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Formação do acadêmico enfermeiro: necessidade da inserção curricular da disciplina de sexualidade humana

Training of academic nurses: the need to place in the curriculum of the subject of human sexuality

Rúbia de Aguiar Alencar1, Suely Itsuko Ciosak2, Sônia Maria Villela Bueno 3

 1 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE-USP), SP, Brasil; 2 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE-USP), SP, Brasil; 3 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), SP, Brasil.

 Abstract. Objective: we investigated whether the lack of discipline provides human sexuality in nursing education and has been a waiver of the integration of sexuality education in undergraduate ursing education in the state of Sao Paulo. Method: this qualitative study where we interviewed 59 students (1 and 4 years) of undergraduate nursing at a state college in São Paulo. We analyzed the responses of students and held an educational workshop to confirm the data. Results: the students believe they already have enough knowledge about sexuality acquired before entering college. They indicate that they feel a lack of discipline that specifically address the issue. During the workshop demonstrated the unpreparedness of students in situations that addressed sexuality Conclusion: that there is no discipline in the curricula of sexuality and lack investigated the approach to human sexuality can affect the training of nurses.

Key words: sexuality; students, nursing

 Resumo. Objetivo: investigou-se o que a falta da disciplina sexualidade humana proporciona na formação do enfermeiro e realizou-se um levantamento da inserção do ensino da sexualidade nos cursos de graduação em enfermagem de ensino público do Estado de São Paulo. Método: trata-se de um estudo de natureza qualitativa onde foram entrevistados 59 alunos (1º e 4º ano) da graduação em enfermagem de uma faculdade pública do interior paulista. Analisaram-se as respostas dos alunos e realizou-se uma oficina pedagógica para confirmar os dados. Resultados: os alunos acreditam que já tenham conhecimento suficiente sobre a sexualidade adquirido antes de ingressarem na faculdade. No entanto, referem que sentem falta de uma disciplina que aborde especificamente o tema. Durante a oficina evidenciou-se o despreparo dos alunos diante de situações que abordavam a sexualidade. Conclusão: não há nenhuma disciplina de sexualidade nos currículos investigados e a falta da abordagem da sexualidade humana pode prejudicar a formação de enfermeiros.

Palavras-chave: sexualidade; estudantes, enfermagem

 Introdução

Apesar de o avanço ocorrido, ainda há repressão sobre o tema da Sexualidade em nossa sociedade. Esse fato parece se refletir também na formação do enfermeiro. Assim, há dificuldade de se encontrar referências bibliográficas que abordem a inserção do tema sexualidade humana nos currículos das faculdades de enfermagem.

Em levantamento realizado em 1997 sobre o estudo da sexualidade humana nos cursos de enfermagem no Estado de São Paulo constatou-se que nenhuma instituição de ensino possuía a disciplina de Sexualidade humana. O assunto sobre o tema pode ser abordado em várias disciplinas, na dependência da disponibilidade e competência do professor para abordar o tema1, apresentando carga horária mínima, sem nenhum aspecto de interdisciplinaridade e insuficiente para a discussão e reflexão sobre a temática sexualidade humana2.

             A ausência de disciplina que aborde a sexualidade humana pode acarrear inúmeros prejuízos na formação profissional do enfermeiro, aspecto observado em pesquisas nacionais3-4 e internacionais5-6 e que reflete na opinião dos alunos sobre o ensino recebido na área da sexualidade humana, com a maioria referindo ter tido ensino insuficiente4,7.

Por isso na maioria das vezes, ao tentar abordar essa temática o profissional enfermeiro deixa transparecer dúvida, vergonha, insegurança e quando não, fuga4.

Muitas vezes a sexualidade humana é tratada pelo enfermeiro como uma questão invisível e, ao mesmo tempo, oculta8.

