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Evaluating the nursing consultation in family planning: descriptive study

 Avaliando a consulta de enfermagem em planejamento familiar: estudo descritivo

 Moema Lima Cordeiro1, Liana Mara Rocha Teles1, Lydia Vieira Freitas1, Thaís Marques Lima1, Marta Maria Soares Herculano1, Ana Kelve de Castro Damasceno1 

1 Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil 

Abstract. The Instruments of Development Improvement (IDI) of PROQUALI consists of evaluation protocols of the service structure and actions given from the Family Health Strategy (FHS), including the Family Planning (FP) program. The research objectives were to evaluate the welcome and quality of the subsequent counseling of FP carried by the nurse, using IDI. Descriptive, quantitative research, developed in 15 Basic Health Units (BHS) of the Executive Secretariat Regional III of Fortaleza-CE. It was observed 29 return consultations in the FP program carried by 20 nurses from the months of August and October 2008. A pre-elaborated form with IDI items was used for the FP consultation as an instrument for data collection. Regarding the welcome, 22 (78%) consultations showed an intermediate IDI; regarding the evaluation of the return consultation, in 25 (86%) of them the IDI oscillated between intermediate and unsatisfactory. It was observed deficiency in the welcome and clinical activities of the return consultations in FP, inferring the need to invest on permanent education regarding FP and assistance humanization to the professionals who take part in this area.

Keywords: nursing; family planning; quality of health care; employee performance appraisal.  

Resumo. Os Instrumentos de Melhoria de Desempenho (IMD) do PROQUALI consistem em protocolos para a avaliação da estrutura do serviço e das ações prestadas pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), incluindo o programa de Planejamento Familiar (PF). Os objetivos do estudo foram: avaliar o acolhimento e a qualidade das consultas subseqüentes de PF realizadas pelo enfermeiro, utilizando o IMD. Pesquisa descritiva, quantitativa, desenvolvida em 15 Unidades Básicas de Saúde (UBS) da Secretaria Executiva Regional III de Fortaleza-CE. Foram observadas 29 consultas de retorno no programa de PF realizadas por 20 enfermeiros no período de agosto a outubro de 2008. Utilizou-se um formulário pré-elaborado contendo os itens do IMD para a consulta de PF como instrumento de coleta de dados. Quanto ao acolhimento, 22 (78%) consultas tiveram um IMD intermediário; quanto à avaliação da consulta de retorno, em 25 (86%) destas o IMD oscilou entre intermediário e insatisfatório. Observou-se deficiência no acolhimento e atividades clínicas nas consultas de retorno em PF, inferindo a necessidade de investimento na educação permanente sobre a temática PF e humanização da assistência aos profissionais que atuam nessa área.  

Palavras-chave: enfermagem; planejamento familiar; qualidade da assistência à saúde; avaliação de desempenho.  

Introdução

Nas últimas décadas, várias políticas públicas direcionadas à saúde da mulher foram implantadas pelo Ministério da Saúde visando melhorar a assistência à saúde deste grupo. Dentre essas políticas, merece destaque o Planejamento Familiar (PF), que tem como principal objetivo garantir às mulheres e aos homens um direito básico de cidadania, previsto na Constituição Brasileira: o direito de ter ou não filhos/as. Dentro dessa perspectiva, os serviços devem garantir o acesso aos meios para evitar ou propiciar a gravidez, o acompanhamento clínico-ginecológico e ações educativas para que as escolhas sejam conscientes.

Estatísticas apontam a popularização na utilização dos Métodos Anticoncepcionais (MAC). No Brasil, o uso de MAC cresceu acentuadamente nas últimas década, alcançando, em 2006, uma prevalência de 80,6% no grupo das mulheres que vivem em situação marital (casadas/ unidas consensualmente) com idades de 15 a 49 anos(1). A diminuição do número médio de filhos por mulher ocorreu em todos os subgrupos populacionais, mas persistem grandes diferenças socioeconômicas. Mulheres de baixo nível de escolaridade ou renda têm maior proporção de gravidezes não-planejadas ou não-desejadas e um número comparativamente grande de filhos em relação às mulheres com maiores níveis de renda e escolaridade(1). Isso reflete o acesso desigual à contracepção e a necessidade de avaliação do programa de PF oferecido pela atenção básica em saúde.

