceiro de seus propósitos3. Na reflexão sobre as representações do usuário/família com relação ao cuidado com o corpo, a partir do contexto sócio-cultural e da subjetividade do sujeito, percebe-se que existe um campo de tensão entre o saber técnico e científico e as representações que os sujeitos fazem são expressas em suas vivências, apontada no seguinte relato: “a relação com o cliente envolve jogos de linguagem e entre, nesse conjunto, a multiplicidade das representações sociais. Forma-se um campo de tensão entre um saber de cunho técnico e científico, prescritivo, que tem como objetivo produzir mudanças nos hábitos dos sujeitos e, por outro lado, as representações dos clientes que expressam suas vivências corporais”4:23

Observa-se que o jogo de palavras, símbolos e gestos é utilizado para dominar o usuário/família, concebido como alguém não capaz para assumir a liderança de uma interação, pois o profissional é o líder e objetiva a obtenção de um fim: o benefício do usuário/família. A ação revelada no texto mostra que a interação é vertical e o profissional exerce o comando, “endereçada a realização de um propósito, dirigido por máximas e apoiada em uma interpretação da ação”5:122. Na prática profissional, é comum serem observadas cenas de total desinteresse e indiferença para com o usuário/família, justificadas por uma compreensão limitada do campo de ação da enfermagem.

Em muitas ocasiões pode-se observar que a conduta dos profissionais de enfermagem remete para a discriminação e a negligência, para a naturalização de atitudes preconceituosas que provocam no usuário/família uma resposta passiva e submissa6, confirmado pelo depoimento: “como trabalhadora em serviços de saúde há mais de 15 anos, percebo e convivo continuamente com uma flagrante assimetria nas inter-relações que acontecem. Essa assimetria, traduzida aqui nesse texto como uma quase ausência de democracia, pode ser vista tanto nas relações que ocorrem entre os diferentes grupos profissionais que atuam na saúde, como entre esses últimos e a clientela que acorre aos serviços”6 3.

Sendo assim, não é possível alcançar um acordo obtido comunicativamente, pois o usuário/família não é percebido como capaz de uma postura autônoma de assentimento ou negociação frente às pretensões de validade susceptíveis de crítica5. Na estrutura de perspectivas comunicacionais estão presentes a expectativa de comportamento, da autoridade, do motivo da ação e da capacidade de agir, cujo conjunto possibilita diferenciar mundo externo e mundo interno de um sujeito, as intenções, as orientações diante das necessidades e a distinção entre ação institucional e não institucional3.

A ação dentro dos ambientes dos serviços de atenção à saúde, independente de sua complexidade, atende limites impostos pela organização rígida e hierarquizada das relações entre os sujeitos que aí se encontram, produzindo o engessamento das diversas categorias profissionais e, embora necessárias, uma vez que orientam, uniformizam, normalizam e rotinizam as condutas, tolhem a criatividade, produzindo sujeitos desprovidos de pessoalidade, cuja atitude e comportamento estão reduzidos ao mero cumprimento de um papel profissional. Um dos aspectos que ampliam as dificuldades de interação verbal e não verbal entre usuário/família internado em uma unidade hospitalar e sua expectativa como relação a interação com a equipe de enfermagem, é o fato de que os Enfermeiros têm como prioridade o cumprimento das atividades gerenciais7,8, evidencia destacada pela seguinte afirmação: “Conclui-se que o processo de interação enfermeira-cliente dado durante a formação profissional não são efetivados na prática devido à própria situação organizacional dos hospitais que, com maior freqüência, dirige a enfermeira a atuar em atividades gerenciais em detrimento de todas as outras atividades para as quais houve um processo formal de ensino-aprendizagem”9 194.