            Com cenário de que a ausência de disciplina de sexualidade humana no currículo acadêmico dos cursos de enfermagem propicia a formação de profissionais com deficiências na abordagem do tema sexualidade com seus pacientes, a pesquisa teve como objetivos a realização de levantamento sobre o estado atual da inserção do ensino da sexualidade humana nos cursos de enfermagem de ensino público do Estado de São Paulo e analisar a formação dos alunos de enfermagem nessa área, tendo como base o conhecimento prévio recebido em uma universidade pública do Estado de São Paulo.

Revisão da Literatura

As questões relacionada a sexualidade humana apresentam-se como desafio para todas as pessoas que se preocupam com o futuro da humanidade.

            Para que todo ser humano possa viver com dignidade e de forma plena e positiva, é de fundamental importância o acesso à educação e à saúde. A educação, portanto, não deve ser considerada apenas como um processo cultural, mas sim como algo que deve ser compreendido dentro de um referencial histórico mais amplo. Ela é a base sobre a qual se sustentam o indivíduo e a sociedade. Sem ela, a vida retornaria ao estado primitivo, sem que se pudessem definir os valores éticos, sociais e morais do indivíduo e do grupo social no qual se movimenta. Nos séculos XIX e XX, surgiram os autores que enriqueceram a educação, como Comte, Pavlov, entre outros, além de ricas contribuições advindas de Pestalozzi, Piaget, Vygotsky, Anísio Teixeira, Paulo Freire, que alargaram as possibilidades de entendimento, em favor do educando e do próprio educador9.

A educação sexual no Brasil apresenta avanços e retrocessos na sua história. Na década de 20, o assunto era reivindicado por alguns segmentos da sociedade, destacando-se o grupo de feministas da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino. Também alguns médicos e higienistas apregoavam a necessidade da educação sexual, mas estes limitavam seus objetivos ao combate à masturbação e às doenças venéreas e como preparo da mulher para o papel de mãe e esposa. Em 1930, no Colégio Batista do Rio de Janeiro, foi incluído no currículo, por iniciativa do professor Stawiarski, o ensino da evolução das espécies e da educação sexual. Apesar de o curso ter transcorrido em um clima de prudência e austeridade, o professor foi processado e demitido pela acusação de comportamento imoral10.

Nos últimos tempos, a educação para sexualidade começou a tomar rumo e se reportar a uma concepção mais ampla de educação para a plenitude do exercício adequado da sexualidade humana.

            Alguns autores ressaltam que dentre as dificuldades encontradas na abordagem da sexualidade humana nos cursos de enfermagem está o despreparo da maioria dos docentes, os quais acreditam que deveriam ser mais bem preparados para trabalhar a sexualidade com o aluno da graduação2,11.

            Há mais de uma década, já se questionava se a dimensão da sexualidade e do ser humano estava sendo considerada durante o planejamento da assistência de enfermagem12.

Observa-se que o profissional enfermeiro tem se preocupado em trabalhar os temas sexualidade humana e DST com diversos grupos da nossa sociedade, como: enfermeiros, escolares, mulheres detentas, entre outros3,13-14.

            Existem inúmeras pesquisas científicas nas quais o enfermeiro trabalha a questão da sexualidade humana, porém verifica-se que existem poucos trabalhos em que este profissional se preocupe com a formação do aluno de graduação em enfermagem.

Há 25 anos uma autora apresentou uma proposta para a estruturação de um programa de educação sexual nas escolas de 1° e 2° graus (atual Ensino Fundamental e Médio), a ser desenvolvido nos cursos de licenciatura em enfermagem, de modo a habilitar os futuros enfermeiros para este novo campo de competência da enfermagem. Ela finaliza o trabalho ressaltando que o enfermeiro, como profissional da área da saúde que carrega no bojo de suas atividades, predominantemente, o papel de educador, seria o indicado para desempenhar função de educador sexual no ensino básico15.  

Outra autora preocupou-se em realizar uma análise crítica das Teorias das Necessidades Humanas Básicas, descrita por Horta, justificando a necessidade e propondo a inclusão, no currículo de graduação em enfermagem, de uma disciplina que capacite o aluno a lidar com a sexualidade de seu paciente12.

