Nursing practice in emergency care: systematic review.
Trabalho da enfermagem na atenção às urgências: revisão sistemática.
 

José Luís Guedes dos Santos1, Graciela Cabreira Gehlen1, Alísia Helena Weis1, Estela Regina Garlet1, Maria Alice Dias da Silva Lima1  

1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil  

Abstract: The objective of the present study was to characterize and analyze the Brazilian literature on nursing practice in emergency care at health services in Brazil. This systematic literature review was performed using the following keywords: emergency nursing, nurse’s role, emergency medical services, primary health care and health services; and resulted in 18 articles. The databases used were LILACS, MEDLINE and BDENF, between 2003 and 2008. Results show that most studies are performed at emergency hospitals, investigations emphasize on aspects related to nursing workers’ health, and only a few studies focus specifically on nursing practice in the other components established by the National Policy for Emergency Care. These results highlight the need for further research with a view to identify and discuss on the limits and possibilities related nursing knowledge and practice at different health care levels, which would contribute to forming a health care network in which one service complements the action of another by means of emergency care mechanisms that have been organized and agreed upon. 

Key words: Emergency Nursing; Rurse's Role; Emergency Medical Services.  

Resumo: O objetivo do estudo foi caracterizar e analisar a produção científica brasileira relacionada ao trabalho da enfermagem na atenção às urgências nos serviços de saúde no Brasil. Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, utilizando-se os descritores enfermagem em emergência, papel do profissional de enfermagem, serviços médicos de emergência, atenção primária à saúde e serviços de saúde, totalizando 18 artigos. As bases eletrônicas pesquisadas foram LILACS, MEDLINE e BDENF, entre 2003 e 2008. Os resultados destacam a concentração das publicações no âmbito hospitalar de atenção às urgências, a ênfase das investigações nos aspectos relacionados à saúde dos trabalhadores de enfermagem e escassez de estudos que focalizam especificamente o trabalho da enfermagem nos demais componentes estabelecidos pela Política Nacional de Atenção às Urgências. Esses resultados sinalizam a necessidade de novas pesquisas visando à identificação e discussão dos limites e possibilidades relativos ao saber e ao fazer da enfermagem nos diferentes níveis de atenção que possam contribuir para formação de uma rede assistencial em que cada serviço complemente a ação do outro por meio de mecanismos organizados e pactuados de atenção às urgências.  

Palavras-chaves: Enfermagem em Emergência; Papel do Profissional de Enfermagem; Serviços Médicos de Emergência.  

Introdução 

No Brasil, no âmbito da atenção às urgências, o Ministério da Saúde, desde 1999, tem publicado diretrizes visando implementar uma assistência resolutiva aos usuários em todos os níveis de complexidade, que impactam sobre as posturas e práticas dos profissionais de saúde inseridos nesse contexto, entre eles os trabalhadores de enfermagem. Entre elas, destaca-se a Portaria 1.863/GM de 29 de setembro de 2003 que institui a Política Nacional de Atenção às Urgências cujo propósito é a classificação e organização dos serviços de atenção às urgências de forma hierarquizada e regulada visando garantir o acesso e acolhimento dos usuários de acordo com o nível de complexidade tecnológica(1).

Dessa forma, o componente pré-hospitalar fixo é composto pelas unidades básicas de saúde e unidades não hospitalares que devem estar estruturados para os atendimentos das urgências de menor complexidade e realizar as primeiras intervenções no suporte de vida a casos graves. O pré-hospitalar móvel é representado pelos serviços de atendimento móvel de urgência, escolhidos como primeira ação no enfrentamento às urgências por seu alto potencial de impacto de preservação da vida. O componente hospitalar é composto pelas portas de urgências de hospitais gerais ou especializados, de qualquer porte ou nível de complexidade. E o pós-hospitalar contempla as várias modalidades de Atenção Domiciliar, Hospitais Dia e Projetos de Reabilitação(1).