No modelo burocrático, o exercício do poder é racional e o serviço de enfermagem possui hierarquia definida formalmente, normas escritas definidoras de padrões de comportamento da equipe de enfermagem. Por outro lado, em determinados locais a racionalização da organização do serviço está associada à presença de produtos tecnológicos que prometem, com o seu uso, recuperar e manter a vida. Neste mundo vivido, embora não esteja escrito como rotina, padrão ou técnica, é normatizada e legitimada, pela equipe de enfermagem, uma postura de indiferença, de não envolvimento com o usuário/família cuja finalidade é de proteção emocional para os profissionais9.

O avanço tecnológico proporciona diagnósticos de alta complexidade, exigindo dos profissionais de enfermagem constante atualização para o seu manuseio, embora seja normatizado o uso de aparelhos, observa-se ainda uma ação previsível, conduzida pela repetição de tarefas10. Além deste preparo, é necessário que os profissionais de enfermagem saibam interagir com o usuário/família a fim de diminuir as tensões e conseguir maior colaboração do mesmo, pois assim reconhecem a ansiedade e respeitam a privacidade do outro.

“No nosso entendimento, estes exames se tornam desagradáveis e constrangedores pelo fato de que a maioria dos funcionários, durante as ações que já se tornaram rotineiras, não observa a ansiedade gerada pela intrusão no espaço pessoal do cliente”10 59.

A autoridade, no modelo burocrático, é legalmente vinculada às atribuições de cada cargo, não havendo possibilidade de ser discutida. A impessoalidade é marcante e decorre da hierarquia e da autoridade inquestionável a ela atribuída, confere rapidez da intervenção associada a redução dos conflitos grupais. Em análise sobre os motivos da alta rotatividade de pessoal em uma instituição de saúde privada, os Enfermeiros são reconhecidos como sujeitos com criatividade bloqueada, pois estão em função de atividades burocráticas que comprometem a qualidade e a quantidade dos serviços realizados11 , conforme o relato: “em especial, o desequilíbrio no quadro dos enfermeiros tem sido motivo de queixas da supervisão das áreas, e provoca sobrecarga de trabalho para aqueles que continuam no serviço, gerando dificuldades no atendimento das atividades se assistência aos pacientes, e como conseqüência compromete a quantidade e qualidade dos serviços prestados, no caso a assistência de enfermagem. [...] Talvez esses enfermeiros, para atender às normas e rotinas da instituição, tenham priorizado atividades burocráticas, bloqueando assim o seu potencial de criatividade”11 109-117.

A atitude do Enfermeiro em uma instituição de saúde pode ser analisada sob dois aspectos: o primeiro se refere a atitude científica, que permite associar o conhecimento teórico à sua realidade prática. O segundo se refere ao fato de ser sujeito cuja vida se desenrola no mundo vivido dos valores, das crenças, da cultura, em constante interação com os demais sujeitos. Em decorrência deste segundo aspecto, a atitude do Enfermeiro pode ser compreendida como o exercício de uma postura política no sentido de envolver o usuário/família no atendimento de saúde e favorecer as condições para a recriação de uma nova possibilidade de viver. A tradição sustenta teoricamente a concepção de comunicação que admita uma atitude profissional entendida como possibilidade para adaptação e intervenção nos estados de saúde12, é evidenciada no relato a seguir: “não se pode esquecer que a maioria das instituições formadoras e prestadoras de assistência se alinham aos pressupostos teóricos do modelo tradicional, onde o processo de trabalho e o processo de comunicação têm como finalidade a adaptabilidade e controle social e o objeto de intervenção é a doença, pressupondo que a concepção do projeto terapêutico é especificidade dos profissionai”12  68

A atitude científica leva o Enfermeiro à valorização das coisas como fatos da natureza pertencentes à esfera da heteronomia, regidos por leis que estão fora do alcance da vontade humana11. Neste sentido, suas ações têm por fundamento os fins e os objetivos a serem alcançados, os valores perdem seu significado, uma vez que a ação se faz sob os critérios da racionalidade formal, da técnica, de meios ajustados aos fins.

