Tatiana Braga de Camargo1, Maria Ribeiro Lacerda1, Leila Maria Mansano Sarquis1
1 Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Paraná, Brasil.
Abstract. Work settings have demanded more and more that workers take care of themselves in order to avoid burnout. In the health area, the professionals who take care of other human beings sometimes forget about themselves and suffer the harmful consequences, among them, work accident with biological hazard. Thus, it aims to identify the factors that foster health workers’ self-care among those who suffered accident with biological waste. This article is part of a dissertation which uses the grounded theory as a methodological landmark, trying to grasp the whole of a phenomenon which portrays the experience of a given social group. The research study has three sampling groups totaling eleven subjects. The first group takes up health workers who had accident with biological waste and ended surveillance, the second one entails the ones who quit surveillance and the third one with professionals who render care to those who had accidents. Data collection was carried out by means of semi-structured interviews between December/2008 and August/2009. Among the themes, categories, sub-categories and components evolved in the dissertation, it was chosen to explicit in this work the category “Perceiving the factors that collaborate in the care of oneself” which comprises the following sub-categories: “Cutting down accident hazards”, “Facilitating the use of Standard Prevention”, “Setting up Scientific Knowledge Influences”, “Increasing the number of surveillance compliance”. “Being aware”, and “Fearing”. It is necessary to work with these professionals in order to potentialize these factors that help them care of themselves so that attention towards them be increased and brings about beneficial consequences to the health of those individuals who take care of other human beings.
Key words: Worker’s health, accidents and biological events, self-care.
Resumo. O mundo do trabalho tem exigido, cada vez mais, que o trabalhador cuide de si a fim de evitar desgaste excessivo. Na área da saúde, o profissional que cuida de outro ser humano, por vezes esquece de si e sofre consequências nocivas em seu labor, sendo uma delas o acidente de trabalho com risco biológico. Assim, tem-se por objetivo identificar os fatores que colaboram no cuidado de si do trabalhador de saúde que sofreu acidente com material biológico. Este artigo é um recorte de dissertação, que utiliza como marco metodológico a Teoria Fundamentada nos Dados, a qual busca compreender a totalidade de um fenômeno que retrate a vivência de um determinado grupo social. A pesquisa possui três grupos amostrais, totalizando onze sujeitos. O primeiro grupo é composto por trabalhadores de saúde que sofreram o acidente com material biológico e finalizaram o monitoramento, o segundo com os que abandonaram o monitoramento e o terceiro com os profissionais que atendem esses trabalhadores acidentados. A coleta aconteceu por meio de entrevistas semi-estruturadas no período de dezembro de 2008 a agosto de 2009. Dentre os temas, categorias, subcategorias e componentes que emergiram na dissertação, optou-se por explicitar, neste trabalho, a categoria “Percebendo os fatores que colaboram no cuidado de si”, esta categorias é composta pelas seguintes subcategorias “Reduzindo o risco de acidente”, “Facilitando o uso de precaução padrão”, “Estabelecendo influências do conhecimento científico”, “Aumentando a adesão ao monitoramento”, “Estando conscientizado”, e “Tendo medo”. É preciso atuar junto aos trabalhadores com o intuito de potencializar esses fatores que os auxiliam no cuidado de si a fim de que a atenção voltada a esses profissionais seja ampliada e resulte em consequências benéficas à saúde deste indivíduo que cuida de outros seres humanos.
Palavras-chave: Saúde do trabalhador, acidentes e eventos biológicos, autocuidado.
Introdução
As transformações no mundo do trabalho, como a globalização da economia e a aplicação das políticas neoliberais, têm resultado em perdas ao trabalhador, tais como: o aumento significativo das taxas de desemprego, a eliminação de vários postos de trabalho, a multiplicidade de relações trabalhistas e o aumento das dificuldades na representação e na atuação sindical1.
