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Beliefs and popular practice during postpartum period: integrated review of nursing productions

Mitos e práticas populares no período pós-parto: revisão integrativa de produções da enfermagem

Luísa Canestraro Kalinowski1, Maria Helena Lenardt1, Verônica de Azevedo Mazza1, Maria Ribeiro Lacerda1, Marilene Loewen Wall1

1 Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil.

Abstract: Problem: Science is ultimately valued while popular practice or beliefs are viewed as unfounded experience. Thus, a clash can be observed between health professionals’ scientific knowledge and cared people’s popular knowledge or beliefs. Objective: To investigate state-of-the-art nursing production on popular knowledge and beliefs typical from the postpartum period. Methodology: Integrated review of scientific nursing productions in LILACS, SciELO, BDENF databases, and CAPES theses database between 2000 and 2009. Sixteen productions were selected and analyzed. Results: Three central themes emerged: Beliefs and popular practice on puerperal care; Beliefs and popular practice on newborn care; Nursing facing beliefs and popular knowledge during postpartum period. Conclusion: It was evidenced that nursing develops qualitative research studies in order to describe beliefs and popular knowledge, pointing out the possibility to use the ethnographic method and anthropology to make such investigations feasible. It was perceived the need to understand that such knowledge is not superior or inferior to scientific knowledge and by approaching it, nurses may find the symbolic caring dimension and, thus deliver culturally congruent care.

Keywords:  Postpartum Period, Culture, Nursing.

Resumo: Problema: A ciência é considerada como valor fundamental enquanto que a prática popular ou mítica é vista como experiência sem embasamento. Desta forma, observa-se um conflito entre o conhecimento científico do profissional de saúde e os saberes popular e mítico das pessoas cuidadas. Objetivo: Investigar o estado da arte da produção de enfermagem sobre os saberes mítico e popular característicos do período pós-parto. Metodologia: Revisão integrativa de produções científicas da enfermagem, entre os anos de 2000 a 2009, nas bases de dados LILACS, SciELO, BDENF e Banco de Teses da CAPES. Foram selecionadas e analisadas 16 produções. Resultados: Emergiram três temas centrais: Mitos e práticas populares relacionadas ao cuidado com a puérpera; Mitos e práticas populares referentes ao cuidado com o recém-nascido; A enfermagem frente aos saberes mítico e popular do período pós-parto. Conclusão: Verificou-se que a enfermagem desenvolve pesquisas qualitativas para descrever os saberes mítico e popular, destacando a possibilidade de utilizar o método etnográfico e a antropologia para viabilizar essas investigações. Percebeu-se a necessidade de compreender que estes saberes não são superiores ou inferiores ao conhecimento científico e que, ao aproximá-los, o enfermeiro pode encontrar a dimensão simbólica dos cuidados e realizar um cuidado culturalmente congruente.

Palavras-chave: Período pós-parto, Cultura, Enfermagem.

Introdução

            Na sua longa caminhada, o ser humano constrói os mais diversos comportamentos de acordo com as situações e dificuldades enfrentadas na luta pela sobrevivência e na tentativa de explicar o mundo que o cerca. Em sentido amplo, esses comportamentos são determinados pela cultura de pertencimento da pessoa.

Define-se cultura como rede de significados elaborados pelos seres humanos para entender, agir, reagir, perceber e organizar o mundo em que vivem1. Essa definição é uma proposta da antropologia simbólica, que passa a perceber a cultura como expressão humana frente à realidade e não mais como unidade estanque de valores, crenças e normas. O indivíduo é compreendido como ser consciente que percebe, age e interage com os outros para entender e procurar soluções para as situações que vivencia.

A questão cultural, na realização de cuidados, é marcante, principalmente no período pós-parto ou puerpério, também chamado de resguardo, dieta ou quarentena2. Neste período, segundo a cultura popular, deve haver resguardo, cuidado e obediência a certas regras, a fim de evitar o adoecimento ou recaída da puérpera2. No que diz respeito à saúde da mulher, é no pós-parto que há maior manifestação de crenças populares, criação de tabus e realização de rituais de cuidado, transmitidos pela família3.