A ação regulada por normas supõe que os sujeitos para quem as normas correspondem pertencem ao mesmo mundo social5. Neste sentido, as normas são válidas para um círculo de destinatários quando emitida, com a pretensão de retitude normativa e goza de validade social quando é reconhecida pelos destinatários como válidas ou justificadas. Os mundos sociais do Enfermeiro e do usuário/família são diferentes e têm como limites a linguagem, as imagens do mundo e as formas de vida, e se referem as totalidades de culturas diferentes. Ao permanecer cada um em seu mundo social a oportunidade para argumentar em uma situação ideal de fala não acontece, impedindo que ocorra a aprendizagem esperada a partir da interação. A aprendizagem não ocorre porque não existe a troca de informações entre Enfermeiro e usuário/família. Como não aprende, este permanece em seu estado de expectativa transferindo para o profissional a decisão sobre como agir para modificar seu estado de saúde.

Para controlar a doença, entendida como fenômeno coletivo, as intervenções são organizadas, instrumentalizadas e aplicadas para atender a necessidade de recuperação da força de trabalho, essencial para produzir e reproduzir a sociedade capitalista. É nesta área que o potencial transformador se reafirma sobre a coerência de um modelo assistencial que determine e condicione as diretrizes e os métodos para a implementação de uma política que promova o diálogo, compartilhando a diversidade e as diferentes potencialidades dos sujeitos para a recriação de um serviço organizado de saúde voltado para a coletividade. Para evidenciar a necessidade de uma forma de relacionamento entre os profissionais de enfermagem da Unidade Básica de Saúde e a população, há um destaque para a presença marcante da ação estratégica quando descreve o cenário desta unidade: “o trabalho de enfermagem, diríamos, está inserido em um complicado processo de trabalho na saúde, ligado diretamente às características da organização dos serviços de saúde, ao caráter hegemônico do saber na saúde e às concepções teórico-filosóficas que têm norteado as práticas de saúde. [...] Assim, o processo de trabalho na saúde tem sido dirigido ao homem parcelado, quer dizer, a finalidade assistencial dirigida à parte corporal doente, não importando qual o homem ou mulher se está se tratando; o que importa é devolvê-lo ao processo produtivo, reafirmando a lógica do capital [...] De outra parte, a permanência dessa forma só foi e continua possível, a partir da construção e solidificação de um saber hegemônico na saúde, necessário ao sistema, que tem cabido ao profissional médico até os dias atuais, o qual, também historicamente, sempre esteve articulado às classes no poder, perpetuando e proporcionando uma gama de problemas, dentre eles, os mais importantes – a geração de conflitos intercategoriais e propiciando condições de trabalho desiguais”13 48 e 52.

A ação do Enfermeiro, sob o modelo burocrático, admite duas situações: a primeira relaciona-se ao seu reconhecimento como intervencionista, e sua execução, mesmo rotineira, como obrigatória; a segunda está relacionada ao usuário/família que aceita a atividade determinada como legitima, pois está ancorada na supremacia técnica, independentemente de sua percepção e expectativa como sujeito que necessita de atendimento de saúde. É interessante destacar que as reflexões sobre a organização do trabalho, presentes nos textos estudados, em sua maioria, voltam-se para o ambiente hospitalar. Tal fato pode ser justificado tendo em vista que a enfermagem moderna nasceu da organização de um espaço voltado ao atendimento das vítimas militares da guerra, onde as relações entre Enfermeiro e usuário/família são diárias, sucessivas e contínuas. Em uma unidade básica de saúde, ao contrário, os contatos são de acordo com a demanda do usuário/família. Assim o Enfermeiro mantém o mesmo contato diário, sucessivo e contínuo, mas o usuário é diferente. Neste sentido, as relações podem ser mais flexíveis e amplas e a ação do Enfermeiro mais centrada no diálogo. O processo comunicacional entre usuário/família e Enfermeiro, tendo como cenário a unidade básica de saúde, é essencial para que ocorra uma mudança de atitude com relação ao processo de saúde, em seus diferentes níveis de prevenção.

