Fabiane do Amaral Gubert1, Neiva Francenely Cunha Vieira1, Patrícia Neyva da Costa Pinheiro1, Eliany Nazaré Oliveira2, Anny Giselly Milhome da Costa1.
1Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil; 2Universidade Estadual Vale do Acaraú, CE, Brasil.
Abstract: This descriptive study aims to know, with support in the experience of mothers, as if the dialogue process, negotiation and promotion of the themes of sexuality and STD/HIV, together with their teenage daughters. Participated seven women, aged 32 to 46 years, living in a poor community in Fortaleza, Ceará, Brazil. Data collection was conducted between october 2007 and may 2008 and followed the model observation/participation/reflection, semi-structured interviews and ten group meetings. The study reveals barriers in the implementation of the dialogue. On the argument, mainly use the theme pregnancy with a view to cause further impediments to social development and employment of children. For the STD, are little discussed as an argument for prevention, and pointed out a risk perspective to life, but not explaining a lot about signs and symptoms. Finally, the women have barriers to knowledge, both in relation to sexuality as a natural process of life, how to prevent STD, but can be overcome, especially when absorbing the idea that they have skills to modify the environment in living, adapting it to their specific needs in view of the Promotion of Health.
Keywords: Transcultural Nursing; Sexually Transmitted Diseases; Women's Health; Communication.
Resumo: Estudo descritivo que tem como objetivo conhecer, com apoio na vivência de mães, como se processam o diálogo, negociação e argumentação sobre os temas sexualidade e prevenção de DST/HIV, juntos à suas filhas adolescentes. Participaram sete mulheres, na faixa etária de 32 a 46 anos, residentes em uma comunidade pobre de Fortaleza, Ceará, Brasil. A coleta de informações foi realizada entre outubro de 2007 e maio de 2008 e seguiu o modelo observação/participação/reflexão, entrevista semi-estruturada e dez encontros grupais. O estudo revela barreiras na concretização do diálogo. Sobre a argumentação, utilizam principalmente o tema gravidez com vistas à causar futuros entraves no desenvolvimento social e profissional das filhas. Em relação as DST, são pouco discutidas como argumento de prevenção, e apontadas numa perspectiva de risco à vida, porém não esclarecendo muito sobre sinais e sintomas. Ao final, as mulheres possuem barreiras no conhecimento, tanto em relação à sexualidade como um processo natural da vida, como na prevenção às DST, mas que podem ser superadas, principalmente quando absorverem a idéia de que possuem habilidades para modificar o meio em que vivem, adequando-o para suas necessidades específicas tendo em vista a Promoção da Saúde.
Palavras-Chave: Enfermagem Transcultural; Doenças Sexualmente Transmissíveis; Saúde da Mulher; Comunicação.
INTRODUÇÃO
Desde o surgimento dos primeiros casos de aids no cenário epidemiológico mundial, há mais de 25 anos, a prevenção da transmissão do HIV entre mulheres e adolescentes é um dos maiores desafios no controle da doença. Em todo o mundo, 17,3 milhões de mulheres com 15 anos ou mais estão vivendo com HIV. Isso representa cerca de 50% do total das pessoas infectadas1.
No Brasil, a proporção de casos notificados entre os sexos, vem diminuindo sistematicamente ao longo dos anos, passando de 15,1 homens por mulher em 1986, para 1,5 homens por mulher em 2007. Em relação ao Ceará, este número é de 1,9 homens por mulher, no entanto na capital Fortaleza a incidência entre meninas de 13 a 18 anos supera os casos no sexo masculino, evidenciando uma tendência à juvenização e feminização da epidemia no estado2.
A vulnerabilidade feminina na adolescência envolve além dos fatores biológicos, tais como a imaturidade do epitélio cervical e sistema imunológico, o ambiente, pobreza, raça, discriminação e estrutura familiar3. Na tentativa de elucidar os elementos que permeiam este contexto, inúmeros estudos, vem sendo conduzidos em todo o mundo, a fim de suscitar elementos que possam ser fortalecidos e que possam diminuir a incidência de DST entre mulheres. Os estudos revelam que entre os fatores familiares, há particularmente, a influência materna4,5.