O PF consiste em um conjunto de ações pelas quais são oferecidos recursos para auxiliar tanto a concepção quanto a anticoncepção, conforme a escolha e a necessidade do usuário. Esses recursos devem ser aceitos cientificamente de modo que não coloquem em risco a vida ou a saúde das pessoas que fazem uso deles, devendo ainda ser ofertados em variedade satisfatória para garantir aos usuários o direito de escolha(2). O atendimento em PF não é uma consulta direcionada unicamente a um dos parceiros, homem ou mulher, de modo contrário, o atendimento deve estar direcionado às demandas do casal.

O PF é uma das áreas prioritárias de intervenção na atenção básica, sendo o atendimento realizado neste serviço uma das atribuições do enfermeiro enquanto componente da equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF). O atendimento em PF deve ser marcado por ações educativas, nas quais a clientela tenha oportunidade de conhecer os MAC e optar por aquele que julgar melhor adequado às suas condições socioeconômicas, culturais e de saúde, bem como os tratamentos disponíveis para facilitar a concepção, segundo a necessidade dos usuários. Nesse sentido, o enfermeiro deve lançar mão de habilidades que concorram para a identificação das necessidades do cliente e prestação de cuidado integral, contribuindo para a melhoria da qualidade do atendimento.

A busca pela excelência na prestação de serviços tem se tornado uma preocupação contínua para os profissionais da área de saúde. Qualidade em saúde significa alcançar o resultado mais desejado de um processo de intervenções em um sistema de saúde, atingindo o melhor resultado possível para os usuários e profissionais, considerando os riscos, benefícios, ganhos e perdas, eficácia e eficiência dos procedimentos(3).

Partindo dessa premissa, foi implantada nos estados da Bahia e do Ceará em 1996 a Metodologia de Melhoria da Qualidade da Atenção à Saúde (PROQUALI). Trata-se de um projeto realizado através de parcerias entre a Secretaria de Saúde do Estado da Bahia - SESAB-BA, a Secretaria Estadual de Saúde do Ceará - SESA-CE e as agências internacionais de cooperação Johns Hopkins University/ Center for Comunication Programs, JHPIEGO Corporation e Management Sciences for Health, com apoio da Agência Norte-Americana para Desenvolvimento Internacional (USAID)(3).

O projeto busca fundamentalmente a eficiência dos serviços de saúde pela melhora contínua dos processos e procedimentos na prestação de serviços, aprimorando a qualidade com base em três determinantes: enfoque no cliente, que compreende a escuta; melhoria e aprendizagem contínua, incluindo a capacitação e a motivação do profissional; e gerenciamento de mudanças, que envolve o planejamento e a avaliação dos serviços(3). O último determinante, o gerenciamento de mudanças, é uma etapa crucial para gerar a tomada de decisões, mostrando o que funciona e o que não funciona, o que se deve manter ou mudar.

As etapas para a implantação desta metodologia são: estabelecer compromissos, medir desempenho através da aplicação dos Instrumentos de Melhoria de Desempenho (IMD) e processar o reconhecimento da qualidade monitorando os progressos alcançados através da escuta ao cliente(3). Os instrumentos de reconhecimento da qualidade, conhecidos como IMD, consistem em protocolos da estrutura do serviço e das ações prestadas pela ESF, tendo como pressupostos básicos a auto-avaliação e a autogestão, trazendo uma lista de critérios que definem os procedimentos de qualidade (4).

A partir do exposto, e tomando-se por base a premissa de que para se adotar um programa de PF de qualidade em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) o primeiro passo é fazer um diagnóstico das necessidades e problemas em relação ao atendimento, elaboraram-se os seguintes questionamentos: como está o acolhimento e a qualidade das consultas subseqüentes de PF realizadas pelo enfermeiro? As consultas em PF seguem o que preconiza o PROQUALI da SESA-CE?

Para responder tais indagações, realizou-se o presente o estudo com o objetivo de avaliar o acolhimento e qualidade das consultas subseqüentes de PF realizadas pelo enfermeiro, utilizando o IMD.  

