Social relationships in the quotidian of users of a psychosocial care center: a phenomenological study

Relacionamentos sociais no cotidiano de usuários de um centro de atenção psicossocial: um estudo fenomenológico 

Cíntia Nasi*, Jacó Fernando Schneider*

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil

Abstract: This study aimed to understand the daily life of users of a Psychosocial Care Center. It is a qualitative research, which follows the theoretical and methodological references from Alfred Schutz’s phenomenological sociology. Field study was a Psychosocial Care Center in Porto Alegre City, Rio Grande do Sul State, Brazil. Data collection had occurred between April and June 2008, with phenomenological interviews with 13 service users. From comprehensive data analysis, it emerged information about users’ social relationships. Thus, with this study it is possible to understand the diversity of social relationships users have in the world of daily life, which can be expanded if they are included in different spaces of society.

Keywords:  Mental health; Mental Health Services; Psychosocial Support Systems; Nursing 

Resumo: Este estudo teve o objetivo de compreender o cotidiano de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, com o referencial teórico-metodológico da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz. O campo do estudo foi um Centro de Atenção Psicossocial de Porto Alegre, no estado do Rio Grande do Sul. A coleta das informações ocorreu entre abril e junho de 2008, por meio de entrevista fenomenológica com 13 usuários do serviço. Na análise compreensiva dos depoimentos emergiram informações sobre as relações sociais dos usuários. Com este estudo pode-se compreender a diversidade de relacionamentos sociais que os usuários desempenham no mundo da vida cotidiana, os quais podem ser ampliados na medida em que eles estiverem incluídos em diferentes espaços da sociedade.

Palavras-chave: Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Centros de Apoio Psicossocial; Enfermagem 

Introdução

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são serviços que representam a reorientação do modelo de atenção em saúde mental de um modo asilar, com o foco na doença mental e com o hospital psiquiátrico como principal meio de tratamento, para o modo psicossocial, com o olhar para o sujeito em sofrimento, considerando-o inserido em determinado grupo social, com o atendimento pautado por serviços substitutivos, organizados em uma rede de atenção em saúde mental1.

Essa mudança do modelo de atenção passa a ocorrer com o movimento da reforma psiquiátrica brasileira, iniciada no final da década de 1970, tendo como um dos principais atores o Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental. Esse movimento da reforma psiquiátrica se caracteriza por ser um processo que faz questionamentos quanto ao modelo psiquiátrico tradicional, centrado no manicômio e marcado quase que exclusivamente pelo papel de um profissional da saúde, o psiquiatra. Tal movimento busca re-orientar esse modelo de atenção para que se faça a desinstitucionalização do cuidado em saúde mental, o que implica não somente na criação de serviços que substituam o manicômio, mas sim de novas maneiras de enxergar a loucura2.

A reforma psiquiátrica busca romper com a visão biológica reducionista e propõe a desmontagem dos conceitos fundamentais da psiquiatria hospitalocêntrica e medicalizadora. Sugere-se então, adotar a noção de Estratégia Atenção Psicossocial, a qual exige a superação do modelo manicomial para um novo paradigma que situe a saúde mental no campo da saúde coletiva. A partir desse processo compreende-se que o processo saúde-doença demanda abordagens interdisciplinares, transdisciplinares e intersetoriais, em uma diversidade de dispositivos territorializados, e acima de tudo, nesse novo paradigma produção de saúde e produção de subjetividades estão entrelaçadas3.

Nesse processo de reforma, a enfermagem em saúde mental também tem seu campo de atuação ampliado, passando a adotar como novo objeto do conhecimento a saúde mental e como novo local de prática de suas ações a comunidade. Além disso, são incorporados conhecimentos e possibilidades de intervenção com famílias de usuários em sofrimento psíquico na prática da enfermagem, com o uso do relacionamento interpessoal e da comunicação4.