Na enfermagem já existem evidências de que para promover a saúde da mulher adolescente no contexto da feminização do HIV é preciso reconhecer a cultura e principalmente fortalecer o processo de comunicação entre mães e filhas sobre sexualidade, considerando que a ausência do diálogo repercute negativamente na qualidade de vida das adolescentes, podendo conduzir ao sofrimento mental e dificuldades nas escolhas futuras na vida6,7. Neste sentido, as jovens que desfrutam da comunicação com a mãe, ancoradas nas premissas do diálogo, da negociação e argumentação, tendem a adquirir habilidades e conhecimentos essenciais para vivência saudável da sexualidade, além de usarem mais o preservativo8.
A Enfermagem por meio da sistematização de um cuidado sensível, baseado nas necessidades das mães, pode contribuir para o crescimento de ações voltadas para a saúde sexual e reprodutiva sob um aspecto inovador, fortalecendo o empoderamento e o vínculo familiar. Nesse sentindo o objetivo deste estudo é conhecer, com apoio na vivência de mães, como se processam o diálogo, a negociação e argumentação acerca das temáticas sexualidade e prevenção de DST/HIV juntos à suas filhas adolescentes.
METODOLOGIA
Estudo
descritivo, tendo como referencial metodológico a Teoria da Diversidade e
Universalidade do Cuidado Cultural9, escolhido para se referir ao
Do
método, apenas a categoria intitulada Sistema Popular foi utilizada neste
estudo, representando
O Sistema Popular9 refere-se aos cuidados não orientados pelos profissionais, os quais as pessoas e comunidades desempenham, com assento em conhecimentos ou experiências, culturalmente aprendidos e transmitidos; destacando neste estudo, as experiências pessoais das mães e influências culturais procedentes da família, compartilhadas ou transmitidas às suas filhas adolescentes.
A
coleta de informações seguiu o
A entrevista foi constituída por dez itens, baseados na literatura revisada e na experiência dos pesquisadores acerca da temática, e abordou situações vivenciadas pelas mães e circunstâncias comunicativo-familiares que abordassem temáticas: sexo, sexualidade e reprodução, incluindo a prevenção de DST/aids.
A aplicação da entrevista previamente facilitou a condução dos assuntos abordados nos grupos, os quais tiveram como objetivo resgatar memórias da adolescência na ótica das mães corroborando com os sentimentos em relação a esta fase, a qual suas filhas se encontram. Ao final buscou-se correlacionar estas histórias com a comunicação entre elas a fim de identificar possíveis estratégias para superar esta situação na comunidade.
Para abstrair as informações significativas que surgiram durante os encontros grupais e as entrevistas, utilizamos a análise qualitativa dos achados, preconizada por Leininger9. 1º fase - relação das informações coletadas, descritas e documentadas - nessa fase, procedemos à análise dos dados empíricos coletados e registrados; 2º fase - identificação das falas das informantes, preservando o significado do contexto. Agrupamos as descrições e comportamentos considerando semelhanças e divergências, para permitir a compreensão do fenômeno do estudo proposto; 3º fase – avaliação minuciosa dos achados, a fim de identificar a saturação de idéias e os padrões de significados dos discursos das participantes; 4º fase - temas principais, descobertas de pesquisa, formulações teóricas e recomendações - nesta fase, abstraímos os significados, interpretando-os, e, então formulamos as descobertas da pesquisa e formulações teóricas para o cuidado de Enfermagem.
Destacamos que, o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Ceará - UFC, protocolo No.17/08, atendendo a Resolução n° 196/9611 do Conselho Nacional de Saúde, destacando o item IV, no qual se refere ao termo de consentimento livre e esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Visando a esclarecer o grupo sobre o objetivo dos encontros, recuperamos Heilborn8, a despeito da definição do diálogo sobre a sexualidade. A autora define este, como uma ferramenta definidora nas estratégias que irão ajustar os interesses entre mães e filhas. Como as relações na adolescência não são bem definidas, é necessário negociá-las constantemente. As negociações surgem então como um fator de inovação e de mudanças que conduz as novas formas de relacionamento entre elas.