Métodos

Trata-se de uma pesquisa de campo, descritiva, de natureza quantitativa, desenvolvida em 15 UBS da Secretaria Executiva Regional III (SER III), de Fortaleza-CE. A cidade é dividida em cinco regionais, sendo a Regional III escolhida por ser uma das regionais de atuação da Universidade Federal do Ceará (UFC).

A população foi composta por 55 sujeitos que respeitavam os seguintes critérios de inclusão: ser enfermeiro, atender em PF e estar locado em uma das UBS da SER III. O estudo foi concluído com a observação de 29 consultas de retorno no programa de PF realizadas por 20 enfermeiros, escolhidos por conveniência de acordo com sua aceitação e disponibilidade no momento da realização do estudo. Devido à grande flexibilidade dos cronogramas de PF nas Unidades selecionadas, tornou-se inviável a observação da consulta realizada pelos demais profissionais. Em várias ocasiões, a pesquisadora procurou a Unidade onde estes profissionais atendiam, no entanto, o cronograma do dia havia sido modificado, sendo as consultas de PF reagendadas.

A coleta de dados ocorreu no período de agosto a outubro de 2008, através de formulário pré-elaborado contendo: dados de identificação do profissional, perfil das UBS, estratégias de educação e saúde em PF, e os critérios de observação presentes no IMD do PROQUALI para a consulta de PF. Os três primeiros tópicos forma coletados mediante entrevista com o enfermeiro; já os critérios de observação contidos no IMD, foram coletados mediante observação direta das consultas de enfermagem em PF.

O PROQUALI sugere como parâmetro de avaliação que: quando o procedimento for realizado de maneira adequada seja classificado como SIM, quando não for realizado ou realizado de forma inadequada, seja classificado como NÃO e quando a situação específica de um atendimento não se fizer necessária à realização de um determinado passo, este seja categorizado como "Não se Aplica”. Os dados referentes ao acolhimento e às consultas subseqüentes foram agrupados de acordo com a realização ou não dos processos que constam no IMD(3). Para categorização dos dados, determinou-se que o desempenho seria classificado como satisfatório quando a freqüência de respostas SIM ou NÃO SE APLICA fosse maior ou igual a 90%, intermediário quando essa freqüência estivesse entre 70 e 90% e insatisfatório quando a freqüência fosse menor que 70%.

Inicialmente, foi solicitada a permissão da Secretaria de Saúde de Fortaleza e da SER III para a coleta dos dados do estudo, e após aprovação destas, a pesquisa foi submetida ao Comitê de Pesquisa da Universidade Federal do Ceará, sendo aprovado sob protocolo COMEPE N°122/08. Os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo garantido sigilo sobre todas as informações coletadas e assegurado o anonimato dos participantes, segundo as normas da resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde para pesquisa com seres humanos. 

Resultados e Discussão

Entre os enfermeiros atuantes no serviço de PF, 17 (85%) eram do sexo feminino, 16 (80%) tinham menos de 10 anos de atuação, 12 (60%) trabalhavam entre 31 e 40 horas semanais e 16 (80%) possuíam pelo menos uma especialização.

Dentro do contexto da ESF, cuja proposta é relativamente recente, acredita-se que os enfermeiros com pouco tempo de formação apresentam vantagens por possuírem currículos mais generalistas, voltados para a atenção integral do cliente, com ênfase na promoção da saúde e prevenção de agravos. Verificou-se que todos os profissionais mantinham expediente diário na UBS, fator positivo para a manutenção de vínculo com a comunidade.

Quanto à especialização profissional, quase totalidade dos enfermeiros eram especialistas. Isso não significa que estes profissionais sejam competentes dentro de suas atribuições. No entanto, a especialização é uma oportunidade de qualificação, atualização e até mesmo de obter conhecimentos não adquiridos na graduação que contribuirão para uma melhor atuação perante a clientela. No tocante à capacitação em PF, 14 (70%) enfermeiros referiram não ter participado de nenhum tipo de treinamento para exercerem suas atividades neste programa, fator que pode limitar a qualidade da assistência oferecida pelo enfermeiro.

A Tabela 1 demonstra as freqüências relativas e absolutas das atitudes realizadas pelo enfermeiro para a promoção de um acolhimento de qualidade.

