Carmen Lucia Mottin Duro1; Maria Alice Dias da Silva Lima1
1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
Abstract: Emergencies are both nationally and internationally accountable for patient overloads that result in an overcrowding of the sector. In emergency service settings, triage scales are used to organize the processes of patient care. This article discusses the work of nurses in Emergency Triage Systems in a contextual and reflexive way. For this purpose literature analysis on structured triage scales and work organization was developed. The nurse is a professional who meets the conditions necessary for the performance of scales triage, which include language oriented clinical signs and symptoms and empathic relationship to the fundamental aim of the triage process. In the logic of health work, care is understood as a product of the encounter between users seeking emergency care and nurses providing that care. In this perspective, it is considered that nurses, through the interaction with patients, produce the care resulting from the dispute and the pact established in the moment of triage, aiming at meeting the patients’ demands and thus making their inclusion in the emergency system possible.
Key-words: Emergency Medical Services. Triage.Emergency Nursing.
Resumo: Emergências, nacional e internacionalmente, respondem por uma sobrecarga de pacientes, que resulta em superlotação do setor. Nesse cenário, ganham relevância as escalas de triagem, que buscam a organização dos processos de atendimento do paciente na emergência. Este artigo discute o papel do enfermeiro nos sistemas de triagem em emergências de forma contextual e reflexiva. Para essa proposta foi desenvolvida uma análise da literatura sobre escalas de triagem estruturada em emergência hospitalar e da organização do trabalho. O enfermeiro é o profissional que reúne as condições necessárias para a realização das escalas de avaliação e classificação de risco, as quais incluem linguagem clínica orientada para os sinais e sintomas, uma relação empática fundamental para o objetivo do processo de triagem. O cuidado, na lógica do trabalho em saúde, é entendido como produto do encontro entre o usuário que busca atendimento na emergência e o enfermeiro que o atende. Nessa perspectiva, considera-se que o enfermeiro em sua interação com o usuário, produz o cuidado resultante da disputa e da pactuação no espaço de tempo da classificação de risco, com a intenção de dar respostas às demandas do usuário possibilitando a sua entrada no sistema de emergência.
Palavras-chave: Serviços Médicos de Emergência. Triagem. Enfermagem em Emergência.
Introdução
O trabalho de saúde em emergências tem sido objeto de estudo, no cenário nacional e internacional, no qual as investigações realizadas indicam avanços em relação à incorporação de novas tecnologias no trabalho visando à organização do atendimento em rede1. Mundialmente, a atenção às urgências tem ocorrido, predominantemente, nos serviços hospitalares e nas unidades de pronto atendimento 24 horas, respondendo por uma sobrecarga de pacientes, que resulta em superlotação, caracterizando-se por leitos do setor de emergência permanentemente ocupados; pacientes instalados nos corredores; longo tempo de espera e grande pressão para atendimento; alta tensão na equipe assistencial2. Assim, o atendimento em serviços de emergências exige, além da análise das condições materiais, tecnológicas e de pessoal, o estudo da organização e gestão dos processos de trabalho em saúde2.
Estudo em uma unidade de urgência e emergência hospitalar no sul do Brasil evidenciou que os serviços de emergência possuem caráter transitório, restrito à estabilização das condições clínicas dos pacientes. Acrescentam que os pacientes em situações não urgentes procuram a unidade porque ela está aparentemente mais disponível. A qualificação do atendimento em serviços de emergência e a estruturação do acolhimento com avaliação de risco são possibilidades de estabelecer um equilíbrio entre a demanda de pacientes e os recursos disponíveis para atender suas necessidades1.
No cenário internacional, também o departamento de emergência, aberto nas 24 horas, é apresentado como um processo dinâmico, com excessivo número de pessoas que buscam atendimento, resultando em alta taxa de transferência de pacientes e elevado tempo de espera pela consulta médica 3,4,5. Na busca de uma solução para este problema, nos últimos 20 anos, os serviços de saúde de países, entre os quais se destacam o Canadá, a Austrália, a Suécia, o Reino Unido e os Estados Unidos da América (EUA), buscaram normalizar sistemas de classificação ou sistemas de triagem nos departamentos de emergência, para fins de obter uma gestão eficaz 3,4.
