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Family living through sickness and child’s hospitalization: qualitative study

A família vivenciando a doença e a hospitalização da criança: estudo qualitativo

Lidiane Ferreira Schultz 1;  Ana Llonch Sabatés 1

1 Universidade Guarulhos, Mestrado em Enfermagem, Brasil.

 Abstract. Problem: Brazilian family needs during the disease process and child’s hospitalization are not completed understood. Thus, it is difficulty to develop a family nursing care plan. Objectives: to understand the family experience during the disease process and the child’s hospitalization period and to identify what this experience causes to the family system. Method: it was performed a descriptive qualitative study. Family Systems theory was used as a theoretical framework. The sample was composed of seven families including five mothers, one father, one grandmother and seven inpatient children, who were three to six years old. Data were collected in an inpatient Pediatric Unit through an open semi-structured interview and therapeutic dramatic toys. Data were analyzed according to Analysis of content proposed by Bardin. Main results: the results obtained were clustered in six categories: the impact of disease in the family, needing provide care, experiencing the child’s hospitalization, the movement in the dynamic of family, needing provide help and support, and searching for homeostasis. The articulation of these categories made possible to built the category “Protecting the son of the world and not the world of the son”. Conclusion: it was observed that families expected to protect their children against disease, pain, emotional suffering, invasive procedures, and hospitalization.  

Key words: Family; Child, Hospitalized; Play Therapy; Play and Playthings. 

Resumo. Problema: as necessidades das famílias brasileiras, durante o processo de doença e hospitalização da criança, não são totalmente conhecidas dificultando o planejamento da assistência de enfermagem centrada na família. Objetivo: compreender a vivência da família no processo da doença e hospitalização da criança e identificar o que essa experiência provoca no sistema familiar. Método: Foi realizado um estudo qualitativo descritivo. A teoria de Família numa Perspectiva Sistêmica foi utilizada como referencial teórico. A amostra foi composta por sete famílias incluindo cinco mães, um pai, uma avó e sete crianças de três a seis anos de idade hospitalizadas em uma Unidade Pediátrica. Os dados foram coletados por meio de uma sessão de brinquedo terapêutico dramático e de uma entrevista semi-estruturada e submetidos à Análise de Conteúdo segundo Bardin. Resultados: os resultados foram agrupados em seis categorias: o impacto da doença na família; necessitando prestar cuidado; vivenciando a hospitalização da criança; o movimento na dinâmica familiar; precisando de ajuda e de apoio e buscando a homeostase. A articulação dessas categorias permitiu construir a categoria central “Protegendo o filho do mundo e não o mundo do filho”. Conclusão: evidenciou-se que a família espera proteger a criança da doença, da dor, do sofrimento emocional, dos procedimentos invasivos e da hospitalização.

 Descritores: Família; Criança Hospitalizada; Brinquedo Terapêutico; Jogos e Brinquedos.

Introdução

            Atualmente, o conceito de família possui um significado que vai além da concepção biológica. A identificação de um vínculo afetivo, a interação entre seus membros, o comprometimento mútuo, a solidariedade e principalmente o amor constituem a base dessa associação1,2.

A escolha por um conceito de família pelo enfermeiro constitui uma decisão difícil em razão de exigir uma concepção própria de cada indivíduo em relação a sua visão de mundo, de Enfermagem, de ambiente e de família, com seus conhecimentos, crenças e valores adquiridos ao longo da sua vida. Daí a necessidade de escolher um referencial coerente com seu próprio posicionamento frente à vida, à saúde e à profissão3.

Em consonância com estas idéias, existe um conceito no qual a família é vista como um “sistema”, este conceito foi escolhido para definir família e fundamentar este trabalho. Wright & Leahey descrevem que: o sistema familiar é parte de um supra-sistema, assim como é composto de muitos subsistemas; a família como um todo é maior que a soma de suas partes; uma alteração em um membro da família afeta todos os seus componentes; a família é capaz de criar um equilíbrio entre mudança e estabilidade e os componentes dos membros da família são mais bem compreendidos quando vistos em causalidade circular do que de forma linear4.