Apesar dos avanços em relação à definição de conceitos e organização do sistema de atenção às urgências, o atendimento a esses agravos continua ocorrendo, predominantemente, nos serviços hospitalares e nas unidades de Pronto Atendimento que funcionam 24 horas. Esses serviços respondem por situações que vão desde àquelas de sua estrita responsabilidade, bem como um volume considerável de ocorrências que poderiam ser atendidas em estruturas de menor complexidade, caracterizando-se pela superlotação, escassez de recursos e sobrecarga profissional (2-4).

Diante desse cenário, o enfermeiro de unidade de emergência, como responsável pela coordenação da equipe de enfermagem e articulação dos trabalhos dos demais profissionais da saúde, precisa encontrar meios para gerenciar o cuidado e organizar os processos de trabalho em saúde visualizando as necessidades do paciente de forma integral, buscando vinculá-los com a rede básica de saúde(5-7). No contexto internacional, a contratação de enfermeiros e ampliação da atuação desses profissionais por meio do desenvolvimento de práticas avançadas de enfermagem são iniciativas que têm contribuído com a diminuição da superlotação, qualificação do atendimento e ampliação do acesso dos usuários às unidades hospitalares de atendimento às urgências(8).

Assim, para conhecer a atuação da enfermagem no atendimento às urgências e emergências no Brasil e apontar novas possibilidades de pesquisas nessa área, desenvolveu-se este estudo com o objetivo de caracterizar e analisar a produção científica brasileira relacionada ao trabalho da enfermagem na atenção às urgências, por meio de uma revisão sistemática.  

Metodologia  

Trata-se de uma revisão sistemática da literatura. Esse método permite sintetizar o conhecimento de uma dada área a partir da formulação de uma pergunta, busca, identificação, seleção e avaliação crítica de estudos científicos contidos em bases de dados eletrônicas, no intuito de contribuir para o aprofundamento do conhecimento sobre a temática investigada e apontar lacunas que precisam ser preenchidas por meio da realização de novas investigações(9)

A pergunta norteadora da revisão foi: qual é o conhecimento científico já produzido, no Brasil, relacionado ao trabalho da enfermagem na atenção às urgências?

A busca de artigos foi realizada em maio de 2009 por dois pesquisadores de forma independente nas bases eletrônicas Literatura Latino-Americana em Ciências da Saúde (LILACS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Banco de Dados em Enfermagem (BDENF), por meio das palavras-chaves selecionadas entre os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): Enfermagem em Emergência, Papel do Profissional de Enfermagem, Serviços Médicos de Emergência, Atenção Primária à Saúde, Serviços de Saúde.

Foram incluídos artigos originais publicados em periódicos brasileiros de enfermagem entre 2003 e 2008, oriundos de estudos desenvolvidos no Brasil, cujos sujeitos de pesquisa fossem enfermeiros e/ou integrantes da equipe de enfermagem.

A análise dos artigos e síntese dos dados foi realizada a partir da leitura do estudo na íntegra e, em seguida, elaboração de quadros sinópticos com informações de cada pesquisa, a saber: autores/data/periódico, objetivo da pesquisa, tipo de estudo, aspectos metodológicos, principais resultados e conclusões. Assim, procurou-se identificar aspectos relevantes que se repetiam ou se destacavam entre os estudos conforme os componentes de atenção propostos pela Política Nacional de Atenção às Urgências. Para descrever os achados referentes aos dados analisados, foi realizada análise estatística descritiva por meio de cálculos de freqüência simples e relativa.  

Resultados e discussão

 

Na busca preliminar, identificaram-se 623 artigos, os quais foram refinados resultando em 126 artigos cujos resumos foram lidos. Desses, 18 artigos que estavam relacionados ao foco deste estudo foram lidos na integra e analisados individualmente, os quais estão sistematizados no quadro 1.

Quadro 1 – Estudos sobre o trabalho da enfermagem na atenção às urgências segundo componente de atenção, ano, código, tipo de estudo e principais resultados e conclusões.

Cenário

de atenção

 

Ano

Código

Tipo

de estudo

Principais resultados e conclusões

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Hospitalar

 

 

 

 

 

 

2004

 

 

Texto1 (10)

Qualitativo, descritivo e exploratório

O enfermeiro atua como mediador do atendimento à criança na sala de emergência, planejando e realizando a assistência a ela e sua família e capacitando a equipe para o atendimento.