Para a efetivação dessa mudança paradigmática, de acordo com a Estratégia Atenção Psicossocial, está preconizado que os municípios se organizem de maneira a constituírem uma rede de serviços substitutivos ao manicômio, formada por CAPS, residências terapêuticas, ambulatórios, internação em hospital geral, atendimento na rede básica, dentre outros. A constituição desta rede visa o oferecimento de um cuidado não excludente, de escuta, que possibilite a reinserção social dos sujeitos em sofrimento psíquico e maior contato com sua família e comunidade. Além disso, é preciso articular os recursos dessa rede de atenção à saúde mental com recursos da saúde em geral e com recursos no âmbito das políticas públicas, como ministério público, previdência social, delegacias, instituições para crianças, idosos, políticas educacionais, de lazer, de cultura, dentre outros2.

Necessita-se então, não somente modificar os locais de atendimento, mas sim, mudar as concepções associadas à doença mental, dissociar a loucura da violência, da improdutividade e da incapacidade de articulação social5. O CAPS é um dos serviços que busca fazer essa mudança de concepção no modo de lidar com os usuários em sofrimento psíquico e seus familiares, seus pressupostos destacam o atendimento aos sujeitos em sofrimento psíquico, assim como a reabilitação psicossocial, visando promover o exercício da cidadania, maior grau de autonomia possível e interação social loucura1.

Nessa preconizada rede de serviços de saúde mental é preciso trabalhar com a noção da integralidade da atenção, de maneira a considerar o modo singular das pessoas em sofrimento psíquico, ou seja, sua relação consigo e com o mundo. Para isso, é necessário organizar o cuidado com a ideia de encontro do serviço com a comunidade e com o sofrimento psíquico apresentado pelo usuário. Além disso, os profissionais dos serviços de saúde devem prestar um atendimento integral, compartilhando experiências, com o envolvimento de familiares e da comunidade6.

Assim, como enfermeiros que atuam no campo psicossocial, o que motivou-nos a realizar esse estudo foi a necessidade de desvelar os relacionamentos e as ações sociais que os usuários estabelecem quando estão fora do espaço do CAPS. Além disso, também ficamos instigados a compreender em que o serviço vem colaborando para que os seus usuários se relacionem fora do seu espaço, se eles vêm interagindo na sociedade, ou se permanecem em certo isolamento social no CAPS.

Espera-se que estudo possa auxiliar as equipes de saúde mental a conhecerem a compreensão que os usuários têm do seu cotidiano após terem ingressado em um CAPS, incluindo os aspectos relacionados aos relacionamentos sociais que os usuários possuem na vida cotidiana. A pesquisa também pode proporcionar que as equipes reflitam sobre a maneira como vêm trabalhando, subsidiando reestruturações que se façam necessárias para a assistência em saúde mental.  

Objetivo

Compreender o Cotidiano de usuários de um Centro de Atenção Psicossocial na perspectiva da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz.  

Trajetória Metodológica

O estudo trata-se de um recorte de dissertação de mestrado, de caráter qualitativo, de abordagem fenomenológica, com a utilização do referencial teórico-filosófico da sociologia fenomenológica de Alfred Schutz. Destaca-se que a fenomenologia tem sido utilizada na enfermagem como referencial teórico metodológico em investigações que visam compreender a visão do ser humano em seu todo vivido, bem como de forma situada no mundo e em sua totalidade de vida7.

A utilização do referencial teórico-metodológico da sociologia fenomenológica nas pesquisas em saúde mental se faz pertinente, já que tanto na saúde mental, quanto na sociologia fenomenológica se quer dar “voz” aos sujeitos, considerando as suas singularidades, desejos e subjetividades. Na utilização desse referencial é necessário voltar-se para os sujeitos com a finalidade de apreender as suas vivências no mundo da vida cotidiana, o qual é um mundo intersubjetivo, compartilhado entre os semelhantes8.