Estudos informam que a classificação de pacientes na triagem de serviços de emergência hospitalar tem possibilitado a organização dos processos de atendimento, garantindo o fluxo do paciente no sistema de saúde. O conceito de triagem estruturada faz referência a um protocolo de classificação válida, reproduzível e que permite a classificação dos pacientes, baseado nos diferentes níveis de urgência e de priorização da assistência somado à estrutura física e organização profissional e tecnológica adequadas. Assim, são funções do serviço de classificação: a localização dos pacientes classificados, os tempos de espera, o controle das salas e espaços, a gestão da atividade e dos diferentes equipamentos assistenciais 3,4,5.
No Brasil, a triagem estruturada assume a designação de classificação de risco, que associada ao acolhimento tem por finalidade identificar os pacientes que necessitam de tratamento imediato, de acordo com o potencial de risco, agravos à saúde ou grau de sofrimento, a partir de um atendimento usuário-centrado, evitando práticas de exclusão6. O acolhimento, como diretriz operacional da Política Nacional de Humanização (PNH) do Ministério da Saúde (MS), é um arranjo tecnológico que visa escutar todos, na busca da resolução dos problemas, desde os simples aos complexos, e referenciá-los se necessário6.
O trabalho em saúde é produzido na lógica do encontro, entre pessoas que trazem um sofrimento ou necessidades de saúde e outras que dispõem de conhecimentos específicos ou instrumentos que podem solucionar o problema apresentado 1,7. Nesse encontro, são mobilizados sentimentos, emoções e identificações que podem dificultar ou facilitar a aplicação dos conhecimentos do profissional na percepção das necessidades ou interpretação das demandas trazidas pelo usuário1,7. Autores afirmam que os enfermeiros reúnem as condições necessárias para a realização das escalas de avaliação e classificação de risco, as quais incluem linguagem clínica orientada para os sinais e sintomas, conseguindo estabelecer uma relação empática fundamental para o objetivo do processo de classificação3,4,5,8. Então, o trabalho em saúde, gerado na lógica do encontro entre enfermeiro e usuário, produz subjetividades, que expressam possibilidades para criar e recriar práticas e conhecimento 7,8. Nesse sentido, a partir dos conceitos apresentados, pretende-se problematizar a classificação e avaliação do risco e a inserção do enfermeiro nesse contexto.
Este ensaio teórico busca, à luz de referenciais da organização do trabalho em serviços de emergência e da literatura internacional sobre escalas de triagem estruturada, apresentar o trabalho do enfermeiro nos sistemas classificatórios, defendendo o argumento de que, nesse espaço, esse profissional estabelece relações com o usuário, produtoras do cuidado de enfermagem.
Este tema apresenta relevância, pois demonstra lacunas no conhecimento sobre o trabalho que o enfermeiro desenvolve na avaliação e classificação de risco, tendo em vista o reduzido número de publicações nacionais em detrimento às internacionais sobre essa temática.
Sistemas de triagem em emergências hospitalares no cenário internacional e nacional
A literatura internacional apresenta diferentes tipos de Sistemas de Triagem em serviços de emergência, nos quais a avaliação e classificação são feitas de acordo com a existência de algoritmos de triagem (árvores decisionais), de protocolos, do número de categorias de urgência, do ambiente e do contexto onde se aplicam e dos recursos, equipamentos e meios que envolvem 3,4,5 .
