Conception of being elderly by Boca Maldita Gentlemen: a qualitative descriptive study
Concepção de ser idoso pelos Cavalheiros da Boca Maldita: estudo qualitativo descritivo
Concepción de ser anciano por los Caballeros de Boca Maldita: estudio cualitativo descriptivo  

Maria Helena Lenardt1, Márcia Daniele Seima1, Mariluci Hautsch Willig1, Cláudia Rodrigues de Araújo1,Karina S. de Almeida Hammerschmidt2. 

1 Universidade Federal do Paraná, PR, Brasil. 2 Universidade Federal do Pampa, RS, Brasil. 

Abstract: This is a qualitative descriptive study carried out with elderly members of the Confraternity of Boca Maldita Gentlemen, located on XV de Novembro Sidewalk – Curitiba downtown. The study aimed to investigate the members’ conception of being elderly. Data were collected from November 2006 to January 2007 through semi structured interviews. Twelve interviews were conducted, which were analyzed through analysis of collective speech. The following main ideas emerged from qualitative analysis: 1. Elderly is the other; 2. Money is everything; 3. Sexuality is taboo. The participants of the study have a high education level, many with more than one degree and an income of 30 salaries. They demonstrated prejudice conceptions about what it is to be an elderly, similarly to elderly with low educational and social level.

 Key Words: Elderly; Socialization; Geriatric Nursing.

 Resumo: Trata-se de pesquisa qualitativa descritiva realizada com os idosos membros da Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita, situada no calçadão da Rua XV de Novembro – Centro de Curitiba – PR. O objetivo foi investigar a concepção dos idosos frequentadores sobre ser idoso. As informações foram coletadas no período de novembro de 2006 a janeiro de 2007 mediante roteiro semi-estruturado. Realizaram-se doze entrevistas as quais foram analisadas segundo a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo. Das análises qualitativas surgiram as seguintes idéias centrais: 1. O idoso é o outro; 2. Dinheiro é tudo; 3. Sexualidade é tabu. Os participantes têm alto nível de escolaridade, muitos deles com mais de uma graduação e condição financeira em torno de 30 salários mínimos. Eles demonstraram ter concepções preconceituosas sobre o que é ser idoso semelhante aos idosos de menor escolaridade e nível social.

 Palavras Chave: Idoso; Socialização; Enfermagem Geriátrica.

 Resumen: Se trata de investigación cualitativa descriptiva realizada con ancianos miembros de la Confraria de los Caballeros de Boca Maldita, sitio ubicado en la calle conocida como Rua XV de Novembro – Centro de Curitiba – PR. El objetivo fue investigar la concepción de los ancianos frecuentadores acerca del ser anciano. Las informaciones fueron recogidas en período de noviembre de 2006 a enero de 2007 por medio de guión semiestructurado. Fueron hechas doce entrevistas, las cuales fueron analizadas de acuerdo con la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo. De los análisis cualitativos, surgieron las siguientes ideas centrales: 1. El anciano es el otro; 2. Dineiro es todo; 3. Sexualidad es tabú. Los participantes tienen alto nivel de escolaridad; muchos de ellos con más de una graduación y condición financieira alrededor de 30 sueldos mínimos. Ellos demostraron prejuicio en sus concepciones acerca de lo que es ser anciano, de la misma forma que los ancianos de menor escolaridad y nivel social.

 Palabras Clave: Anciano; Socialización; Enfermería Geriátrica.

 Introdução

 O espaço denominado Boca Maldita se localiza no calçadão da Rua XV de Novembro, no ponto central de Curitiba – PR. Neste pedaço da cidade, em frente à Galeria Tijuca, entre cúpulas de acrílico colorido, quiosques, bancos, lanchonetes, jornaleiros, engraxates, motoqueiros e o vaivém dos curitibanos funciona, desde 1956, uma tribuna livre, de fama nacional e internacional, onde protestar é preciso: a Boca Maldita.