A família é o lugar indispensável para a garantia da sobrevivência e da proteção integral dos seus membros, tornando-se o agente propulsor de sua própria saúde sendo considerada a primeira unidade de cuidado devido à comunicação e ao apoio existentes: criam estratégias preventivas de saúde, promovem ao autocuidado, detectam sinais de mudança de comportamento e de doença dos seus integrantes, acompanham o processo saúde-doença, tomam decisões, pedem auxílio e encaminham para os serviços de saúde5,6.

Nesse contexto, para atender às necessidades de saúde da criança hospitalizada é preciso considerar a concepção de cada família, sendo fundamental saber quem a família considera ser sua família. Este fato justifica a necessidade do enfermeiro em respeitar a definição dos membros da família nas experiências de saúde e doença focalizando na interação dos seus elementos. O cuidado de Enfermagem centrado na família começou a adquirir forças a partir dos anos 80, assim como o paradigma holístico da promoção de saúde. Nessa década o interesse pela família é resgatado e diferentes estudos reconhecem a família como o principal alvo de serviços de saúde e destacam o cuidado de enfermagem como primordial. Entretanto, essa abordagem de cuidado ainda mostra poucos resultados na prática diária do trabalho hospitalar, pois apenas alguns profissionais a concebem como parte importante e essencial do seu cuidado7,8.

Conhecer a cultura, as crenças, os valores da família, assim como, seus papéis, padrões de comunicação, organização, estrutura, interações entre seus membros, funcionamento frente às crises e mudanças e suas práticas de saúde favorecendo uma linguagem apropriada e permitindo ao enfermeiro elaborar estratégias e intervenções baseadas nas demandas reais sentidas e verbalizadas pelas famílias. O pensar do enfermeiro deve ser o “pensar família”7.

Assim, desenvolvemos este estudo a partir dos seguintes objetivos: Compreender a vivência da família na doença e hospitalização da criança e Identificar o que a vivencia da doença e hospitalização da criança provoca no sistema familiar.

Percurso Metodológico

Trata-se de um estudo qualitativo descritivo, desenvolvido em uma unidade de internação pediátrica de um hospital escola, filantrópico, de grande porte da cidade de São Paulo. Os participantes foram sete famílias formadas por cinco mães, um pai, uma avó e a criança pré-escolar de três a seis anos de idade, hospitalizada, e em condições de brincar.

Conforme exigências da Resolução CNS 196/969, essa pesquisa foi submetida e aprovada nº 151/06 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de São Paulo, local de coleta de dados. Todos os participantes concordaram em participar e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido após leitura e compreensão do mesmo. Para preservar o seu anonimato, as famílias foram identificadas por nomes de cores e as crianças por nomes de personagens da turma da Mônica.

As estratégias adotadas para a coleta de dados foram: uma sessão de brinquedo terapêutico dramático e uma entrevista semi-estruturada.

A sessão de brinquedo terapêutico dramático teve a duração de 40 a 50 minutos sendo filmada e transcrita na íntegra. Os passos seguiram os princípios básicos descritos por Erickson10 e adaptados para essa pesquisa: convite aos sujeitos participantes, autorização verbal da criança quanto à participação do familiar adulto, informação sobre a duração da sessão e da necessidade de devolução posterior dos brinquedos, apresentação do material sem nomear ou identificar, filmagem e atuação não-diretiva do pesquisador. Os brinquedos utilizados foram selecionados conforme as recomendações da literatura, incluindo: bonecos representando a família e a equipe hospitalar; figuras de animais; objetos de uso domésticos ou do cotidiano; meios de transporte; material escolar e objetos do meio hospitalar11.

Nesta pesquisa utilizou-se a sessão supracitada com o objetivo de facilitar a família na manifestação de seus sentimentos, pensamentos, necessidades e significados, buscando compreender as relações existentes e seu vivenciar no processo de doença e hospitalização da criança.

A entrevista semi-estruturada foi realizada após a sessão de brinquedo terapêutico dramático com o membro adulto da família cuidador da criança doente com a pergunta norteadora: “Como está sendo para você e para sua família vivenciar a doença e a hospitalização da criança?”. As entrevistas foram gravadas e tiveram a duração ente 30 a 45 minutos.