Deste modo, percebe-se que crenças e comportamentos em saúde são governados por regras culturais que estão sistematicamente interconectadas em cada cultura, formando vários sistemas de atenção à saúde que operam concomitantemente, sistemas esses que representam a diversidade dos grupos e culturas. Pensar o sistema de atenção à saúde como sistema cultural de saúde ajuda a compreender os múltiplos comportamentos. Desta forma, o cuidado à saúde é visto como sistema que tem origem, se estrutura, tem função e significância social e cultural4.

         O sistema de cuidado à saúde é descrito como sistema cultural local, formado por três subsistemas inter-relacionados, que interagem por meio da passagem das pessoas por eles: subsistema profissional, subsistema popular e subsistema folclórico. O subsistema popular é a arena da cultura popular, do conhecimento leigo, não profissional, no qual as doenças são primeiramente identificadas e enfrentadas4.

A cultura familiar leiga tem demonstrado saberes extremamente complexos em seus aspectos simbólicos, estruturais e linguísticos, que influenciam o cuidado à puérpera e, dentre eles, destacam-se o mítico e o não mítico, aqui traduzido como popular.

O mito é uma realidade cultural complexa, que pode ser abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares; conta uma história sagrada, relata um acontecimento que teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos; conta graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma realidade que passou a existir, quer seja uma realidade tetal, o Cosmos, quer apenas um fragmento, uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, é sempre, portanto, uma narração de uma criação, descreve-se como uma coisa foi produzida, como começou a existir5:12-13.

O saber popular é adquirido por meio de precedentes e de experiências vividas anteriormente, ou seja, geralmente não existe uma norma ou regra escrita. É passado de pai para filho pela própria tradição local. Este tipo de saber depende de valores pessoais de cada um, surge do conhecimento e das tentativas e pode ser obtido pela observação6.

Estes dois saberes estão intimamente relacionados à cultura e à tradição de uma determinada população e possuem suas especificidades; não podem, portanto, ser considerados menores ou inferiores a outros tipos de conhecimentos7. Entretanto, no mundo científico, a ciência é considerada como valor fundamental, enquanto que a prática popular ou mítica é vista como uma experiência “primitiva”, sem embasamento, pautada na magia e em crenças supersticiosas7. Assim sendo, muitas vezes observa-se um conflito entre o conhecimento científico do profissional de saúde e os saberes popular e mítico das pessoas cuidadas, como por exemplo, durante o cuidado à puérpera.

Devido à amplitude de significações característica da fase puerperal, identificar e compreender elementos culturais presentes no dia a dia das puérperas, tais como crenças, tradições, costumes, valores, hábitos, comportamentos e rituais, são estratégias importantes para facilitar a interação entre o enfermeiro e a puérpera e sua família3. Para tanto, as questões inerentes à saúde e à doença devem ser pensadas a partir dos contextos socioculturais específicos nos quais os mesmos ocorrem8.

Ao incorporar tais elementos em sua prática profissional e articular os saberes popular e mítico ao conhecimento científico no cuidado à puérpera, o enfermeiro poderá compreender mais criticamente a realidade e promover a saúde de forma mais efetiva3. Diante do exposto, esta pesquisa objetivou investigar o estado da arte da produção de enfermagem sobre os saberes mítico e popular característicos do período pós-parto.  

Metodologia

Trata-se de revisão integrativa de produções científicas da enfermagem, incluindo artigos científicos e dissertações de mestrado, entre os anos de 2000 a 2009, relacionadas aos saberes mítico e popular característicos do período pós-parto. Escolheu-se esse período de tempo para selecionar o maior número possível de referências.

A revisão integrativa é uma abordagem metodológica que permite identificar, analisar e sintetizar resultados de estudos, a fim de propiciar a compreensão completa de determinado fenômeno. Este tipo de revisão é considerada como ferramenta importante no campo da saúde, uma vez que resume os estudos disponíveis sobre certo tema e pode direcionar a prática profissional9. Neste trabalho, seguiram-se seis fases da revisão integrativa de acordo com a literatura10.