Os frequentadores do local são homens, integrantes de um grupo social conhecido como “sociedade de machistas”. O termo Boca Maldita surgiu no início dos anos 60 para designar o local em que uma roda de amigos se reunia para discutir políticas, ver belas mulheres, e falar mal da vida alheia. Os membros da confraria gastam conversas intermináveis, em qualquer hora de qualquer dia, entremeados de cafezinhos oferecidos pelo famoso Café da Boca1.                   

A Boca Maldita tem sido local de grande concentração de idosos, população esta que tem denotado interesse de gerontólogos e pesquisadores. Desde os primórdios o idoso tem recebido diversas definições e associações que vão desde a visão negativa, pejorativa a positiva.

A construção da identidade do idoso representa uma produção ideológica da sociedade. “O idoso conhece e partilha desta ideologia que, entretanto, define o idoso em geral, mas não o idoso em particular”. A visão simples e generalista cria um modelo genérico do idoso o que torna mais complexo e difícil a aceitação destes que possuem toda uma singularidade2.

Recusar ser velho ou querer sê-lo é escolha, configuração da mente individual. O que temos é somente um tabuleiro mental para o jogo das imagens, porque cremos naquilo que nos interessa. Quando se perde a história perde-se também a referência do espaço. Um conceito importante da física é que o tempo não existe sem espaço. Portanto, fica claro que ser velho ou novo depende de ponto de vista. Quando entramos no campo minado da subjetividade, a aceitação ou rejeição sempre depende de interesses pessoais3.

            Estudos disponíveis na literatura4, frequentemente trazem os significados atribuídos ao ser idoso pelos profissionais que atendem idosos nas mais variadas situações, os residentes em longa permanência, hospitalizados e domiciliados. Não foram encontrados na literatura vigente estudos específicos que se assemelham aos nossos sujeitos e objetivo, principalmente que privilegiam somente a concepção do idoso e sobre a temática ser idoso.

Encontram-se estudos que apresentam concepções de idosos sobre envelhecimento e velhice, embora associadas ao que pensam os profissionais. A pesquisa que mais se aproximou ao presente estudo5 foi a que teve como objetivo conhecer as concepções de idosos e de auxiliares de enfermagem quanto à velhice, à relação de dependência-autonomia e ao cuidado prestado ao idoso hospitalizado. Os resultados dessa investigação apontam concepções permeadas de preconceitos e estereótipos negativos. Os auxiliares associam a velhice à doença, velhice à disfuncionalidade, e dependência à doença. Os próprios idosos também não têm concepções positivas em relação à fase vivenciada, percebem o envelhecimento como um período de perdas, de declínio funcional.

        Nossas pesquisas sempre tiveram como foco o idoso carente, camada social menos favorecida, usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) e com baixo nível de escolaridade. Considerando-se que as ações de cuidados profissionais da enfermagem não se dirigem especificamente a determinada camada da sociedade, mas a sua totalidade, estende-se esta investigação a outro estrato social. Desta vez, nosso olhar será dirigido aos idosos de camada diferenciada, concernente aos aspectos nível social e escolaridade, com o intuito de realizarmos comparações futuras das concepções dos idosos entre diferentes classes sociais.

A análise desta diversidade sociocultural poderá indicar para a enfermagem a existência de uma pluralidade de formas de conceber e viver a vida pelos idosos. Portanto, identificar a concepção de ser idoso tem como intento subsidiar o planejamento e as ações de cuidados de enfermagem voltados às reais necessidades desta dessemelhança populacional.

Diante do exposto, o estudo teve como objetivo identificar a concepção dos idosos frequentadores da Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita sobre ser idoso.

 Metodologia 

            Trata-se de pesquisa qualitativa descritiva realizada entre novembro de 2006 e janeiro de 2007. Este período foi suficiente para atingir a saturação dos dados. Participaram do estudo doze (12) idosos que frequentavam a Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita. As informações foram coletadas por meio de entrevistas gravadas em fitas magnéticas, mediante roteiro semi-estruturado composto de questões abertas e fechadas. Primeiramente, as questões versavam sobre dados de identificação dos entrevistados e na sequência abordavam-se os seguintes temas: ser idoso, independência e sexualidade.