Este estudo foi realizado em um CAPS localizado no município de Porto Alegre, estado do Rio Grande do Sul. Esse serviço foi inaugurado em 1996, presta atendimento nos turnos da manhã e tarde, das 8 às 18 horas, de segunda a sexta-feira. A equipe do serviço é composta por duas enfermeiras, três psicólogas, três terapeutas ocupacionais, dois médicos psiquiatras, um profissional de educação física, uma assistente social, uma nutricionista, quatro auxiliares de enfermagem, e pessoal de apoio (secretária, porteiro, serviços gerais). Além do mais, o serviço conta com residentes de diversas áreas e estagiários de enfermagem e psicologia.

O atendimento é realizado por uma série de dispositivos terapêuticos, como acolhimento, atendimento a moradores de rua, acompanhamento terapêutico, oficinas terapêuticas e de expressão, atividades de convívio, assembléia de usuários, cinema em debate, dentre outros.

Os atores do estudo constituíram-se em 13 usuários do CAPS, escolhidos de forma aleatória e entrevistados no próprio serviço. Dos 13 usuários entrevistados, nove eram mulheres e quatro homens, as idades variaram de 25 a 56 anos, oito eram solteiros, cinco separados e um era casado. Quanto ao regime de tratamento no CAPS, dez usuários estavam no regime semi-intensivo, ou seja, tinham acompanhamento freqüente no serviço, porém não diário, e três estavam no regime não-intensivo, com acompanhamento no serviço em uma freqüência menor.

A coleta dos dados foi realizada no período de abril a junho de 2008, por meio de entrevista fenomenológica, com a seguinte questão orientadora: “Fale para mim o que o(a) senhor(a) faz nos seus dias”. As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. Cabe destacar que já mantínhamos uma relação de proximidade e vínculo com os sujeitos do estudo, devido às atividades profissionais e acadêmicas desenvolvidas junto a esses, o que favoreceu o relacionamento entre pesquisador e pesquisado no momento das entrevistas.

A coleta de dados foi encerrada mediante a repetição acentuada das informações coletadas nas entrevistas com os sujeitos do estudo. Com a finalidade de manter o sigilo, os entrevistados foram identificados na redação pela letra “E” acompanhada do número correspondente à ordem das entrevistas.

Para a análise das informações que emergiram das entrevistas utilizamos a convergência das mesmas, submetendo-as à análise fenomenológica, de acordo com o referencial de Alfred Schutz, além de utilizarmos a literatura da área da saúde mental para enriquecer as discussões. Para desvelar as vivências expressas nos discursos dos usuários do CAPS acerca do seu cotidiano seguimos os seguintes passos9: leitura dos discursos; identificação da questão orientadora no discurso e a busca por afirmações que apresentassem significados; postura reflexiva frente as afirmações significativas para realizar a descrição do que estava expresso; busca de convergências das unidades de significado, por meio da análise fenomenológica, para construir as unidades temáticas; compreensão vaga e mediana dos discursos a partir das unidades temáticas; e a interpretação compreensiva a fim de revelar a compreensão do modo que os usuários vivenciam o seu cotidiano.

Com o agrupamento de convergências que emergiram das entrevistas foram construídas cinco categorias concretas que expressam a maneira que o usuário vivencia o seu cotidiano. Para este artigo nos propusemos a trabalhar com a categoria concreta que demonstra as relações sociais dos usuários do CAPS.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde do Município de Porto Alegre, sob o parecer Nº. 001.006314.08.2. Observamos os aspectos éticos sobre a pesquisa envolvendo seres humanos, sendo garantido o sigilo e anonimato dos sujeitos participantes da pesquisa por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.  

Resultados

As relações sociais dos usuários do CAPS foram discutidas segundo o referencial de Alfred Schutz, que discute as relações interativas dos sujeitos, as quais acontecem de maneira direta ou indireta.  O relacionamento social é direto quando ocorre na orientação para o tu, que pode ser unilateral, se apenas um dos dois percebe a presença do outro, ou recíproca, quando ambos os sujeitos estão mutuamente conscientes um do outro. A partir da orientação para o tu se constitui o relacionamento face a face, que é o relacionamento social diretamente vivenciado, ou seja, quando uma pessoa está ao alcance da experiência direta da outra, ambas compartilhando o mesmo tempo e espaço10.