Na primeira fase, escolheu-se o tema e a seguinte questão de pesquisa: “O que a enfermagem tem produzido sobre os saberes mítico e popular característicos do período pós-parto?”. Também se determinou as bases de dados para a busca das produções científicas. Para o levantamento dos artigos, utilizaram-se as bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Base de Dados de Enfermagem (BDENF), da Biblioteca Virtual de Saúde. Para o levantamento das dissertações, utilizou-se o Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) utilizados foram: “cultura”, “características culturais”, “hábitos”, “tabu”, “mitologia”, “antropologia cultural”, “comportamento ritualístico”, “cuidado pós-natal”, “comportamento materno”, “recém-nascido”, “aleitamento materno” e “conhecimentos, atitudes e prática em saúde”, cada qual sendo combinado com o descritor “período pós-parto” e posteriormente com o descritor “saúde da mulher”. Estes dois últimos também foram combinados entre si.

Na segunda fase, foram estabelecidos os critérios para inclusão e exclusão dos estudos. Os critérios de inclusão dos artigos científicos foram: artigos publicados pela enfermagem que contemplassem a temática, nos idiomas inglês, português ou espanhol, entre os anos de 2000 a 2009, disponíveis na íntegra on-line. Os critérios de inclusão das dissertações foram: trabalhos desenvolvidos pela enfermagem, na Língua Portuguesa, entre os anos de 2000 a 2009, disponíveis na íntegra on-line e relacionados à temática. As publicações foram excluídas quando não atendiam a tais critérios. Para a seleção das produções, em primeiro lugar, observaram-se os critérios de inclusão, depois se fez a seleção baseada no título e/ou resumo e, por fim, avaliou-se o estudo na íntegra.

Na terceira fase, definiram-se as informações a serem extraídas dos trabalhos, utilizando o instrumento denominado “Identificação e descrição do conteúdo do artigo”, elaborado e validado por Fonseca11. Na quarta fase, os estudos foram avaliados integralmente, sendo interpretados na fase seguinte. Igualmente buscou-se identificar nestes trabalhos as contribuições para a enfermagem. A sexta e última fase refere-se à divulgação do conhecimento sintetizado e avaliado na revisão integrativa, descrito nos itens Resultados e Discussão. Primeiramente analisaram-se aspectos referentes à origem, formação dos autores, ano de publicação, idioma e periódico científico dos artigos, e, também país, abordagem metodológica, técnicas de coleta e análise dos dados, sujeitos e cenário da pesquisa, tanto das dissertações quanto dos artigos. Posteriormente, os resultados, discussões, conclusões e recomendações das publicações foram analisados e qualitativamente e agrupados em três temas centrais. 

Resultados

Das 859 produções científicas encontradas inicialmente, levando em conta os critérios de inclusão e após leitura dos títulos e resumos, foram analisados neste estudo 13 científicos e três dissertações de mestrado. Mais especificamente, foram selecionados nove artigos científicos na LILACS, três no SciELO e um na BDENF e três dissertações de mestrado no Banco de Teses da CAPES, totalizando 16 produções científicas.

Na caracterização dos 13 artigos científicos constatou-se que três foram elaborados a partir de dissertações de mestrado, e quanto à formação dos autores, a maioria era composta por enfermeiros doutores e mestres. Com base no ano de publicação, verificou-se que 10 trabalhos foram publicados entre 2005 a 2009, e quanto ao idioma, eram oito em português e cinco em espanhol.

Concernente à fonte, os artigos foram encontrados em sete periódicos latino-americanos diferentes, dos quais seis são específicos da área da enfermagem e um da área da saúde. Destaca-se a Revista Brasileira de Enfermagem e a Revista Texto & Contexto Enfermagem, com três artigos em cada, e os periódicos Escola Anna Nery Revista de Enfermagem e Avances en Enfermería, com duas publicações em cada.