Os dados coletados na entrevista semi-estruturada e na sessão de Brinquedo Terapêutico foram transcritos na integra e submetidos à análise de conteúdo12, desenvolvida em três etapas:

- a pré-análise, organização inicial dos dados coletados;

- separação e identificação dos temas abordados em unidades de sentido (Análise Temática);

- categorização.

Apresentação e discussão dos resultados

            A análise cuidadosa dos discursos permitiu identificar seis categorias: O impacto da doença na família, Necessitando prestar cuidados, Vivenciando a hospitalização da criança, O movimento na dinâmica familiar, Precisando de ajuda e de apoio, Buscando a homeostase, bem como identificar a categoria central: Protegendo o filho do mundo e não o mundo do filho, descritas a seguir. 

1. O impacto da doença na família

Nessa categoria, as famílias descrevem as conseqüências que a doença traz para o sistema familiar.

“Está sendo difícil. Para todos... Não teria nem outra palavra para estar empregando... Muito dolorido não só para ele, como para todos... Muita dor, muita tristeza... É muito difícil, a gente sofre muito”.  (Família Amarela / Entrevista com a Mãe=EM)

Sentimentos de dor e angústia por desconhecer os sinais, sintomas e evolução clínica da doença, fazem com que a família, desespera-se, sente muito medo, desconforto e perda da autonomia. Preocupações relacionadas às recaídas, ao tratamento e ao futuro da criança são revelados.

 “Uma coisa que você nunca imaginaria que vai acontecer com você... Tem que aprender a lidar com a doença. Porque ninguém da família sabia os cuidados direito... ficava com medo de precisar internar ficava desesperada com os remédios, com a fisioterapia, porque a gente vive numa corda bamba, de uma hora para outra essa corda pode arrebentar”. (Família Verde / EM)

“Não tem como saber nem garantir. Vamos aguardar. A gente tem que está preparada para o que der e vier. O pior é ela falecer, não resistir”. (Família Verde / EM)

A doença é muito mais que um conjunto de sinais e sintomas, possuindo outras representações simbólicas, moral, social ou psicológica para a criança doente e a sua família13. A experiência da doença refere-se a maneira como as pessoas atingidas e os membros da família percebem, convivem e superam os desafios físicos e psicossociais dos sintomas dolorosos, da incapacidade e dos tratamentos4.

No momento da definição do diagnóstico clínico da criança, a família se depara com algo novo e desconhecido que jamais imaginou acontecer ou experimentar, precisando de tempo e amadurecimento para superar as barreiras e dificuldades que surgem com essa ocorrência. A família precisará de informações a respeito da doença, dos sintomas, tratamento e cuidados.

Cabe aos profissionais de enfermagem o papel de facilitadores deste processo, identificando deficiências, compartilhando saberes e criando estratégias para a inclusão da família no cuidado ao filho hospitalizado14

2. Necessitando prestar cuidados à criança doente

A família necessita realizar cuidados físicos a criança doente, desenvolver habilidades, aprender sobre os cuidados necessários e seguir rigorosamente o tratamento prescrito.

“A gente tem que ter muito cuidado com ele não parar o tratamento. Essa é a nossa finalidade”. (Família Vermelha / Entrevista com o Pai=EP)

Mãe: “Quando você está com febre, faz o quê? Não te dá remédio?”. Magali: “Dá?”. Mãe: “Lógico! Dá Dipirona”. (Família Branca / Sessão de Brinquedo Terapêutico= SBT)

Quando um membro da família assume todo o cuidado com a criança doente, além das atividades domésticas, sobrecarga física e psíquica é relatado.

 “Só eu. Eu que trago para cá, eu que levo embora, eu fico aqui (hospital). É tudo nas minhas costas... Tem que fazer tudo, lavar roupa, cuidar da casa, de filho, de marido.” (Família Branca / EM)

“A provisão de cuidados, adaptação e atenção à sua própria saúde precisam ser equilibradas”4.

Mas também percebe o quanto é importante estar ao lado da criança, promovendo o seu bem-estar, cuidando, ajudando e protegendo. As falas abaixo ilustram o exposto.

 “Eu acho que esse meio tempo que eu fiquei separada dela eu senti muito. Aprendi a dar valor, porque acho que eu tinha perdido a identidade de mãe. Eu acho que eu voltei e essa é a última internação...”. (Família Verde / EM)

Elsen3 contempla como atividade do enfermeiro compreender o modo de cuidar da família, identificando suas potencialidades e dificuldades, reconhecendo assim, a necessidade de compartilhar os cuidados à criança com o sistema familiar.