 

 

Texto 2 (11)

Quantitativo

 

 

 

O perfil emocional dos enfermeiros sofre alterações no decorrer do plantão, o que pode ser creditado ao desgaste e ao estresse próprio da atividade de prestar assistência. O cansaço foi uma variável de intensidade forte, no final do plantão. 

 

Texto 3 (12)

 

Epidemiológico

e transversal

 

Constatou-se que 13,2% da população apresentaram Índice de Capacidade para o Trabalho moderado; 40,9%, bom e 45,9%, ótimo. As doenças mais referidas foram: doença músculo-esquelética, cardiovascular, respiratória e neurológica.

 

 

 

 

 

 

2005

 

 

 

Texto 4 (13)

Quantitativo,

Descritivo e exploratório

Condutas em ordem de prioridade: comunicar ao médico (69,8%), intensificar os cuidados ao paciente (55,1%) e anotar no prontuário (28,0%). Preocupação (79,3%), impotência e raiva (22,4%) e insegurança (24,4%) foram as manifestações afetivas predominantes.

 

Texto 5 (14)

Quali-quanti, exploratório

e analítico

Cada profissional da enfermagem realiza o cuidado da forma que acredita ser a mais adequada e utiliza as estratégias que conhece para suportar e enfrentar a realidade do serviço de emergência.

 

 

Texto 6 (15)

Qualitativo do tipo estudo de caso

Os enfermeiros lidam com todas as especialidades e categorias profissionais, envolvendo-se diretamente com o cuidado e com a gerência do processo de trabalho da equipe de enfermagem. São também intermediários entre a família e a equipe de atendimento.

 

 

 

 

 

 

 

2006

 

 

 

Texto 7 (16)

 

Qualitativo e

interventivo

Os enfermeiros entendem que a excelência da assistência está diretamente relacionada à organização do serviço na instituição e requer equipe treinada para o atendimento, registro das ações assistenciais, equipamentos, medicamentos e materiais compatíveis com o porte do serviço

 

 

Texto 8 (17)

Quantitativo e exploratório

 

Os enfermeiros de unidade de emergência apresentam médio nível de estresse. As áreas E - Condições de trabalho para o desempenho das atividades de enfermeiro, e F - Atividades relacionadas à administração de pessoal, foram consideradas as mais estressantes para os indivíduos pesquisados.

 

Texto 9 (18)

Qualitativo

 

O tempo insuficiente de trabalho faz parte da gênese da violência no trabalho de enfermagem e se apresenta tipificada em violência: clássica, estrutural, repressiva e alienação.

 

 

 

2007

 

 

 

Texto 10 (19)

 

 

Epidemiológico de corte transversal

Transtornos mentais menores são duas vezes mais freqüentes entre enfermeiros em relação a técnicos, auxiliares e atendentes de enfermagem. Os enfermeiros são responsáveis por inúmeros pacientes, gerenciam a equipe de enfermagem e garantem a disponibilidade e qualidade de recursos materiais e de infra-estrutura para o atendimento.

 

 

 

 

 

2008

 

 

 

 

Texto 11 (20)

 

 

Qualitativo do tipo estudo de caso

 

A saúde dos trabalhadores de enfermagem é constituída a partir de dinâmica de trabalho, por vezes danosa, resultante de contexto organizacional que carrega marcas de sistema público de saúde. O sentido do trabalho atua como elemento fundamental na manutenção do equilíbrio e não adoecimento diante das exigências do trabalho.

 

Texto 12 (21)

 

Quantitativa e exploratório

A principal fonte de pressão indicada como fator relacionado ao estresse da equipe de enfermagem é a carga de trabalho, em seguida, dificuldades relacionadas com clientes e o processo e a estrutura organizacional.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pré-hospitalar móvel

 

 

 

 

 

 

 

2006

 

 

Texto 13 (22)

Qualitativo, descritivo e exploratório

A valorização da ética e das relações profissionais está presente no trabalho dos enfermeiros, que procuram respeitar a vítima e sua família como cidadãos, visando à humanização do atendimento.