Há quase dez anos algumas autoras trabalharam com alunos do último ano da graduação em enfermagem e concluíram que os alunos em sua maioria apresentam noções fluídas e limitadas sobre sexualidade, chegando a empregar o termo “sexo” e “sexualidade” como sinônimos. Relatam ainda que os futuros enfermeiros sentem falta de adquirir mais conhecimento sobre sexualidade4.

Acredita-se que o curso de graduação em enfermagem se apresenta como co-responsável por instrumentalizar os futuros enfermeiros para uma vida saudável e responsável e também para o desenvolvimento de uma prática profissional competente.

Método

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa realizada no curso de enfermagem em uma faculdade pública do interior paulista. Participaram da pesquisa alunos do 1° e 4° anos que aceitaram participar do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Atendendo à Resolução nº 196/96 que regulamenta as normas de pesquisa envolvendo seres humanos, foram obtidos o parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer 371/2006) e a autorização dos participantes por escrito, mediante esclarecimentos sobre sua participação voluntária, sobre a garantia de anonimato dos sujeitos, sobre o sigilo das informações e sobre o uso dos resultados apenas para fins científicos.

Participaram do estudo 59 alunos, sendo 29 do 1° ano e 30 do 4° ano. Optou-se pela escolha dos alunos do 1° e 4° anos, pois havia a preocupação de se conhecer como o aluno que estava iniciando a faculdade avaliava o papel da graduação em relação à aprendizagem das temáticas sexualidade e doenças sexualmente transmissíveis (DST) em relação ao conhecimento já adquirido anteriormente. Em relação ao 4° ano, havia, adicionalmente o interesse em se conhecer o quanto a universidade havia contribuído para a formação do futuro profissional.

Para a coleta de dados, aplicou-se instrumento contendo questões abertas e fechadas, que abordava o comportamento sexual e a vivência do aluno com o tema e a opinião do mesmo sobre o papel da graduação em relação ao aprendizado do tema sexualidade.

Nas questões abertas, optou-se por se identificar as palavras-chave (temas geradores), os quais permitiram elaborar as categorias, resultando em eixos temáticos que serviram de subsídios para o desenvolvimento das ações educativas realizadas na oficina pedagógica16. Já as questões fechadas foram analisadas através da porcentagem simples.

            Elaborou-se um plano didático-pedagógico para o desenvolvimento das ações educativas através da oficina pedagógica, de forma participativa, com os graduandos do 1º e 4º anos, com a finalidade de reforçar os dados obtidos no questionário.

            Verificou-se, também, nos sites dos cursos de enfermagem pertencentes a faculdades e universidades públicas do Estado de São Paulo, o que os mesmos apresentavam nos seus currículos escolares, levando-se em conta as disciplinas obrigatórias, complementares e optativas, em relação a sexualidade humana.

Resultados

Os alunos do 1º e 4º anos tinham idade predominantemente na faixa etária de 18 a 25 anos, sendo a maioria mulheres (91,5%), solteiros (100%), católicos (55,9%) e já morando fora do convívio familiar (89,8%), para a efetivação de seus estudos acadêmicos.

A maioria dos entrevistados (81,4%) já havia tido relacionamento sexual, com a primeira relação sexual ocorrendo na adolescência (59,3%) dos 15 aos 20 anos. Dos alunos que ainda não tinham tido relacionamento sexual (18,6%), dez pertenciam ao 1º ano e um ao último ano.

Considerando-se apenas os alunos de ambos os anos que já haviam tido relacionamento sexual, encontrou-se elevada frequência de uso de método contraceptivo (95,8%) já na primeira relação sexual. Apenas um aluno do último ano não fez uso de nenhum método contraceptivo, justificando que não imaginava que teria relação sexual naquele momento. Dentre os métodos contraceptivos mais utilizados pelos universitários durante o seu primeiro relacionamento sexual, observou-se o uso isolado do preservativo masculino por 43,7% ou associado com anticoncepcional em 31,2%, e apenas o uso do anticoncepcional por 18,8% dos alunos.

