Online braz j nurs

Convivendo com um idoso dependente sob a perspectiva da família: um estudo qualitativo

Living with a dependent elderly from the family’s perspective: a qualitative study

 Lucía Silva1, Regina Szylit Bousso2, Sueli Aparecida Frari Galera3 

1 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE-USP), SP, Brasil; 2 Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EE-USP), SP, Brasil; 3 Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP), SP, Brasil. 

Abstract. Objective: The purpose of this qualitative study was to identify the cultural and subjective aspects that guide family life with a dependent older person. Method: It was used, as theoretical framework, the influence of the culture on family health. The method utilized was the case study based on some assumptions of ethnography. The informers were 11 members of 5 families who had a dependent older person as one of their members. Results: The analysis of the latent content implicit in the interviews made possible the identification of two main categories: “Old age and dependency as life events” and Family adaptation faced with living with a dependent elderly”. Final considerations: This study found that cultural factors directly influence the manner of adapting to the situation of aging with dependence and thus, efforts must be exerted by the health professionals who adopt the family as care unit, to adopt a healthy family adjustment to old age.

Keywords: aged, culture, family, nursing.   

Resumo. Objetivo: O objetivo desse estudo qualitativo foi identificar os aspectos culturais que orientam o convívio da família com o idoso dependente. Método: Utilizou-se a perspectiva da influência da cultura sobre a saúde familiar como quadro teórico. Como método adotou-se o estudo de caso embasado em alguns pressupostos da etnografia. Os participantes foram 11 integrantes de cinco famílias que tinham entre seus membros um idoso dependente. Resultados: A análise de conteúdo latente permitiu identificar duas categorias principais “A velhice e a dependência como eventos da vida” e “A adaptação familiar para o convívio com um idoso dependente”. Considerações finais: Este estudo constatou que os fatores culturais têm influência direta sobre a forma de adaptação da situação de envelhecimento com dependência e, portanto, devem ser empenhados esforços por parte dos profissionais de saúde que adotam a família como sua unidade de cuidado para promover um ajustamento familiar saudável à velhice.

Palavras- chave: idoso, cultura, família, enfermagem.

Introdução

O processo de envelhecimento demográfico repercute nas esferas social, econômica e cultural do país, e vem se constituindo em um tema privilegiado de investigações nos últimos anos, principalmente porque vem instalando-se de forma relativamente rápida, explicando a falta de preparo da sociedade para receber esse crescente número de idosos.

Os idosos, em decorrência do processo de envelhecimento, dos fatores genéticos e dos comportamentos de saúde no decorrer da vida apresentam mais probabilidade de desenvolver as doenças crônicas não-transmissíveis1 ou as doenças crônico-degenerativas. Diante disso, ainda podem apresentar certo grau de dependência para a realização de atividades, sendo indicado que permaneçam sob os cuidados de sua família.

Entretanto, a presença de um idoso dependente afeta todos os componentes do grupo e, dependendo da cultura familiar, o envelhecimento e a dependência podem ser percebidos de diversas maneiras.

Em famílias que convivem com um idoso dependente, aspectos da cultura como religião e espiritualidade, formas de resolução de problemas do dia-a-dia e crenças, por exemplo, podem afetar o comportamento da família em relação ao cuidado e, por consequência, o estado de saúde da família2.

Portanto, a maneira como a família percebe o envelhecimento determina a maneira como ela age com os idosos do seu grupo. Considerando que o surgimento da doença altera o estado funcional do idoso, tornando-o mais dependente, a doença do idoso é capaz de causar um impacto na dinâmica familiar.

Diante do exposto, a justificativa para a realização desse estudo consiste no fato de que, na literatura científica que privilegia o envelhecimento com dependência, depara-se com uma carência de pesquisas explorando a visão do grupo familiar nesse processo.

O objetivo dessa pesquisa foi identificar os aspectos culturais que orientam o convívio da família com o idoso dependente. 