Esses são alguns fatores que contribuem para que a vida do ser humano tenha se tornado cada vez mais agitada, estressada, competitiva, no intuito de se manter em um determinado padrão de conforto, ou até mesmo para fins de sobrevivência, a rotina do ser humano está cada vez centralizada no trabalho, esquecendo-se de amigos, da família, e, especialmente, de si mesmo.
O esquecimento de si mesmo é percebido em uma variedade de profissões, especialmente entre os profissionais da saúde, que trazem consigo o paradigma da obrigação, o dever de cuidar, tratar do outro e como resultado, pode se deparar com o descuidado de si mesmo.
Todavia, é preciso que o trabalhador se conscientize da necessidade de voltar para si mesmo, de ser cuidado pela instituição empregadora e por ser cuidado pelos colegas de trabalho, além daqueles com quem mantém contato em sua vida pessoal.
Dentre uma gama de consequências nocivas do descuidado de si com os quais o trabalhador se depara no trabalho, uma delas é o acidente de trabalho causado por material perfurocortante. Atualmente, este material é a causa principal de acidente de trabalho entre profissionais da área de saúde2. Este tema apresenta-se relevante, visto que o acidente com material biológico é preocupante segundo a gravidade das consequências de uma soroconversão3, pois há a possibilidade de soroconversão no que se refere ao Vírus da Imunodeficiência Adquirida (HIV), ao Vírus da Hepatite B (HVB) e ao Vírus da Hepatite C (HVC).
Segundo dados do ano de 2007 do Center of Deseases Control (Centro de Controle de Doenças, CDC), órgão estadunidense que rege diretrizes mundiais sobre controle de doenças, o número de acidentes de trabalho ocasionados por material perfurocortante em profissionais de saúde é de 385.000/ano e os acidentes percutâneos em torno de 1.000/dia4.
Uma das formas de reduzir tais taxas é por intermédio do cuidado de si. Neste trabalho, o cuidado de si é considerado um exercício da prática reflexiva das ações do sujeito que acontecem na relação com o outro em busca de felicidade e bem-estar para si e para o próximo. Esta prática pode ocorrer ao cuidar de si, ao ser cuidado pelo outro e ao cuidar do outro, uma vez que nessas relações de cuidado o sujeito pode se conhecer, satisfazer-se, conhecer o próximo, descobrir-se, controlar seus desejos, reconhecer seus limites, trabalhar suas potencialidades, estabelecer relações de poder e se reconhecer como responsável por seus próprios atos5.
Ao compreender que o cuidado de si é uma das formas de promover qualidade de vida no trabalho e consequentemente reduzir tais acidentes, este artigo tem por objetivo identificar os fatores que colaboram no cuidado de si do trabalhador de saúde que sofreu acidente com material biológico.
Metodologia
Este estudo representa um recorte de uma dissertação de mestrado que teve como objetivo construir um modelo teórico que explicitasse como os trabalhadores de saúde que sofreram acidente com material biológico cuidam de si e que utilizou como marco metodológico a Teoria Fundamentada nos Dados (TFD). A TFD busca compreender um fenômeno que retrate a vivência de um grupo social, e tem como características principais a sensibilidade teórica do pesquisador, a circularidade dos dados e a análise comparativa constante dos dados6. A coleta e a análise dos dados, que ocorrem simultaneamente, de forma sistematizada7,aconteceram no período de dezembro de 2008 a agosto de 2009, cujo instrumento de pesquisa era a entrevista semi-estruturada. Foram necessários três grupos amostrais, totalizando 11 sujeitos. O primeiro grupo foi composto por trabalhadores de saúde que sofreram o acidente com material biológico e que finalizaram o monitoramento de 180 dias, o segundo pelos que abandonaram o monitoramento e o terceiro por profissionais de saúde que atendem esses trabalhadores. Findadas coleta e análise, por meio da saturação teórica, realizou-se a validação teórica com dois dos sujeitos que participaram do terceiro grupo amostral. Da análise dos dados, emergiram três temas, seis categorias, vinte e seis subcategorias e treze componentes. Neste artigo será explicitada apenas a categoria, “Percebendo os fatores que colaboram no cuidado de si”.