            A assistência de enfermagem centrada na família objetiva que a unidade cuidadora esteja envolvida no cuidado com a criança doente.  Sendo de responsabilidade do enfermeiro: prover informações, orientações e encorajamento para que esses assumam o seu papel4

3. Vivenciando a hospitalização da criança

A família vivencia a separação dos outros membros e subsistemas, experimenta sentimentos como: medo dos procedimentos hospitalares, desespero diante do sofrimento da criança, ansiedade relacionada com a evolução clínica, coragem de permanecer dentro do hospital e de enfrentar esses momentos penosos, esperança no tratamento e na melhora clínica. A esse respeito, transcrevem-se os trechos que destacam a vivência da família frente a internação da criança.

“Eu não estou presente com meu marido...” (Família Amarela / EM)

Mônica: “A vovó deixou a filha dela sozinha e por isso ela perdeu a veia”. (Família Verde / SBT)

“Eu não acho que é a criança que fica internada, quem interna é a mãe, a mãe não sai... Aí eu fico com ela o dia inteiro, a noite inteira sozinha. Todo dia... Para mim o pior aqui é estar presa, ficar presa aqui (hospital) é horrível, horrível”. (Família Branca /EM)

Mônica: “Agora eu vou ver a mamãe. Vou ver, porque neste hospital aqui é a mamãe que está doente...”.  (Família Verde / SBT)

“... Quase não tem mais sorriso, mais é choro... É doloroso ouvir o choro dele. Na internação, eu fico um pouco aflita... tensa em tudo. É muito difícil. Cria, uma angústia muito grande, às vezes eu choro, às vezes eu fico forte”. (Família Amarela/ EM)

Mônica: “Essa boneca é muito boa de catar veia. Ela nem se mexe”. “Ela é mais boa do que a Mônica verdadeira”. Mãe: “Por quê?” Mônica: “Ah! Porque eu choro. Quando é para pegar veia, eu começo a chorar”. (Família Verde /SBT)

Avó: “Vamos, Chico Bento, deixa furar. A gente fica assim com pena. Mas a gente é obrigada!...” (Família Lilás/ SBT)

“Quem quer o bem da criança é a gente. A gente precisa ficar sempre por perto para proteger ela e melhorar o tratamento dela... E ficando perto ajuda bastante, a gente está vendo como as crianças estão sendo tratadas e alivia para a gente que aprende também como fazer em casa”. (Família Rosa / EM). 

4. O movimento na dinâmica familiar

A família experimenta mudanças significativas relacionadas ao seu trabalho profissional e na estrutura familiar com modificações de papéis e funções de seus membros.

“Eu já perdi emprego... Preferível perder o emprego para ficar ao lado dele”. (Família Vermelha / EP)

... “Fica nessa luta... Você quer passear, não pode, quer viajar, não pode. Eu nunca mais fui passear... é só mesmo horário de remédio, horário de janta, horário de almoço, só isso. Tudo da Rosinha”. (Família Rosa / EM)

Mônica: “... Minha filha, eu sou a avó da Mônica”... “A mãe da Mônica, falar a verdade, ela nem ficou com ela todos os dias.” Mãe: “E a mãe da Mônica foi para onde?... Que não pode ficar com a Mônica”. Mônica: “Para o Rio de Janeiro. A mãe dela está curtindo a festa, enquanto a avó dela fica sofrendo com ela”. Mãe: olha para criança com olhar triste. Mônica: “Mas aí a mamãe Fátima (Nome fictício) aprendeu uma boa lição”. Sorri, segura a boneca-mãe. “Nem sempre pode deixar um filho que tem Fibrose Cística”. (Família Verde / SBT)

A família constitui um sistema de relações vivas, que atravessa momentos de equilíbrio e de desequilíbrio1. Assim, a família como um sistema, enfrenta continuamente mudanças, que se acentuam à medida que um de seus membros adoece. O grau de desorganização familiar, decorrente do aparecimento da doença e da necessidade de internação da criança, é muito grande, seus membros remanejam funções e papéis exercendo assim, a função dinâmica do sistema familiar.