    A seleção dos sujeitos do estudo foi intencional, com a utilização da técnica “bola de neve” 6, a qual propõe que o primeiro entrevista do recomende o segundo, o segundo indique o terceiro e assim sucessivamente até o momento em que haja saturação dos dados necessários ao objetivo do estudo.

            Foram realizadas doze (12) entrevistas no local de encontro dos idosos frequentadores da Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita, precisamente no recinto comercial “Café da Boca”. O recinto forneceu ambiente reservado e privativo para que as entrevistas ocorressem entre o pesquisador e o idoso.   Posteriormente estas foram transcritas e analisadas em duas etapas. Na primeira, os dados de identificação informados e definidos pelos participantes foram organizados e analisados por meio de estatística descritiva simples. Na segunda etapa, as informações específicas da temática do estudo foram submetidas à técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) 7. Segundo os autores, a técnica consiste em analisar as informações verbais coletadas, retirando-se as idéias centrais e suas correspondentes expressões-chave. As expressões-chave semelhantes são agrupadas compondo um ou vários discursos-síntese na primeira pessoa do singular.

O presidente da Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita foi comunicado e esclarecido sobre os objetivos do estudo e o compromisso de manter o anonimato dos participantes. O projeto recebeu parecer favorável do presidente para a execução da pesquisa. O projeto foi aprovado em reunião  do Departamento de Enfermagem no dia 14 de agosto de 2006 e encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde, da Universidade Federal do Paraná, que o aprovou em 02 de outubro de 2006 sob parecer consubstanciado de número 0046.0.091.000-0.

Foram respeitados os preceitos éticos de participação voluntária, esclarecida e consentida segundo Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, por meio do preenchimento do termo de consentimento livre e esclarecido. Foi explicado ao idoso o direito de recusar-se ou desistir da participação na pesquisa e a preservação do anonimato.  

Resultados e Discussão 

Características de identificação:

A totalidade dos idosos participantes (12) é do sexo masculino. A idade variou de 60 a 86 anos, nove (9) idosos são casados, dois (2) divorciados e um (1) solteiro. Do total de idosos, oito (8) são aposentados e seis (6) destes permanecem em atividade profissional. A maioria dos idosos (oito) possui formação superior e três (3) deles com mais de uma graduação. Quanto à renda mensal dois (2) relatam receber aproximadamente seis salários mínimos; (5) cinco, quase 30 salários; e os outros cinco (5), se recusaram a informar o valor real da renda referindo apenas que se tratava de quantia “extremamente alta”. Ressalta-se que o valor do Salário Mínimo no ano de 2007 equivalia a R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) 8

Análise do discurso do sujeito coletivo:

Da análise do Discurso do Sujeito Coletivo emergiram dos discursos três idéias centrais: O idoso é o outro; Dinheiro é tudo; Sexualidade é tabu.  

O que é idoso? 

Idéia Central: O idoso é o outro

Discurso do Sujeito Coletivo: Idoso é aquela pessoa que passou dos 60 anos. Eu não sinto a idade, sou um jovem velho e estou começando a vida agora. Eu acho que tenho 50 anos (76 anos) porque eu estou em plena forma. Idosos são os outros, eu não [...] eu vejo uns idosos aqui que estão mais para lá do que para cá, como diz o ditado: “estão caindo em pé”. 

No Discurso do Sujeito Coletivo evidencia-se que os entrevistados caracterizam o idoso de acordo com a idade cronológica. Nos países em desenvolvimento, a pessoa idosa é aquela que passou dos 60 9. A idade é utilizada como base de cunho social para caracterizar a pessoa idosa, embora esta vertente não considere outros aspectos como fatores psicológicos, biológicos, sociais, os quais influenciam o processo de envelhecimento.

Sabe-se que cada pessoa envelhece de modo diferente e que alguns pontos são determinantes para que este envelhecimento seja ativo ou não, a citar: fatores econômicos, sociais, pessoais, comportamentais, acesso a ambiente físico seguro e serviços sociais e de saúde 10. O modo de vivenciar e conceber a velhice varia de pessoa para pessoa e isto porque os fatores determinantes do envelhecimento também se diferenciam.