Este estudo aconteceu na Unidade Saúde do Trabalhador do Hospital do Trabalhador do município de Curitiba (PR). O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná (UFPR), seguiu os preceitos éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que rege questões relacionadas à pesquisa com seres humanos e recebeu como identificação o Registro CEP/SD: 595.132.08.08 e o CAAE: 0050.0.091.000-08. Os responsáveis pelo serviço que participaram da pesquisa também assinaram uma autorização para divulgação do nome da instituição.
Percebendo os fatores que colaboram no cuidado de si
Na TFD a apresentação dos dados ocorre de uma forma diferenciada, uma vez que este marco metodológico busca investigar a totalidade de um fenômeno de acordo com a visão dos sujeitos. Para construir o modelo teórico, a discussão com os autores é descartada, pois acredita-se que o modelo emerge estritamente por intermédio da vivência dos sujeitos. Desta forma, a apresentação dos resultados dessa pesquisa se dará por meio da explicitação da categoria “Percebendo os fatores que colaboram no cuidado de si”, composta pelas seguintes subcategorias: “Estabelecendo influências do conhecimento científico”, “Estando conscientizado”, “Sendo cuidado pela instituição empregadora”, “Aumentando a adesão ao monitoramento”, “Facilitando o uso de precauções padrão”, “Reduzindo o risco de acidente” e “Tendo medo”.
Na subcategoria “Estabelecendo influências do conhecimento científico”, o conhecimento científico auxilia o trabalhador a se prevenir no trabalho e a agir corretamente, quando necessário, como é o caso do uso de quimioprofilaxia até duas horas após o acidente. O uso da quimioprofilaxia provoca efeitos colaterais importantes. Assim, ter conhecimento acerca de sua finalidade e importância pode ser um fator que os encoraje a finalizar o tratamento.
Como a minha colega que teve que tomar gamaglobulina, ela tava arrasada. Eu falei: “Vivi é normal, é o protocolo, tá certo!” (Tagarela)
Da mesma forma, o conhecimento proporciona tranquilidade ao trabalhador, quando este tem ciência acerca dos efeitos colaterais, da avaliação da lesão e dos riscos de soroconversão.
“Eu estava infundindo, tava
empurrando medicação. [...]. Então no lúmen da agulha deve ter ficado muito
pouco sangue. Mais fator do que sangue, né? E fora que quando ela bateu não foi
com nenhuma pressão. [...] Então... a POSSIBILIDADE de eu ter me contaminado é
remotíssima. Por isso que eu tô tranqüila”
(Tagarela)
A formação profissional influencia na saúde do trabalhador e no cuidado de si, pois incita a reflexão sobre seu trabalho, sobre prevenção, a usar mais EPI, precaução padrão, entre outros.
... “ah, tem micropartículas nos dedos...!” E a gente fala: “Ah, mas não tem nada aqui, não vai pegar nada. Deixe que encoste o sangue!” [...] Não, não é assim. Tem que cuidar (Atenciosa)
Em relação à subcategoria “Estando conscientizado”, primeiramente é preciso compreender que a conscientização é uma forma de ter ciência de determinado assunto e colocá-lo em prática. O trabalhador sente a necessidade de se conscientizar da possibilidade de uma soroconversão. Quando isto acontece, o trabalhador passa a se cuidar melhor no trabalho, pois começa a ter atitudes que favorecem a qualidade de vida no trabalho.
Basta ela por na cabeça que aquilo pode acontecer. Uma hora ou outra vai acontecer. Ela tem que se cuidar (Determinado)
Quando trabalhar nessa área de hospital, essas coisas, de saúde, tem que sempre se cuidar (Carinhosa)
É necessário também que ele se conscientize acerca de sua responsabilidade em relação a si e ao outro. Isto porque o cuidado de si exige a interação genuína com o outro para que sejam estabelecidas relações de poder entre os indivíduos.