Na vida real, nunca se vivencia a “existência pura” de outros sujeitos, em vez disso, existem pessoas reais com características próprias e traços pessoais. O relacionamento do nós é uma forma recíproca de orientação para o tu,  é a consciência da presença de outra pessoa. O relacionamento do nós envolve a consciência da presença de um outro sujeito e também o conhecimento de que cada um está consciente do outro10.

As relações sociais são estabelecidas pelos usuários no mundo da vida cotidiana, que é um mundo intersubjetivo compartilhado entre os semelhantes, vivenciado e interpretado por outros sujeitos. Os usuários do CAPS falam sobre os relacionamentos sociais que estabelecem no seu cotidiano, os quais ocorrem especialmente com amigos, familiares, vizinhos e com pessoas com quem dividem moradia, como observa-se nos seguintes depoimentos:  

“Todas lá vivemos com dignidade [...] é bem legal, estamos em dez mulheres[...] são bem legais” (E2)

“A minha vizinha pede para eu ir no mercado para ela, eu vou, todo mundo me conhece” (E5)

“Eu ajudo um amigo meu [...] ajudo ele a manter o jardim dele” (E10) 

Nessas falas evidenciam-se os relacionamentos sociais face a face que os usuários estabelecem, seja com familiares, com amigos e com vizinhos. Além desses relacionamentos sociais, um dos sujeitos fala da importância da amizade com outra usuária do serviço, demonstrando que no CAPS podem ser estabelecidas relações de amizade que vão além do tratamento. Essa usuária refere-se à relação de amizade, de ajuda à amiga, inclusive exemplificando que sofre quando a amiga está triste.  

“Eu sofro muito quando a X sofre, a gente é super amiga, a gente se gosta, ela é uma boa amiga, muito melhor do que outras amigas que estão fora desse tratamento” (E2) 

Quanto aos relacionamentos com familiares, uma usuária refere o desejo de aproveitar a vida ao lado das suas netas. Outros usuários destacam quem mantêm bom relacionamento familiar, relatando sobre a importância dos seus familiares, do amor que sentem por eles e de como é bom visitá-los. 

“Agora eu penso em viver para eu criar minhas netas, para elas viverem comigo [...] eu tenho elas como a razão de eu viver. [...] vou ajudar a cuidar deles e eles cuidar de mim” (E3)

“Eu amo a minha família, minhas irmãs, meu irmão” (E12)

“Nos finais de semana eu tenho ido na  casa da minha irmã [...] é bom ir nos parentes” (E6) 

Nesses discursos identificamos os relacionamentos sociais diretos estabelecidos entre os usuários e seus familiares, em uma situação face a face. Nesse tipo de interação, os sujeitos que realizam as trocas sociais são chamados de semelhantes, já que compartilham o mesmo tempo e o mesmo espaço.

Apesar dos discursos que apontam para um bom relacionamento familiar, existem falas evidenciando relações conflituosas com parentes, com o filho ou com a mãe. 

“O meu filho está brabo comigo, não fala comigo desde quando eu perdi minha mãe” (E5)

“Discutir com a minha mãe, ultimamente é uma coisa que eu faço bastante, ela é muito temperamental” (E4) 

Nessas falas aparecem relações de tensão, discussão entre familiares, situação essa que não é exclusiva de familiares que convivem com o sofrimento psíquico, mas faz parte das relações íntimas estabelecidas por aqueles que possuem um contato de proximidade.  

Discussões

Com os depoimentos dos sujeitos, acerca do seu cotidiano, foi possível identificar relacionamentos sociais face a face que os usuários estabelecem, seja com familiares, com amigos e com vizinhos. Essas relações sociais do usuário são mantidas com outro ser que é semelhante a ele, ou seja, com um sujeito que possui uma consciência semelhante, que age e pensa de forma semelhante a ele.