Os sistemas de triagem em serviços de emergência hospitalar iniciaram na década de 60, nos EUA, que desenvolveram a classificação em 03 níveis (emergente, urgente e não urgente), evoluindo para 04 níveis, em 1994. Paralelamente, no Canadá, nos anos 70, estudava-se o desenvolvimento de um sistema de triagem, mas somente em 1995 tornou-se uma realidade, quando o The Canadian Emergency Department Triage (CTAS) foi introduzido. O CTAS é uma escala que avalia as condições clínicas com rápido acesso a sinais e sintomas que devem ser observados com validação e avaliação da queixa identificada, tendo guias orientadores, onde a informação obtida é enquadrada. O Nível I caracteriza uma situação com risco de morte iminente ao usuário, requerendo intervenções imediatas. Os usuários classificados no Nível II precisam ser reavaliados em 15 minutos, pois envolvem situações potencialmente tratáveis, requerendo intervenção rápida. Os usuários classificados nos Níveis III, IV e V necessitam ser reavaliados em 30, 60 e em 120 minutos respectivamente. O Nível V caracteriza situações dos usuários que são consideradas não urgentes, encaminhados para outras áreas do hospital ou do sistema de cuidados de saúde 4,5,9.
Na Austrália, a escala, hoje denominada Australasian Triage Scale (ATS), utilizada a partir de 1994, foi adotada em 2000 pelas autoridades de saúde australianas passando a denominar-se National Triage Scale for Australasian Emergency Departaments: NTS. Essa escala é baseada em cinco níveis e estabelece o tempo em que deve ser prestado o atendimento de acordo com a categoria classificada, sendo de grande relevância o tempo na evolução dos sintomas 3,4,5,10.
O Manchester Triage System (MTS) foi implantado em Manchester (Reino Unido), no ano de 1997. O objetivo era elaborar um modelo comum que poderia ser usado em todos os hospitais. Desde então é adotado como norma dos hospitais do Reino Unido, da Suécia, Portugal, Canadá, Japão e Nova Zelândia e também nos Países Baixos. Esta escala de triagem apresenta níveis de urgência, cuja finalidade é identificar os critérios de gravidade inerentes à queixa apresentada pelo cidadão, através de fluxograma, obtendo-se a resposta afirmativa à queixa identificada. A categoria de urgência além de indicar a prioridade clínica, dá também informação sobre o respectivo tempo alvo de atendimento. O MTS tem cinco categorias de urgência: emergente ou cor vermelha, muito urgente ou cor laranja, urgente ou cor amarela, pouco urgente ou cor verde e não-urgente ou cor azul 3,4,5,11.
Nos EUA o mais utilizado é o Serviço de Indexação de Emergência - Emergency Severity Index (ESI). O ESI é utilizado aplicando um único fluxograma, no qual há a observação das condições de vias aéreas, ventilação e estado de consciência do usuário. A avaliação dos sinais vitais pode fazer parte do processo de triagem, cuja alteração pode levar o enfermeiro da triagem a reclassificar o paciente 3,5,12.
A partir de 2001, Espanha e Andorra introduziram sistemas classificatórios, sendo aplicados nas emergências hospitalares, também baseados em cinco níveis e tempos de atendimento 5,13. O MAT - Modelo Andorrano de Triagem (Model Andorrà de Triatge) é adaptado do CTAS, consistindo em uma escala com base nos sintomas, diagnóstico-sentinela, em categorias sintomáticas com os principais algoritmos de discriminantes clínicos em formato eletrônico5.
O termo triagem é utilizado em países anglo-saxônicos, como EUA, Inglaterra, Suécia, Austrália. Porém, países latinos têm buscado outras expressões, já que o verbo triar exprime exclusão. A sociedade espanhola introduziu o termo RAC, que significa Recepción, Acogida y Clasificación de pacientes 5,13. Da mesma forma, no Brasil, a expressão do acolhimento com classificação de risco, traduz o termo triagem estruturada.
