Maria Francilene Leite1, Neusa Collet1, Isabelle Pimentel Gomes1, Laura Helena Montenegro Carneiro da Cunha Kumamoto1
1Universidade Federal da Paraíba, PB, Brasil
ABSTRACT: The objective was to understand the strategies used by caregivers in coping with the chronic condition in childhood. We conducted a qualitative research in a pediatric unit of a public hospital in João Pessoa. Data were collected through semi-structured interview in the first quarter of 2010. The analysis followed the criteria of thematic interpretation. The results showed that caregivers used strategies such as: escape of dialogue and issues arising from the illness, the quest for knowledge and communication with the child trying to educate them about their condition and prepare them for self-care, the pursuit of religiosity as help to cope and accept the child's condition. It was identified that social support is undermined, concentrating care in the figure of the main caregiver. Understand the coping strategies used by families, their beliefs and conflicts favors planning of specific actions in health, avoiding fragile adaptive processes.
Keywords: Chronic Disease; Family; Child Hospitalized; Pediatric Nursing.
RESUMO: Objetivou-se apreender as estratégias utilizadas pelo cuidador familiar no enfrentamento da condição crônica na infância. Realizou-se pesquisa qualitativa, na clínica pediátrica de um hospital público de João Pessoa. Os dados foram coletados por meio da entrevista semiestruturada no primeiro trimestre de 2010. A análise seguiu os critérios da interpretação temática. Os resultados apontaram que os cuidadores familiares utilizaram como estratégias em alguns momentos a fuga do diálogo e das problemáticas provenientes deste; em outros buscaram conhecimento e a comunicação com a criança tentando conscientizá-la sobre sua condição preparando-a para o autocuidado; a religiosidade para aceitarem a condição da criança. Identificou-se que o suporte social encontra-se fragilizado, concentrando o cuidado na figura do cuidador principal. Conhecer as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas famílias, suas crenças e conflitos favorece o planejamento de ações específicas em saúde, evitando processos adaptativos frágeis.
Palavras-chave: Doença crônica; Família; Criança Hospitalizada; Enfermagem Pediátrica.
Introdução
A principal característica da doença crônica é o seu curso demorado e o fato de ser incurável, sendo a recepção desse diagnóstico em uma criança um evento de forte impacto para a família, capaz de alterar toda a sua estrutura1. Ao conceber um filho, a família espera que este tenha saúde, faz planos após o nascimento, imagina uma vida comum que, devido à doença crônica, poderá não se realizar2-3. A partir disso, começa a atribuir uma série de significados para o evento, podendo apresentar sentimentos de impotência, já que é uma doença de curso demorado e, por vezes, incurável; tristeza pelo estado de saúde do filho e medo de perdê-lo. Estes significados influenciam a adaptação familiar, bem como as estratégias de enfrentamento a serem adotadas diante da situação crônica da criança.
Enfrentamento pode ser definido como o conjunto de estratégias adotadas para lidar e adaptar-se a situações estressoras ou a algo que é percebido pelo indivíduo como uma ameaça iminente, inclui processos cognitivos, respostas comportamentais e emocionais que visam administrar a crise, reduzir ou tolerar as demandas criadas pela situação4.
Da descoberta do diagnóstico até o restabelecimento do bem estar anterior àquele, a família passa por um período de adaptação à doença da criança que exige estratégias de enfrentamento. Estas podem ser positivas ou negativas a depender da maneira como a doença é entendida pela família, de como o processo é vivenciado, dos recursos físicos, sociais e emocionais, uma vez que cada pessoa reage de forma diferente a situações semelhantes. Daí a necessidade de buscar compreender o indivíduo em sua singularidade, respeitando-o4-3.
Na saúde da criança e do adolescente a família também deve ser objeto de atenção, uma vez que é no microssistema familiar que as relações interpessoais são permeadas de afeto e os membros compartilham interesses, expectativas, medos e sofrimentos, bem como é onde o cuidado acontece de forma mais independente. A aceitação de um filho com doença crônica é um processo de alta vulnerabilidade e reajuste emocional que requer tempo3.
O cuidador familiar deve ser alvo dos serviços de saúde, tanto para instrumentalizá-lo para a atividade de cuidar, como para acompanhar sua saúde física e mental5. É nesse sentido que o cuidado ao binômio criança/família deve ser multiprofissional a fim de identificar as estratégias de enfrentamento, desmistificando conceitos e formando vínculo, favorecendo a adaptação à situação crônica, minimizando o sofrimento.