No relacionamento sexual, por ocasião das respostas ao questionário, 91,6% dos entrevistados faziam uso de método contraceptivo. Dentre os métodos utilizados, encontrou-se que 39,6% usavam o preservativo masculino associado à pílula anticoncepcional, seguido de 25% que faziam uso apenas do anticoncepcional, de 20,8% que usavam apenas o preservativo masculino, de 4,1% que utilizavam o preservativo masculino associado a pílula do dia seguinte, de 2,1% que usavam o coito interrompido e de 2,1%  que não utilizavam nenhum método.

Mais da metade dos alunos do 1º e 4º anos (62,5%) relataram já ter deixado de usar o preservativo masculino em alguma relação sexual, sendo que 23,8% deixaram de usar por não ter o preservativo no momento.

Sobre a contaminação por DST apenas um aluno do 1° ano referiu ter adquirido e que procurou o serviço de saúde para realização de tratamento.

Quando questionados sobre o nível de conhecimento sobre sexualidade humana e prevenção de DST, 88,1% dos alunos de ambos os anos relataram ter obtido conhecimento suficiente antes de ingressarem na faculdade.

Mesmo afirmando já terem conhecimento prévio, 72,4% dos alunos do 1º ano acreditavam que a faculdade poderia oferecer novos conhecimentos, informações e esclarecimentos, mostrando-se abertos e dispostos a aprender mais sobre a temática da sexualidade e das medidas protetoras às DST.

Já os alunos do último ano ficaram divididos em relação ao conteúdo ensinado na graduação sobre a sexualidade e DST, pois 50% acreditavam ter sido satisfatório e 50% relataram que não foi suficiente. A mesma porcentagem se repetiu quando os alunos foram questionados sobre o seu preparo enquanto enfermeiro para trabalharem com a temática da sexualidade e DST.

Os alunos do 4º ano foram questionados sobre as disciplinas que abordaram a sexualidade e DST. Eles citaram as disciplinas de moléstias infecciosas (25 vezes), ginecologia (17), obstetrícia (07), saúde pública (06), relacionamento enfermeiro-paciente (04) e psiquiatria e psicologia (02).

            Em relação a melhor maneira de aprendizado sobre a sexualidade humana e DST dividiu-se as respostas dos alunos, para facilitar a abordagem dos dados, nas seguintes categorias: abordagem participativa (dinâmicas, debates, vivências, discussões e oficinas), pouco participativa (aulas expositivas, palestras) ou mista (Figura 1).

Figura 1 – Como aprender sobre a sexualidade humana e DST no curso de graduação – 2007. 

A maioria (60%) dos alunos do 4º ano fez opção pela abordagem participativa enquanto os alunos do 1º ano ficaram divididos entre as abordagens mista (42%) e participativa (37%). Os entrevistados manifestaram também interesse em ter a temática sexualidade e DST abordada durante os estágios, em projeto de extensão e nas ligas acadêmicas.

Dentre os alunos do último ano, 80% vivenciaram durante a graduação situações onde tiveram que abordar o tema em estudo. As situações vivenciadas pelos alunos ocorreram durante palestras nas escolas e na comunidade, nas consultas de enfermagem e nos estágios. As DST foram os temas mais abordados pelos alunos (citada 11 vezes), seguido dos métodos contraceptivos (07), orientação sexual e relacionamento sexual (06), abortamento (01), impotência sexual (01), masturbação (01) e relação sexual oral (01).

Em relação ao comportamento que os alunos do 4º ano tiveram ao abordarem os temas sobre sexualidade e DST, verificou-se que a maioria dos alunos (70,8%) relatou ter tido comportamento positivo e desejado, enquanto 25% relataram ter tido reações negativas e indesejadas e 4,2 % resposta neutra.