 

 

Texto 14 (23)

 

Qualitativo, descritivo e exploratório

A prática de enfermagem no APH envolve habilidades de treinamento e competência, cuidado do paciente, nas diversas circunstâncias e situações imprevisíveis. Constatou-se a falta de experiência nessa nova área de atuação, falta de conhecimento específico e à adaptação a um novo e diferente ambiente de trabalho.

 

 

Texto 15 (24)

 

 

Quantitativa e exploratório

Os fatores de risco são físicos; químicos; biológicos. Ocorrência de acidentes automobilísticos, agressões físicas e morais e acidentes com material pérfuro-cortante são os riscos peculiares à atividade: A maioria dos trabalhadores identificou os riscos ocupacionais. No entanto, a minoria utiliza medidas adequadas de segurança.

 

2008

 

Texto 16 (25)

 

Transversal, descritivo e exploratório

 

Os enfermeiros consideram básicos os temas referentes às situações que exigem tomada de decisão, prontidão e destreza sob estresse. A ressuscitação cardiopulmonar foi mais citada como conhecimento básico e a oxigenoterapia, o procedimento mais freqüente.

 

 

 

Pré-hospitalar fixo

2004

 

 

Texto 17 (26)

Qualitativo e exploratório

A enfermagem possibilita e tem potencialidades para implementar o acolhimento no Pronto Atendimento, contribuindo para reverter o modelo assistencial, por meio da utilização de tecnologias leves.

2008

 

Texto 18 (27)

Qualitativo do tipo estudo de caso

Os enfermeiros coordenam as atividades de enfermagem, articulam, supervisionam e controlam as dinâmicas de trabalho no serviço, interligando o trabalho médico com os demais trabalhadores, setores e serviços.

 

No ano de 2006, foi publicado o maior número de artigos: seis (33,3%), entre os quais três publicações (16,6%) referentes ao pré-hospitalar móvel. Os periódicos que publicaram o maior número de estudos foram a Revista Latino-Americana de Enfermagem e Revista da Escola de Enfermagem da USP com, respectivamente, cinco (27,7%) e três trabalhos (16,6%). Dos artigos analisados, oito (44,4%) estão vinculados a programas de pós-graduação, sendo seis (33,3%) originários de pesquisas desenvolvidas em nível de Mestrado; e, dois (11,1%) de Doutorado.

No que tange aos aspectos metodológicos, houve certa equivalência numérica entre estudos de abordagem quantitativa (50%) e qualitativa (44,4%). Destacaram-se as investigações de caráter exploratório e/ou descritivo (72,2%), as quais permitem a descrição de fatos e fenômenos circunscritos a uma problemática específica(28).

Em relação à região geográfica, as pesquisas originam-se, principalmente, do Sudeste (66,6%) e Sul (27,7%), com destaque para as cidades de São Paulo (22,2%), Porto Alegre (22,2%), Ribeirão Preto (16,6%) e Campinas (16,6%), que foram pioneiras na implantação das diretrizes previstas pela Política Nacional de Atenção às Urgências.

Dos 18 artigos analisados, 12 (66,6%) abordam o trabalho da enfermagem no componente hospitalar de atenção às urgências, quatro (22,2%) tiveram como cenário de pesquisa o componente pré-hospitalar móvel e dois (11,1%) o componente pré-hospitalar fixo. Não foram localizados trabalhos referentes ao componente pós-hospitalar. A ênfase dos estudos no contexto hospitalar pode estar associada ao papel de destaque que os serviços hospitalares de emergência ainda ocupam no cenário de atenção às urgências no Brasil.

As pesquisas desenvolvidas no componente hospitalar focalizam duas temáticas principais: sete artigos (58,3%) abordam a relação entre o trabalho e a saúde dos profissionais de enfermagem, por meio da avaliação da capacidade para o trabalho, identificação de agentes estressores e situações de violência no exercício laboral da enfermagem(11,12,17,18-21); e, cinco estudos (41,6%)  discorrem, mais especificamente, sobre a atuação da enfermagem na assistência aos usuários em situações de urgência e emergência, com destaque para a atuação do enfermeiro na organização e articulação das ações profissionais nesses serviços(10,13-16).