Sendo assim, tanto no âmbito hospitalar quanto no de saúde coletiva, existe um corpo de conhecimento formal cuja aplicabilidade se faz por meio de técnicas. Além do princípio de divisão de trabalho conforme competências ligadas a normas positivas, racionalizarem as atividades, as novas tecnologias e estratégias modificam estas estruturas pela sua legalidade efetiva e representam a dominação no meio interno das instituições e a afirmação de poder diante da realidade externa14. A próxima categoria objetiva apresentar que esta dominação está presente no cuidado de enfermagem e promove a “mecanização do ato de cuidar”.

 

Mecanização do ato de cuidar

A tecnologia e seus produtos se inserem na vida dos Enfermeiros e dos usuários/família e desperta a preocupação das autoras de enfermagem quando estas relatam que a expressividade dos sujeitos precisa ser reconhecida durante a ação de assistir. É o conhecimento científico transformado em técnica que por sua vez amplia a produção de novos avanços por meio do conhecimento científico. O objetivo é aumentar a eficiência em todas as esferas, congregando diversos conhecimentos, sejam científicos, empíricos ou intuitivos, aplicáveis na produção e comercialização de bens e serviços.

As atitudes apoiadas em uma razão técnica resultam na desintegração do cuidado, mecanizando-o e com isto tornando-o impessoal e ritualista. A distância entre o ideal estabelecido para o cuidado e as reais condições para a sua realização, podem ser verificadas quando não são reconhecidos valores, crenças e expectativas dos envolvidos em uma interação que desfavorecem o cuidado como significado de mais-ser e do bem viver. Observa-se que a ação de enfermagem se faz em nome da técnica e toma para si a responsabilidade, sob a luz do conhecimento científico, trabalhar em prol de um mundo melhor com valores novos, gerados e reconhecidos como verdadeiros, pois traduzem o desenvolvimento humano.

Notadamente a decisão, tendo como referência a técnica, se faz pautada no juízo do Enfermeiro sobre a necessidade do outro. Para atender esta necessidade ele utiliza a tecnologia disponível para promover, recuperar ou manter o estado saudável dos sujeitos. A institucionalização do progresso técnico-científico para produção civil de bens se tornou autônoma e independente, embora o interesse social determine a direção, a função e a velocidade do progresso bem como mantenha o sistema econômico. Em meio a esta situação, a eficácia do papel da técnica é legitimada pelo atendimento às questões práticas e pela consciência despolitizada dos sujeitos14.

A comunicação, assim como a linguagem, é inseparável do sujeito e por meio delas a relação com o mundo e com os outros acontece; a linguagem pode ser compreendida como um sistema de sinais com função indicativa, comunicativa, expressiva e conotativa que traduzem as imagens corporais, mentais e verbais. Na área da saúde, o encontro entre estas duas possibilidades, favorece um crescente distanciamento entre Enfermeiro e usuário/família criando um vazio de entendimento e não emancipação. A linguagem, reconhecida pelos participantes de uma interação, ressoa do mesmo modo nas consciências e seu conteúdo se torna verdadeiro e válido intersubjetivamente de modo que, na ação comunicativa, suas significações orientam reciprocamente as expectativas complementares de comportamento e na ação instrumental, ao identificar objetos e sua utilização, passa a ser monológica. Neste sentido, a linguagem técnica nada tem em comum com a linguagem da interação e já no ensino de Enfermagem a preocupação maior volta-se para a técnica, cuja linguagem é a científica, não havendo, na maioria das vezes, espaço para a interação entre os sujeitos, assim é afirmado: “como durante as interações os alunos desenvolveram procedimentos com horário determinado, esses momentos de comunicação unilateral parecem-nos corresponder às situações citadas. A preocupação do aluno com os próprios objetivos muitas vezes leva a esta modalidade de comunicação, bem como ao não saber ouvir que associamos à ansiedade dos alunos com a execução dos procedimentos nesta fase” 15 28.