Este estudo tem como objetivo apreender as estratégias utilizadas pelo cuidador familiar no enfrentamento da condição crônica na infância.
Metodologia
Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, exploratório-descritiva. Foi realizada na unidade de internação pediátrica de um hospital público da cidade de João Pessoa-PB. Os sujeitos da pesquisa foram sete familiares (cinco mães, uma avó e um pai) de crianças com doença crônica que estavam hospitalizadas no primeiro trimestre de 2010. Os critérios de inclusão foram: ser familiar, acompanhar a criança no hospital e não ter problemas de comunicação. A coleta de dados empíricos foi realizada por meio de uma entrevista semiestruturada, gravada e transcrita na íntegra para análise.
Os dados foram submetidos à análise temática6 após transcrição das entrevistas. Seguiu-se com a organização dos relatos em determinada ordem, já iniciando uma classificação. Assim, traçou-se o mapa horizontal do material realizando-se leitura exaustiva e repetida dos textos, fazendo relação interrogativa com eles para a apreensão das estruturas de relevância. Esse procedimento permitiu elaborar a classificação por meio da leitura transversal. Em seguida, a partir das estruturas emergentes, foi possível o enxugamento da classificação, reagrupando os temas mais relevantes para a análise final. Desse processo, foram construídas quatro categorias analíticas, provenientes do referêncial teórico7: estratégias de enfrentamento focalizadas na emoção; estratégias de enfrentamento focalizadas no problema; estratégias de enfrentamento focalizadas na busca religiosa; e estratégias de enfrentamento focalizadas na busca por suporte social.
O estudo atendeu à Resolução Nº 196/96 do Ministério da Saúde e à Resolução 311/2007 do Conselho Federal de Enfermagem. O projeto de pesquisa foi aprovado em 01 de dezembro de 2009, sob o protocolo nº 350/09, pelo Comitê de Ética em Pesquisa do hospital em estudo. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado para todos os sujeitos da pesquisa e lhes foi garantida a autonomia e o anonimato. Para tanto, os sujeitos da pesquisa foram identificados com a letra “E” seguida de um número de acordo com a ordem das entrevistas (E1, E2...E7 por exemplo).
Resultados e discussão
A reestruturação do seio familiar por meio da aceitação do filho doente é de fundamental importância para que juntos possam enfrentar as barreiras e circunstâncias que a doença crônica gera2.
1. Estratégias de enfrentamento focalizadas na emoção
O enfrentamento focalizado na emoção é caracterizado como sendo a regulação da resposta emocional provocada pelo estressor, podendo representar atitudes de afastamento ou paliativas em relação à fonte4. Nesse sentido, o silêncio surge, em alguns momentos, como uma maneira de esconder os sentimentos, individualizando o sofrimento. O desenvolvimento de outras atividades é uma maneira de ocupação da mente na tentativa de fugir das preocupações relacionadas à doença da criança.
Quando eu estou nervosa, eu fico calada, porque eu fico falando besteira. Começo a trabalhar para ver se me esqueço. Mas fica aquela coisa na mente, eu vendo a perninha dele partindo (sendo amputada) [...]. Não gosto nem de imaginar (E1).
A carga de estresse oriunda do cuidado à criança pode fazer com que os sentimentos apareçam com grande intensidade. O cuidador, quando não encontra apoio no microssistema familiar em que o diálogo não é horizontal, adota o silêncio como estratégia de enfrentamento. Contudo, esse mecanismo traduz-se como fuga de problemas decorrentes da relação interpessoal vertical no interior da própria família.
A estratégia de fuga também pode acontecer às vezes que o cuidador evita dialogar com a criança sobre seu problema de saúde na tentativa de minimizar o sofrimento presente, no entanto, acaba adiando-o. Esta é capaz de perceber as alterações presentes em seu corpo e identificá-las como diferentes em relação a outras crianças saudáveis. Quando a família mantém uma relação de diálogo interativo com a criança, explicando seu problema, suas fragilidades, a relação entre o binômio torna-se confiante e de apoio mútuo, além de prepará-la para a prática do autocuidado8.
Eu falei com ela: [...] “- Você não vai ficar muito alta, você vai ficar baixinha. Talvez você não fique nem na minha altura”. Eu fico explicando a ela: “- Os anões não vivem?”. Aí, às vezes, eu nem converso muito, pois ela fica chorando [...]. Eu deixo o tempo passar, depois ela vai entender melhor (E3).