Método

Trata-se de um estudo de natureza qualitativa que adotou como perspectiva teórica a influência da cultura sobre a saúde familiar. A cultura pode ser definida como o conjunto de princípios herdados pelos indivíduos enquanto membros de uma sociedade em particular. Tais princípios mostram a eles a forma de ver o mundo, de vivenciá-lo emocionalmente e de comportar-se dentro dele em relação a outras pessoas, a deuses ou a forças sobrenaturais, e ao meio ambiente natural3.

Como método, foi escolhido para o desenvolvimento desta pesquisa o estudo de caso4, definido como uma pessoa, um grupo específico de pessoas, uma organização ou um acontecimento particular.

Alguns princípios da etnografia foram adotados, já que, no estudo das sociedades e das culturas, a etnografia tem sido utilizada como um método que permite uma aproximação com as normas, valores e crenças de diferentes grupos sociais5.

Os participantes foram 11 integrantes de cinco famílias que tinham entre seus membros um idoso dependente e que faziam parte da área de abrangência de uma Unidade de Saúde da Família de um município do interior paulista.

O número total de sujeitos da pesquisa dependeu do número de integrantes de cada família e da disponibilidade pessoal de cada um em participar, totalizando 11 informantes: duas pessoas, em três famílias, quatro pessoas, em uma família e uma pessoa, em outra família. Dos participantes, dois eram idosos dependentes, de 83 e 91 anos, e nove eram seus familiares, com idade que variou entre 26 e 65 anos.

Atendendo à Resolução nº 196/96 que regulamenta as normas de pesquisa envolvendo seres humanos6, foram obtidos o parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (Parecer 452/2004) e a autorização dos participantes por escrito, mediante esclarecimentos sobre sua participação voluntária, sobre a garantia de anonimato dos sujeitos, sobre o sigilo das informações e sobre o uso dos resultados apenas para fins científicos.

A seguir, os dados foram coletados no segundo semestre de 2005, por meio de entrevista semi-estruturada dirigida ao grupo familiar, composta por questões abertas referentes ao processo de conviver com um idoso dependente. Esta foi gravada em fita K-7 e posteriormente transcrita na íntegra.

As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo latente7, que compreende três fases: codificação, categorização dos dados e integração das categorias. 

Resultados e discussão

O referencial teórico-metodológico adotado permitiu identificar o processo de conviver com um idoso dependente sob a perspectiva do grupo familiar, considerando os aspectos culturais que envolvem esses sistemas familiares no estágio tardio de vida, por meio de duas categorias principais: “A velhice e a dependência como eventos da vida” e “A adaptação familiar para o convívio com um idoso dependente”.

A velhice e a dependência como eventos da vida é a primeira categoria principal que compõe a experiência de conviver com um idoso dependente.

            Primeiramente, perceber a velhice e a dependência como uma etapa da vida envolve a reflexão de que a velhice é uma fase natural da vida e, portanto deve-se aceitá-la.

O envelhecimento, do ponto de vista biológico, pode ser descrito como uma fase na qual uma determinada programação de crescimento e maturação chega a seu termo, caracterizando-o como um processo natural e comum a todos os seres vivos.

Nesse estudo, as famílias pesquisadas também identificam o envelhecimento como mais uma etapa da vida, conferindo-lhe uma naturalidade característica, ou seja, de que acontece segundo a ordem natural das coisas. Sob essa perspectiva, a geração mais nova da família é capaz de reconhecer que também está envelhecendo e que será “velha” em uma época que está por vir. 

Então eu acho que eu e a minha família entendemos melhor o que é o idoso, uma coisa natural, não é? [...] Faz parte da vida, ainda mais agora que eu vou ser avó, tem que entender melhor ainda o idoso (Iara – nora, família 5).

            Esse caráter de “naturalidade” que as famílias atribuem à velhice, condiz com uma visão antropológica do envelhecimento, que é permeada pelos aspectos culturais de cada sociedade. Nesse sentido, culturalmente, envelhecer é um processo natural na evolução do ser humano, que se inicia com o nascimento e termina com a morte8.

Por ser concebida como uma fase natural da vida, as famílias desse estudo acreditam que é preciso aceitar a velhice, mesmo com as limitações que com ele possam vir, é obrigatória, visto que é um processo inevitável.