Em relação à argumentação, está associada à habilidade de apresentar e defender um ponto de vista sobre um assunto, capacidade de avaliar perspectivas diferentes sobre um tema controverso, usando prós e contras sobre um assunto cotidiano8. Delimitados e esclarecidos os conceitos, emergiram as seguintes falas:
Todo o pai deve dialogar com seus filhos, tento sempre falar dos dois lados da moeda: você pode ter um namorado hoje e se “entregar”, mas também pode engravidar e ter dificuldades para o resto da vida.(MA).
Elas vivem pedindo para sair com as amigas, aí eu falo que pode ir, mas contanto que tenham cuidado com os rapazes por aí.(MC).
Um dia ela veio com uma história que uma amiga tinha usado Citotec. Aproveitei para conversar falando sobre o abordo que pode colocar a vida da criança e da mãe em risco.(MF).
No que concerne à argumentação junto às filhas, as mães utilizam principalmente o tema gravidez. A gestação é percebida pelas mães como um acontecimento marcante e de conseqüências negativas, se ocorrido na adolescência, ligado especialmente a entraves no desenvolvimento social e profissional das filhas.
A gravidez é descrita como conseqüência de uma vida sexual mal vivenciada e que pode atingir as filhas se essas não seguirem os conselhos e argumentos indicados por elas. A ameaça da gravidez constitui “um freio sexual” o qual na ótica das mães pode fazer com que as adolescentes mantenham-se castas. Quando esta argumentação não é suficiente, e os cuidados para evitar a gravidez não são tomados, a entrega ao parceiro é acompanhada de pavor, de medo do perigo a que se submeteram12.
Elas referem que acontecimentos da comunidade também servem como argumentação para prevenção da gravidez, como apresentado no caso a seguir:
Sempre aparece alguma vizinha grávida e eu aproveito para falar sobre o problema da gravidez cedo de mais. Falar de doença é mais difícil porque não é uma coisa que a gente vê nas pessoas, então não dá para falar.(MC).
Ainda no que diz respeito à argumentação, o tema DST também é utilizado, porém com menor freqüência. As DST são discutidas numa perspectiva de risco à vida, não esclarecendo muito sobre sinais e sintomas, o que dificulta a visão dos adolescentes a cerca da questão preventiva.
Estudo realizado em Fortaleza em 2007, junto a 26 pais de adolescentes e seus filhos sobre as barreiras no diálogo, revelam que as conversas entre pais e filhos são pautadas em torno de dar exemplos de pessoas conhecidas da comunidade, que passaram por situações de gravidez indesejada. Não há maior esclarecimento sobre medidas preventivas de DST/HIV/aids ou como evitar claramente uma gravidez. O estudo revela ainda que o diálogo pautado na gravidez pode resultar da baixa escolaridade dos pais e, conseqüentemente, no pouco acesso a meios informativos para esclarecer os filhos adolescentes sobre a temática13.
Diante destas considerações, foi possível analisar junto às participantes os processos de comunicação ocorridos entre mães e filhas como instrumentos mediadores para a Promoção da Saúde sexual e reprodutiva.
Em geral, o grupo ratificou a importância do diálogo com as filhas e concordam que a família deve acompanhar constantemente a interação das adolescentes nos vários espaços sociais, destacando a escola. O que elas relatam é que existe uma lacuna entre o serviço de saúde, escola e família:
Nunca dá pra saber tudo e nunca é tarde de mais para aprender, eu acho que o posto de saúde é um local ideal, mas nem sempre tem palestra interessante.(MB).
Falar pra se prevenir é fácil, mas estar com um homem é diferente e pode pegar DST. Aí para ficar preparada só eu não posso ajudar, tem que ser o colégio, o posto e comunidade.(MA).
Eu tenho vergonha de falar sobre isso. Minha mãe nunca falou nada para mim, o pouco que eu soube era na escola. Tudo isso me prejudica para falar com minhas filhas.(MC).
Os pais devem conversar mais com os filhos sobre sexo e suas conseqüências. Acho que a gente tem que ensinar desde pequenos sobre gravidez e DST porque eu comecei tarde e é por isso minhas filhas não querem conversar.(ME).