Tabela 1: Distribuição de consultas segundo itens que compõem o meio de verificação do IMD-PROQUALI para um acolhimento de qualidade na consulta de retorno, UBS, SER III, Fortaleza, ago/out de 2008. 

Variáveis

 

S (%)

N (%)

NA (%)

- Cumprimenta o usuário cordialmente

 

29 (100)

-

-

- Apresenta-se quando necessário

 

6 (20,6)

2 (6,8)

21 (72,4)

 

 

 

 

 - Assegura privacidade mantendo a porta

do consultório fechada

 

23(79,3)

3 (10,3)

3 (10,3)

 

 

 

 

- Não permite entra e sai de pessoas

durante a consulta

 

20 (68,9)

6 (20,6)

3(10,3)

- Pergunta o motivo da consulta

 

29 (100)

-

-

 

 

 

 

- Identifica e conversa sobre as

necessidades, dúvidas e preocupações

 

22 (75,8)

7 (24,1)

-

- Estimula o usuário a fazer perguntas

 

2 (6,8)

27 (93,1)

-

- Utiliza linguagem clara

 

29 (100)

-

-

 Todos os enfermeiros cumprimentaram cordialmente o cliente. No tocante à apresentação, em 21 (72,4%) consultas, o profissional já possuía um vinculo com o usuário há mais tempo, de forma que para os usuários destas consultas, esse item não se aplica. Nas outras 8 consultas observadas, o usuário estava retornando ao serviço pela segunda vez.

Apesar da comprovada importância do vínculo profissional-cliente, esta é uma prática limitada nos serviços de saúde. Nesse estudo, a preocupação de alguns enfermeiros se limitou a cumprimentar o paciente, indagar o motivo da consulta e utilizar linguagem clara, não estimulando o usuário a fazer perguntas, e não identificando ou conversando sobre as necessidades, dúvidas e preocupações dos clientes.

A qualidade do atendimento está relacionada, sobretudo, à capacidade do enfermeiro de colocar o cliente como protagonista da consulta. O acolhimento e comunicação adequados permitem uma aproximação mais efetiva enfermeiro-cliente, estabelecendo um relacionamento de confiança, através da escuta, diálogo e respeito(5).

Percebeu-se que em 25 (86,2%) consultas de enfermagem, a porta do consultório permaneceu fechada. No entanto essa estatística poderia ser maior, pois em uma das 15 UBS visitadas, os 3 enfermeiros que realizam a consulta de PF dividiam um consultório entre si e com mais outro enfermeiro que não realiza PF, de forma que os 4 atendiam no mesmo horário, simultaneamente, pessoas diferentes de programas diferentes, denunciando a limitada estrutura física de algumas UBS. No exercício da profissão, o enfermeiro recebe informações privativas dos usuários sobre suas condições de vida e saúde, ao manter a privacidade e confidencialidade dessas informações, o enfermeiro favorece a qualidade do acompanhamento(6).

Ao procurar um profissional de saúde, o usuário deposita confiança e espera que suas necessidades sejam atendidas ou que encontre auxílio para a resolução de seus problemas. Ao verificar a freqüência de respostas positivas (SIM) nos itens que contemplam o acolhimento em PF, a média aritmética encontrada ao analisar as consultas de forma conjunta foi de 68,9%, sugerindo um acolhimento de nível intermediário. Ao analisar a IMD de cada consulta individualmente, observou-se que em 22 (78%) consultas de enfermagem em PF o acolhimento foi classificado como intermediário e em 7 (22%) foi classificado como satisfatório. Trata-se de um dado preocupante, visto que quando o acolhimento não flui de maneira adequada, a capacidade do profissional de promover um cuidado integral fica comprometida.

Enfoque principal deve ser dado na consulta de PF ao adolescente, na qual o acolhimento realizado pelo enfermeiro é crucial para a manutenção desse jovem no Programa. Os adolescentes iniciam a vida sexual cada vez mais precocemente e, em conseqüência disso, muitas vezes de forma imatura. Em estudo realizado com 363 homens e mulheres adolescentes que residiam na Zona Oeste de São Paulo, observou-se que a idade média de iniciação sexual entre os homens e mulheres foi de 14,3 e 15,2 anos de idade, respectivamente(7). É através de um acolhimento adequado durante a consulta que acontecerá uma relação de confiança profissional-cliente, motivando o adolescente a expressar suas dúvidas e angústias, de forma a estimular a tomada de decisões saudáveis e conscientes no campo da sexualidade.

