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The quality of life of elderly’s chronic disease sufferers: qualitative-quantitative research

A qualidade de vida de idosos portadores de doença crônica: pesquisa quali-quantitativa

Maria de Fátima Mantovani1, Felismina Rosa Parreira Mendes2.

1Universidade Federal do Paraná, PR, Brazil; 2Universidade de Évora, Portugal.

Abstract: It objectified to evaluate the perception of quality of life as well as its representations for 45 users, over 60 years of age from a health unit by means of a qualitative-quantitative research study where it was used a reduced instrument by the World Health Organization. The physical, psychological domains, social relations and environment were tested with variables for age, sex, religion and daily activities. Being healthy was represented by “being healthy and willing to work”, “keeping social insertions” and “having religious support”. Quality of life was considered very good and represented by the themes: “social relations, insertions and health”, “financial independence” and “spirituality and longevity”. There was statistical difference in the physical domain for the ones under 70 years old, catholic, and in the social domain for the independent in daily activities. The results may be helpful to ground nursing actions for the improvement of these clients’ quality of life.

Key words: Chronic disease; Quality of life; Elderly; Nursing 

Resumo: Objetivou-se avaliar a percepção da qualidade de vida e as representações da mesma de 45 usuários maiores de 60 anos de uma unidade de saúde. Realizou-se uma pesquisa quali-quantitativa com a utilização do instrumento reduzido da Organização Mundial da Saúde. Foram testados os domínios físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente com as variáveis idade, sexo, religião e atividades de vida diárias. Ser saudável foi representado por  “ter saúde e ânimo para trabalhar”, “manter inserções sociais” e “ter suporte religioso”. A qualidade de vida foi considerada muito boa e representada com os temas: “relacionamentos, inserções sociais e saúde”, “autonomia financeira” e “espiritualidade e longevidade”. Houve diferença estatística no domínio físico para os menores de 70 anos, católicos e no social para os independentes nas atividades de vida diária. Os resultados obtidos podem servir para subsidiar ações da enfermagem na melhoria da qualidade de vida desta clientela.

Palavras-chave: Doença crônica; Qualidade de vida; Idoso; Enfermagem  

Introdução 

No Brasil, em 2003, 27,4% dos óbitos decorreram de doenças cardiovasculares, e dentre os fatores de risco para mortalidade, a hipertensão arterial explica 40% das mortes por acidente vascular cerebral e 25% daquelas por doença coronariana(1). Além da hipertensão, outras condições crônicas de saúde contribuem como fatores de risco para esses episódios mórbidos, como o diabetes mellitus, a obesidade e as dislipidemias, entre outras.

As doenças crônicas (DC) são dominantes na sociedade atual e um sério problema de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde(2) (OMS) estima que, em 2020, as DC atingirão 60% da população, com destaque para as maiores incidências de doença cardíaca, acidente vascular cerebral, depressão e câncer.

As representações da doença geralmente relacionam-se com o tratamento, as manifestações e limitações por ela acarretadas e as alterações ocorridas no corpo devido a sua existência (3-4), além disso, as prescrições de saúde direcionadas a pessoas com doença crônica exigem modificações no estilo e na qualidade de vida e podem originar novas representações de saúde e doença dos seus portadores, independentemente da idade e da condição social e econômica.

 A saúde para estas pessoas vincula-se à felicidade e a doença à tristeza, modificação e distorção da aparência (4). Há para os doentes crônicos um valor simbólico das relações familiares e sociais, também referenciado como significado de qualidade de vida (QV), assim como o sentir-se bem, ter vontade de viver, ser feliz, estar satisfeito, ter boa saúde e trabalho, viver junto com a família e ter o seu suporte(5-8)

O estudo da qualidade de vida em portadores de doença crônica é, há muito, realizado pelos profissionais de saúde, desde que este tema foi considerado importante para avaliação de saúde. O aparecimento do termo qualidade de vida na literatura médica data de meados dos anos 30 do século passado, mas foi após a segunda guerra mundial que o ele começou a ser delineado para a formação do conceito(9). Este é  multifacetado cuja definição depende das correntes as quais os pesquisadores estão atrelados, se por um lado há as questões objetivas ligadas ao tema, por outro, as representações dos problemas de adoecimento, e conhecê-las, pode nos fazer repensar nas formas de atenção oferecida aos sujeitos de nossos cuidados mediante a compreensão do conceito para a comunidade a qual nos dedicamos.