As falas ilustram ainda uma problemática que envolve as questões sexuais e reprodutivas no serviço de saúde, visto que, para elas a fim de alcançar o sucesso no processo de orientação e educação sexual das adolescentes, é necessário articular uma rede de cuidado, composta pela família, serviço de saúde e escola. No primeiro depoimento, as atividades do Centro de Saúde são apontadas como desinteressantes, contribuindo para um afastamento das usuárias no âmbito da saúde sexual.
Em relação ao inicio da comunicação entre mães e filhas, elas referem não saber ao certo quando começar, no entanto, já existe nas falas de algumas participantes o reconhecimento de que as orientações ocorrem tarde demais, mas que deve ser debatido desde o inicio da adolescência. As participantes entendem essa realidade, o que as impulsiona a iniciar um diálogo mais aberto com suas filhas, porém o medo e a vergonha são sentimentos presentes que prejudicam sua concretude.
Sob tal perspectiva, e recuperando o conceito de educação e orientação sexual, proposto pelo Guidelines for Comprehensive Sexuality Education14 a educação sexual não é algo que os pais possam dar quando bem entendem, em fases específicas; algo que, em determinada época, devam comunicar, esclarecer os filhos. Enquanto a educação sexual é automática, acompanhando o desenvolvimento infantil desde o nascimento, a orientação sexual é deliberada, comunicada aos filhos quando os pais acreditam que é chegada a hora de iniciar o diálogo.
A educação sexual é inconsciente e transmitida para a criança de forma despercebida pelas mães. São as atitudes delas e da família envolvida no cotidiano que educa sexualmente a criança e que influencia as futuras atitudes sexuais13. Não se pode explicar assuntos de sexo a uma criança de um ano de idade, mas não podemos negar que ela está sendo educada sexualmente pelos pais, por meio das atitudes que adotam com relação ao aspecto sexual.
Outro fator percebido é a importância de mães e filhas dialogarem e transmitirem esses conhecimentos entre gerações, potencializando relações mais saudáveis e promotoras de saúde. O diálogo entre parceiros sexuais também é apontado como estratégia que deve ser fortalecida no enfrentamento das DST/aids.
Pensando em reaver todos os momentos vivenciados, procedemos junto as mães a uma seleção dos depoimentos mais marcantes durante os quatro meses de convivência. A dinâmica consistiu em recuperarmos as fases da história de vida, vivenciadas pelas integrantes e escolha das experiências mais significativas. A estratégia também foi importante fonte de validação dos dados.
Ainda conforme as dificuldades, elas definiram como essencial compreender como funcionam o corpo humano e sua anatomia reprodutora, além de conhecimentos sobre as DST. O requisito mais destacado foi valorizar as histórias de sucesso sobre a comunicação mãe e filhas, discutidas durante os encontros, das quais quatro obtiveram destaque.
Desde pequeno tratei de ensinar as crianças à não terem vergonha do corpo.Acho que os pais tem que dar o exemplo.(MD).
A gente gosta muito de falar, mas nunca escuta o que as nossas filhas sente. Para acontecer o que a gente quer de se comunicar melhor a gente tem que ter mais paciência no dia a dia.(MF).
Aproveito a novela, os programa para falar sobre essas coisas de Aids, se elas gostam de “Malhação” é um momento que eu posso falar.(MC).
As informantes citam ainda que a comunicação deve estar presente desde a infância, estendendo-se até a fase da adolescência. A educação sexual deve ser gradativa e constante de modo que possa acompanhar as especificidades de cada adolescente. Ouvir as filhas adolescentes e suas necessidades foi um dos pontos valorizados pelas participantes e considerado ideal para uma comunicação eficiente.
Além da relação com a figura materna, desde muito cedo, as crianças ouvem e observam como os pais se relacionam. Percebem se o corpo é encarado de maneira natural, ou se a nudez é um tabu. Sentem se há ou não manifestações de afeto, ou seja, se trocam carícias, se expressam palavras carinhosas, se há acolhimento, incentivo e respeito. Essas informações ficam registradas na memória afetiva e serão ativadas quando começarem a se relacionar, mais tarde, na esfera social e amorosa15.