A saúde reprodutiva é um estado de bem-estar físico, mental e social em todos os aspectos relacionados ao sistema reprodutivo e suas funções e processos, devendo o profissional destacar a capacidade dos casais de desfrutar uma vida sexual saudável, tendo a liberdade de decidir quando e com que freqüência terão seus filhos(8).

A Tabela 2 traz características das atividades clínicas na consulta de retorno.

Tabela 2: Distribuição de consultas segundo itens que compõem o meio de verificação do IMD-PROQUALI para uma consulta de retorno de qualidade, UBS, SER III, Fortaleza, ago/out de 2008. 

Variáveis

S (%)

 

N (%)

NA (%)

 

Identifica o MAC em uso

29 (100)

-

-

 

 

 

 

Reavalia contra indicações

20 (68,9)

9 (31,0)

-

 

 

 

 

Avalia a satisfação com MAC

e/ou apóia a  mudança do MAC

12 (41,3)

17 (58,6)

-

 

 

 

 

Identifica e maneja efeitos

colaterais e complicações

15 (51,7)

14 (48,2)

-

 

 

 

 

Verifica modo de uso reorientando

possíveis falhas

22 (75,8)

7 (24,1)

-

 Segundo o Ministério da Saúde, as consultas de retorno em PF, ou consultas subseqüentes visam a reavaliação, por parte do enfermeiro, da adequabilidade do método em uso, bem como prevenir, identificar e atuar perante possíveis intercorrências(2).

De acordo com a Tabela 2, pode-se perceber certa dificuldade, por parte dos enfermeiros, em avaliar as contra indicações e identificar e manejar os efeitos colaterais dos MAC. Quanto a isso, uma enfermeira afirmou que tem muitas dúvidas e que gostaria muito que houvesse uma capacitação para que o acompanhamento das usuárias nas consultas subseqüentes fosse melhor.

No que diz respeito à avaliação da satisfação da usuária com o método ou ao apoio para a mudança do mesmo, em pouco mais da metade das consultas observadas isso não ocorre. Tal fato pode ser devido a falta de variedade de MAC ofertados às usuárias, de modo que muitas vezes os únicos métodos disponíveis são o Anticoncepcional Oral Combinado (AOC) e o preservativo masculino.

É possível identificar a limitação do enfermeiro para compreender as necessidades de cuidado do paciente. A maior parte das consultas foi marcada por informações verticais, ou seja, informações referentes ao MAC, como uso correto e contra-indicações, não havendo uma preocupação sobre as demandas do paciente, como sua satisfação com o MAC e efeitos adversos associados ao uso.

A inocuidade de um MAC, ou seja, a ausência de quaisquer efeitos secundários adversos associados ao seu uso seria uma condição ideal, no entanto, é freqüente a presença de reações adversas durante o uso do MAC. As queixas ao uso do MAC podem interferir na eficácia do método, contribuindo para o abandono ou uso incorreto do mesmo.

As gestações não planejadas e os abortamentos provocados são atribuídos, entre outros fatores, ao uso inadequado de MAC, à falta de educação sexual e ao problema da gravidez na adolescência. Tais fatores estão relacionados tanto às características sócio-demográficas da mulher quanto às carências de programas educativos e de planejamento reprodutivo(9), ou seja de um programa de PF de qualidade.

Ao analisar a freqüência de respostas positivas (SIM) nos itens que contemplam a consulta de retorno em PF, a média aritmética encontrada ao analisar todos os atendimentos conjuntamente foi de 67,5%, sugerindo uma consulta com qualidade intermediária. Ao analisar o IMD das consultas individualmente teve-se que em 11 (38%) consultas de retorno em PF tiveram nível intermediário e 14 (48%), nível insatisfatório.  Esse dado infere a necessidade de uma nova postura a ser adotada pelo enfermeiro durante a consulta de PF, o qual deve estar atendo às queixas trazidas pelo cliente, lançar mão de uma escuta ativa e não apenas fazer um repasse automático de informações.