Das 16 publicações, com exceção de uma que era revisão bibliográfica, 11 foram realizadas no Brasil, sendo cinco no estado de São Paulo, cinco no Rio Grande do Sul e uma no Rio de Janeiro; outras três desenvolveram-se na Colômbia e uma no Peru.

Acerca da abordagem metodológica utilizada nos artigos e dissertações analisadas, verificou-se: a pesquisa qualitativa na maioria dos trabalhos (15); a coleta de dados ocorreu principalmente por meio de entrevista semi-estruturada (09), observação participante (04) e entrevista não-estruturada (03). Ressalta-se a utilização do método etnográfico em três produções científicas e dos referenciais teóricos “Antropologia Cultural” e “Teoria da Diversidade e Universalidade Cultural do Cuidado de Madeleine Leininger” em duas dissertações. Com relação à análise dos dados, predominou a análise de conteúdo, modalidade temática (10), seguida da análise etnográfica de Spradley (02).

Nos artigos e dissertações, constatou-se que 15 pesquisas utilizaram como sujeito puérperas, mas apenas quatro especificaram que se tratava de puérperas primíparas e três de puérperas adolescentes. Quanto ao cenário dos trabalhos, seis ocorreram em hospitais, três no domicílio das puérperas, três em unidades básicas de saúde, um na maternidade e um em uma comunidade indígena.

Com base nos resultados, discussões, conclusões e recomendações feitas pelos autores das dezesseis produções científicas de enfermagem, e de acordo com a temática desta pesquisa, emergiram três temas centrais: “Mitos e práticas populares relacionadas ao cuidado com a puérpera”; “Mitos e práticas populares referentes ao cuidado com o recém-nascido”; “A enfermagem frente aos saberes mítico e popular do período pós-parto”. 

Discussão

Quanto à caracterização das produções científicas, ressaltam-se duas questões. A primeira, na maior parte dos estudos, refere-se ao uso da abordagem qualitativa, compreendida como método naturalista que investiga e explora a complexidade do ser humano e busca compreender a experiência humana como é vivida12, características presentes nos trabalhos analisados.

A segunda relaciona-se à utilização do método etnográfico e dos referenciais teóricos da Antropologia Cultural e da Etnoenfermagem de Madeleine Leininger, pois esses procuram, de forma geral, estudar a cultura de um grupo, podendo englobar os comportamentos, crenças e práticas de saúde de uma comunidade12.

Tais características também foram encontradas nas produções analisadas, uma vez que a maioria buscou compreender ou identificar crenças, práticas e significados relacionados ao cuidado no pós-parto, os quais revelam a cultura de determinada família ou comunidade. Convém destacar ainda que tais práticas de cuidado são adquiridas por meio da aprendizagem e, quando o comportamento dos indivíduos depende do aprendizado e da educação, fala-se no processo chamado de endoculturação13,14.

         No primeiro tema Mitos e práticas populares relacionadas ao cuidado com a puérpera” identificou-se que o período pós-parto, para algumas puérperas, pode ser compreendido como uma fase potencialmente perigosa, pois seu corpo está vulnerável e “aberto” a doenças, e por isso é preciso respeitar regras e normas2,15. Neste âmbito, criam-se os tabus, conjuntos de normas que indicam condutas que, se infringidas, levam o sobrenatural a prejudicar o infrator, isto é, a sua violação causa, automaticamente, um mal à pessoa que o transgredir15. No puerpério este mal chama-se recaída.

Como o corpo está “aberto”, as enfermidades adquiridas neste período permanecem sem cura até o final da vida, por isso é imprescindível curar as doenças antes do término do puerpério e o quadragésimo dia deve ser guardado2,15. Neste dia, a puérpera deve realizar alguns rituais, como banhar-se com água fervida e ervas; permanecer em casa; tomar, no café da manhã, chocolate quente e noz moscada; agasalhar-se bem para dormir e permitir que seja espalhada fumaça de incenso pela casa16. Todas estas práticas são feitas com o intuito de retirar o frio do corpo e assim manter o equilíbrio entre o frio e o calor em seu organismo16.