Esse outro ser com quem o usuário estabelece um relacionamento social direto é alguém em particular, com nome e particularidades próprias, que se encontra no mesmo espaço e tempo que ele, e o mundo que os cerca é praticamente o mesmo. Uma pessoa está ao alcance da experiência direta da outra quando ambas compartilham um tempo comum e um espaço comum. Compartilhar um espaço comum significa que elas estão presentes pessoalmente e uma está consciente da outra. O compartilhamento de um tempo comum existe quando as suas experiências fluem uma ao lado da outra, ou seja, quando estão envelhecendo juntas10.

Em suas falas os usuários apontam que em seu cotidiano estabelecem relações sociais com amigos e vizinhos, as quais surgem sob forma de um relacionamento do nós, em que ambos estão conscientes um do outro, em uma situação face a face. Essas relações se dão em um mundo da vida que é intersubjetivo desde o início, em que os sujeitos exercem ações eminentemente sociais já que estão em relação uns com os outros. O nível mais fundamental dessa relação social ocorre na situação face a face, é nela que a intersubjetividade aparece em toda sua densidade e que o outro aparece em sua unidade e em sua totalidade11.

A relação de amizade entre os usuários do serviço, destacada por um dos sujeitos da pesquisa, pode ser propiciada pelo caráter de socialização existente em serviços como o CAPS, já que nesses são disponibilizadas atividades de grupos, de convivência, de passeios e de comemorações festivas. A permanência do usuário no serviço e a vivência do processo terapêutico potencializam as suas habilidades e a criação de vínculo entre os próprios usuários e entre esses e a equipe do serviço5.  

Esses relacionamentos sociais descritos pelos usuários nos remetem a níveis de familiaridade e intimidade que eles possuem com seu semelhante, que podem ser mais próximos ou mais distantes. Quando um sujeito estabelece relacionamentos sociais com seu semelhante, ele experimenta os outros em diversas perspectivas e a sua relação com eles ocorre segundo variados níveis de proximidade, profundidade e anonimato na vivência12.

Nos relacionamentos sociais estabelecidos entre os usuários e seus familiares há descrição da existência de relações afetuosas, de proximidade e de apoio entre esses. Esse apoio da família é fundamental para os sujeitos em sofrimento psíquico, tanto nas relações sociais do cotidiano, quanto em relação ao acompanhamento e incentivo no tratamento no CAPS. Para os usuários é de grande importância esse apoio familiar, já que a família se constitui como a primeira célula social da qual o sujeito em sofrimento psíquico participa, é a partir dela que são construídos os primeiros laços de afetividade13.

O relacionamento do usuário com seus familiares e amigos pode passar por modificações significativas a partir de sua inserção no CAPS, tanto pelo conhecimento da doença que os familiares passam a receber dos técnicos no serviço, como pela percepção de que o sujeito doente está inserido em atividades produtivas, como oficinas terapêuticas e cooperativas sociais. O sujeito em sofrimento não representa mais estar excluído do convívio, os familiares  estão aprendendo a ajudá-lo em seu tratamento, ao mesmo tempo em que ele próprio é também ajudado14.

No atendimento dos usuários no CAPS a família pode se constituir em uma importante aliada, mas para que essa se engaje no tratamento deve receber ajuda das equipes de saúde para resolver ou diminuir suas dificuldades15. Apesar dessa compreensão do papel da família na atenção aos sujeitos em sofrimento psíquico, no trabalho com as famílias, no campo da saúde, algumas dificuldades se fazem marcantes, como conseguir compreender as famílias, considerando-se a especificidade e a diversidade dos contextos culturais onde estão inseridas, e prestar-lhes assistência condizente com esses contextos. Agir sobre esses desafios implica aproximações e relacionamentos entre profissionais de saúde e famílias, para construir conjuntamente possibilidades terapêuticas16.