Após vivenciar a experiência da doença, uma pessoa jamais retornará ao que era no seu estado original de saúde15. 

5. Precisando de ajuda e de apoio

A rede de ajuda da família pode ser constituída pelos próprios familiares, amigos, acompanhantes de outras crianças hospitalizadas e profissionais de Saúde.

 “... Eu procuro ter a família por perto... Para a mãe, se você não tiver apoio de ninguém você enfraquece. Você enfraquecendo, seu filho também enfraquece”. (Família Verde /EM)

 “Aqui (hospital) eu fui dividindo minha experiência com uma mãezinha. E aqui (hospital) você ganha um monte de amigos, tudo para te ajudar”. (Família Rosa /EM)

Apoiando na fé e na força existentes dentro de cada um são algumas das estratégias utilizadas pelas famílias durante esse advento. Nesse sentido, as famílias relatam:

Cebolinha: “Senhor, Senhor do céu me cura! Me perdoa.” (Família Amarela / SBT)

Mônica: “Pronto. Todo dia ela tem que ser corajosa”. (Família Verde / SBT)

Por ser um sistema aberto, a família necessita executar trocas e para isso precisa de apoio e de auxilio. Para que a nova dinâmica familiar se estabeleça e a família consiga vivenciar a doença, a hospitalização, o cuidado com a criança e as mudanças ela precisa contar sempre com uma rede de apoio. 

6. Buscando a homeostase

A família que vivencia a doença em um dos seus membros sofre mudanças a cada momento, tentando adaptar-se da melhor forma possível. Metas e planos futuros são objetivados, acreditando na recuperação e na cura da criança, na tentativa de reestruturar o equilíbrio familiar e também presenciar a normalidade da criança podendo garantir continuidade, crescimento e proteção ao sistema familiar.

“É começar tudo de novo. Ah, o futuro, quero ficar trabalhando, cuidando deles. Mostrando para todo mundo e para mim mesma que eu consigo, sabe”. (Família Verde / EM)

“Tem mais de mil cânceres diferentes... É assim a pessoa tem que passar por cima, às vezes está bom, às vezes não está. Tem cura? Tem”. (Família Rosa / EM)

“... Eu vejo meu filho bem, com saúde, brincando, tendo uma vida normal. ... É minha esperança. Ver seu filho sorrindo, não tem nada que pague. É uma expressão que a alma está bem. Isso me deixa muito feliz”. (Família Amarela / EM)

A doença significa a perda da homeostase, desestruturando todo o contexto familiar, porque geralmente a família é a pessoa mais próxima das vivências do paciente. A partir disto, a estrutura da família e os padrões usuais de funcionamento são significativamente modificados e o sistema familiar precisa alcançar um novo nível de organização4.

            As categorias anteriormente descritas permitem demonstrar respostas da vivencia das famílias relacionadas à doença da criança, ao cuidado prestado pela família, à hospitalização, à dinâmica familiar, às relações de seus membros, às redes de apoio, as estratégicas construídas, a busca do equilíbrio e normalidade no sistema familiar. A partir dessas, foi possível elaborar a categoria central: 

Protegendo o filho do mundo e não o mundo do filho

Proteger a criança da doença, da hospitalização, da dor, do sofrimento físico e emocional, dos procedimentos invasivos, do desconhecido, e da ruptura familiar é uma vivencia, uma necessidade e o objetivo das famílias pesquisadas.

Avó: “Já chega! Você furou aí na cara do boneco, depois furou no braço. Que tanta dor esse boneco vai sentir. É porque ele não fala. Porque se falasse, ele dizia que não era para furar mais”. (Família Lilás /SBT)

“Protegê-lo, qualquer dia, noite e de madrugada... Estou presente sempre, tanto pessoalmente como no coração, como espiritualmente. Um amor de pai, um carinho de pai. Carinho, paciência, amor...”. (Família Vermelha / EP).

“Se você tomar cuidado com as coisas que não pode, você está tomando conta. PROTEGENDO SEU FILHO DO MUNDO E NÃO O MUNDO DO FILHO”. (Família Rosa /EM)

A família sente-se na responsabilidade de proteger e cuidar da criança doente, estando sempre presente, não permitindo que a criança fique com ninguém e não permitindo que ela morra. Esse cuidado especial define como a família é importante para ajudar e cuidar da criança doente.