Considerando as implicações que as doenças crônicas acarretam na vida das pessoas, torna-se relevante o estudo sobre a temática Qualidade de Vida para o grupo de idosos, pois os resultados destes estudos  podem auxiliar a Enfermagem na  busca de melhorar as formas de cuidar desta parcela da população (9).Destarte, as pesquisas realizadas para avaliar a QV empregando instrumentos de medida captam a percepção do sujeito num dado período de tempo e a analisam de acordo com os domínios estabelecidos para cada um, considerando aspectos relativos à questão das condições físicas, psicológicas, sociais, do ambiente, da espiritualidade, o estado geral da saúde, a capacidade funcional e  em alguns os aspectos emocionais.(10-11).  

Há instrumentos específicos adaptados para determinados enfermidades, mas os mais utilizados são o da OMS, tanto em sua forma completa (WHOQOL-100) como na reduzida (WHOQOL-bref), o Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36), e outros como o European Organization for Research and Treatment of Cancer (EORTC-QLQ 30) e o Medical Outcomes Study-HIV(9-10,12) , os resultados das pesquisas quantitativas geralmente apontam para níveis bons e muito bons de QV.

 As interferências mensuradas da percepção da qualidade de vida relacionam-se ao gênero ou a religião em alguns dos domínios estudados, mas mesmo com estatísticas significativas os autores remetem para outros desenhos de estudo ou mesmo para a conjugação de dois métodos, pois a subjetividade agregada ao conceito pode, em função dos resultados, fazer pouco ou nenhum sentido para as pessoas. Com duas abordagens, uma qualitativa outra quantitativa, os temas que emergirem para além dos domínios já estabelecidos por instrumentos de medida podem refletir os caminhos percorridos pelos portadores de doença crônica e suas representações sobre a condição de saúde (12-13,15), aspectos que justificam a realização deste estudo.

Frente ao exposto desenvolveu-se uma pesquisa com o objetivo: verificar a percepção de qualidade de vida de portadores de doença crônica e as representações que possuem sobre essa condição de saúde. Acredita-se que a percepção da QV mensurada por um instrumento pode ter uma representação pelos sujeitos que as justifiquem. Conhecê-las pode possibilitar aos profissionais repensar as formas de atenção oferecidas, mediante a compreensão quer da qualidade de vida, quer da condição crônica de saúde e de sua avaliação. 

Materiais e métodos

 Pesquisa quali-quantitativa descritiva realizada em uma unidade básica de saúde (UBS) da Prefeitura Municipal de Colombo, Região Metropolitana de Curitiba. A população em estudo foi constituída por 284 usuários inscritos no Programa de Hipertensão e Diabetes(Hiperdia) que frequentavam as  reuniões para distribuição de medicamentos em maio de 2008. Foram incluídos na amostra 45 usuários que compareceram a pelo menos uma das reuniões do hiperdia dos meses de junho, julho ou agosto de 2008, que aceitaram participar do estudo e  receber os pesquisadores em seus domicílios.

Para coleta de dados utilizou-se um formulário composto por duas partes, a primeira com dados de identificação e aspectos referentes à doença de base e morbidade referida e a segunda com a escala de qualidade de vida – WHOQOL-bref(11), das atividades de vida diária (AVD) e instrumentais de vida diária (AVDI). O WHOQOL- bref  permite avaliar a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e do sistema de valores no qual ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações, foi validado para o português pelo grupo da OMS(11). O instrumento é composto por 26 questões divididas em 4 domínios – físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente – e duas perguntas genéricas sobre como a QV é avaliada globalmente e sobre a satisfação em relação à saúde, não compondo nenhum domínio. O WHOQOL-26 deve ter seu preenchimento feito pelo usuário, mas optou-se pela entrevista devido ao baixo grau de instrução dos sujeitos do estudo.