O acolhimento, de acordo com a PNH do Ministério da Saúde (MS) pressupõe a capacidade de escuta e identificação das necessidades de forma humana e usuário-centrada. A portaria nº 2.048/2002 do MS do Brasil, que institui a Política Nacional de Urgências e Emergências, prevê a classificação de risco, como proposta para o uso em emergências hospitalares e pronto-atendimentos14. A Classificação de Risco do MS é um processo de identificação dos pacientes que necessitam de tratamento imediato, de acordo com o potencial de risco, agravos à saúde ou grau de sofrimento. A prioridade da assistência médica e de enfermagem será feita categorizando os pacientes de acordo com os níveis de emergência: casos emergentes, que demandam cuidados imediatos médicos e de enfermagem (cor vermelha), seguidos dos casos considerados urgentes, que devem receber a atenção médica o mais rápido possível (cor amarela). As situações de cor verde podem aguardar até 30 minutos e serão reavaliadas, se necessário, e os casos não urgentes, identificados pela cor azul, terão de aguardar por ordem de chegada ao serviço para atendimento ou serão encaminhados para outros serviços da rede de atenção em saúde 6,15.
A partir dos aspectos abordados observa-se que a proposta do acolhimento utilizada no Brasil transversaliza a classificação de risco e objetiva garantir humanização da assistência nos serviços de saúde, ampliação do acesso e atendimento acolhedor e resolutivo baseados em critérios de risco. Cabe, então, ao enfermeiro do serviço de emergência, embasado em dados clínicos, em informações objetivas, subjetivas e experiência, avaliar qual paciente necessita de atendimento imediato e qual pode esperar6, 14.
O enfermeiro como profissional inserido na classificação de risco
Todos esses protocolos classificatórios ou sistemas de triagem de cinco níveis são executados por enfermeiros na triagem, nos departamentos de emergência. Estudos indicam que os enfermeiros reúnem as condições necessárias para a triagem dos cidadãos, através da clínica orientada para os sinais e os sintomas e não para os diagnósticos, estabelecendo uma relação empática fundamental na minimização de sentimentos como a ansiedade, a agressividade ou a impaciência, explicando o objetivo do processo de triagem. Nos diversos países são realizados treinamentos com este fim específico 3,4 8,16.
Na Espanha, inicialmente, o processo de triagem era realizado por médicos e só a partir de 1999, depois de muitas dúvidas e controvérsias, a Sociedade Espanhola de Enfermeiros de Urgência considerou que essa é uma atividade própria de enfermeiros 5,13.
Há evidências de que a eficácia da triagem está associada com a experiência do enfermeiro, em especial experiência em atendimento de emergência. Assim, o enfermeiro é o profissional que garante a segurança de todos na sala de espera, sendo, muitas vezes, o primeiro rosto que os pacientes vêem quando entram no hospital. Em função disso, são necessárias excelentes habilidades de comunicação, a fim de ajudar essas pessoas em um momento tão vulnerável16, 17. O serviço de emergência requer dos enfermeiros conhecimentos teóricos e padrões de saber e modos de fazer baseados em experiências, interpretando sinais psicológicos, interpessoais e comunicativos do paciente, além de experiência clínica para prestação de cuidados, para uma população que enfrenta diversos episódios, abrupta e potencialmente de agressão à saúde ou de risco psicossocial à vida16, 17,18.
O enfermeiro de emergência deve manter um comportamento profissional em todas as interações com os pacientes e suas famílias, sendo essencial que não projete opiniões pessoais, preconceitos ou estereótipos no processo de triagem16,17,18. O desenvolvimento da função de triagem tem posicionado o enfermeiro como responsável por garantir a segurança do paciente, coordenar o fluxo de pacientes e orientar recursos médicos nos serviços de emergência 3, 4,10.
No acolhimento com classificação de risco, o trabalho do enfermeiro se baseia na tomada de decisão, em que a escuta qualificada e o julgamento clínico e crítico das queixas induzem a um raciocínio lógico, que determinará o risco8, 16. A tomada de decisão pelo enfermeiro, na classificação, tem como objetivo compreender a informação clínica, a seqüência em que a informação se processa e as vias pelas quais essa informação determina a categoria de classificação. É o enfermeiro quem decide qual e quanta informação precisará ser obtida sobre o estado de saúde de um cliente, avaliando tanto dados objetivos quanto subjetivos 8,16.