Essas informações, referidas como exemplos é que podem incidir sobre a sexualidade dos adolescentes e que pensamos ter influenciado as participantes do estudo e a relação com suas filhas. Informalmente em alguns dos encontros do grupo, as mães relataram que nunca viram os pais ou parentes nus quando eram crianças, e que raramente viam uma troca de carinhos entre seus pais, e que muitas vezes presenciavam situações de violência em casa.
Além das informações recebidas pelas mulheres no convívio familiar, acreditamos que os exemplos também são determinantes na sexualidade, visto que em sua maioria as informantes comentaram que suas mães eram rígidas e não tinham manifestações de carinho para com elas. A literatura menciona que uma boa parcela do que conhecemos sobre sexualidade ocorre pela observação dos demais. A base do erotismo saudável, ou não, inicia-se nos primeiros anos, por meio do convívio dos pais com o bebê16.
Outro destaque foi em relação à abordagem por meio de cenas do cotidiano, como as novelas e outros programas de TV. A cena mais relevante para discussão é quando aparecem adolescentes da mesma faixa etária que suas filhas, citando, por exemplo, a telenovela Malhação, veiculada há mais de dez anos pela Rede Globo.
Sob a argumentação, as mães utilizam a TV como estratégia de prevenção. Na verdade, elas justificam que a negociação também está presente, assegurando, por exemplo, que as filhas possam assistir aos seus próprios programas. Em relação à TV como tecnologia educacional é evidente que a televisão exerce a função de educadora. Essa função, porém, é vista numa perspectiva dualista, pois assim como educa, também pode deseducar. A TV pode ser reconhecida como espaço de educação informal, possibilitado pelos meios de comunicação, e não apenas o espaço da educação formal, desempenhado pelas instituições escolares17.
Escorada nos achados do ensaio, no que diz respeito à influencia da TV nos conhecimentos sobre temáticas ligadas à sexualidade, essa realidade nos impulsiona a rever, neste estudo, que a área da comunicação tem um conhecimento que pode ser útil à Enfermagem. Como referiram as mães, em alguns programas veiculados, o diálogo poderia fluir normalmente e contribuir para minimizar certos tabus e preconceitos. Sob nosso ponto de vista, essa parte positiva da mídia poderia ser intensificada, ou seja, exercer uma função educativa. Dessa forma, reconhecemos que a mídia é um espaço de negociação, argumentação e debate de temas-chave, como, por exemplo, a sexualidade.
Sistema Popular de Leininger: implicações para o cuidado de enfermagem
Considerando a categoria Sistema Popular, entendemos que as mães de adolescentes do estudo, estão inseridas em uma cultura específica, visto que percebem, conhecem e praticam cuidado de maneiras diferentes, ainda que alguns elementos comuns existam, em relação ao cuidado em outras comunidades. Apesar dos depoimentos de sucesso apresentados no estudo a não-comunicação é predominante entre essa população, sendo uma cultura transmitida de geração em geração o que facilita situações de maior vulnerabilidade às adolescentes, como gravidez precoce e infecção por DST.
Assim, o cuidado de Enfermagem não pode ser linear, nem generalizado, muito menos estabelecer regras, mas deve ser elaborado na convivência, ao longo das experiências vividas, e se constituir cuidado cultural coerente. Isso significa que uma atitude considerada ideal para a comunidade não seja bem-vista por outra. Ao prestar um cuidado de Enfermagem às mães/mulheres, a enfermeira necessita conhecer e compreender o que se passa com essa população inserida num âmbito específico18.
Acreditamos que a educação sexual, conforme depoimentos das participantes, é um processo e, como tal, precisa ser iniciado na infância, priorizado pela família e não somente pela mãe. Instituições como centro de saúde e escola devem estar integradas, e com elas os profissionais da Enfermagem necessitam interagir e atuar.