Após esclarecimentos e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, foi solicitada a permissão para a gravação da entrevista, conforme preconizado, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Setor de Ciências da Saúde, sob o número de registro 578.115.08.07.

Os dados foram digitados por dupla digitação no programa Excel da Microsoft® e transportados para Statistical Package for Social Science (SPSS) 16.0. Nas variáveis quantitativas foram calculadas a média e o desvio padrão (sd). Quanto aos domínios do WHOQOL-bref (físico, psicológico, social e ambiente) foram realizados os testes t de Student, Fischer (ANOVA), Levenes, Turkey – HSD e Scheffe e foram ainda testadas como variáveis independentes o sexo, a idade, a religião, o grau de dependência das AVDs e AVDIs, o tabagismo e os exercícios físicos, com p≤ 0,05.

O conteúdo das questões abertas compuseram 3 temas de representação do ser saudável: “ter saúde e ânimo para trabalhar”, “manter inserções sociais” e “ter suporte religioso”; e 3 temas da qualidade de vida dos sujeitos: “relacionamentos, inserções sociais e saúde”, “autonomia financeira”, “espiritualidade e longevidade”. Os trechos de depoimentos foram identificados com a letra U seguidos do número da entrevista (U1).

Tendo em vista que se pretendia uma articulação de dois métodos para ampliar as referências e a visão sobre a realidade social, os resultados quantitativos e qualitativos foram analisados conjuntamente para possibilitar a triangulação dos mesmos e sua interpretação em termos de complementaridade(16), permitindo compreender nos discursos a extensão da influência do social e suas estruturas na subjetividade. A análise dos dados qualitativos ancorou-se no em alguns conceitos do referencial das representações sociais, que são categorias do pensamento socialmente elaborado e compartilhado, cuja finalidade é a interpretação da realidade comum a um dado grupo social, permitindo a estes a orientação de suas ações. A dinâmica das representações é a de familiarização, na qual objetos, pessoas e acontecimentos são percebidos e compreendidos em relação a prévios encontros e paradigmas. Por se tratar de uma produção partilhada, é construída pela linguagem  em suas diversas formas de expressão (17).

 Resultados 

            Dos 45 usuários que constituíram a amostra deste estudo, 75% são do sexo feminino, 68,7% com idade entre 60 e 70 anos, 20% de 70 a 80 anos,  6,6% de 80 a 89 e 4,4%. acima de 90 anos. A média de idades total foi de 69,4 ± 8,4 anos (60 a 98 anos). Quanto ao estado conjugal, 42,2% são casados, 35,6% são viúvos, 2,2% são solteiros e 10% são divorciados ou vivem em união consensual.

            Na escolaridade, 57,8% possui o ensino básico, 40% não são alfabetizados e 2,2% concluíram o ensino médio. A religiões predominantes foram a evangélica, com 46,7%, e a católica, com 37,8%. Em relação à profissão/ocupação, nota-se que 57,8% são aposentados e 33,3% são donas de casa ou não possuem atividade remunerada. A renda média é de 1,9 salários mínimos (sd = 0,6) e 80% deles recebe entre 1 e 3 salários mínimos. Quanto ao número de membros no domicílio, 44,4% relataram ter dois moradores. A média é de 2,6 moradores/domicílio (sd = 1,5).

            O tempo de tratamento para a DC variou de 6 meses a 50 anos, e a média foi de 13,7 anos (sd =  11,2); 4,4% dos usuários não souberam precisar o tempo. Da amostra, 38,4% dos homens apareceram com a circunferência abdominal acima dos valores considerados normais, enquanto que nas mulheres este valor é de 87,7%. Na faixa da normalidade, encontraram-se 12,5% dos usuários.

            Avaliando-se os hábitos de vida, 40,0% ingerem álcool e 2,2% ingeriram anteriormente. Destes, 59% são mulheres, e apenas um  do sexo masculino referiu ingerir bebida alcoólica esporadicamente. Em relação ao tabagismo, 52,5% negaram o hábito, 40% referiram abandono e 4,4% dos que fumam atualmente são do sexo feminino.