A sociedade tende a considerar o indivíduo que passou dos 60 anos como aquele ser doente, não considerando que cada pessoa envelhece de maneiras diferentes dependendo do fator hereditário, estado emocional, condições econômicas, culturais, entre outros e por esse motivo a velhice apresenta-se de formas tão diversificadas em nosso meio.  

Por vezes o idoso é visto como ser não ativo e associado à inutilidade, onerosidade, dependência, entre outros que podem acarretar visão pejorativa dos indivíduos nesta faixa etária. Nos depoimentos que emergiram neste estudo, verificou-se a presença de preconceitos e estereótipos que se apresentam enraizados nos discursos dos idosos.

Os preconceitos e os estereótipos que cercam a velhice por vezes estão associados ao corpo imperfeito, em declínio e a pele enrugada e enfraquecida, tornando a velhice algo que os idosos não desejam para si.

Os achados deste estudo correspondem aos de outros autores, onde o indivíduo/idoso tem consciência da definição de pessoa idosa, mas a percepção de si não corresponde exatamente a essa definição. A afirmação “o idoso não sou eu, o idoso é o outro” traz o significado de ser idoso como uma questão visível, empírica, uma concepção negativa de ser que envelhece e adoece. Isto porque a sociedade tem uma visão do que é ser idoso e eles próprios compartilham desta maneira de caracterizá-lo 11, porém a visão de si não se enquadra nesta categorização e/ou características.

A velhice pode ser entendida como uma representação social de um lado e uma construção individual e vivencial do outro 11. A representação social do idoso é construída a partir do outro e é nesse outro reconhecido. O preconceito pela própria velhice o impede de perceber as singularidades e peculiaridades do curso normal da vida e das possibilidades de torná-la ativa.

A direção para as práticas educativas de enfermagem podem ser melhor estabelecidas quando é identificado o modo como o idoso define a sua própria condição e a do outro.O enfermeiro ao conhecer as concepções que os idosos têm a respeito da velhice pode contribuir para a reorientação dessa identidade que até então está calcada no preconceito e no conhecimento empírico. Fazer vigorar ações abrangentes baseadas somente na idade cronológica pode ser discriminatório e contraproducente para o bem estar do idoso. 

O que é ter independência?  

Idéia Central: “Dinheiro é tudo”. 

Discurso do Sujeito Coletivo: Aquele idoso que se preparou na juventude pode estudar. Esse sim vai ter uma boa aposentadoria e terá independência. No meu caso, nasci rico e casei com quem é rica, sou burguês e gosto de trabalhar, mas não com muito afinco, é um lazer. Tenho saúde e posso comprar remédios porque tenho dinheiro e sou independente. Eu até ajudo os outros, eles que vivem na minha dependência. Os meus filhos trabalham para mim, mas todos com independência e me querem muito bem. Eu me sinto feliz por ter a família que tenho.   

O DSC relata que para os idosos do estudo a independência está vinculada diretamente à questão financeira e consequentemente à saúde, acesso aos medicamentos, satisfação na aposentadoria e relacionamento familiar. Os depoimentos apontaram o fator financeiro como norteador do processo de viver do idoso, interferindo em suas atitudes e relações.

            Existem duas vertentes relacionadas ao momento da aposentadoria. Uma é que o indivíduo se distancia da vida produtiva podendo levá-lo a um sentimento de descontinuidade, ruptura com o passado, desvalorização e desqualificação, devendo ajustar-se a uma nova condição. Outra vertente cita algumas vantagens advindas com a aposentadoria, como o descanso e o lazer 12. Para os idosos entrevistados a aposentadoria é vista como uma consequencia da construção financeira durante toda vida. “A qualidade de vida que as pessoas terão quando idosos depende dos riscos e oportunidades que experimentarem durante a vida” 10.

