Isabel Cristina Fonseca da Cruz 1; Andréia Soares Pinto 2
1 Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica, Universidade Federal Fluminense. 2 DataUFF, Niterói, RJ
Abstract: The research aims were to determine the health and welfare conditions of Black women in Rio de Janeiro. A survey was conducted to identify data related to self-image, sexual health, income, etc. The study concluded that the economic status and the internalized low self steam may compromise health and must be neutralized by affirmative actions leaded by the health professionals along with the Black women and society.
Keywords: Black woman, sexuality, racism
Resumo: A pesquisa visa dados sobre saúde e bem-estar, particularmente os relativos à emancipação das mulheres negras. Os dados foram obtidos por meio do survey desenvolvido pelo Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (CEAP) e Núcleo de Pesquisas, Informações e Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense (DataUff ) sobre as relações raciais no Estado do Rio de Janeiro, entre janeiro e março de 2000. Os dados evidenciam uma precária condição de saúde e bem-estar das mulheres negras e de suas famílias. Reforçam ainda mais o pressuposto de que o racismo é uma categoria relevante para a compreensão do processo saúde-doença na população brasileira.
Palavras-chave: mulher negra; sexualidade; racismo
A saúde e o bem-estar compreendem a integração de aspectos somáticos (físicos), emocionais, intelectuais e sociais. Mas, o sexismo, combinado ao racismo, provavelmente é um fator perturbador da identidade pessoal, da imagem corporal, do autoconceito e da auto-estima, entre outros (Nóbrega & Gutiérrez, 2000).
Quanto à mulher negra, segundo Cruz (1995) e Barbosa (1998), os poucos dados sobre saúde são críticos e evidenciam que elas são as que mais perdem anos de vida devido a uma subordinação tripla: gênero, raça e classe social. Por conseguinte, a permanência do desconhecimento sobre aspectos de saúde e bem-estar, particularmente os relativos à emancipação das mulheres negras, compromete o estabelecimento de políticas públicas que promovam o desenvolvimento social e a qualidade de vida.
Por meio do survey desenvolvido pelo Centro de Articulação das Populações Marginalizadas (CEAP) e Núcleo de Pesquisas, Informações e Políticas Públicas da Universidade Federal Fluminense (DataUff ) sobre as relações raciais no Estado do Rio de Janeiro, entre janeiro e março de 2000, 1172 pessoas, escolhidas aleatoriamente, foram entrevistadas por meio de um questionário com 105 perguntas, após o consentimento informado e a garantia de sigilo e anonimato.
Dos entrevistados, 607 (51,8%) são mulheres. No grupo feminino, 297 mulheres (49%) se auto-declararam pardas ou pretas (25,3% do total de entrevistados).
São estas 297 mulheres negras que compõem a amostra desta pesquisa. Destacamos para análise as perguntas referentes à sensualidade (percepção do eu), à sexualidade (relações interpessoais) e à emancipação (poder econômico e político) da mulher negra.
Os dados são apresentados descritivamente, sendo a sua discussão feita à luz da literatura especializada.
As 297 mulheres entrevistadas encontram-se distribuídas em três grandes regiões de amostragem:
- Interior (26%),
- Município do Rio de Janeiro (37,2%) e
- Região Metropolitana (36,8%).
Quanto à sensualidade, verificou-se a insatisfação das mulheres negras com a própria aparência (pardas 47% e 45,4 % pretas). Uma parcela significativa (46,5%), declarou que se pudesse mudaria algo no seu corpo como, por exemplo, o cabelo (29,6%) e o nariz (9,2%). Avaliou-se que a vaidade e a beleza estética feminina ainda seguem um padrão europeu de beleza.
Quanto à sexualidade, pelo estado civil, nota-se que as mulheres pardas casadas, com idade entre 25 e 34 anos, são em maior número (72,7% das mulheres pardas). No grupo de mulheres casadas, entre 18 a 24 anos, as pretas somam 40% e as pardas, 21,4%.