            O exercício físico mostrou-se prevalente na amostra, apresentando percentual de 51,3%, 26,3% não praticam exercícios e 22,5% praticavam anteriormente. A caminhada foi a mais citada, com 61%. O Índice de Massa Corpórea (IMC) dos usuários foi em média de 29,8 kg/m2, classificados como sobrepeso, assim distribuídos em 15,6% como normais, 48,9% sobrepeso e 35,5% como obesos. O número de fatores de risco referidos foi de 2 (37,4%), 3 (35,2%) e 4 (4,4%). Entre os componentes encontram-se a idade e a circunferência abdominal, visto que os outros fatores não foram avaliados.

Utilizam na totalidade a UBS para tratamento e aquisição dos medicamentos e apenas 8,8% compram ou retiram os medicamentos em outras unidades do município. Concomitantemente ao tratamento medicamentoso, 13,2% , ingerem vários tipos de chás de ervas, como o chá de hortelã, erva cidreira, capim limão, carqueja, quebra pedra, e até o chimarrão é usado com fins terapêuticos.

Em relação às AVDs verificou-se que são independentes para a maioria delas, com exceção do controle dos esfíncteres, em que 26,7% apresentam episódios ocasionais, e nas AIVDs a maioria é independente, necessitando de ajuda para uso de telefone, locomover-se fora de casa, fazer compras e preencher cheques, realizar trabalho doméstico, 4,4% precisam ser lembrados para tomar a medicação.

            As DC já diagnosticadas por médicos são: 60% hipertensão arterial, 2,2% diabetes mellitus e 37,8% ambas. A morbidade referida: os transtornos mentais (13,3%), a hipercolesterolemia (8,8%), os problemas de tireoide (8,8%), a depressão (6,6%), a bronquite (4,4%) e o reumatismo (2,2%).

            Os domínios do WHOQOL bref, tiveram a seguinte avaliação: físico 63,75; psicológico 68,89; Social 71,44 e Ambiente 56,03. A QV global foi avaliada como muito boa (80,97), assim como, a satisfação com a saúde (81,52), tendo em vista que quanto mais próximo de 100, melhor é a avaliação do domínio. Em relação aos domínios, o social foi o melhor avaliado. Verificou-se que houve diferença significativa na dimensão física em relação aos menores e maiores de 70 anos (p = 0,041). Quanto à religião houve diferença entre os católicos e os que não declararam qualquer religião (p = 0,041). Também se verificou diferença significativa da melhor percepção de QV em relação aos domínios social, quando comparado entre os independentes e os que necessitam de ajuda para uma ou duas AVDs (p = 0,018 e p = 0,001) e físico, entre os independentes e os   dependentes para duas ou três AVDs (p = 0,043). As outras variáveis independentes não apresentaram diferença significativa em nenhuma das dimensões.

Ter saúde e ânimo para trabalhar foi a representação de 68,8% dos sujeitos, quando responderam sobre o sentir-se saudável. Estas características faltam àqueles que se consideram mais ou menos ou nada saudáveis: 

tenho disposição e vontade de trabalhar” (U33)

quando estou boa acho que sim, quando estou mal não, hoje estou sem disposição (U5)

pessoa saudável vive bem, eu não, devido a problemas familiares e depressão (U2) 

Dentre os fatores que justificam a vida saudável estão as relações sociais, como o apoio de familiares e amigos compondo a categoria manter inserções sociais”

ser uma pessoa comunicativa, tratar todos bem, viver alegre com todo mundo (U8)

ser feliz, ter amizade, se sentir bem com a vida (U16) 

            O tema “ter suporte religioso representa a garantia para a melhoria da saúde obtida mediante a tranquilidade, a religião e a fé. 

estar alegre, tudo estar correndo bem, remédio e religião(U2)

porque me sinto feliz, recebo muitas graças de Nossa Senhora(U16) 

O local de moradia para 78% dos entrevistados é considerado satisfatório, e alguns vinculam ao divino o fato de permanecerem naquele local, ao passo que outros justificam a permanência no bairro com questões de renda. 