Existe a crença de que, no puerpério, o corpo da mulher está propenso a desequilíbrios, porque a entrada de frio pode produzir uma inversão do fluxo sanguíneo, ou seja, o sangue vaginal pode reverter para a cabeça e isso poderá causar insanidade mental e dores2,7,17. Neste sentido, os cuidados que devem ser realizados pela puérpera são: não se expor às correntes de ar frio; não lavar a cabeça, não andar de pés descalços ou ficar no sereno; evitar sair de casa; banhar-se com água morna; manter as janelas fechadas; ingerir alimentos ou líquidos quentes3,17.

Neste tema, um mito descrito apresenta relação à “queda do útero”, uma vez que algumas puérperas creem que isso pode acontecer se ela não fizer repouso e evitar esforços físicos16,17. Outro mito relatado foi o da “mãe do corpo”, quando se crê que existe um órgão no corpo feminino que acompanha o bebê durante a gestação e que, após o parto, fica “solto” à procura da criança2,15.

         Além disso, destacam-se saberes e práticas populares referentes à amamentação. É a família que ocupa o primeiro lugar de referência para as mulheres, transmitindo crenças, hábitos e condutas18. Algumas puérperas acreditam que ingerir alimentos e líquidos quentes (como o funcho) e manter-se tranquila garantem o aumento da produção de leite18,19. Os elementos frio e calor também aparecem relacionados à amamentação, pois há a crença de que o frio é o causador de rachaduras e fissuras no mamilo e, além disso, de acordo com as puérperas, é preciso cobrir bem os seios, a fim de evitar que o leite esfrie e assim resfrie o recém-nascido18.

Algumas crenças referentes à alimentação relatam que a puérpera não deve consumir alimentos ácidos, muito temperados e refrigerantes, para evitar cólica no bebê2,15. Uma das carnes permitida é o frango, utilizado principalmente para fazer canjas e considerado um alimento leve e que sustenta2. Outros alimentos que devem ser consumidos durante o pós-parto são aveia, frutas e verduras20.

Os alimentos frios também devem ser evitados e, além disso, tem-se a crença de que alimentos pouco cozidos, muito salgados e gordurosos podem inflamar o útero e prejudicar a cicatrização da episiorrafia2,20. Destaca-se que, além da função fisiológica (nutrição) o alimento pode ser importante em outros aspectos da cultura, relacionando-se com a religião, magia, idade, sexo, política12 e, neste caso, com o puerpério.

Em relação às atividades físicas, identificou-se que as puérperas não devem carregar peso, ficar se abaixando ou subindo em cadeiras ou escadas, e devem fazer apenas os serviços mais leves2,20. Ou seja, não devem fazer esforços físicos, principalmente para evitar a abertura dos pontos e hemorragia17. Alguns ainda acreditam que a puérpera deve esperar os quarenta dias para voltar às atividades normais3.

No tema “Mitos e práticas populares referentes ao cuidado com o recém-nascido”, um dos mitos descritos foi o do “mal-dos-sete-dias”. Para preveni-lo, as mães devem permanecer reclusas ao domicílio e realizar o batismo da criança, para assim protegê-la contra as forças sobrenaturais7,21. Outra prática é a benzedura, aprendizado adquirido por pessoas próximas à puérpera, geralmente familiares7,21. A “benzedeira”, de acordo com as puérperas, possui poderes especiais e afasta o mal por meio de orações e rituais de desencantamento do feitiço ou simpatia7.

Outro mito foi o “mal-da-lua”, que relata o cuidado que as mães devem tomar com a exposição das roupas e dos filhos à lua, a fim de evitar o aparecimento de doenças. Esta crença na magia da lua é antiga e para se purificar deve-se realizar o batismo em casa7. Com relação ao “quebrante” ou “mau-olhado”, o batismo em casa também é uma prática popular para a prevenção21. Para o tratamento, utiliza-se a benzedura.