Depois da Enfermagem, acidente, quem vem são os auxiliares de serviços gerais. E esses ali, na verdade, são pessoas assim que precisavam ter um cuidado maior, né? Um cuidado nosso que estamos mais capacitados do que eles (Observadora)
No caso da subcategoria “Sendo cuidado pela instituição empregadora”, é evidente que esta não é responsável única pelos atos dos seus empregados, mas é corresponsável pelo cuidado para com esse indivíduo. Os fatores que favorecem esse cuidado e que mais se destacaram foram: a organização do processo de trabalho, as relações no trabalho e o gostar do trabalho.
A organização do processo de trabalho é uma responsabilidade da chefia da instituição de saúde, a fim de que a prestação do serviço e as condições de trabalho sejam satisfatórias para que o trabalhador tenha mais tempo para realizar suas atividades, e as realize com calma, tranquilidade, de forma mais eficiente e eficaz, com menor risco de acidente.
...você vai verificar os sinais vitais primeiro pra ver se tá tudo bem, primeiro, de manhã e vai fazer medicação e depois você vai dar banho. Se não [...] der tempo [...] O pessoal da tarde vai terminar! Mas nesse processo, aí o pessoal que trabalhava com a medicação, [...] ele ia com mais calma, [...] fazia as coisas de forma adequada (Tranquilo)
Para o trabalhador, as relações no trabalho auxiliam na promoção do seu bem-estar, uma vez que a interdependência entre os seres humanos é inerente ao indivíduo. Quando o profissional necessita de outros membros da equipe e as relações são insatisfatórias, isto pode influenciar negativamente na qualidade do produto final do trabalho.
...às vezes você acaba cometendo algum erro que se resolveria se você tivesse uma equipe bem integrada, com todos colaborando (Otimista)
O gosto pela atividade laboral pode ampliar a compreensão do trabalhador acerca do valor do seu trabalho, o que pode proporcionar bem-estar e prazer, pois promover bem-estar ao outro e lhe satisfazer em suas necessidades são atitudes de cuidado de si na perspectiva do cuidar do outro.
Apesar de a pessoa tá doente, mas tentar melhorar ali a saúde daquela pessoa,... às vezes até com uma palavra..., não é nem a doença, né? em si. Às vezes, um tratamento humanizado ali, já... ajuda muito (Atenciosa)
Na subcategoria “Aumentando a adesão ao monitoramento” tem-se a conscientização como principal facilitador do cuidado de si. Os trabalhadores precisam estar conscientizados para aderir ao monitoramento. Abordar essa questão já na formação é uma tática para conscientizar.
Então eu acho que, talvez, um trabalho de educação dentro da universidade... pra mostrar... que os acidentes são sérios, que podem vir a sofrer consequências, né? (Observadora)
Ressaltar a questão dos direitos trabalhistas é uma forma de convencer o trabalhador a finalizar o monitoramento, pois por meio deste ele garante seus direitos trabalhistas, entre eles, a despesa de um tratamento de custo altíssimo, o da hepatite B.
...então eu falo assim pra ela, que apesar do risco ser muito leve, [...],se caso converter, [...],se ela abandonar o tratamento, ela não vai poder alegar que foi de um acidente de trabalho. [...] E acabam vindo, sabe? Por medo de... [...] “vai que por azar acontece mesmo!” (Tranquilo)
Quando a chefia, proativa no cuidado para com o trabalhador, exige que o mesmo finalize o monitoramento, a taxa de adesão e conclusão é muito maior.