Evidencia-se a dificuldade do cuidador em dialogar com a criança doente, pois ele utiliza comparações inadequadas que mexem com o imaginário da criança, podendo repercutir no significado que esta tem sobre sua doença. Portanto, ressalta-se a importância do acompanhamento multiprofissional ao familiar, a fim de desmistificar conceitos errôneos e trabalhar o diálogo adequado entre o binômio.
A falta de apoio e de compreensão de outros membros da família quanto à necessidade de hospitalização da criança, faz com que o cuidador principal use a criatividade para sair de casa e levá-la para o hospital. Embora todos saibam dessa importância, tendo em vista as características do tratamento de uma doença crônica, há resistência devido à ausência e falta que esta cuidadora fará em casa para manter a dinâmica familiar.
Tem que estar mentindo. Eu vou para o médico, eu digo: “- Vou ao médico com J.”. E de lá passei para o hospital. Lá da emergência eu fui para casa da minha irmã, porque se eu tivesse ido para casa, ele (o esposo) não tinha deixado eu vir para cá (hospital) (E1).
Quando, no ambiente familiar, não se desenvolve uma relação de confiança, de parceria e de apoio mútuo, surgem conflitos entre os membros da família, gerando sofrimento. A enfermagem deve estar atenta a esses conflitos, capazes de determinar o processo de cuidado à criança doente e prejudicar a saúde do cuidador. Conhecendo essas relações, a enfermagem pode atuar, juntamente com outros profissionais de saúde, promovendo o bem estar integral do binômio.
2. Estratégias de enfrentamento focalizadas no problema
As estratégias focalizadas no problema têm sido definidas4 como o manejo da situação causadora de estresse que visa controlar a ameaça e geralmente aproxima-se do estressor com solução de problemas e planejamento. Identificou-se a busca pelo conhecimento da doença como tentativa de compreender suas complicações, seu tratamento e de prestar um cuidado eficaz, preparando-se psicologicamente para os eventos futuros.
Aos pouquinhos eu fui aprendendo [...]. Se eu fosse ficar pensando no que eu ia passar pela frente, eu tinha morrido naquele dia. Assim, eu fui vivendo um dia de cada vez [...]. No começo é mais difícil porque você não tem conhecimento, mas quando se sabe como é a história da síndrome e os cuidados, fica mais fácil (E2).
O conhecimento acerca da condição crônica vivenciada pela criança fortalece o cuidador, pois ao inteirar-se do processo patológico, do prognóstico e dos cuidados, este passa a ter habilidade no controle de sentimentos conflituosos, podendo até reagir de maneira tranquila aos eventos da doença. Assim, passam a vivenciar a doença por meio do que surge em cada momento e não pelo que poderá acontecer. Fato que contribui para diminuir a carga de estresse do cuidador.
É essencial para a assistência integral em saúde atender às necessidades da família, cujos papéis são decisivos no enfrentamento da condição crônica junto à criança e equipe de saúde. O processo patológico, bem como os procedimentos técnicos e o tratamento devem ser informados aos cuidadores por meio de uma linguagem acessível ao seu entendimento, favorecendo a participação destes no cuidado de forma autônoma e de qualidade9. Tal fato pode contribuir para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento adaptativas, pois as situações de estresse, próprias da doença crônica, serão vivenciadas com menos intensidade e de maneira menos traumática. Pautando o cuidado pela dialogicidade abre-se espaço para a construção de relações simétricas em que os saberes da família, da criança e do profissional se fundem para ampliar as ações de cuidado no cotidiano.
Em alguns casos, o cuidador busca conscientizar a criança sobre sua condição por meio do diálogo e da empatia, preparado-a para o autocuidado.
Ela tem 11 anos, já entende. Mas ter uma pessoa buzinando no seu ouvido direto: “- Você não pode fazer isso, porque você é doente” [...]. Não, eu conscientizo. Então, cabe a ela: “- Não, eu não posso fazer isso, eu sei do meu limite”. Não adianta dizer: “- Você é doente; você tem esse problema que não tem cura.” [...]. Porque eu acho que é difícil uma criança que tem apenas 11 anos saber que tem um problema que não tem cura (E5).
A comunicação é um recurso terapêutico essencial, pois permite acesso ao princípio da autonomia, ao consentimento informado, à confiança mútua e à segurança, favorecendo a interação entre a criança e sua família10.