Se você não pode ir a um lugar, o que você tem que fazer? Tem que conformar e não ir e acabou. Eu acho que é isso aí: a velhice é isso aí, você tem que ir se acostumando com a vida (Daniel – genro, família 2).

O processo emocional-chave no final da vida é aceitar essa mudança de papéis imposta pela ocorrência das limitações9 e uma resolução positiva dessa tarefa requer uma aceitação realista das forças e das limitações por parte do idoso.

As incapacidades características dos idosos, e que tornam o indivíduo dependente, são percebidas, culturalmente, como “perdas”, por revelarem uma deterioração da saúde e por tornar obrigatório que alguns papéis antes desempenhados pelos idosos passem a ser desempenhados por outros membros da família, geralmente a geração mais jovem.

Com o avançar da idade, ocorrem alterações decorrentes do próprio envelhecimento normal e de patologias comuns em idosos; essas alterações podem gerar incapacidades ou limitações para os idosos.

Com o declínio fisiológico e funcional do idoso, há a perda da capacidade para a realização de algumas atividades, fazendo com que o idoso e a família percebam que estão diante de uma situação diferente, até então não vivenciada, na qual o idoso não é mais capaz de realizar todas as tarefas que realizava antes e isto é um evento causador de sofrimento.

Ah, eu estou toda travada; quero andar e não posso. Não posso nem ir daqui (sala de estar) até o portão. Ela (a filha) tem que ir me segurando [...] Eu tenho muita dor na perna; como dói (D. Fátima – idosa, família 3).

Diante do envelhecimento e da diminuição da capacidade funcional, capaz de afetar não somente a esfera biológica do indivíduo, mas também a psicológica e a social, evidencia-se a necessidade de cuidado para o idoso, como por exemplo, quando ocorre comprometimento da capacidade funcional a ponto de impedi-lo de realizar atividades de autocuidado, ampliamdo-se as responsabilidades sobre a família, considerada a maior provedora destes cuidado10.

A presença de dor, a dificuldade para alimentar-se e respirar e a impossibilidade de andar e trabalhar, por exemplo, são alguns dos aspectos que podem ser percebidos como geradores de sofrimento para os idosos11.

Com a ocorrência do declínio fisiológico e funcional, a família percebe que o idoso passa a apresentar a dependência dos demais, a partir do momento em que não é mais capaz de realizar sozinho as atividades do dia-a-dia, como banhar-se, arrumar-se, cuidar de sua própria alimentação e locomover-se. 

[...] sou eu mesma que cuido dele: é sonda, é tudo. Quanta sonda dele eu já limpei, porque ele fez duas cirurgias da próstata, então tinha que cuidar da sonda. Agora, há uns quatro meses atrás ele ficou doente mesmo, na cama mesmo. Eu que dava banho, ele se sujava e eu que limpava e trocava a fralda. Ele ficou dependente de mim para tudo mesmo [...] a barba, a unha, a dentadura também sou eu que lavo. E assim, de noite, antes da gente ir deitar, eu levo um café com leite ou só leite, depende do que ele queira. Eu faço a comida de dia, separo a dele e aí ele come (Cecília – filha, família 2).

É importante ressaltar que a dependência se dá dentro de um contexto cultural e de normas e expectativas sociais e isso influencia a interação entre os membros da família, as formas de enfrentamento das adversidades e as maneiras de cuidar.

            O idoso é dependente dos outros para sua própria segurança, dependentes dos médicos para sua cura e dependente da família para seu sustento e troca de afetos. Nesse enfoque, apesar das dificuldades inerentes ao processo, evidenciar a dimensão positiva da dependência pode conferir sentido à experiência e adoção de formas de enfrentamento mais eficazes12.

Em situações de doença que impedem um funcionamento independente, é provável que aconteça a ida do idoso para a casa da família. Nesse sentido, a literatura9 aponta que a grande maioria dos idosos acima de 65 anos de idade vive com a família; menos de 5% vivem em instituições.