Outros aspectos relacionados à atenção em PF, que não continham no IMD, também foram observados: registro de informações da consulta de PF, realização de atividades educativas, variedade de MAC disponíveis nas UBS e verificação do cronograma de atendimento.

No que se refere ao registro das informações, 3 (20%) UBS não possuem registro das consultas de PF, 10 (67%) unidades possuem registro no prontuário eletrônico e em 2 (13%) o registro é feito no prontuário de papel. Com relação ao prontuário eletrônico, ao contrário do que se espera, o mesmo não tem atendido as expectativas do serviço. Segundo os enfermeiros, o sistema além de ser lento, muitas vezes apresenta problemas que dificultam o acesso aos arquivos, comprometendo o acesso ao histórico e aos resultados de exames laboratoriais no ato da consulta.

Entendemos que a ausência de registro ou registros incompletos prejudicam a qualidade da assistência devido à perda da história e da seqüência de procedimentos realizados com os usuários, dificultando a realização do processo de enfermagem e, conseqüentemente a prestação de um cuidado de qualidade. Além disso, o instrumento de registro é importante elo de informação para toda a equipe multiprofissional.

Ao indagar sobre a realização de atividades de educação em saúde no PF, 9 (45%) enfermeiros afirmaram realizar estas atividades e 11(55%) afirmaram não realizar qualquer tipo de atividade educativa no contexto do PF. Como motivo para a não realização destas atividades os mesmos apontaram falta de tempo, de espaço físico e de demanda suficiente para a criação de grupos.

A realização de atividades educativas se faz importante por oferecer à clientela os conhecimentos necessários para a escolha e posterior utilização do MAC mais adequado, assim como propiciar o questionamento e reflexão sobre os temas relacionados com a prática da anticoncepção e sexualidade(2). Nesse sentido, o enfermeiro deve buscar estratégias para a realização de atividades grupais, pois existe evidência sobre a efetividade desse método de cuidado.

 Em estudo randomizado sobre os efeitos de intervenções educativas sobre a redução da incidência de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), percebeu-se que, após 12 meses de acompanhamento, houve uma menor incidência de DST entre os participantes da intervenção grupal (24;20,4%) quando comparado aos que tiveram intervenção individual (26;21,6%). Além disso, o uso de condom na última relação foi mais prevalente nos indivíduos que receberam intervenção grupal10.

Das 15 UBS visitadas durante a realização desse estudo, 6 (39%) dispõem de apenas duas variedades de MAC (AOC e preservativo masculino). Em contrapartida, em 4 UBS existia uma boa variedade de MAC (AOC, preservativo masculino, pílula exclusiva de progestágeno, injetável combinado e pílula do dia seguinte). Além da pequena variedade de MAC, em algumas UBS, o provimento era irregular, dificultando a continuidade do uso do método pelo usuário.

Partindo da premissa que os insumos são distribuídos de forma equânime para as UBS e levando em conta que estas Unidades pertencem ao mesmo Município e a mesma Microrregional, fica aqui a indagação: Por que a disparidade na variabilidade de MAC oferecidos nessas Unidades? Duas justificativas podem ser lançadas. A primeira supõe que as UBS que possuem reduzida variabilidade de MAC são as que possuem maior demanda no programa de PF; a segunda hipótese seria que nestas unidades o programa de PF não é priorizado.

Outro fator negativo observado foi a grande flexibilidade do cronograma de atendimento em PF, sendo este grande obstáculo para a coleta de dados no serviço. Em 23 visitas aos serviços, não foi possível assistir a consulta de PF, sendo vários os motivos para a não-realização da consulta: reunião, participação do enfermeiro em curso/congresso, falta de profissionais, vacinação extra-muro, remanejamento do calendário e falta de demanda.  

Conclusão

O IMD para a consulta de PF é um instrumento útil para o controle de qualidade, pois oferece parâmetros práticos e de fácil uso para o monitoramento, supervisão e avaliação do serviço. Fornece as diretrizes para um atendimento desejado, tanto para a cliente como para os profissionais e parâmetros para avaliar o serviço prestado pela unidade de saúde, estabelecendo um diagnóstico situacional das deficiências e lacunas existentes no serviço – diagnóstico de base, permitindo intervenções dirigidas para a busca do padrão de excelência.