Há uma série de intervenções com as famílias de crianças com doença crônica para que estas possam se adaptar e enfrentar a situação de maneira eficaz, tais como: a realização de grupos de cuidadores na tentativa de proporcionar suporte para os pais e familiares; diálogo com a equipe de saúde a fim de manter a família informada sobre a doença do filho; consulta psicológica anterior à consulta médica com o intuito de identificar as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas famílias e a realização de um trabalho multiprofissional dialógico em saúde4. Nessa perspectiva, abre-se fluxo para a construção de sujeitos a partir da interação enfermagem-família-criança na coprodução e corresponsabilização do cuidado viabilizado pelo respeito ao outro, à sua individualidade, ao seu modo de andar a vida.
3. Estratégias de enfrentamento focalizadas na busca religiosa
A busca da religiosidade representa pensamentos e comportamentos religiosos que possam auxiliar no enfrentamento do problema7. As estratégias de enfrentamento focalizadas na prática religiosa têm ajudado as famílias a superarem situações de crise, como a aceitação do diagnóstico e o convívio com as frequentes reincidências do quadro clínico da criança, próprias da doença crônica. Não se sabe ao certo como a fé e a crença agem para melhoria do estado geral das pessoas 11, porém as que tem religião ou crença atribuem, algumas vezes, as graças alcançadas à intercessão de Deus devido à fé que possuem. As práticas religiosas surgem como possibilidade de encontrar solução pelo divino e transcendental para a doença crônica do filho, já que a ciência, por vezes, tem limites quanto às alternativas eficazes de cura12. A fé no poder divino é tão grande em alguns cuidadores que estes acreditam no processo de cura do filho.
Todas as orações são para ele [...]. Deus dá jeito para tudo [...]. Deus está curando a perninha dele, em nome de Jesus. O amor de Deus é maior. Ninguém é mais forte no mundo para ajudar ele. Tu viste a perninha dele? Está tão normal, parece não ter mais ferida. É Deus operando (E1).
No depoimento que segue, percebe-se que a aproximação religiosa é capaz de ajudar a aceitação da doença.
Eu pedia para morrer, para não estar vendo ela sofrendo [...]. Quando eu comecei a ir à igreja, rezar, pedir força a Deus, eu melhorei. Hoje em dia jamais eu quero isso. Nem com todo sofrimento eu não quero (E4).
A fé religiosa proporciona aos cuidadores melhor controle interno de emoções, resultando em maior habilidade para se sentir confortável na situação de vulnerabilidade da doença, pois entendem que a vida e a morte estão sob o controle de Deus. Nesse contexto, as crenças e práticas religiosas suprem a necessidade emocional de ter uma expectativa para o futuro13.
Nas preces da família há pedidos subjetivos como força para enfrentar o momento difícil, paz, entre outros, e pedidos objetivos como o restabelecimento da saúde11. Ainda é possível identificar como pedidos subjetivos a diminuição do sofrimento da criança que, para o cuidador, é equivalente ao seu.
Eu não peço assim: “- Deus cura minha filha”. Eu digo assim: “- Deus faz tua vontade”. Porque Ele sabe de todas as coisas. Eu só peço para Ele me confortar e me dar força para eu chegar até o final e que também não deixe minha filha sofrer tanto, porque isso é um sofrimento muito grande (E5).
Vivencia-se um tempo de grandes descobertas no campo científico, novos métodos de tratamento, melhores e mais avançados, capazes de aumentar a sobrevida de muitas crianças com doença crônica. No entanto, a busca pelo sagrado, divino, transcendental ainda constitui-se como uma das estratégias de enfrentamento significativas nos modos de andar a vida de famílias que têm crianças com doenças crônicas. Não há como realizar um trabalho em saúde de qualidade desconsiderando a prática espiritual e/ou religiosa dos indivíduos12.
Os profissionais de saúde precisam reconhecer as reais necessidades do indivíduo, compreendendo-o em sua totalidade como ser biopsicossocial e também espiritual, pois o cuidado em saúde vai além de procedimentos técnicos, há uma força de cura presente em gestos e palavras. Atitudes de reconhecer a criança e sua família como centro organizador do cuidado revelam avanços ampliando as possibilidades de construção da integralidade como princípio norteador das ações em saúde.