Em estudo sobre satisfação no trabalho da triagem, a maioria dos enfermeiros referiu como positivo o sentimento de liberdade e de autonomia na tomada de iniciativa e de suas próprias decisões dentro de sua função de triagem18. Quando contextualizado, a enfermeira de triagem tem autonomia e domínio para determinar a urgência de um paciente para a entrada no sistema de emergência, ajustando a atribuição de código de triagem. Conseqüentemente, muitas tensões podem resultar dessa função, tornando-a diferente de outros papéis de enfermagem de emergência10,17.
A enfermagem distingue-se como categoria da saúde que vem desenvolvendo e mantendo uma contínua convivência com os usuários, de modo que isso lhe possibilita grandes oportunidades de interação, na qual há espaço para o diálogo, para a reflexão, tomada de decisão conjunta, na busca de um objetivo único que é a qualidade do cuidado prestado. A enfermagem possui a capacidade de lidar com situações complexas, que envolve além de saberes específicos da profissão, experiências vividas e a capacidade de estabelecer relações interpessoais 1,19. No exercício do acolhimento, a prática do enfermeiro vem passando por transformações, assumindo um papel de reorganizar serviços e humanizar o atendimento ao usuário, articulando os diversos trabalhos 19. Da mesma forma, nos serviços de emergência hospitalar e de pronto-atendimento 24 horas, a enfermagem, tem tomado para si a responsabilidade do acolhimento, da avaliação e classificação da gravidade da situação do usuário, independente do tipo de protocolo a ser seguido pela Instituição.
Estudo realizado demonstra que a triagem ou classificação pode ser vista como um processo interativo construído socialmente, no qual os resultados são determinados pela maneira na qual os participantes criam, extraem, interpretam e negociam o significado do problema apresentado 8. Assim, na proposta de acolhimento com classificação de risco, o trabalho em saúde é entendido, priorizando as tecnologias de relações, de subjetividades em detrimento à tecnologia e aos equipamentos de saúde 7,8. Desta forma, o atendimento prestado desenvolve-se como possibilidade de interlocução do usuário com o enfermeiro sobre o problema que o levou a procurar o serviço.
Em função disso, é importante o entendimento da dimensão intersubjetiva do trabalho em saúde, ocorrendo a intervenção de um sujeito sobre outro, em suas experiências de vida, prazer, dor, sofrimento e morte8. Nesse sentido, a especificidade do trabalho em saúde apresenta implicações sobre as possibilidades de cuidado, pois se sustenta pela atividade intensiva e articuladora entre os diferentes profissionais e usuários, no qual cada um articula um relativo nível de domínio durante o processo de trabalho. Assim, quanto maior for a integralidade do atendimento, mais ampla será a margem de liberdade de seus agentes20. A classificação de risco pode se constituir em um espaço intercessor21 que possibilita uma interação, na qual o enfermeiro acolhe e avalia o usuário, com a finalidade de garantir a melhor possibilidade de atenção dentro do sistema classificatório vigente.
Os serviços de emergência e pronto atendimento definem, na esfera do produtor e do consumidor do trabalho em saúde, as escolhas dos usuários, os quais também irão se constituir em instrumentos de força em outros momentos e/ou em outros serviços de saúde. Dessa forma, o cuidado gerado, constitui-se em produto de micropolíticas, pois resulta em ações que exercem efeitos em ambos: trabalhador e usuário. Esse espaço é local de disputa de forças políticas instituintes desse processo, que se concretiza na prática em saúde prestada pelo profissional presente: as necessidades dos usuários e o modo de construção social 21. No caso do acolhimento com classificação de risco, é possível que o encontro produza a captura das necessidades e simples catalogação em níveis de atendimento ou que seja invadido pelas propostas de resolução demandadas e decorrentes dessas necessidades. Esses espaços, justamente por ocorrerem no cotidiano do trabalho em saúde e resultarem das ações executadas pelos trabalhadores de saúde na sua relação com o usuário7,21, sempre guardarão possibilidades de desencadeamento de processos criativos e de ligação com o outro, bases para a responsabilidade e o cuidado em enfermagem.