                                    fazer o que foi Deus que deixou (U43)

                                    não preciso pagar aluguel e os filhos moram perto (U31)  

O fato de morarem na comunidade não significa que estejam satisfeitos com o local. Pelo contrário, a insatisfação é concebida em termos da infraestrutura urbana, da violência e insegurança: 

não gosto do lugar onde moro, muita bagunça, roubo, assalto (U12)

com a casa sim, mas com o lugar não, falta muita coisa, tem muito pó/barro (U2) 

            Quando têm algum distúrbio na saúde, procuram o recurso dos profissionais ou a heteroajuda; a maioria dos usuários procura a unidade de saúde (66,6%) ou utiliza remédios caseiros se identifica a situação como de menor gravidade, para depois ir ao médico (6,6%). Outros usuários procuram parentes (filhos e noras) e a US (6,6%), outros serviços de saúde e a US (10,0%), somente familiares (4,4%) e há também os que recorrem a Deus e depois procuram a US (6,6%).

Os trechos de discursos abaixo se relacionam aos três temas de QV e às considerações sobre ela:

- relacionamentos, inserções sociais e saúde

ter saúde, lugar digno para morar, viver bem com a família e ter amigos (U162)

ser uma pessoa sossegada, se dar com todos os vizinhos, ter boa saúde, ter conforto em casa (U35) 

- autonomia financeira: 

ter um salário bom; se tem um salário bom, tem facilidade para ter um alimento melhor (U44)

dinheiro para comprar comida, trabalhar, saúde, disposição para o serviço (U5) 

- espiritualidade e longevidade:  

viver com Jesus, servir a Deus (U42)

aturar bastante, ficar bastante tempo aqui no mundo, algum dia sofrendo e ir levando ainda (U11) 

            Quando se pronunciam sobre a sua QV, os usuários consideram-na “boa” e atrelam-na a conceitos como ausência de doença, capacidade para o trabalho, disponibilidade de recursos financeiros, relações sociais satisfatórias, e a espiritualidade é ruim ou péssima na ausência do grupo. 

 Discussão

Os sujeitos encontram-se na faixa etária dos 60 aos 70 anos, com pouca escolaridade e renda mensal baixa, resultados semelhantes a vários estudos realizados em unidades de saúde e programas de saúde, como este(10,18), e aos resultados da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio (PNAD)(19), na qual esta faixa etária foi a que mais contribuiu para a constituição dos idosos, com 55,2%.

As famílias são constituídas em média por 2,6 moradores/domicílio, 44,4% moram com o cônjuge, situação que difere ao observado na PNAD, na qual este número era de 22,3%(19). A constituição da co-habitação pode revelar-se importante na possibilidade de auxílio em situações de dependência, ainda não observada nestes idosos, na medida em que muitos deles são independentes para a maioria das AVDs e AVDIs(3,13).

Em relação à obesidade, os resultados foram inferiores (IMC ≥ 25 = 84,4%) aos encontrados em estudo sobre prevalência de obesidade em idosos (IMC ≥ 25 = 89,9%)(18). Quanto a outras variáveis, como tabagismo e etilismo, elas apareceram em menor frequência(19). Quanto à religião, houve maior predominância de evangélicos, contrário ao encontrado em outras pesquisas (19-20).

Verificou-se a utilização de chás para complementação da terapêutica médica prescrita e concomitantemente a esta. Este fato pode ter relação com a forma que gerenciam o tratamento, pois este deve fazer sentido para os usuários.  A morbidade referida foi em média de duas doenças, número aquém do encontrado por outros pesquisadores(13-14,19), o mesmo acontecendo com o hábito de fumar e o etilismo.

A QV mensurada pelo WHOQOL-bref nos domínios físico e psicológico foi considerada boa, com valores acima de 60, 0, dados diferentes de outros estudos que relacionaram a doença a pior avaliação de QV(10). A dependência para as AVDs teve interferência no domínio físico, como em outros estudos, o mesmo acontecendo com os maiores de 70 anos.  A qualidade de vida é melhor percebida por aqueles que declaram a sua fé, fato que coaduna com as representações tanto de saúde quanto de QV expressas pelos sujeitos deste estudo e mensuradas pelo instrumento.