De fato, as famílias estudadas acolhem o idoso em seu lar preocupadas com a manutenção de seu orçamento financeiro e com as alterações decorrentes do próprio envelhecimento, como por exemplo, o declínio função e as alterações comportamentais, estas últimas responsáveis, em parte, pela dificuldade de convivência com os idosos.  

[...] como ela estava doente, as minhas cunhadas resolveram tirá-la da casa dela e colocaram em outro lugar, mas nós fomos buscar [...] o meu marido tirou ela dali e colocou dentro da minha casa [...] olha, no começo, quando a gente a trouxe aqui para casa, foi muito difícil. Já faz um ano e três meses. (Iara – nora, família 5).

            Apesar de a convivência entre a geração mais velha e a subsequente requerer paciência, ainda é a única escolha para essas famílias, que não aceitam a ida do idoso para casas de repouso ou asilos, por acreditarem que esses estabelecimentos sejam desprovidos de afeição.

[...] quando chega alguém diferente, qualquer pessoa, nem precisa ser do posto, ela acha que é para levá-la para a casa de repouso. Imagina! Eu nunca faria isso! Sabe, no asilo, você pode ver, não tem alegria (Gorete – filha, família 4).

O lar onde vive o idoso, diferente de alguns serviços de saúde de longa permanência, pode proporcionar um importante papel na conservação de sua identidade, favorecendo sua autonomia e independência, proporcionando-lhe uma qualidade de vida satisfatória, junto de sua família, de seus pertences, lembranças e histórias de vida, contudo, para que isso aconteça de forma positiva, é fundamental que a família possua suporte social que favoreça a manutenção do idoso na comunidade.

A velhice e a dependência como eventos da vida possibilita a compreensão não somente do envelhecimento como sendo natural, mas também o declínio da função, a dependência e, por conseguinte, a ida do idoso para a casa da família.

No entanto, o fato de a velhice ser percebida como “natural”, não implica na ausência de situações do cotidiano geradoras de estresse e, portanto sofrimento.

O estresse familiar é inevitável; ele acontece quando a família vivencia uma situação que vai além do controle do momento e deve-se considerar que o grau de estresse familiar resulta sempre de uma situação que tem um potencial para causar uma mudança na família, tornando necessária a adaptação familiar para o convívio com um idoso dependente, segunda categoria principal que representa a experiência de conviver com um idoso dependente, na qual são evidenciados alguns dos aspectos culturais envolvidos na vida da família que vão influenciar a forma com que ela se adapta à situação.

A compreensão da família sobre o envelhecimento favorece a convivência com o idoso, pois a família entende que esta fase da vida traz mudanças características relacionadas ao campo da cognição e do comportamento. Essa compreensão torna o funcionamento no lar mais harmonioso, já que evita o conflito entre as gerações.

[...] você tem que entender que a pessoa com idade já não é mais como antes. Se você compreende isso, fica mais fácil [...] às vezes o velho distorce as coisas, mas quando você entende que ele não é mais como era, e isso faz parte da velhice, aí fica mais fácil de lidar. Até você entender fica brigando com a pessoa (Gorete – filha, família 4).

Um fator que pode facilitar essa compreensão é a efetiva comunicação intergeracional, na qual idosos e seus familiares mais jovens são capazes de se comunicar mutuamente9. Dependendo das normas culturais, é adotado o estilo de comunicação entre os membros da família: diálogos tradicionais ou a experiência que engloba o saber ouvir, a troca de elogios e o compartilhamento das histórias de vida.

Em contrapartida, em alguns momentos, os familiares não concebiam o processo de envelhecimento como possível desencadeador de alterações fisiológicas, funcionais, cognitivas e comportamentais.

[...] tem que dar o banho, dar comida. Mas ela anda! Nós já fomos lá na faculdade, fizemos todos os exames e ela não tem nada: não tem esclerose, não tem pressão alta, não tem colesterol. Ela tem a felicidade de ter saúde (Iara – nora, família 5).