A família espera proteger o filho do mundo: do desconhecido, de sofrimento físico e psíquico, da dor, angustias, tristezas e choros provocados pela patologia, seus sinais e sintomas, pela hospitalização, pelos procedimentos invasivos, e pela ruptura familiar.

            Estas categorias permitiram a elaboração gráfica de um diagrama que representa a vivência da família que tem um filho doente e hospitalizado.

 Gráfico1: A família vivenciando a doença e a hospitalização da criança: Protegendo o filho do mundo e não o mundo do filho.

 Conclusões

O Impacto da doença na família provoca desequilíbrio e afeta todos os membros do sistema familiar devido a mudança abrupta e indesejada da condição de saúde da criança. O caminhar da doença está repleto de sofrimento, dores, medo, raiva, angustias, dúvidas e mudanças que tornam difícil e desgastante esse advento.

Necessitando prestar cuidados a criança doente gera sobrecarga física e psíquica ao membro que realiza esse cuidado, geralmente a mãe, porque além dessa demanda outras também são realizadas como: cuidado com a casa, responsabilidade com os filhos saudáveis, preocupações com o marido e atividades profissionais.

Vivenciando a hospitalização da criança, é uma situação presente no contexto das famílias estudadas, a internação é percebida como ameaçadora geradora de estresse e causadora de desequilíbrios, por haver necessidade de mudanças dos papéis familiares, da rotina de vida e, ainda, alteração socioeconômica.

O movimento na dinâmica familiar é uma vivencia da família após o diagnostico clinico da criança, mudanças no trabalho, no cotidiano e nas relações familiares foram descritas. Papeis e funções são reestruturadas pelo sistema familiar na tentativa de suprir todas as necessidades dos seus membros.

Precisando de ajuda e de apoio foi descrito pelas famílias como uma estratégia facilitadora para a superação da crise de doença e hospitalização da criança. A família conta com o apoio dos seus membros e subsistemas, com a força da religião e de si mesmo, com a ajuda dos outros familiares que vivenciam situações semelhantes e com a confiança nos profissionais de Saúde.

Como estratégia motivacional a família Busca a homeostase, traçando metas e planos futuros, acreditando na recuperação e na cura da criança, na tentativa de reestruturar o equilíbrio familiar e presenciar a normalidade da criança.

Com esses resultados foi possível verificar a importância do cuidado centrado na família que vivencia a doença e hospitalização da criança e, sobretudo, da necessidade do enfermeiro em conhecer e compreender essa vivencia, identificando quais as suas necessidades

Os enfermeiros devem reconhecer o papel da família e desenvolver atitudes e intervenções para apoiar e ajudar. Para tanto, é preciso considerar a família como única, examinando seu papel e suas necessidades frente à doença e hospitalização da criança.

A produção científica nacional carece de pesquisas sobre o impacto da família que vivencia a doença e hospitalização do filho. Diante dessa constatação este estudo contribui para ampliar a abordagem do cuidado à criança hospitalizada e família, oferecendo subsídios para uma assistência de enfermagem centrada na família.

Referências

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10. Erickson F. Play interviews for fowr-year old hospitalized children. Apud: Ribeiro CA. Crescendo com a presença protetora da mãe: a criança enfrentando o mistério e o terror da hospitalização (tese). São Paulo (SP): Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 1999.

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12. Bardin L. Análise de conteúdo. 3ª ed. Lisboa Edições 70; 2004.

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14. Motta MGC. O entrelaçar dos mundos: família e hospital. In: Elsen I, Marcon SS, Silva MRS. O viver na interface com a saúde e a doença. 2ª ed. Maringá: Eduem; 2004.

15. Canguillen G. O normal e o patológico. Trad. De Maria Thereza Redig de Carvalho Barrocas e Luiz Octávio Ferreira Barreto. 4a ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária; 1995.

 

Endereço para correspondência: Ana Llonch Sabatés – Rua Oscar da Silva Barata, n 74, Ipiranga CEP: 04281-020–SP, E-mail: sabates@terra.com.br

 

Nota: Este estudo é parte da Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Enfermagem da Universidade Guarulhos em 2007.