Concernente ao coto umbilical, algumas puérperas enterram a parte que se desprende depois de seco, pois acreditam que isto evita que a criança se transforme em ladrão21. Outro costume é o de guardar o coto umbilical caído, uma vez que ele simboliza a união da mãe com o filho e garante bom desenvolvimento da criança19. Outras questões identificadas referentes ao coto umbilical foram as práticas de passar banha de galinha para facilitar a caída, e o uso de faixa umbilical, canela moída e botão, para prevenir a hérnia ou “saída” do umbigo19,21.

A questão do equilíbrio entre frio e calor no corpo do recém-nascido também foi constatado, e para manter este equilíbrio, deve-se dar banho com água morna, de forma rápida, podendo acrescentar camomila ou hortelã na água19. Cobrir a fontanela com um gorro também evita a “entrada” de ar frio e o adoecimento do bebê19.

A fontanela e o coto umbilical são considerados “aberturas” no corpo do recém-nascido, por onde o frio pode entrar e causar desequilíbrio. Deste modo, é preciso favorecer o fechamento ou proteger estes orifícios, para evitar que o bebê adoeça19.

Há ainda a prática popular de usar chás de ervas medicinais, aceitos culturalmente como remédios, para acalmar a criança ou aliviar desconfortos habituais, como as cólicas abdominais e febre18,21.

Diante das características dos saberes mítico e popular do período pós-parto, destaca-se o papel da enfermagem neste contexto com o tema “A enfermagem frente aos saberes mítico e popular do período pós-parto”.

Constatou-se, nos estudos, a necessidade da junção/aproximação entre o conhecimento científico da enfermagem e as práticas populares, a fim de viabilizar um cuidado singular, centrado nas crenças, valores e estilos de vida de cada puérpera e sua família3,21. Esta aproximação pode ocorrer por meio de pesquisas na área da Antropologia, e a enfermagem pode contribuir para o desenvolvimento desta área devido: a sua formação; aproximação com as pessoas doentes; conhecimento sobre diferentes problemas de saúde em uma variedade de circunstâncias diferentes e conhecimento sobre a comunicação verbal e não-verbal dos doentes22.

As novas discussões sobre a relação saúde/doença trabalham com um conceito de cultura fundamentalmente diferente daquele presente em alguns referenciais dos estudos analisados. Segundo esses referenciais, a cultura existe apriori da ação e consiste em normas, práticas e valores vistos como anteriormente estabelecidos e fixos, que determinam os pensamentos e as atividades dos membros de uma cultura. Deste modo, a cultura é vista como um sistema fixo e homogêneo, no qual todos os membros compartilham as mesmas idéias e agem igualmente8.

A partir do desenvolvimento da antropologia simbólica, o conceito de cultura passa por uma reconceitualização significativa. Assim, cultura é definida como um sistema de símbolos que fornece um modelo de e um modelo para a realidade1. Este sistema simbólico é público e centrado no ator, que o usa para interpretar seu mundo e para agir, de forma que também o reproduz. As interações sociais são baseadas numa realidade simbólica que é constituída de, e por sua vez, constitui os significados, instituições e relações legitimados pela sociedade. A cultura é expressada na interação social, onde os atores comunicam e negociam os significados8.

No Brasil, estudos e pesquisas sobre saúde, cultura e sociedade têm se multiplicado circunstancialmente nos últimos vinte anos. Na última década, a Antropologia da saúde vem se consolidando como espaço de reflexão, formação acadêmica e profissional de enfermeiros e demais profissionais da área da saúde23.

Nesse sentido, é relevante ao enfermeiro conhecer as alternativas de cuidado popular, bem como perceber o quanto elas estão inseridas no contexto de cuidado próprio das pessoas, valorizando este ambiente e a interação estabelecida21. Para conhecer os saberes populares e míticos, é necessário ir ao encontro das comunidades e famílias, inserir-se em seu meio, isto é, aproximar-se da realidade e reconhecer as dificuldades enfrentadas pelas puérperas neste período, para que as soluções sejam encontradas em conjunto com ela e sua família3,24.