Para algumas famílias, é difícil conceber alguns sinais, como as alterações cognitivas e comportamentais, como indicativos de uma desordem clínica no organismo, pois a saúde é comumente detectada considerando-se a referência de determinados parâmetros3. Desse modo, alterações indicativas de qualquer doença, deveriam ser constatadas por meio de exames clínicos ou laboratoriais; quando isso não acontece, então a alteração não é percebida como doença.

Outra questão que favorece o enfrentamento sadio do envelhecimento com dependência é a cooperação dos demais, quando os familiares que cuidam mais diretamente do idoso, por vezes, encontram outros familiares para dividirem seu papel, amenizando o possível desgaste e a sobrecarga do cuidador.

Quando ela tem que sair, a minha irmã que tem carro vem buscar [...] para levar a minha mãe ao médico, é ela quem leva. Quando é para receber o pagamento, é minha irmã quem recebe e dá na mãozinha dela [...] às vezes, quando a minha filha está aqui, também acaba levando ao médico, mas é mais a minha irmã mesmo (Eliana – filha, família 3).

Em diversas culturas, a expectativa é que os membros da família promovam suporte instrumental e social ao seu ente idoso. Isto poderia ser explicado pela responsabilidade do grupo em cuidar de seus entes, regra embutida no cotidiano familiar e que ajuda a prover sentido à experiência3.

            Na tarefa de cuidar, é importante que o enfermeiro ajude os membros da família a se alinharem no sentido de oferecerem suporte um ao outro na experiência de conviver com o envelhecimento e a dependência.

            Entretanto, muitas vezes, o principal cuidador não encontra outros familiares para dividir a responsabilidade de dispensar cuidados ao seu ente idoso dependente dos demais para a realização de tarefas da vida diária.

Eu sou filha única então eu que tenho que me virar porque o meu pai já tem idade e é mais estressado, então “sobra” tudo para mim (Ana – filha, família 1).

O fato de os cuidadores familiares de pessoas que têm sua independência prejudicada para a realização de tarefas da vida diária não possuírem ajuda dos demais familiares já é bastante descrito na literatura2,13,14. No entanto, por vezes, a família assume esta responsabilidade, determinando o apoio ao doente como uma obrigação moral e amparada no sentimento de solidariedade14.

Neste estudo, a valorização do idoso esteve refletida na crença de que o idoso constitui a prioridade na família, ou seja, as tarefas e as atividades realizadas na casa consideram o critério de que o idoso tem precedência sobre os demais. As atividades que não estão relacionadas a ele, ao contrário, têm importância secundária.

Se eu fizer o café de manhãzinha eu não penso: “vou tomar meu café cedinho”. Primeiro eu dou para o meu pai e depois eu tomo. Quando o almoço fica pronto, eu tiro a comida dele primeiro e depois os outros pegam. Se a gente vai fazer uma viagem, a gente logo quer que ele vá e o lugarzinho dele já é o da frente (Cecília – filha, família 2).

Antigamente, era natural que os idosos fossem tratados com respeito, o que era reforçado pelo fato de estarem em posição de superioridade em relação aos jovens, graças à experiência e à maior bagagem de conhecimentos12.

Em contrapartida, a desvalorização do idoso, ou seja, a visão de que ele se encontra à margem da família e da sociedade, pode impulsionar a ocorrência da solidão e do abandono por parte dos demais familiares.

Eu acho que se a pessoa está em um lugar e não tem condições de ficar saindo, ela quer que os outros venham fazer uma visita. Sabe, a minha mãe tem um filho, um irmão meu que não a vê há quatro anos! Então, eu acho que o mais duro é a solidão [...] de tristeza e de abandono se morre (Gorete – filha, família 4).

As famílias deste estudo acreditam que um dos maiores desafios do envelhecimento seja conviver com o isolamento que é imposto ao idoso devido ao desamparo. Desse modo, há uma cobrança por parte dos familiares cuidadores no sentido de acreditarem que a geração mais nova tem o dever de visitar e dar atenção à geração mais velha, já que os idosos apresentam mais dificuldade para visitar os demais.