...mas também tem aqueles que terminam porque a empresa exige, a empresa cobra. Então eles vem certinho, porque a empresa vem atrás. (Observadora)
O ideal seria a implantação de serviço especializado, de atendimento a trabalhadores que sofreram acidente com risco biológico, no local de trabalho para facilitar o acompanhamento, além de proporcionar à empresa um controle acerca do acidente de seus funcionários.
... eu acho que os grandes hospitais, as grandes unidades façam o monitoramento dos seus próprios profissionais (Persistente)
A otimização do tempo durante o monitoramento é um fator que facilitaria em muito a adesão dos trabalhadores. Nesse sentido, há duas questões a serem consideradas, a implantação de serviços de monitoramento e a agilidade no atendimento.
Uma das hipóteses seria fazer um no dia do acidente e uns seis meses depois, mas daí a gente pode perder algum intercorrência intermediária. Isso eu acho que dificulta (...) O serviço tem que tá muito acessível, com agilidade, senão o camarada sentiu dificuldade uma vez ele já não vai mais. É o que eu penso (Persistente)
Há duas formas principais de alcançar o “Facilitando o uso de precaução padrão”, que são a conscientização do trabalhador ou obrigá-lo a seguir as precauções.
Então independente de você saber que o paciente tem ou não tem o seu cuidado tem que ser o mesmo, em todos os casos (Otimista)
Ter a consciência da necessidade de precaução frente a qualquer paciente é relevante ao cuidado de si, pois exige reflexão e consciência do sujeito, de forma que o mesmo acaba se cuidando no ambiente laboral.
...no quesito acidente mesmo, o que eu posso fazer é estar sempre com os EPI, sempre prevenida (Otimista)
O que facilita, em muito, a utilização de precaução padrão é o fato de o trabalhador ter que ser obrigado a realizar determinada ação.
Às vezes, eu acho que a gente precisa um pouco de ser obrigado (Ético)
...assim, a pessoa ser ... obrigada a usar, se puder (Ético)
Na subcategoria “Reduzindo o risco de acidente” é preciso compreender que, para reduzir este risco, o trabalhador deve fazer uso de técnicas corretas, ter um processo de trabalho organizado, concentrar-se na realização das atividades e estar conscientizado.
Realizar o procedimento baseado em princípios científicos e normalizações preconizadas pelo Ministério da Saúde auxilia na redução de acidentes. Para tanto, o profissional precisa se acostumar a seguir as rotinas, utilizar EPI, entre outros.
Porque se você for lá e fazer tudo certinho, na técnica, certinho, você acostuma. E daí nos outros dias você acostuma e nem percebe, e você acabou fazendo tudo certinho (Atenciosa)
Quando o trabalhador tem atenção e cuidado em suas atividades, ele reduz o risco de acidente, por isso é preciso que sejam uma constante no trabalho.
...a gente tem que tomar mais cuidado e... a Enfermagem também: prestar atenção onde eles colocam as agulhas (Carinhosa)
Em relação à subcategoria “Tendo medo”, este, de uma maneira geral, é um dos grandes parceiros para o cuidado de si. Todavia, há duas perspectivas: a do medo como colaborador no cuidado de si, mas também como prejudicial a esse cuidado.
Quase que a totalidade dos sujeitos expressa que o medo de uma soroconversão é um dos maiores facilitadores para a prática do cuidado de si, tanto na esfera da vida pessoal e profissional quanto em relação ao acidente, propriamente dito.
Então, o meu medo... ele ainda continua nesse sentido assim: de que eu tenho que me cuidar muito pra que isso não aconteça comigo, porque, pra mim, se acontecer a vida acabou! (Otimista)
Eu não sei qual que é a melhor forma: se é assustar a pessoa, mas eu acredito que não. Mas, às vezes, funciona também, né, a maioria das pessoas que vem aqui elas falam: “ah, depois que eu sofri esse acidente agora eu me cuido” (Tranquilo)
Após o choque pós acidente o trabalhador “começa” a realizar precaução padrão. Segundo a Norma Regulamentadora 32, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), é obrigação do trabalhador exposto ao risco biológico fazer uso de precauções padrão, bem como de a instituição obrigá-lo a utilizá-las. Se o cumprimento do preconizado não ocorre de forma espontânea, acontece por outros meios, como pelo medo, por exemplo. Assim, talvez seja o medo do risco biológico que faz com que o trabalhador reflita e aplique o preconizado em sua prática profissional.