As representações do ambiente se atêm a uma conformação com o que não pode ser mudado (U43) e com as facilidades de morar em ambientes periféricos (U32), embora convivendo com a deficiente infra-estrutura urbana (U2) e com a violência (U7), dado que corrobora o que foi mensurado no instrumento, pois o domínio ambiente foi o pior avaliado pelos usuários.

A representação do sentir-se saudável foi comunicada, no tema “ter saúde e ânimo para trabalhar”, pela disposição para viver as incumbências do cotidiano. Este entendimento pode ser resultado das condições de vida destes sujeitos (5,10,12-13). Ao comparar-se os resultados da escala WHOQOL-bref com as representações de sentir-se saudável, pode-se identificar componentes similares, com realce em manter inserções sociais e as relações sociais, com ênfase para o apoio da família e dos amigos, motivo também apontado como causador de distúrbios e de afetação da saúde (5). Portanto, a doença, para estas pessoas, não se limita a sintomas físicos e psicológicos. Ela é um acontecimento que ocorre entre o doente e seus mundos sociais, impondo aos sujeitos alterações do cotidiano muito mais problemáticas do que a doença em si(3), e o suporte religioso é um complemento que os fazem viver melhor.

Para controlar a doença, os usuários reproduzem em seus depoimentos discurso prescritivo da equipe de saúde – medicação, alimentação, exercícios, que são os temas clássicos utilizados pelos profissionais de saúde – devolvendo aos pesquisadores aquilo que lhes foi transmitido não apenas pelos profissionais, mas também nas relações com seus pares e que agora ancora as suas representações (5,8).

Em relação à QV, não existe uma conceituação a priori, mas ao serem abordados sobre o tema, a definem utilizando conceitos oriundos do senso comum, que são comunicados socialmente pelo grupo ao qual pertencem, pois as experiências com as doenças crônicas são partilhadas no contexto da comunidade (4). Portanto, a QV é um conceito dinâmico “construído a partir da descrição e interpretação das relações dialéticas do indivíduo com o seu cotidiano social, cultural, biológico, psicológico e físico” (12), e nesse sentido as categorias oriundas dos discursos são atreladas aos referentes, como o trabalho, as relações com o grupo de pertença e a espiritualidade.

O tema relacionamentos, inserções sociais e saúde” refere-se aos aspectos emocionais ligados ao estar bem consigo e com outros, às suas inserções sociais e principalmente a ter saúde, pois este é um valor inalienável, razão de toda representação de QV e da boa qualidade da mesma(12). Nas concepções expressas, os sentimentos positivos são ligados à saúde (3). Ser feliz é estar saudável e pleno de vida. Pode-se afirmar que a QV representada reflete investimentos afetivos vinculados ao objeto da representação: QV é saúde, boas relações consigo e com outros, familiares e amigos, portanto é felicidade. Paradoxalmente, possuir uma doença crônica (10) tende a limitar as inserções sociais devido aos vários atributos acarretados por ela; então, mesmo sendo portadores de uma DC, ao conceituarem a QV este fato não é considerado, pois o parâmetro utilizado é a saúde.

Quanto ao relacionar-se em grupo, verificou-se que a participação nestes os auxiliam a enfrentar as dificuldades que surgem no envelhecer, além de representar um aspecto diferencial, corroborando com o depoimento de U28, o qual relaciona a sua QV com a convivência com as pessoas (3).

A preservação do vínculo familiar e poder estar perto dos amigos e parentes foram referidos em outro estudo sobre a percepção da qualidade de vida dos idosos para a manutenção da saúde, tal como a possibilidade de ter moradia, lazer, a crença e a fé em um ser superior. Assim, esta representação suporta alguns elementos considerados nos domínios físico, psicológico e social do WHOQOL-bref, que são enfatizados e valorizados nos discursos dos sujeitos.