O enfermeiro também necessita avaliar constantemente como estão se apresentando os vínculos familiares e sociais do idoso pois, no estágio tardio de vida, no qual os contatos sociais e familiares muitas vezes se rompem, o sentimento de solidão pode aumentar o desejo de morte entre idosos8.

O fim da vida é marcado pela religiosidade, que provê alívio para superar as dificuldades advindas do processo de envelhecimento com dependência e para superar o sofrimento decorrente da antecipação do luto familiar.

Desse modo, pôde-se perceber que as famílias estudadas buscavam amparo em seus preceitos religiosos e apoiavam-se na fé em Deus para transpor as vicissitudes do convívio com o idoso dependente de cuidados e para superar seu próprio sofrimento quando se deparavam com a solidão de seu ente e com a morte factível.

Cada um tem que passar o seu “pedaço” e se tem que passar mesmo, vamos passar e ir em frente. Eu acredito muito em Deus; não sou de ficar indo à igreja não, mas me apego muito em Deus (Ana – filha, família 1).

 

Eu sei que nós estamos aqui de passagem, mas essa passagem é muito triste, né? Eu rezo muito e quando posso vou à igreja, para dar um conforto, né? Porque não é fácil ficar pensando (Cecília – filha, família 2).

A busca do apoio na fé também foi uma estratégia adotada por famílias de outros estudos para reunir forças e conviver com uma experiência que envolve a doença ou a morte de um familiar2,13,14.

Desse modo, o amparo que a família recebe por parte de entidades religiosas e igrejas faz parte da estratégia de tratamento que a família busca na sua alternativa informal de assistência à saúde. 

A espiritualidade tem um papel importante para o enfrentamento das dificuldades advindas do processo de envelhecimento, compensadas por meio do apelo à religiosidade e, quanto mais satisfatória for a resposta que a família tem a essa busca espiritual, mais tranquilamente ela pode enfrentar a morte12.              

Considerações finais

A importância de uma abordagem que privilegia as questões socioculturais do indivíduo e sua família nas pesquisas sobre o envelhecimento, reside no fato de que, apesar de os dados demográficos justificarem a reformulação de políticas públicas junto à população idosa, não são suficientes para revelar a complexidade do fenômeno da velhice.

Para as famílias estudadas, tanto a dependência como o próprio envelhecimento são entendidos como acontecimentos inerentes à vida e dessa forma, é esperado que os idosos passem a conviver com suas famílias, em função do aparecimento de dificuldades para o desempenho das atividades do dia-a-dia, por parte dos idosos.

Acredita-se ter alcançado um avanço do conhecimento sobre o objeto do estudo, visto que ainda são poucas as pesquisas que se dedicam a abordar simultaneamente a questão do envelhecimento com dependência e o contexto cultural no qual a família está inserida.

Sob essa perspectiva e conhecendo a realidade cultural das famílias que convivem com um idoso dependente, devem ser empenhados esforços para promover a qualidade de vida de todo o grupo familiar, principalmente para apoiar as perdas percebidas pela família (papéis sociais, declínio fisiológico e funcional, entre outros) e ajudar na criação de uma efetiva rede de suporte social que favoreça a manutenção do idoso na comunidade.

            Partindo do pressuposto que a concepção que as famílias possuem sobre este processo vai influenciar o cuidado ao ente idoso, o conhecimento do universo cultural consiste em um instrumento importante para respaldar a atuação do enfermeiro, sobretudo em relação à adesão às medidas de manutenção e recuperação da saúde do grupo familiar.  

Diante da possibilidade de esta pesquisa ter desvendado parte do significado de conviver com um idoso dependente considerando os aspectos culturais das famílias estudadas, acredita-se que este trabalho poderá nortear as estratégias de abordagem às famílias de idosos dependentes, no contexto comunitário. 