Compreendendo a categoria “Percebendo os fatores que colaboram no cuidado de si”
Na TFD para que haja compreensão do fenômeno é preciso que haja interação entre os temas, categorias, subcategorias e componentes. Tendo em vista que este artigo apresenta apenas uma categoria, serão apresentadas as interações entre as subcategorias em questão (Diagrama 1).
Diagrama 1. Interação entre as subcategorias do “Percebendo os fatores que colaboram no cuidado de si
Fonte: A autora , 2009.
A subcategoria “Estando conscientizado” apresenta relação com várias outras, uma vez que é a partir da conscientização que o cuidado de si começa a acontecer verdadeiramente. A aplicação do conhecimento científico na prática acontece quando o trabalhador está conscientizado; e quando o trabalhador possui este conhecimento pode se conscientizar com mais facilidade. Assim se estabelece uma relação de reciprocidade entre as subcategorias “Estando conscientizado” e “Estabelecendo influências do conhecimento científico no cuidado de si”.
Em relação à subcategoria “Aumentando a adesão ao monitoramento” há reciprocidade, pois ter consciência dos aspectos relacionados ao acidente faz com que o trabalhador finalize o monitoramento, e ao finalizá-lo há maior probabilidade de conscientizar o trabalhador devido às orientações realizadas neste período. A influência da conscientização sobre a adesão é maior do que a influência que as orientações exercem para conscientizar, por isso a seta pontilhada indicando menor efeito sobre a subcategoria.
É também a conscientização que faz com que o trabalhador utilize as precauções padrão e reduza os riscos para acidente. Nesse sentido, a conscientização tem um efeito sobre as duas subcategorias “Facilitando o uso de precaução padrão” e “Reduzindo o risco de acidente”.
Em relação à subcategoria “Tendo medo”, há uma relação de reciprocidade com o conhecimento científico, uma vez que, devido ao medo do risco de soroconversão, o trabalhador utiliza o conhecimento na prática para se prevenir e é por conhecer as consequências de uma soroconversão que o medo se instala. Este, quando limitado, é considerado preventivo, ou seja, faz com que o trabalhador siga condutas adequadas no trabalho e em sua vida. Por isso o trabalhador utiliza precauções padrão e reduz o risco de sofrer acidente. Um aspecto interessante é que esse sentimento tem como efeito, de início, a adesão e finalização do monitoramento. Com o decorrer do tempo, o medo é reduzido, posto que as orientações da UST tranquilizam o trabalhador, além dos resultados negativos dos sorológicos que são fortes aliados ao alcance dessa tranquilidade. Essa tranquilidade pode ser tamanha que faz com que o trabalhador desconsidere a importância do acompanhamento e o abandone. É aí que entra a conscientização para que quando esse medo for reduzido, se assim o for, o trabalhador conclua o monitoramento.
Na subcategoria “Estabelecendo influências do conhecimento cientifico no cuidado de si”, tem-se que os trabalhadores de saúde, de uma forma geral, são dotados de conhecimento científico, o que não é garantia para que haja o cuidado de si. Para alguns, conhecer facilita a operacionalização desse cuidado. O medo de sofrer um acidente devido ao risco de soroconversão faz com que o trabalhador coloque seu saber em prática. Por outro lado, o próprio conhecimento acerca das consequências de uma soroconversão pode favorecer a conscientização do trabalhador para que atue de forma preventiva no trabalho.