Os resultados emergentes demonstram que os idosos possuem condições financeiras com renda maior que a da média da população, porém continuam trabalhando por lazer, por ser algo que lhes traz felicidade. “O idoso necessita estar engajado em atividades que o façam sentir-se útil. Mesmo quando possui boas condições financeiras, o idoso deve estar envolvido em atividades ou ocupações que lhe proporcionem prazer e felicidade” 12-426.

 Para os idosos da Confraria, ter condições financeiras possibilita ser independente, permite a compra de medicamentos, manter vida saudável e proporciona relacionamentos afetivos/profissionais com os familiares. Torna-se fundamental ter status econômico, pois este define a posição social e de modo geral a interação entre os indivíduos. Trabalhar e ter independência permite o ato de existir enquanto cidadão e auxilia na questão de traçar redes de relações que servem de referência, determinando, portanto, o lugar social e familiar 12.

            No discurso dos idosos percebe-se que a família mantém relacionamento de interdependência, entretanto conseguem conviver bem com esta situação. O ambiente familiar é fundamental, pois pode determinar as características e o comportamento do idoso. A família na qual predomina uma “atmosfera saudável e harmoniosa entre as pessoas possibilita o crescimento de todos, incluindo o idoso, pois todos possuem funções, papéis, lugares e posições e as diferenças de cada um são respeitadas e levadas em consideração” 12-425.

Verifica-se que a visão da velhice como momento de decadência física e invalidez, de descanso e quietude no qual imperavam a solidão e o isolamento afetivo, passa a significar realização, felicidade, com momentos de lazer, propício à realização pessoal, à criação de novos hábitos, hobbies e habilidades e ao cultivo de laços afetivos e amorosos à família 13.

            Em estudo realizado na região metropolitana de Porto Alegre, com idosos ativos, percebeu-se que a manutenção da independência, autonomia e satisfação com o relacionamento familiar foram fatores preditivos do envelhecimento bem sucedido 14.

            A autonomia e a liberdade são caracterizadas pela independência dos outros, capacidade de auto sustentar-se financeiramente, ter capacidade e atividade intelectual preservada 11. O idoso que possui independência financeira tem mais possibilidades de atingir satisfação na aposentadoria, manter vida mais saudável e relacionamento familiar envolto em respeito e independência.

Assim percebe-se que para manter uma vida saudável faz-se necessário que o idoso satisfaça suas necessidades relacionadas às diferentes dimensões que o envolvem 15 com suporte econômico, social e cultural 16.

O comprometimento da independência do idoso tem implicações importantes para a família, comunidade e para a vida do próprio idoso. Isto se tornou um novo paradigma de saúde pública frente ao envelhecimento: o conceito de saúde se inclina para a manutenção da independência/autonomia, mesmo na presença de doenças crônicas. Para o profissional enfermeiro que cuida do idoso dentro desse modelo é fundamental conhecer a percepção subjetiva de independência/dependência nas atividades do cotidiano do idoso, com o objetivo de determinar o modo como este vivencia o processo de saúde-doença e de estabelecer os cuidados desejados por ele.              

Qual a relação do idoso com a sexualidade? 

Idéia Central: “Sexualidade é tabu”.  

Discurso do Sujeito Coletivo: Conheço pessoas que tem uma vida sexual normal, até com 90 anos, tem filho, e me desculpa as palavras, mas estão com mais fogo, mais potentes que os jovens. Porém, eu estou com 76 anos, e sinto falta, mas a sexualidade vai diminuindo muito no decorrer dos anos, tem menos vontade [...]. Tem muitos idosos pretensiosos, metidos e mentirosos que não falam. Eu não, confesso, já me apaguei faz cinco anos e aceito com neutralidade [...] isso é uma deficiência da velhice e ficam com medo de dizer que são impotentes. É uma consequência natural da vida, é hora de descansar, de sossegar, de apagar o fogo. 

            Percebe-se que mesmo apresentando alto nível de escolaridade os depoentes associam sexualidade exclusivamente ao ato sexual. Falar de sexualidade e envelhecimento, ainda nos dias atuais, significa falar de dois temas fascinantes, mas, ao mesmo tempo, ainda repleto de preconceitos e tabus. Para muitos, parece que em determinado momento de suas vidas sexo passa a ser, como por encanto, privilégio dos jovens 17.