O segundo tema diz respeito à “autonomia financeira”, pois para os sujeitos deste estudo, que se encontram numa faixa etária acima dos 60 anos, não basta apenas ter dinheiro para a sobrevivência, mas para poder usufruir dos benefícios da idade com conforto (18).

Observam-se aspectos relativos ao valor social do trabalho e dos bens adquiridos ao longo de toda a vida. Salienta-se que com melhores salários há possibilidade de cuidar-se melhor, isto é, seguir a prescrição dos cuidados imposta pela condição crônica, porquanto ter autonomia financeira é ter conforto material, a moradia e a alimentação satisfatórias; é interessante ressaltar que frente às condições de renda já referidas anteriormente este tema emergiu, como em outros estudos (3,18).   

Verificou-se nos depoimentos a ancoragem em um ser superior no tema “espiritualidade e longevidade”  em relação ao fato de sentirem-se ou não saudáveis. Não há a questão da longevidade no WHOQOL-bref, pois ele avalia a QV considerando um período de tempo determinado pelas duas últimas semanas, mas, pelos discursos, a valorização deste enfoque sobrepuja em muito as questões físicas e psicológicas. Um aspecto levantado por U42, viver na religião, é também citado por muitos doentes crônicos em estudos sobre QV, assim como a vontade de viver (U11), o conforto do lar, ser feliz e ter amizade, que são formas de representar a QV ou a saúde (3), apesar da DC(7). 

Conclusão 

Os sujeitos têm idade média de 69,3 anos, sendo, em sua maioria, casados e independentes para a maior parte das atividades da vida diária e instrumentais, referindo no mínimo duas doenças crônicas, principalmente diabetes e hipertensão. No domínio do WHOQOL-bref, em termos de qualidade de vida percebida, verificou-se melhor avaliação para o domínio social; percebem a QV como muito boa e a representam como ter saúde para enfrentar tudo, a comunicação e interação com os outros, a autonomia para viver e trabalhar.

            Na QV representada pelos sujeitos deste estudo, verificou-se que, no domínio físico, ela esteve ligada às limitações trazidas pela doença em relação à manutenção do cotidiano; no psicológico, a algumas referências a sentimentos e emoções; no ambiente, ao contexto vivido pela comunidade com a infraestrutura urbana e a violência; e, nas relações sociais, à pertença ao grupo familiar e amigos.

            Portanto, a QV representada pelo grupo inclui os aspectos mensurados, confirmando o pressuposto deste estudo, e está em consonância com a multidimensionalidade e subjetividade do conceito. A utilização das abordagens qualitativa e quantitativa permitiu maior abrangência no conhecimento do senso comum, dando voz ao que foi percebido e acrescentando questões como a autonomia financeira e a longevidade. Acredita-se que as semelhanças encontradas com outros estudos reforçam a importância do estudo desse construto na avaliação das necessidades da comunidade.

Os resultados direcionam para o estudo das formas de cuidar desta parcela da população  e para o acompanhamento da percepção da QV, à medida que a idade e a capacidade funcional diminuem, aspectos que certamente podem esclarecer e auxiliar na abordagem da clientela atendida, além de servir de subsídio para as ações da enfermagem a medida que o conhecimento das representações da QV  e a interferência de algumas variáveis possibilitam para o enfermeiro uma atuação mais efetiva na prevenção e promoção de complicações da doença crônica, diminuindo com isto o impacto da mesma na QV. 

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Maria de Fátima Mantovani- Análise e interpretação: Maria de Fátima Mantovani, Felismina Rosa Parreira Mendes- Escrita  do artigo: Maria de Fátima Mantovani, Felismina Rosa Parreira Mendes- Revisão crítica do artigo: Maria de Fátima Mantovani, Felismina Rosa Parreira Mendes - Aprovação final do artigo: Maria de Fátima Mantovani e Felismina Rosa Parreira Mendes- Colheita dos dados: Maria de Fátima Mantovani- Pesquisa Bibliográfica: Maria de Fátima Mantovani.

Endereço para correspondência: Maria de Fátima Mantovani- Rua Martim Afonso,1067, ap.12- Curitiba- Paraná- CEP 80430-100. E-mail: mantovan@ufpr.br