Referências

1 Severo I, Silva M, Gorini M. Analysis about production of nursing knowledge on health education and aging: review article. Online Brazilian Journal of Nursing [serial on the Internet]. 2008 March 24; [Cited 2009 April 26]; 7(1):[about 12 p.]. Available from: http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/1252 

2 Silva L, Bousso RS, Galera SAF. Aplicação do Modelo Calgary para avaliação de famílias de idosos na prática clínica. Rev Bras Enferm [serial on the Internet]. 2009 Jul-Aug; [Cited 2010 April 19]; 62(4):[about 5 p.]. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n4/06.pdf

3 Helman CG. 2006. Cultura, saúde e doença. Porto Alegre, Artes Médicas, 408 p.

4 André MEDA. 1995. Etnografia da prática escolar. Campinas, Papirus, 132 p.

5 Vidich AJ, Lyman SM. 2006. Métodos qualitativos: sua história na sociologia e na antropologia. In: Denzin NK, Lincoln YS. O planejamento da pesquisa qualitativa. Porto Alegre: Artmed, p.49-90.

6 Ministério da Saúde (BR), Conselho Nacional de Saúde, Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

Resolução Nº 196, de 10 de outubro de 1996: diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília: MS;1996.

7 Morse J, Richards L. 2002. The integrity of qualitative research. In: __________. Read me first for a user’s guide to qualitative method. California, Sage Publications, p. 23-41.

8 Pessini L, Barchifontaine CP. 2007. Problemas atuais de bioética. 8.ed. São Paulo: Centro Universitário São Camilo e Edições Loyola.

9 Wright LM, Leahey M. 2009. Enfermeiras e famílias: um guia para avaliação e intervenção na família. 4.ed. São Paulo: Roca, 312 p.

10 Silva MLB, Vasconcelos MA, Lopes RE, Lima MCGA, Chagas MIO, Ferreira AGN. Saberes e práticas de cuidadores domiciliares sobre úlcera por pressão: estudo qualitativo. Online Brazilian Journal of Nursing [serial on the Internet]. 2009 November 8; [Cited 2010 April 19]; 8(3):[about 13 p.]. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2009.2642

11 Tuoto F, Lenardt M, Venturi K. The sufferings and self care of hospitalized elderly - ethnography study. Online Brazilian Journal of Nursing [serial on the Internet]. 2009 September 23; [Cited 2010 June 2]; 8(3):[about 10 p.]. Available from: http://www.objnursing.uff.br/index.php/nursing/article/view/2429

12 Baldessin A. 2002. O idoso: viver e morrer com dignidade. In: Papaléo Netto M. Gerontologia: a velhice e o envelhecimento em visão globalizada. São Paulo, Atheneu, p. 491-8.

13 Silveira TM, Caldas CP, Carneiro TF. Cuidando de idosos altamente dependentes na comunidade: um estudo sobre cuidadores familiares principais. Cad. Saúde Pública. 2006; 22(8): 1629-38.

14 Silva L, Bocchi SCM, Bousso RS. O papel da solidariedade desempenhado por familiares visitantes e acompanhantes de adultos e idosos hospitalizados. Texto contexto-enferm.  [serial on the Internet]. 2008  June [cited  2010  June  02];  17(2):[about 7 p.]. Available from: http://www.scielo.br/pdf/tce/v17n2/11.pdf

 

Nota: Data da Defesa de dissertação de mestrado: 02/02/2007

Instituição: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP)

Banca Examinadora: - Profª Drª Sueli Aparecida Frari Galera (presidente da banca e orientadora do trabalho); - Profª Drª Sueli Marques; - Profª Drª Vânia Moreno. 

Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Lucía Silva e Sueli Aparecida Frari Galera. Análise e interpretação: Lucía Silva e Sueli Aparecida Frari Galera. Escrita do artigo: Lucía Silva, Sueli Aparecida Frari Galera e Regina Szylit Bousso. Revisão crítica do artigo: Lucía Silva, Sueli Aparecida Frari Galera e Regina Szylit Bousso. Aprovação final do artigo: Lucía Silva, Sueli Aparecida Frari Galera e Regina Szylit Bousso. Pesquisa bibliográfica: Lucía Silva. 

Endereço para correspondência: Lucía Silva – Faculdade Marechal Rondon. Vicinal Dr Nilo Lisboa Chavasco, 5000. CEP: 18650-000. São Manuel/SP. E-mail: luciasilva@usp.br