Em muitos estudos realizados fica evidente que os relacionamentos sexuais no sentido de ato são considerados exclusivos das pessoas jovens, com boa saúde e fisicamente atraentes. E que a idéia de sexualidade na velhice não é culturalmente muito aceita, preferindo-se ignorar o fato. Os tabus, preconceitos e estereótipos associam a velhice aos papéis de serem avôs e avós, identificando-os, muitas vezes, como seres assexuados 18.

            A visão simplista da sexualidade como ato sexual com consequente procriação é a responsável pelo preconceito que norteia o tema, principalmente quando está relacionada aos idosos.

            A exploração sobre o retorno da repressão sexual na velhice pode ser dada, pela associação muito comum que a sociedade faz entre atividade sexual e reprodução, dificultando, assim, o exercício da sexualidade do ser humano e da troca afetiva, após o período de possibilidade de procriação 19.

Os idosos afirmam que o desejo sexual e sua prática são reduzidos na velhice e este fato deve-se ao processo de envelhecimento fisiológico. Conforme a literatura vigente, para algumas pessoas há uma diminuição do desejo sexual, ao passo que para outras há apenas uma modificação neste. Uma das possíveis causas para a redução da atividade sexual ainda pode ser pelo medo e a baixa auto-estima em razão do risco de impotência e consequentemente à frustração 20.

Os depoimentos dos idosos estão impregnados de constrangimentos em reconhecer a condição da sexualidade de si, sendo que alguns idosos omitem a real condição que se encontram. Provavelmente pela valorização que a sociedade dá ao sexo. Os preconceitos e os tabus que permeiam a velhice são reflexos da sociedade que caracteriza o idoso como indivíduo privado de sexualidade e este, ao assimilar estes conceitos, passa a se comportar de acordo com as expectativas sociais. Entende que se expor sua sexualidade poderá ser considerado um degenerado, libidinoso ou indecente 20.

As dificuldades na aceitação da sexualidade na velhice podem se dar pela falta de informação e a falta de conceituação tanto pelos idosos quanto pela sociedade. A sexualidade é muito mais que ato sexual, é demonstração de carinho, afeto, amor, respeito, aconchego. Faz parte da vida dos seres humanos e está presente em todas as fases do desenvolvimento humano 20.

Em estudo realizado com acadêmicos de Biomedicina, Enfermagem e Medicina da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) 21 observou-se que a maioria dos acadêmicos não possuíam a disciplina geriatria e/ou gerontologia no curso e não sabiam definir o idoso nem mesmo pela idade cronológica. Conceituar as peculiaridades que envolvem a velhice torna-se, portanto, tarefa ainda mais complexa para o idoso que não tem embasamento gerontológico.

Percebe-se a necessidade da capacitação do profissional enfermeiro de modo que este se torne habilitado para abordar o tema sexualidade junto ao idoso. Deste modo, os Cursos de Graduação em Enfermagem devem incluir na grade curricular disciplinas que discutam esta temática. 

Conclusão 

As rodas de conversas dos idosos frequentadores da Confraria dos Cavalheiros da Boca Maldita favorecem trocas de experiências e amplas discussões que vão desde política até comentários referente às mulheres que passam pelo calçadão da Boca. Entretanto, apesar do alto nível de escolaridade e condições financeiras percebe-se que os idosos frequentadores da Confraria possuem estereótipos e preconceitos no que tange o ser idoso.

Todos os idosos afirmaram ser idosos, mas nenhum declarou sentir-se idoso. Relataram que os outros possuem características da velhice, mas eles próprios não as possuem. Sentem-se em plena forma de viver e estar, mas os outros idosos não são iguais, geralmente são piores. Este modo de pensar é reflexo de uma construção social negativa do envelhecimento e que precisa de reelaboração, visto a quantidade de idosos longevos e saudáveis em nossa sociedade. É preciso formular novos conceitos a respeito da velhice e disseminá-los na sociedade para que o idoso possa aceitar-se e sentir-se como idoso.  