Após a análise dos dados levando-se em conta a opinião dos alunos, optou-se pela realização de oficina pedagógica com a presença de todos os alunos (1º e 4º anos), que abordou: a sexualidade ao longo da vida (criança, adolescente, adulto e idoso), questões sobre a sexualidade que surgem no cotidiano do profissional enfermeiro, a vulnerabilidade às DST e métodos contraceptivos (pílula anticoncepcional, pílula do dia seguinte, preservativo masculino e feminino). A estratégia utilizada foi a dinâmica de grupo (técnica: discussão e debate) e vivências (técnica: discussão de casos através de situações vivenciadas) como pode ser observado na Tabela 1.

A dinâmica de grupo teve o objetivo de promover o “aquecimento” e a descontração do grupo antes de se iniciar a discussão da temática em foco. Para a identificação dos temas que os alunos julgassem mais difíceis de abordar, utilizou-se a dinâmica chamada “O semáforo”17. Após os levantamentos dos temas, optou-se por trabalhar com vivências e observou-se a grande dificuldade dos alunos em abordarem a temática (Tabela 1).

A primeira situação vivenciada foi a que causou a maior resistência entre os alunos, quando a maioria não se manifestou e apresentou expressão de susto diante do caso. As demais situações também ocasionaram estranhamento, mas os alunos souberam lidar com um pouco mais de naturalidade.

Tabela 1 - Situações vivenciadas pelos alunos durante a oficina pedagógica, assim como a respectiva conduta – 2007.

Grupo em estudo

Situação vivenciada*

Algumas reações dos alunos

Criança

Você chega à enfermaria de pediatria e encontra duas crianças, uma de 4 e outra de 5 anos, manipulando o genital uma da outra. Qual a sua conduta?

“Ficaria nervosa”

“Assustada”

“Eu chamaria a professora do estágio”

“Eu chamaria os pais das crianças”

“Eu não sei o que eu faria”

“Chamaria a psicóloga”

“Ficaria brava com as crianças e pediria que parassem”

“Conversaria com as crianças e perguntaria o que elas estavam fazendo”

Mulher

Uma mulher de 45 anos veio até o posto de saúde para fazer o exame de Papanicolau. Antes de iniciar o exame, a mulher referiu que o seu parceiro estava reclamando porque ela ficava muito molhada durante a relação sexual e que ele achava que isso não era normal. Qual a sua conduta?

“Mas isso é normal?”

“Perguntaria se ela achava que aquilo era normal”

“Discutiria com o ginecologista”

“Chamaria o parceiro dela para podermos conversar melhor”

“Falaria que isso é normal, faz parte da lubrificação durante o ato sexual”

Profissional do sexo

Uma mulher referindo ser prostituta procura você no Programa Saúde da Família para tirar algumas dúvidas sobre métodos contraceptivos. Como você abordaria essa mulher?

 

“Conversaria com ela como se ela fosse uma mulher normal”

“Falaria normalmente com ela”

“Explicaria tudo o que ela gostaria de saber”

“Recomendaria que, além da camisinha, ela também fizesse alguns exames de sorologia”

“O fato de ser prostituta foi uma escolha dela e eu não posso julgá-la”

Idoso

Sr. João, 65 anos, tem Diabetes Melito há 20 anos. Você tem acompanhado este paciente há 3 anos. Na última consulta, ele reclamou que não está conseguindo ter ereção há mais de 1 ano. Qual a sua conduta?

“Encaminharia para o urologista”

“Chamaria a professora responsável pelo estágio”

“Mas nessa idade?”

“Não tenho a mínima idéia do que eu faria”

“Porque será que esse senhor está tendo problema de ereção? Ele até que é novo...”

“Perguntaria mais sobre a vida sexual dele”

*Foram situações criadas pelos autores e que fazem parte da sua prática.

Em relação ao levantamento nos sites, verificou-se que nenhum curso de enfermagem tem uma disciplina (obrigatória, complementar ou optativa) com o nome Sexualidade Humana.  