Considerações Finais
O setor de emergência configura-se como porta de entrada 24 horas, atendendo a demanda que, além do excessivo volume, não se esgota naquilo que é considerado um problema de saúde, no modelo biomédico, portanto, requer espaços de escuta e de diálogo. Os sistemas classificatórios de triagem no cenário mundial, assim como o formato adquirido do protocolo do MS do acolhimento com classificação de risco, independente de qual seja a ação do profissional que desempenha a avaliação, irá determinar a forma de ingresso do usuário, no serviço de emergência. No cenário internacional, estudos demonstram que o enfermeiro é o profissional que vem realizando essa atividade apresentando o desempenho adequado para tal fim. Portanto, a avaliação dos pacientes na classificação de risco, de forma não excludente, torna necessária a problematização do trabalho desenvolvido pelo enfermeiro. O enfermeiro é um profissional que possui competência para realizar o raciocínio lógico, a partir das queixas, sintomas, quadro clínica e situação contextualizada do indivíduo que busca atendimento, realizando a tomada de decisão e a inserção do usuário no sistema de saúde.
Destaca-se a importância da formação acadêmica para que o enfermeiro seja um profissional com competências e habilidades para atuar diante das diversas necessidades do momento, de acordo com a evolução social do cenário do processo de saúde e doença nas emergências.
Parte-se do entendimento que o usuário tem conhecimento de que será avaliado, para ingressar no sistema, porém não será excluído, mas classificado, o que irá determinar o tempo de espera para efetivar seu atendimento. Concomitante à diminuição dos tempos de espera e atendimento para as gravidades que ingressam no sistema, desenvolve-se a operacionalização de formas de organizar o cuidado em saúde, que envolve a lógica do encontro, entre o usuário e o enfermeiro, constituindo-se no espaço intercessor, resultado da tensão entre as forças instituintes da micropolítica que regulam e define o cuidado do usuário, produto final do trabalho na saúde.
Entende-se que a avaliação e classificação de risco do usuário no serviço de emergência é resultado da disputa e da pactuação processada no espaço de tempo em que ocorre com a intenção de dar respostas às demandas do indivíduo e da possibilidade de sua inserção no sistema de emergência/pronto-atendimento, e que, em ultima instância traduz o cuidado de enfermagem e destaca a importância da atuação do enfermeiro nesse contexto.
Referências
1.Garlet ER, Lima MADS, Santos JG, Marques GQ. Organização do trabalho de uma equipe de saúde no atendimento ao usuário em situações de urgência e emergência. Texto contexto - enferm. 2009 Jun; 18(2): 266-72.
2. Bittencourt RJ, Hortale VA. Intervenções para solucionar a superlotação nos serviços de emergência hospitalar: uma revisão sistemática Cad. Saúde Pública, 2009 jul; 25(7):1439-54.
3. FitzGerald G, Jelinek GA, Scott D; Gerdtz MF Emergency department triage revisited, Emerg Med J, 2010; 27: 86-92.
4.Jiménez JG. Clasificación de pacientes en los servicios de urgencias y emergencias: Hacia un modelo de triaje estructurado de urgencias y emergências. Emergencias 2003;15:165-74.