A condição financeira possibilita ser e sentir-se independente, permite a compra de medicamentos, manter a vida saudável e proporciona relacionamentos afetivos/profissionais com os familiares. A família, em muitas situações, é interdependente afetiva/profissionalmente do idoso.

Os participantes, apesar de apresentarem alto nível de conhecimento, concebem sexualidade apenas como ato sexual. Este modo de entendimento é reflexo de uma sociedade machista em que sexualidade recebe conotação reducionista. A sexualidade é muito mais do que ato sexual, ela envolve o carinho, respeito, o amor e o compartilhar entre as pessoas, troca de palavras e de toques. É sentir-se importante e desejado por outra pessoa. A sexualidade não é vivida somente pelos jovens, muito pelo contrário, ela é vivenciada em todas as idades dos seres humanos, possui forma subjetiva de ser transmitida e recebida.

Neste estudo consideram-se surpreendentes os resultados encontrados sobre as concepções de ser idoso dos frequentadores da Confraria. Eles apontaram significativa semelhança quando comparados aos relatos emergentes de outra investigação realizada pelo nosso grupo de pesquisa com idosos de estrato socioeconômico menos privilegiado e nível de escolaridade inferior 22.

Conclui-se que a representação preconceituosa de ser idoso está enraizada nos discursos dessa faixa etária. Para mudar esta condição, os profissionais de saúde – em especial da Enfermagem – devem buscar conhecimentos específicos na área da Gerontologia. Esse conhecimento envolve práticas de cuidado que colocam o idoso como protagonista.

Muitos dos trabalhos em gerontologia falam sobre o idoso de uma perspectiva externa a eles, mas não ouvem a voz deles. Ouvir os idosos, dar-lhes a palavra e considerar o que eles têm a dizer contribui na construção do cuidado eficaz. Entende-se que estas abordagens junto aos idosos favorecem o processo de ensino da Enfermagem Gerontológica no sentido de transformação da imagem e na compreensão de aspectos particulares da velhice. Acredita-se que deste modo é possível cultivar a cidadania e construir uma sociedade, na qual os idosos sejam respeitados e exerçam seus papéis sociais com plenitude 23.

Compreender o idoso por meio da multiplicidade de grupos inaugura para a enfermagem uma possibilidade de entendimento mais profundo e significativo sobre os aspectos da diversidade/universalidade nos modos de ser idoso. Esses aspectos evidenciam o cuidado do ser idoso como uma situação complexa e para dar conta desse cuidado profissional exige-se estudos específicos na área da gerontologia.

Espera-se que esta pesquisa contribua no fornecimento de subsídios para futuros estudos com uma representação cada vez maior de idosos. 

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Contribuições dos autores: Concepção e desenho: Maria Helena Lenardt, Karina S. de Almeida Hammerschmidt e Marcia Daniele Seima; Pesquisa bibliográfica: Maria Helena Lenardt, Karina S. de Almeida Hammerschmidt, Marcia Daniele Seima e Mariluci Hautsch Willig; Coleta dos dados: Karina S. de Almeida Hammerschmidt, Marcia Daniele Seima; Análise e interpretação: Maria Helena Lenardt, Karina S. de Almeida Hammerschmidt, Marcia Daniele Seima e Mariluci Hautsch Willig; Escrita do artigo: Maria Helena Lenardt, Karina S. de Almeida Hammerschmidt, Marcia Daniele Seima, Mariluci Hautsch Willig e Cláudia Rodrigues de Araújo; Revisão crítica do artigo: Maria Helena Lenardt, Karina S. de Almeida Hammerschmidt, Marcia Daniele Seima, Mariluci Hautsch Willig e Cláudia Rodrigues de Araújo; Aprovação final do artigo: Maria Helena Lenardt, Karina S. de Almeida Hammerschmidt e Marcia Daniele Seima.

Endereço para correspondência: Marcia Daniele Seima. Rua Ana Berta Roskamp, 284. Jardim das Américas. Curitiba – Paraná. CEP: 81530250. E-mail: marciaseima@gmail.com