Discussão

            Optou-se pelo questionamento do comportamento sexual dos alunos por se acreditar que caso o entrevistado soubesse quais seriam as medidas preventivas a serem tomadas para se tornarem menos vulneráveis às DST, provavelmente ele saberia como instruir seus pacientes. Mas o que se observou é que muitos se preocuparam mais na prevenção da gravidez do que das DST, visto que muitos deixaram de usar o preservativo nas relações sexuais. Um aspecto interessante é que a grande maioria referiu ter conhecimento suficiente sobre a sexualidade e as DST antes de ingressar na faculdade.

Os alunos do 1º ano tinham grande expectativa em relação ao conhecimento do tema sexualidade que seria oferecido pela faculdade. Por outro lado, os alunos que estavam no último ano do curso ficaram divididos em relação ao conhecimento que adquiriram na faculdade sobre o tema, assim como o seu preparo para lidarem com essa temática no seu dia a dia. De maneira semelhante aos resultados obtidos na presente pesquisa, estudo investigando a questão da sexualidade humana na formação do enfermeiro, realizado no último semestre de um curso de enfermagem de uma faculdade encontrou que entre os alunos entrevistados, 56,8% referiram ter tido ensino insuficiente, 20,45% classificaram como regular, 6,8% como péssimo, 4,54% como bom e 2,27% não responderam4. Outra pesquisa realizada com 32 acadêmicos do curso de enfermagem, cujo objetivo foi a identificação da disciplina em que o tema sexualidade foi abordado. Verificou que apenas 37,5% dos acadêmicos cursaram disciplina que embora não específica, abordou a sexualidade humana7.

A melhor maneira de se obter a educação é aprendê-la criticamente, sendo que essas condições implicam e exigem a presença de educadores e de educandos criadores, inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes18.

Acredita-se ser natural e importante que os alunos tenham dúvidas sobre os conceitos que apreenderam sobre os temas relacionados a sexualidade, visto que não se consegue ficar totalmente neutro diante desse tema, pois a sexualidade é inerente ao ser humano e manifesta-se durante toda a vida. A aquisição de conhecimentos sobre a temática contribui para a minimização de posturas indevidas e inadequadas dos alunos frente ao seu paciente4.

Em relação ao conteúdo de sexualidade não ser abordado na graduação em enfermagem, alguns autores já haviam manifestado preocupação com essa questão12-19. Verifica-se na literatura que o ensino nessa área é centrado mais em relação aos aspectos da anatomia e das doenças, não sendo enfatizado os conceitos da sexualidade, as questões de gênero e as necessidades sexuais dos indivíduos que são essenciais para o cuidado integral ao cliente7,20- 21.

Quanto a melhor maneira de se aprender o tema sexualidade, verificou-se que a formação tradicional ainda direciona os interesses dos alunos do 1° ano, na qual o educador é quem educa, e os educandos os que são educados e, ainda, o educador é o sujeito do processo, e os educandos, meros objetos22.

            Por outro lado, os alunos que estão no 4° ano já tiveram a oportunidade de ter contato com algumas metodologias críticos-sociais durante a graduação. E diante disso, puderam avaliar as diferenças entre as formas de se educar. Assim, citaram algumas estratégias mais participativas (dinâmicas, debates, discussões, entre outros) também chamadas de problematizadoras e libertadoras22.

            O estudo da sexualidade humana é um conhecimento necessário ao enfermeiro estando ele na posição de aluno ou profissional, visto que é frequente a vivência de situações que envolvem o conhecimento do tema. Em concordância com a presente pesquisa, outros estudos demonstraram que a maioria dos alunos de enfermagem no final do curso já vivenciou alguma situação acadêmica onde tiveram que abordar o tema sexualidade ou DST4. Do mesmo modo, outra pesquisa mostrou que a maioria dos enfermeiros já vivenciou situações que exigiram conhecimento sobre a sexualidade humana3. Ressalta-se que pensar a sexualidade é um compromisso de todos os enfermeiros23.