Os enfermeiros no atendimento às urgências nas unidades hospitalares estão diretamente envolvidos com o cuidado e com a gerência de recursos e do processo de trabalho da equipe de enfermagem, além de serem também os intermediários entre a família e a equipe de atendimento. Compete a eles garantir a disponibilidade e a qualidade de recursos materiais e de infra-estrutura que permitem à equipe atuar no atendimento emergencial. Avaliação inicial do paciente, punção de veia periférica e desobstrução de vias aéreas são algumas das principais intervenções técnicas realizados pelos enfermeiros. Em decorrência dessa multiplicidade de atividades, aparecem descritas nos estudos analisados a carga de trabalho e dificuldades com os pacientes e o processo e a estrutura organizacional como principais fontes de pressão e estresse(1,7,22).

Pelo papel relevante do enfermeiro na interação contínua com todos os setores da instituição hospitalar e pela sua responsabilidade pelo gerenciamento da produção do cuidado, alguns estudos salientam o potencial da atuação desse profissional nos processos de mudança e inovação visando à melhoria da atenção aos pacientes em situação de urgência(7,11). Entretanto, não foram localizadas publicações que tenham enfocado exclusivamente a dimensão gerencial no trabalho do enfermeiro nas unidades hospitalares de atenção às urgências.

Dentre os quatro artigos sobre o atendimento pré-hospitalar móvel, três (75%) abordam aspectos referentes à capacitação e formação profissional da enfermagem para atuação nesse componente assistencial(22,23,25) e um estudo (25%) buscou identificar os riscos ocupacionais a que estão expostos os profissionais da equipe de Unidades de Suporte Básico e Avançado de vida do  Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU): ocorrência de acidentes automobilísticos, agressões físicas e morais, falta de material, risco de acidente com material pérfuro-cortante, temperatura ambiental elevada, nível de ruído elevado e elevada carga física e mental despendida. Esse estudo também chama atenção para outros riscos, como a não utilização dos equipamentos de proteção individual por uma parcela de trabalhadores e o desconhecimento de alguns membros da equipe sobre as atividades que lhes são legalmente atribuídas, em consonância com a legislação profissional(24).

O foco nos aspectos formativos relacionados ao trabalho da enfermagem nesse componente assistencial é compreensível, considerando que as diretrizes que norteiam a sua estruturação e organização são recentes. A formação do enfermeiro para atuação no pré-hospitalar fixo deve abranger conhecimentos acerca das respostas do corpo em relação à patologia, farmacologia e nutrição, assim como disciplinas complementares que preparem emocionalmente com base na psicologia, ética e conhecimento das interações humanas. Preparo físico e emocional também são importantes para que os profissionais consigam lidar com adversidades inerentes ao ambiente extra-hospitalar. Dessa forma, os profissionais de enfermagem podem prestar uma assistência qualificada e solidária às vítimas e suas famílias(22,29).

As duas publicações referentes ao atendimento pré-hospitalar fixo exploram os processos de trabalho na atenção às urgências e as tecnologias de cuidado empregadas na sua efetivação. Uma delas analisa a percepção da equipe de enfermagem acerca do trabalho desenvolvido no acolhimento às demandas urgentes em um centro de saúde(26) e a outra investiga a organização dos processos de trabalho e a autonomia do trabalhador de enfermagem na prestação de cuidados aos usuários em um pronto atendimento(27).

No serviço de Pronto Atendimento, o acolhimento representa uma tecnologia leve a ser explorada para reverter o modelo assistencial. A enfermagem, por meio do seu trabalho, pode acolher as pessoas que necessitam de atendimento considerando as singularidades das determinações sociais presentes no processo saúde-doença dos indivíduos(26).

Quanto ao papel dos enfermeiros no contexto da organização do trabalho nesse componente assistencial, destaca-se a atuação desse profissional na coordenação das atividades da enfermagem, articulando e negociando com os demais membros da equipe, supervisionando e controlando as dinâmicas de trabalho no serviço, bem como, selecionando pacientes de maior risco, dentro das prioridades estabelecidas(27). Na maioria das instituições, o enfermeiro é responsável pela gerência e coordenação das atividades de saúde e, mesmo quando não exerce cargos de chefia, é quem organiza os serviços e encaminha as dificuldades cotidianas de trabalho. Portanto, é imprescindível sua autonomia e seu envolvimento nas práticas de saúde desenvolvidas, em especial, nos serviços de saúde, visando à construção de processos de trabalho centrados nas necessidades do usuário e na integralidade dos sujeitos(6).