Em relação ao papel do enfermeiro, devemos fazer o que está legalmente ao nosso alcance: auxiliar na reflexão e na compreensão das características, necessidades e demandas desta fase da vida das mães, e não lhes negar o diálogo, as informações e o apoio de que necessitam, se formos convidados a fornecê-los. Tal fato independe de nossas posturas éticas e ideológicas, não cabendo, portanto, o julgamento ou a proposição de determinada conduta.
Trabalhar com sexualidade é refletir sobre inúmeros conceitos, formulados ao longo da vida e que são abstraídos desde o nascimento, ou seja, o aprendizado da sexualidade existe pela observação dos demais19. Então, concluímos que o cotidiano da comunidade influencia as habilidades, atitudes e práticas realizadas pelas mães, incluindo o não-diálogo, ou a comunicação superficial com suas filhas adolescentes.
Ao final, acreditamos que as mulheres possuem barreiras no conhecimento, tanto em relação à sexualidade como um processo natural da vida, como na prevenção às DST/aids, mas que podem ser superadas, principalmente quando elas absorverem a idéia de que possuem habilidades para modificar o meio em que vivem, adequando-o para suas necessidades específicas tendo em vista a Promoção da Saúde.
A relação enfermeira/mãe de adolescente precisa ser dialógica, na qual o diálogo crítico propicia a mãe tirar as próprias conclusões e realizar as escolhas mais adequadas a sua estrutura familiar. Essa atividade, mediante sistematização e discussão de temas ligados à sexualidade e outros que emergissem da própria comunidade, potencializariam experiências positivas de mães da comunidade, já que, como encaminhamentos das participantes desse estudo, a valorização das histórias de vida de mães que obtiveram sucesso no diálogo com suas filhas são eficientes no apoio a outras mulheres.
Considerando o contexto exposto, cremos que, ao propor ações em saúde sexual no âmbito da Estratégia de Saúde da Família, devemos, juntamente com as mães e adolescentes, ter como base suas necessidades e expectativas, seus direitos - sexuais, reprodutivos e humanos -, considerando ainda os dados sócio-epidemiológicos do território que habitam.
Frente a esta realidade, pensamos que por meio da categoria Sistema Popular, proposta por Leininger, é possível compreender fatores que colaboram para a manutenção do não-diálogo, bem como favorecer a criação de estratégias que podem ser utilizadas para romper com os determinantes negativos, que dificultam a comunicação entre mãe e filha.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Haja vista todos os momentos vivenciados junto às mulheres participantes do estudo, os resultados nos subsidiam a repensar o cuidado de Enfermagem sensível às necessidades de mães de adolescentes do sexo feminino. No que se refere à saúde sexual e reprodutiva das participantes, é possível refletir na idéia de que cada uma possui sua própria visão de mundo, resultado de uma elaboração histórica e cultural que se integra a uma rede de significados da própria comunidade, possibilitando a manifestação de toda e qualquer expressão relativa à sexualidade nesse meio.
Em relação ao diálogo, argumentação e negociação entre as mães e suas filhas adolescentes este é caracterizado como difícil. Sobre a argumentação, utilizam principalmente o tema gravidez como razão para prevenir. Para elas, a gravidez precoce está ligada especialmente a futuros entraves no desenvolvimento social e profissional das filhas. Em relação às DST`, essas são pouco discutidas como argumento de prevenção, e apontadas numa perspectiva de risco à vida, porém não esclarecendo muito sobre sinais e sintomas, o que dificulta a visão dos adolescentes acerca da prevenção.
Diante de todo o contexto apresentado, o modo de educar para a sexualidade, segundo as participantes do estudo, sem utilizar muito o diálogo, ainda permanece como pano de fundo no contexto social das mães e suas interações com as adolescentes.
Mesmo que muitas vezes todas as vulnerabilidades não possam ser de todo eliminadas e as necessidades superadas na comunidade, as participantes reconhecem a necessidade de aprimorar ou iniciar o diálogo junto às filhas adolescentes. Esse sentimento é importante, visto que o reconhecimento e a compreensão sobre o contexto no qual se encontram é relevante, uma vez que pode nortear e dar mais resolubilidade às ações de Promoção à Saúde sexual e reprodutiva, sendo essencial para o cuidado de Enfermagem.
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