Portanto, ao conhecer a consulta em PF realizada por enfermeiros, foi possível estabelecer um diagnóstico de base, contendo parâmetros para o planejamento de estratégias para minimizar as lacunas apontadas, além de servir como base para posteriores avaliações, contribuindo para a melhoria da qualidade do serviço.

Como implicações para a prática de enfermagem têm-se a necessidade de lançar mão de estratégias iniciais para a busca do padrão de qualidade na consulta em PF. Sugere-se aos enfermeiros que atendem em PF: melhor acolhimento dos clientes, escutando suas demandas de cuidado e maior cumprimento dos cronogramas de atendimento no programa de PF. Aos enfermeiros supervisores do serviço de PF, enfatiza-se a necessidade de educação permanente sobre a temática PF e humanização da assistência entre os enfermeiros; criação de um prontuário em PF, a nível municipal, para acompanhamento dos usuários e, intervenção junto aos gestores, para adequação da infra-estrutura de algumas UBS, permitindo maior privacidade do profissional e cliente, bem como a regularidade dos insumos para as unidades.

Um serviço de qualidade para o cliente depende da satisfação de requisitos básicos como respeito, compreensão e informação, procedimentos que não demandam alto custo e sim uma atitude profissional ética e humanizada. Nesse estudo, ficou evidenciado que o não atendimento a esses quesitos têm influenciado negativamente na qualidade da consulta de enfermagem em PF.

Como limitação desse estudo, coloca-se o reduzido número de consultas observadas devido à grande flexibilidade dos cronogramas de PF nas unidades selecionadas.

Referências

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2. Brasil. Ministério da Saúde. Direitos sexuais, direitos reprodutivos e métodos anticoncepcionais. Brasília: MS, 2006. 

3. Ceará. Secretaria da Saúde. Metodologia de melhoria da qualidade da atenção à saúde: instrumento de melhoria do desempenho. 2a ed. Fortaleza: SESA-CE; 2005. 

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8. Fernández R, López L, Martínez H, Kopecky D, Uzcátegui G, Muñoz, M. Métodos anticonceptivos: prevalencia de uso según método en el Hospital "Materno Infantil del Este", Petare. Rev Obstet Ginecol Venez. [serial on the internet]. 2009 March; [cited 2010 May 11]; 69(1):28-34. Avaliable from: http://www.scielo.org.ve/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0048-77322009000100005&lng=es&nrm=iso&tlng=es 

9. Nader PRA, Macedo CR, Miranda AE, Maciel ELN. Aspectos sociodemográficos e reprodutivos do abortamento induzido de mulheres internadas em uma maternidade de Serra, estado do Espírito Santo. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009; 13 (3): 617-24.  

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Brief HIV/STD Prevention Interventions for African American Women in Primary Care Settings. American Journal of Public Health. 2007; 97(6): 1034-1040.  

 

Contribuições dos Autores

Concepção e desenho: ML CORDEIRO; AKC DAMASCENO. Análise e interpretação: LMR TELES; ML CORDEIRO; TM LIMA; LV FREITAS; MMS HERCULANO; AKC DAMASCENO. Redação do artigo: ML CORDEIRO; LV FREITAS; LMR TELES; TM LIMA; MMS HERCULANO; AKC DAMASCENO. Revisão crítica do artigo: LMR TELES; LV FREITAS; MMS HERCULANO; AKC DAMASCENO. Aprovação final do artigo: LMR TELES ML CORDEIRO; LV FREITAS; TM LIMA; MMS HERCULANO; AKC DAMASCENO. Pesquisa bibliográfica: LMR TELES; TM LIMA; ML CORDEIRO; LV FREITAS; AKC DAMASCENO. 

Contato: - LMR TELES E-mail: lianinhamara@yahoo.com.br

 

Agradecimento: Projeto de Pesquisa Enfermagem na Promoção da Saúde Materna; Universidade Federal do Ceará (UFC); Secretaria Executiva Regional III (SER III); Sistema Municipal Saúde Escola (SMSE).