O número reduzido de investigações sobre o trabalho da enfermagem no componente pré-hospitalar fixo pode ser justificado por dois fatores. Um deles é a problemática estrutural histórica de pouco investimento no âmbito da atenção básica para o atendimento às situações de urgência(30); o outro é o imaginário social da população que associa esse tipo de atendimento predominantemente aos serviços hospitalares, que reúnem um maior somatório de recursos, como, por exemplo, consultas, remédios, procedimentos de enfermagem, exames laboratoriais e internações que os tornam mais resolutivos na visão dos usuários(2).

Entretanto, estudo realizado na Emergência de Adultos de um hospital geral mostrou que 74,5% dos atendimentos eram por queixas típicas da atenção primária de saúde, não se caracterizando, portanto, como urgência. Essa grande demanda prejudica o atendimento dos casos graves e agudos, pois gera acúmulo de tarefas e consequente sobrecarga para a equipe, contribuindo ainda, para o aumento dos custos hospitalares(31).

O aumento da utilização dos serviços hospitalares de emergência é um fenômeno mundial relacionado, principalmente, ao aumento da expectativa de vida e às mudanças nos padrões de morbimortalidade da população, com crescimento das doenças crônicas e das causas externas(32). Diante desse cenário, tem-se discutido a importância da organização e estruturação das unidades de emergência conforme as demandas sociais dos usuários e a ampliação dos serviços ofertados pelos componentes não-hospitalares, mediante capacitação dos profissionais de enfermagem para o atendimento clínico aos casos de menor complexidade e realização de triagem com classificação de risco(8,33).

Portanto, constata-se que a atuação da enfermagem na atenção às urgências, no Brasil, está diretamente relacionada à organização do sistema de saúde, caracterizando-se pela ênfase no atendimento hospitalar, o que, entre outros fatores, expõe os profissionais de saúde e enfermagem a jornadas de trabalho intensas em condições nem sempre adequadas nas unidades hospitalares de atenção às urgências.  

Considerações finais 

Este estudo permitiu traçar um panorama geral das publicações brasileiras, veiculadas por periódicos de enfermagem entre 2003 e 2008, relacionadas ao trabalho da enfermagem no atendimento às urgências, visualizando os focos principais da produção do conhecimento referente à temática e identificando algumas lacunas no estado da arte sobre o saber e o fazer da enfermagem nesse contexto de atuação.

            Constatou-se que as pesquisas concentram-se no âmbito hospitalar de atenção às urgências, sendo escassos os estudos que focalizam especificamente o trabalho da equipe de enfermagem nos demais componentes propostos na Política Nacional de Atenção às Urgências. A realização de pesquisas sobre tal problemática é importante para a identificação/discussão dos limites e possibilidades relativos à atuação da enfermagem nos diferentes níveis de atenção, contribuindo para formação de uma rede assistencial em que cada serviço complemente a ação de outro por meio de mecanismos organizados e pactuados de atenção às urgências.

Houve destaque para a ênfase das investigações nos aspectos relacionados à saúde dos trabalhadores de enfermagem. Em que pesem as dificuldades relacionadas ao trabalho em saúde e enfermagem no atendimento às urgências, uma melhor compreensão e discussão das práticas dos profissionais de enfermagem na atenção a esses agravos pode favorecer a elaboração de estratégias para qualificá-las e melhor as condições de trabalho, amenizando, assim, as implicações à saúde dos trabalhadores.  

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: todos; Pesquisa bibliográfica: Graciela Cabreira Gehlen e José Luís Guedes dos Santos; Análise e interpretação: todos; Escrita do artigo: todos; Revisão crítica e aprovação final do artigo: Maria Alice Dias da Silva Lima; Suporte administrativo, logístico e técnico: José Luís Guedes dos Santos. 

E-mail para contato: José Luís Guedes dos Santos: joseenfermagem@yahoo.com.br