Nos depoimentos dos sujeitos sobre os relacionamentos que mantêm com seus familiares aparecem algumas relações conflituosas, por meio das quais podemos nos remeter às dificuldades encontradas pelos familiares no convívio com um sujeito em sofrimento psíquico. Em virtude dessas relações desgastantes da família no convívio com o sofrimento psíquico, os vínculos entre família e usuário de saúde mental necessitam ser alicerçados numa relação sincera e de respeito, em que a singularidade e individualidade de todos sejam preservadas17. Além disso, na atenção em saúde mental desenvolvida pela equipe do CAPS, as necessidades das famílias devem ser contempladas pelas ações da equipe, já que estar junto às famílias de usuários do CAPS pode potencializar o enfrentamento das adversidades impostas às mesmas, permitindo a elas marcar sua biografia de maneira menos dolorosa e sofrida18.

Com a análise compreensiva dos discursos pudemos compreender os relacionamentos sociais que os usuários do CAPS estabelecem com seus semelhantes no mundo da vida cotidiana. Esse mundo da vida compreende toda a esfera das experiências cotidianas do homem, é nele que ocorrem as experiências diretas dos sujeitos e no qual há envolvimento interativo com muitas pessoas em complexas redes de relacionamentos sociais19.  

Esses diversos estabelecimentos de trocas sociais dos usuários do CAPS podem estar ocorrendo em decorrência das propostas dessa modalidade de serviço em promover a reabilitação psicossocial e a inserção social dos seus usuários. Tal fator merece destaque já que no modo asilar os sujeitos em sofrimento psíquico encontravam-se segregados do seu grupo social, com suas relações sociais restritas ao universo da instituição psiquiátrica.

Além disso, para os sujeitos em sofrimento psíquico é marcante a interrupção da continuidade da vida, das atividades, das relações e do lugar social, em virtude do processo de adoecimento. Muitos desses sujeitos possuem laços sociais frágeis e dificuldade de inclusão na rede social de familiares, amigos e vizinhos, barreiras essas que devem ser levadas em consideração pelos serviços de saúde mental20.

No cotidiano dos sujeitos do estudo identificou-se que as redes de relacionamento social desses são compostas por amigos, familiares, vizinhos e outros usuários do CAPS. Destacamos que as ações da equipe do CAPS devem estar continuamente voltadas para incentivar o fortalecimento dessas redes de relações dos usuários no seu meio social, além de promover o desenvolvimento de diversas possibilidades de trocas sociais. 

Considerações Finais

Com esse estudo tivemos o objetivo de compreender o Cotidiano de usuários de um CAPS, utilizando o referencial teórico-metodológico da Sociologia Fenomenológica de Alfred Schutz. Voltamos nossas atenções aos sujeitos, usuários do CAPS, com a finalidade de apreender as suas vivências no mundo da vida cotidiana, mediante uma abordagem compreensiva, não fazendo pré-julgamentos ou tendo preconceitos com os sujeitos, de acordo com a perspectiva da redução fenomenológica.  

Pudemos compreender, pelos depoimentos, que o CAPS vem propiciando aos usuários o fortalecimento de suas relações no seu meio social e o desenvolvimento de diversas possibilidades de trocas sociais. O serviço proporciona aos seus usuários o relacionamento para além do CAPS em diversos espaços na sociedade, o que pode contribuir para o processo de reabilitação psicossocial e inclusão social desses sujeitos em sofrimento psíquico.

As relações sociais que os usuários estabelecem no mundo da vida cotidiana ocorrem predominantemente com amigos, familiares, vizinhos, colegas de trabalho e usuários do CAPS. Essa diversidade de relacionamentos sociais estabelecida pelos usuários demonstra que estão desempenhando uma maior participação na sociedade, com o estabelecimento de uma pluralidade de trocas sociais. Tais trocas ainda podem ser ampliadas na medida em que os usuários estiverem incluídos em diferentes espaços sociais.

Com essa pesquisa pudemos verificar que o CAPS vem propiciando aos usuários o fortalecimento de suas relações no seu meio social e o desenvolvimento de diversas possibilidades de trocas sociais. Espera-se que, de acordo com a Estratégia Atenção Psicossocial, o trabalho no CAPS continuamente seja orientado de maneira a incentivar que os seus usuários tenham em seu cotidiano uma diversidade de relacionamentos sociais. 

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