A autora destacou uma situação de ensino na qual o acadêmico já aprende a ação instrumental como apropriada e a incorpora, pois se preocupa com a rotina do horário para o cumprimento de suas atividades. Sendo assim, ele só vê sua necessidade para ser atendida: a execução da técnica e, como tal, não percebe quem recebe o seu cuidado, o usuário/família. a ansiedade de estar começando seu estágio curricular, contextualizado pela autora durante a descrição de seu estudo, reforça sua atitude e comportamento instrumentais. O processo comunicacional restrito ao discurso unilateral e técnico encobre a comunicação não verbal. A percepção dos gestos, da expressão facial, dos sons não é valorizada, perpetuando o contexto de indiferença que permeia as interações em uma instituição de saúde. Os movimentos do corpo são indissociáveis do ato de falar e de cuidar, mas diante dos produtos tecnológicos que massificam comportamentos, os sujeitos realizam suas atividades sem reflexão, repetindo rotinas, procedimentos e atendimentos padrões.

A ação estratégica orienta, influencia o sujeito de modo que o fim seja alcançado, reduzindo-o a mero executor de tarefas rotineiras, robotizando sua presença nas instituições de saúde. A perda da identidade profissional, advinda da robotização, inibe a potencialidade e capacidade do sujeito recriar, a si mesmo e ao próximo, a partir da interação e ultrapassar os limites impostos pelo paradigma da tecnologia. É fato reconhecido a supremacia da tecnologia sobre as ações e atitudes do Enfermeiro, sendo verdadeiro que o conhecimento da situação existe, porém a busca para o entendimento mútuo e transformação da realidade não acontece, permanecendo externamente justificativas que alguns autores17, 18, apontam em seu estudo sobre assistência à famílias com sujeitos em tratamento quimioterápico: “na prática o fazer da enfermagem se mostra muito mais técnico, centrando sua atuação no preparo e aplicação dos medicamentos, e, desse modo a dimensão humanística da prática fica obscurecida16.

A tecnologia e seus produtos viabilizam sujeitos, que ancorados nos saberes e habilidades dela decorrentes, deixam-se guiar pela promessa de um mundo melhor a partir dos recursos tecnológicos, ignorando que a ação deve ser pautada em juízos morais guiados por princípios universais.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo comunicacional perde sua espontaneidade e vincula-se ao mundo da técnica, onde é movido pela máxima de buscar o bem-estar e tanto profissional quanto usuário/família submetem-se à sua lógica. A compreensão moderna do mundo está subjugada a estruturas universais de racionalidade entendida pela sociedade ocidental moderna como particular e centrada nos aspectos cognitivos-instrumentais4. O sistema de referência que delimita o mundo objetivo e o mundo social frente ao mundo objetivo refere-se ao conteúdo normativo das proposições que interpretam as situações com vistas ao alcance dos objetivos.

O modo de agir em saúde provém de um saber especializado, racionalizado pela organização burocrática, regulada segundo as competências e normas positivas, modificadas cada vez mais pelas novas tecnologias e estratégias que dominam todo espaço das instituições, seja físico ou relacional. Cria-se uma relação de dependência entre o sujeito e a concretização material das técnicas e estratégias de otimização e controle. Romper com este ciclo significa refletir continuamente sobre o processo comunicacional como uma das esferas que permite a incorporação e renovação do conhecimento. É o modo de construção do conhecimento de enfermagem que pode re-significar conceitualmente a Ciência, a Técnica e a Linguagem com vistas a sua aplicação prática, no campo da enfermagem e devolver ao sujeito sua capacidade para agir comunicativamente.

 

REFERÊNCIAS

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