Entre o conhecimento científico e o estar conscientizado, há uma reciprocidade, uma vez que para que aquele seja aplicado o trabalhador precisa estar conscientizado. Quando o saber influencia no cuidado de si, o trabalhador se conscientiza e utiliza precauções padrão, o que, por sua vez, reduz o risco de acidente. Usar precauções é um efeito da influência do conhecimento no cuidado de si. Quando o trabalhador tem ciência acerca da técnica adequada de descarte de material, de utilização de EPI, entre outros, é capaz de, verdadeiramente, cuidar de si, pois não basta usar luva, máscara, é preciso saber como, para que e em que momento seu uso é mais indicado.
Os dados mostram que “Facilitando o uso de precaução padrão” é uma forma de reduzir os riscos de acidente, por outro lado é preciso que o conhecimento do trabalhador influencie no cuidado de si e para isso ele precisa estar conscientizado acerca da importância dessa forma de fazer prevenção. Sentir medo também faz com que o trabalhador utilize precauções padrão. Quando a instituição empregadora exige que seus funcionários utilizem essas precauções, eles se veem obrigados a seguir essa orientação. Portanto, o cuidado de si, nesse caso, tem duas perspectivas, pois se concretiza por meio do cuidado ao outro, quando a empresa faz essa exigência, e por meio do cuidar de si, quando o trabalhador, mesmo que obrigado, cumpre com o requisitado.
Considerações Finais
O cuidado de si pode ser uma das estratégias para que o trabalhador vivencie situações laborais prazerosas e possa alcançar a qualidade de vida no trabalho. Identificar fatores que colaboram no cuidado de si é apontar estratégias que facilitem o alcance dessa qualidade. Aos enfermeiros este assunto incita atuações no campo da prevenção e promoção da saúde no trabalho e na vida particular dos trabalhadores de saúde e, mais especificamente, em relação ao acidente com material biológico. Neste sentido, é preciso agir em prol de situações que favoreçam o exercício do cuidado de si, seja essas o conhecimento científico, a conscientização, a atuação da instituição empregadora como corresponsável pela saúde do trabalhador, os fatores que elevam a adesão ao monitoramento, o próprio medo e os quesitos que reduzem, mais especificamente, os acidentes com material biológico. Esta pesquisa traz a contribuição no sentido de apontar aspectos a serem melhor trabalhador no ambiente laboral tanto pelos trabalhadores, quanto pelas instituições empregadoras, mas também o Estado, como participantes desse processo de obtenção da qualidade de vida no trabalho.
Referências
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Nota: Parte da Dissertação “Vivência do cuidado de si do trabalhador de saúde frente o acidente com fluídos biológicos: contribuições da Enfermagem” Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná. 2009. Curitiba.
Contribuição dos autores:- Concepção e desenho: Tatiana Braga de Camargo - Análise e interpretação: Tatiana Braga de Camargo; - Escrita do artigo: Tatiana Braga de Camargo - Revisão crítica do artigo: Tatiana Braga de Camargo , Maria Ribeiro Lacerda, Leila Maria Mansano Sarquis- Aprovação final do artigo: Tatiana Braga de Camargo , Maria Ribeiro Lacerda, Leila Maria Mansano Sarquis - Pesquisa bibliográfica: Tatiana Braga de Camargo
Endereço para correspondência: Tatiana Braga de Camargo. Avenida Silva Jardim, nº 1364, apto 408. Rebouças. Curitiba - Paraná. CEP: 80.250-200. E-mail: tatikabraga@yahoo.com.br
Nota da editora: Em que pese a política editorial do OBJN aceitar imediatamente manuscrito oriundo de tese ou dissertação defendida e aprovada, neste manuscrito em especial consideramos por bem chamar atenção para o fato de que o OBJN não compartilha a opinião de que os sujeitos da pesquisa possam ser caracterizados a partir de adjetivos. No nosso entendimento, o adjetivo usado desta forma pode ser interpretado como pré-conceito ou induzir o leitor a pensar por este viés.