4. Estratégias de enfrentamento focalizadas na busca por suporte social
As estratégias focalizadas na busca por suporte social têm como significado a procura de apoio instrumental, emocional ou de informação como enfrentamento da situação causadora do estresse7.
A instituição hospitalar tem funcionado como rede social que oferece suporte social ao binômio durante a hospitalização na medida em que, nesta instituição, as relações interpessoais são fortalecidas, gerando confiança no cuidado prestado, além da construção de laços afetivos capazes de colaborar no enfrentamento da doença.
A relação com o pessoal aqui é boa, eu posso dizer até excelente, porque já faz sete anos que a gente está aqui. Todas as médicas e as enfermeiras que estão aqui já conhecem JA e me conhecem também. Eu tenho medo de ir para outro hospital, porque ninguém conhece o problema dela e podem dar um remédio trocado (E5).
Para os cuidadores que sofrem com a falta de apoio familiar, o ambiente hospitalar é mais do que um lugar de tratamento, é compreendido como um espaço de escuta, de acolhimento, de apoio social, de formação de vínculo. Para tanto, é preciso que os profissionais se mostrem disponíveis para um nível de aproximação que está além de procedimentos técnicos, encontrando-se no âmbito subjetivo, humano, ético e que exige compromisso com aquele que sofre. Assim, a escuta sensível e interessada é uma ferramenta indispensável para potencializar o diálogo no encontro cuidador que promova autonomia dos sujeitos e resgate a dimensão cuidadora de cada um nesse processo.
É o único meio que eu encontro amor, carinho, atenção, boas conversas (E1).
Neste estudo, a busca por suporte social não emerge como uma estratégia frequente, pois o cuidado à criança fica concentrado na figura do cuidador principal. O cuidador principal, muitas vezes, é o único responsável pelos cuidados à criança e se sente cansado pelas hospitalizações prolongadas e pela dificuldade de outros familiares se disporem a cuidar da criança. Tal dificuldade está na falta de apoio e por não reconhecer que outras pessoas poderiam contribuir no cuidado ao filho, aliviando a sobrecarga decorrente dessa situação11.
Só é bem complicado na faze que ele está doente, hospitalizado, que é mais difícil, no hospital, pelo período da internação que é longo e eu não tenho como ficar revezando. A questão de não ter como outra pessoa ficar, porque não tem como outra pessoa cuidar dele. Só eu mesmo por causa da limitação que ele tem (E2).
Se eu tivesse uma irmã seria bem melhor, mas só tenho irmão homem e ele não vai ficar no hospital (E4).
O ato de cuidar pode acarretar prejuízos à vida do cuidador seja no trabalho, relacionamento conjugal, cuidado pessoal e relações sociais. No entanto, muitos cuidadores demonstram relutância em pedir ou aceitar ajuda, pois pode representar um sinal de fracasso ou ser uma oportunidade de amenizar, pelo cuidado excessivo, uma culpa inconsciente14. A exclusividade e a complexidade do cuidado podem interferir na qualidade de vida dos cuidadores, ocasionando comprometimento da saúde física e mental, prejuízos na vida pessoal, tendência ao isolamento e diminuição da rede de apoio social10.
Na família as relações se dão de forma intensa, verdadeira. É nela que o cuidador principal pode buscar apoio, conforto e fortaleza. A falta de apoio do conjugue no cuidado, bem como no tratamento hospitalar da criança desencadeia sentimentos de angústia e solidão no cuidador principal que se sente perdido. O apoio familiar fortalecido é importante para o enfrentamento da doença crônica da criança11.
A mãe não liga. O avô não está nem aí [...]. Fica até na minha mente, eu fico nervosa, agoniada sem ter para onde correr. Fico em um beco sem saída. Sem saber para quem eu recorrer mais (E1).
Os cuidadores principais precisam estar cientes da necessidade de buscar apoio seja no microssistema familiar ou em outras redes sociais para que não se percebam sozinhos diante da imensidão de significados e dilemas originários da condição crônica na infância. É nesse sentido que é importante a equipe multiprofissional assistir o cuidador estimulando a divisão de responsabilidades e a aceitação do apoio da família, amigos e vizinhos, bem como orientar os integrantes do núcleo familiar sobre a necessidade de revezamento, evitando o cansaço físico e mental do cuidador15.