A importância do estudo da sexualidade no curso de graduação foi se constatar a dificuldade que grande parte dos alunos de enfermagem tiveram diante de supostos casos que abordavam diferentes situações em classes diferentes da população a respeito da sexualidade. Muitas vezes o aluno teve reação negativa ou indesejada diante da situação, reportando ao professor de estágio, ficando nervoso, assustado, sem saber o que fazer e não conseguindo atender ao paciente. As respostas negativas remetem à questão do despreparo não só cognitivo, como também de treino específico do aluno para lidar com a situação. Dessa maneira, observa-se a importância do preparo dos professores na qualidade da formação dos alunos de enfermagem, pois o tema exige profissional preparado e com conhecimento sobre o assunto. Isso muitas vezes não é possível em um único profissional, pois o tema é multidisciplinar exigindo a colaboração de profissionais de várias áreas da saúde.

Com o presente estudo, houve a confirmação da inexistência da disciplina específica de sexualidade humana nos cursos de graduação de enfermagem das escolas públicas do Estado de São Paulo, situação portanto que persiste após levantamento realizado com a mesma finalidade na década de 19901. Dentro de uma sociedade que a cada dia discuti mais sobre as questões da sexualidade, da gravidez na adolescência, das DST, do prazer sexual, da disfunção sexual, entre outros, é contraditório que as faculdades não acompanhem adequadamente esse processo de discussão sobre os aspectos da sexualidade humana.

Assim, o presente estudo verificou que a falta de uma abordagem consistente com os alunos de enfermagem durante a graduação sobre o tema sexualidade humana pode prejudicar os enfermeiros na sua futura prática diária, independente da sua área de atuação, uma vez que esses profissionais podem não estar sendo preparados adequadamente.

Os resultados obtidos na pesquisa apontam para a necessidade da inserção dos conteúdos da sexualidade humana na grade curricular. Preferencialmente a escolha da alocação deve envolver o corpo docente como um todo, considerando as características de multidisciplinaridade do tema. Frente às dificuldades de se criar uma nova disciplina, em um primeiro momento, um especialista em sexualidade humana poderia colaborar com o processo de inserção curricular. 

Limitações do estudo

Houve duas limitações na realização desse estudo. A primeira é a inclusão no estudo de apenas os alunos do primeiro e último ano de uma única instituição de ensino.

Como segunda limitação optou-se por realizar a busca pela grade curricular dos cursos de enfermagem verificando-se a inserção de uma disciplina sobre sexualidade humana. O fato de não se encontrar nenhuma intuição de ensino que abordasse claramente o tema sexualidade humana, não indica que o tema não esteja sendo discutido, pois se verificou apenas a grade curricular de cada curso e não o conteúdo abordado em cada disciplina. 

Conclusões

O estudo demonstrou que não existe no currículo das escolas de enfermagem públicas do Estado de São Paulo uma disciplina específica para o ensino da sexualidade humana e que a ausência de disciplina formal na graduação prejudica a formação do enfermeiro na área da sexualidade.

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Data da defesa da dissertação de mestrado: 01/08/2007

Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP)

Banca Examinadora: - Profª Drª Sônia Maria Villela Bueno (presidente da banca e orientadora do trabalho); - Profª Drª Maria Dalva de Barros Carvalho; - Profª Drª Isabel Cristina Belasco Bento.

 

Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Rúbia de Aguiar Alencar e Sônia Maria Villela Bueno. Análise e interpretação: Rúbia de Aguiar Alencar e Sônia Maria Villela Bueno. Escrita do artigo: Rúbia de Aguiar Alencar, Sônia Maria Villela Bueno e Suely Itsuko Ciosak. Revisão crítica do artigo: Rúbia de Aguiar Alencar, Sônia Maria Villela Bueno e Suely Itsuko Ciosak. Aprovação final do artigo: Rúbia de Aguiar Alencar, Sônia Maria Villela Bueno e Suely Itsuko Ciosak. Pesquisa bibliográfica: Rúbia de Aguiar Alencar.

 

Endereço para correspondência: Rúbia de Aguiar Alencar – Faculdade Marechal Rondon. Vicinal Dr Nilo Lisboa Chavasco, 5000. CEP: 18650-000. São Manuel/SP. E-mail: rubiaalencar@usp.br