5. Diogo CS. Impacto da relação cidadão – Sistema de Triagem de Manchester na requalificação das urgências do SNS. [dissertação na internet].Portugal: Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa/ Programa de Gestão dos Serviços de Saúde. 2007[acesso em 2010 mai 12].Disponível em: http://repositorio.iscte.pt/bitstream/10071/993/1/IRC-Sistema%20Triagem%20Manchester%20na%20requalifica%C3%A7%C3%A3o%20das%20urg%C3%AAncias%20do%20SNS.pdf
6.Ministério da Saúde ( BR) Secretaria Executiva. Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização. HumanizaSUS: Acolhimento com Avaliação e Classificação de Risco: um paradigma estético no fazer saúde. [documento na Internet] Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2004.[acesso 2010 mai 02].Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/impressos/folheto/05_0050_FL.pdf
7. Merhy EE. Saúde: a cartografia do trabalho vivo em ato. São Paulo: Hucitec, 2007.
8. Bernie E ;David S. Passing the audition – the appraisal of client credibility and assessment by nurses at triage. Journal of Clinical Nursing. 2007; 17: 2444–51.
9. Murray M , Bullard M, Grafstein E. Revisions to the Canadian Emergency Department Triage and Acuity Scale Implementation Guidelines Canadian journal of emergency medical care. 2004 nov; (6):421-27.
10. Fry M, Burr G. Review of the Triage Literature: Past, Present, Future? Australian Emergency Nursing Journal. 2002 aug; 5 (2):34-8.
11. Cronin, J. The introduction of the Manchester Triage Scale to an emergency department in the Republic of Ireland. Accident and Emergency Nursing, 2003; 11:121-5.
12.Tanabe P, Gimbel R, Yarnold PR, Adams JG.The Emergency Severity Index (version 3) 5-Level Triage System Scores Predict ED Resource .Journal of Emergency Nursing, 2004 feb; 30(1): 22-9
13. Romero-Nieva Lozano J. De las funciones y tareas propias de los diplomados de enfermería en la recepción, acogida y clasificación de los pacientes en el área de urgencias. (documento na internet) Recomendación científica 99/01/01, de 15 de junio de 1999, de la Sociedad Española de Enfermería de Urgencias.(acesso em 2010 mai 10). Disponível em: http://www.saludinnova.com/communities/Urgencias/docs/download/Microsoft%20Word%20-%20RECOMENDACION1.pdf
14. Ministério da Saúde (BR).Política nacional de atenção às urgências. Ministério da Saúde.[documento na internet] Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006. [acesso em 2009 out 19]. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/politica_nac_urgencias.pdf
15. Grupo Brasileiro de Acolhimento com Classificação de Risco. História da Classificação de Risco no Brasil (acesso 2010 mai 10)Disponível em: http://www.gbacr.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=75&Itemid=109
16. Souza RS, Bastos MAR. Acolhimento com classificação de risco: o processo vivenciado por profissional enfermeiro Rev. Min. Enferm. 2008 out./dez;12(4): 581-6.
17. Curtis K, Murphy M, Hoy S, Lewis MJ. The emergency nursing assessment process—A structured framework for a systematic approach. Australasian Emergency Nursing Journal. 2009 nov; 12(4):130-36.
18. Forsgren S, Forsman B, Carlstro ED. Working with Manchester triage – Job satisfaction in nursing. International Emergency Nursing. 2009; 17: 226– 32.
19.Marques G.Leal S.Lima M.Bonilha A.Lopes M. As práticas e o cotidiano de profissionais em services públicos de saúde, na ótica de estudos acadêmicos.Online Brazilian Journal of Nursing [serial on the Internet]. 2006 November 4; [Cited 2010 October 19]; 6(2):[about ## p.]. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/660
20. Marques GQ, Lima MADS. Organização tecnológica do trabalho em um pronto atendimento e a autonomia do trabalhador de enfermagem. Rev. Esc. Enferm USP. 2008 Mar; 42(1): 41-47.
21. Merhy EE. Enfrentar a lógica do processo de trabalho em saúde: um ensaio sobre a micropolítica do trabalho vivo em ato, no cuidado. In: Conexões: saúde coletiva e políticas de subjetividade. Organizadores: Carvalho SR , Ferigato S, Barros ME. São Paulo: Hucitec; 2009. p. 277-300.
E-mail para contato: Carmen Lucia Mottin Duro: carduro@gmail.com