Dessa maneira, ter o conhecimento de crenças populares, costumes, mitos, tabus e rituais que a mulher pratica para cuidar de si e de seu recém–nascido permite a valorização de seu legado cultural, diminui os conflitos entre os profissionais e puérperas/famílias, ao conservar certas práticas ou diminuir as complicações derivadas daquelas que requerem reestruturação e negociação20. Com isso, há a possibilidade do enfermeiro perceber e respeitar as diversidades culturais, ter uma relação de proximidade no cuidado à mulher, realizar assistência mais humanizada e planejar ações educativas que instrumentalizem a puérpera19,20.

Contudo, para que o enfermeiro reconheça tais aspectos, destaca-se a importância de se repensar o processo de ensino-aprendizagem nas escolas de enfermagem, para que seja valorizado o ensino que considere o cotidiano, as crenças e valores da puérpera por meio de abordagem antropológica. É importante que o enfermeiro torne-se mais orientado e informado sobre o campo da antropologia durante sua preparação educacional, e que a dimensão cultural torne-se parte integrante do pensamento e da prática da enfermagem22. 

Conclusão

         Com esta revisão integrativa, verificou-se que a enfermagem tem desenvolvido pesquisas qualitativas para descrever aspectos dos saberes mítico e popular característicos do período pós-parto, destacando a possibilidade de utilizar o método etnográfico e a antropologia para viabilizar essas investigações.

O período pós-parto é permeado por diversos mitos, crenças, costumes, valores, tabus, rituais e cuidados que envolvem tanto a puérpera quanto o recém-nascido e que podem ser explorados por tais métodos. Nesse contexto, destaca-se a influência cultural, pois grande parte das práticas de cuidado revela comportamentos adquiridos por meio da aprendizagem, principalmente dentro do ambiente familiar.

Por meio deste estudo, constatou-se que os cuidados realizados no período pós-parto, no âmbito domiciliar, em grande parte, são compartilhados geralmente por mulheres da família ou comunidade e são baseados em experiências que obtiveram resultados positivos, não naquelas comprovadas cientificamente. Por isso, pode haver conflito entre o conhecimento científico do profissional de saúde e os saberes popular e mítico das puérperas e familiares, o que mostra a necessidade do olhar atento dos profissionais de enfermagem.

Recorrer aos saberes mítico e popular durante as situações de cuidado, permite ao enfermeiro encontrar a dimensão simbólica dos cuidados para poder planejá-los. Ressalta-se a necessidade de compreender que estes conhecimentos não são superiores ou inferiores um em relação ao outro, mas sim, revelam maneiras diferentes de ver, perceber e enfrentar a realidade. Além disso, os elementos que caracterizam a cultura são fontes mediadoras de transformações sociais, altamente politizados, apropriados, alterados e manipulados por grupos sociais.

Com essa compreensão, é possível a união de tais conhecimentos a fim de realizar um cuidado culturalmente congruente, ou seja, o enfermeiro torna-se capaz de utilizar, apropriadamente e de modo significativo, os padrões culturais das puérperas e de suas famílias, ao estimular, negociar ou reestruturar os cuidados realizados, visando sempre ao bem-estar da mulher e do recém-nascido.  

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Contribuição dos autores:

Concepção e desenho: Luísa Canestraro Kalinowski, Maria Helena Lenardt, Verônica de Azevedo Mazza, Maria Ribeiro Lacerda, Marilene Loewen Wall. Pesquisa bibliográfica: Luísa Canestraro Kalinowski e Maria Helena Lenardt. Coleta dos dados: Luísa Canestraro Kalinowski. Análise e interpretação: Luísa Canestraro Kalinowski, Maria Helena Lenardt, Verônica de Azevedo Mazza, Maria Ribeiro Lacerda, Marilene Loewen Wall. Revisão crítica e aprovação final do artigo: Maria Helena Lenardt, Verônica de Azevedo Mazza, Maria Ribeiro Lacerda, Marilene Loewen Wall.

 

Endereço para correspondência: Luísa Canestraro Kalinowski. Rua Manoel José Pereira, 238 - Pilarzinho. CEP: 82100-410. Curitiba-PR, Brasil. E-mail: luisa@ufpr.br