Casamento em idade precoce e baixa condição econômica (76,5% das mulheres, entre 18 a 24 anos, pertencem às classes C, D e E – 47,1% na classe C, e 29,4% nas classes D-E) apontam para a possibilidade de problemas de saúde gineco-obstétricos sem o devido acompanhamento médico (Araújo, 2001).
Quanto à escolaridade, apenas sete mulheres, ou seja 4% da amostra estudada, possuem o nível superior completo. No restante da amostra, 33,1% possuem o primeiro grau incompleto, 22,6% possuem o segundo grau completo ou o curso superior incompleto; 22,3% são analfabetas ou possuem uma escolaridade inferior às quatro primeiras séries e 19,6% possuem o primeiro grau completo ou o segundo grau incompleto.
Uma vez que o trabalho remunerado é um dos fatores que permite à mulher se afirmar enquanto sujeito, sem a necessidade de um mediador/provedor masculino entre ela e o universo, diante da baixa escolaridade e do baixo rendimento mensal médio (R$ 241,87), verifica-se que a mulher negra no Estado do Rio de Janeiro possui um substancial handcap quanto à emancipação. Vale ressaltar que 42,3% recebem menos de um salário mínimo nacional (R$ 151,00) como rendimento mensal e 38% não têm nenhum tipo de rendimento próprio, portanto, a inserção no mercado de trabalho e condições para aquisição dos bens de consumo parecem muito distantes do cotidiano das mulheres negras.
Os dados evidenciam uma precária condição de saúde e bem-estar das mulheres negras e de suas famílias, e não diferem dos encontrados pelas Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1997 e 1998, nem de outros estudos semelhantes (Araújo, 2001; Barbosa, 1998; Sant’Anna, 2001) e reforçam ainda mais o pressuposto de que o racismo é uma categoria relevante para a compreensão do processo saúde-doença na população brasileira.
Esta carta sobre o estudo que está em andamento no Núcleo de Estudos sobre Saúde e Etnia Negra (NESEN), da Universidade Federal Fluminense (UFF), já evidencia o espaço reservado pelo sexismo e pelo racismo para o segmento de mulheres negras na sociedade fluminense: a subalternidade. Evidência e denúncia apontam para a necessidade de proposições de políticas públicas de saúde, economia e educação que corrijam em curto e médio prazos as distorções aqui apresentadas e que colocam a mulher negra à margem da sociedade e da sua humanidade. Apontam ainda a necessidade de se desenvolver pesquisas na área da saúde sobre as mulheres negras, de modo a habilitar os profissionais de saúde quanto ao diagnóstico e ao tratamento dos distúrbios de auto-estima, auto-imagem e autoconceito decorrentes do racismo.
Agradecimentos: ao Dr. Zairo Borges Cheibub, diretor do DataUff, a disponibilização dos dados.
Referências:
ARAÚJO, M. J. O., 2001. Reflexões sobre a saúde da mulher negra e o movimento feminista. Jornal da Rede Saúde, 23:24-26.
BARBOSA, M. I., 1998. Racismo e Saúde. Tese de Doutorado, São Paulo: Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.
CRUZ, I. C. F., 1995. Sensualidade, sexualidade e emancipação. Subsídios para a discussão sobre a subjetividade da mulher negra. Revista de Enfermagem UERJ, 3:227-232.
NÓBREGA, M. M. L. & GUTIÉRREZ, M. G. R., 2000. Equivalência Semântica da Classificação de Fenômenos de Enfermagem da CIPE.Versão Alfa. João Pessoa: Idéia.
SANT’ANNA, W., 2001. Desigualdades étnico/raciais e de gênero no Brasil: As revelações possíveis do IDH e IDG. Jornal da Rede Saúde, 23:24-26
Reprint from: Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 17(6):1548-1550, nov-dez, 2001
Nota: A pesquisa completa está em: CRUZ, I. C. F.; PINTO, A. S. - Tópicos sobre sensualidade, sexualidade e emancipação: um survey sobre as mulheres negras. Revista Eletrônica de Enfermagem (online), Goiânia, v.3, n.2, jul-dez. 2001. Disponível: http://www.fen.ufg.br/revista/revista3_2/survey.html