Nesse sentido, surge a necessidade de reestruturação do trabalho em pediatria para que haja o envolvimento de todos os profissionais a fim de romper com o modelo biomédico, ainda vigente, e construir práticas de saúde integral. O apoio dos profissionais de saúde é importante para as famílias, pois ajuda no enfrentamento de situações cotidianas no cuidado ao filho doente. Sugere-se a ampliação do foco de assistência, de forma que o apoio oferecido seja de acordo com o contexto social em que vivem as famílias16. Ao sentir-se sujeito nesse processo, o cuidador principal tem potencial instituinte na construção de novos modos de produzir o cuidado à criança. Projetos terapêuticos que contemplem tais ações estarão comprometidos com mudanças necessárias no atual modo de organização do processo de trabalho na atenção à criança com doença crônica.
Considerações finais
O presente estudo reforça a necessidade de transformação nos modos tecnológicos de fazer saúde. O distanciamento propagado e defendido entre alguns profissionais de saúde e a família, evitando entre eles a formação de vínculo e de sentimentos de afeto para não interferir na terapêutica, torna o trabalho em saúde puramente tecnicista, cartesiano e centrado em procedimentos. Ampliar as ações em saúde implica levar em consideração que o indivíduo sofre influências do seu contexto de inserção, ou seja, do seu espaço social, das suas relações interpessoais, das suas crenças e isso precisa ser colocado em pauta. O cuidado ampliado e rico em saúde requer conhecer esses dilemas subjetivos que interferem no processo saúde-doença de cada indivíduo-família em sua singularidade.
Conhecer as estratégias de enfrentamento desenvolvidas pelos cuidadores, bem como suas crenças e conflitos favorece o planejamento de ações específicas para cada encontro de cuidado, evitando processos adaptativos frágeis e fragmentados. Essas ações só são possíveis com um trabalho integrado, dialógico e respeitoso entre todos os envolvidos, profissionais, família e criança.
Ressalta-se aqui a importância do acompanhamento psicológico ao binômio durante a hospitalização e após o retorno ao lar, atingindo a rede básica em saúde. Para tanto, o sistema de referência e contrarreferência precisam estar articulados.
A formação de grupos, mediados por profissionais capacitados e sensíveis ao sofrimento do outro, que visem o compartilhamento de experiências entre as diferentes famílias surge como uma estratégia que favorece a adaptação à situação crônica, pois possibilita o diálogo com escuta e o aprendizado por meio da troca de conhecimentos e experiências que dinamizam as estratégias de intervenção conjuntamente construídas entre os sujeitos que fundem seus horizontes.
A busca por suporte social constitui-se em estratégia de enfrentamento capaz de favorecer a adaptação do cuidador, uma vez que ao perceber no outro uma fonte de ajuda, sente-se fortalecida para as situações difíceis de serem vivenciadas. No entanto, essa estratégia não tem sido utilizada pelas famílias que individualizam o cuidado, gerando sobrecarga de trabalho e, consequentemente, do estresse do cuidador principal. Cabe à equipe de saúde atuar nesse processo estimulando as famílias a compartilharem suas experiências, mostrando-se disponível para ajudá-las durante a hospitalização.
Sugere-se que outras pesquisas sejam realizadas com essa temática a fim de superar modos arraigados e determinações prescritivas do cuidado estritamente tecnoassistencial, centrado em procedimentos. Urge a construção do cuidado ampliado e rico cuja centralidade está na criança e sua família que buscam atendimento e vêm com elementos necessários e que dão sentido e significado à finalidade do cuidado. Nessa perspectiva, poderão ser colocados em ação modos de organização do trabalho em saúde que tenham como princípio norteador a singularidade, a integralidade e a humanização.
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Contribuição dos autores: Concepção e Desenho: Maria Francilene Leite, Neusa Collet; Coleta de dados: Maria Francilene Leite; Análise, Interpretação e Escrita do Artigo: Maria Francilene Leite, Isabelle Pimentel Gomes, Neusa Collet, Laura Helena Montenegro Carneiro da Cunha Kumamoto; Revisão Crítica do Artigo: Maria Francilene Leite, Isabelle Pimentel Gomes, Neusa Collet, Laura Helena Montenegro Carneiro da Cunha Kumamoto; Aprovação Final do Artigo: Isabelle Pimentel Gomes, Neusa Collet.
Endereço para correspondência: Maria Francilene Leite. R: Onaldo da Silva Coutinho, nº 313, Residencial Atlantida II, apt. 102, Castelo Branco III, Cep: 58050-600, João Pessoa – PB. E-mail: cilene_l@yahoo.com.br