Alterations in the way of living of elderly people with cancer

Alterações no modo de viver de idosos com câncer

Alteraciones en el modo de vivir de los ancianos con cáncer

 

Isis Marques Severo*, Maria Isabel Pinto Coelho Gorini*

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.

ABSTRACT. It is about a qualitative research of the case study type with the general objective of identifying the alterations in the way of living of elderly people with cancer in their domicile. Visits were made to fifteen elderly with cancer in their domicile when the semi-structured interview was utilized. The following categories have arisen: “Experiencing the Disease”, “Perception of the Elderly about the Disease”, “The Impact of the Diagnosis” and “Alterations in the Way of Living”, related to their respective themes. Studies like this contribute for the construction of knowledge in the field of health education and can help the elderly with cancer and their families to manage their care and therefore avoid further hospital admittances and improve their quality of life.

Keywords: Elderly, Cancer, Health Education, Nursing.

RESUMO. Pesquisa qualitativa do tipo estudo de caso que tem como objetivo geral identificar as alterações no modo de viver dos idosos com câncer em seu domicílio. Foram realizadas visitas domiciliares a quinze idosos com câncer e utilizada entrevista semiestruturada. Surgiram as categorias: “Vivenciando a Doença”, “Percepções dos Idosos sobre a Doença”, “O Impacto do Diagnóstico” e “Alterações no Modo de Viver”, relacionadas aos seus respectivos temas. Estudos como esse contribuem para a construção de conhecimentos na área de educação em saúde e podem auxiliar os idosos com câncer e suas famílias a gerir o seu cuidado podendo evitar futuras hospitalizações e melhorar a sua qualidade de vida.

Descritores: Idoso, câncer, educação em saúde, enfermagem.

RESUMEN. Se trata de una pesquisa cualitativa de la clase estudio de caso con el objetivo general de identificar las alteraciones en el modo de vivir de los ancianos con cáncer en su domicilio. Fueron realizadas visitas domiciliares a quince ancianos con cáncer con la utilización de la entrevista semiestructurada. Surgieron las categorías: “Experimentando la Enfermedad”, “Percepciones de los Ancianos acerca de la Enfermedad”, “El Impacto del Diagnóstico” y “Alteraciones en el Modo de Vivir” relacionadas a sus respectivos temas. Estudios como este contribuyen para la construcción de conocimientos en el área de educación en salud y pueden ayudar a los ancianos con cáncer y a sus familias a administrar su cuidado de manera a evitar futuras hospitalizaciones y a mejorar su calidad de vida.

Descriptores: Ancianos, Cáncer, Educación en Salud, Enfermería.

INTRODUÇÃO

No Brasil, a população de 60 anos ou mais representava 7,3% na década de 1990, enquanto que, no ano de 2000, essa proporção atingia 8,6% e, em 2006, chegou aos 10,2% do total da população. Nesse período, o número de idosos aumentou devido ao crescimento vegetativo e ao aumento gradual da expectativa de vida ao nascer (1).

Entre as doenças, que contribuem para alterar, de forma negativa, a qualidade de vida da população idosa, estão aquelas denominadas de crônico-degenerativas, e, entre as crônicas, o câncer.

Os idosos com câncer merecem atenção especial da equipe de saúde que deve ser incentivada a buscar alternativas que possam melhorar a qualidade de vida dessa população fragilizada em função de sua condição de saúde.

Como objeto de pesquisa, esse estudo contemplou a identificação das alterações no modo de viver, dos idosos com câncer de um hospital universitário em seu domicílio. Em vista disso, o presente trabalho buscou responder as seguintes questões norteadoras: Quais as alterações, no modo de viver, dos idosos com câncer em seu domicílio? Quais as suas percepções sobre as alterações nos hábitos de vida e saúde? Como o idoso com câncer realiza o autocuidado no seu domicílio?

A escolha por realizar um estudo com idosos, em seu domicílio, se deveu ao fato de este ser um espaço onde o cuidado de enfermagem pode ser produzido. No terreno da prática de saúde, os idosos com câncer exigem uma assistência diferenciada, pois carregam consigo as incertezas da doença, dos efeitos adversos do tratamento e, além disso, do seu prognóstico.

O enfermeiro é um dos profissionais que permanece mais tempo junto ao paciente em seu processo de saúde-doença e, por isso, pode tornar-se um multiplicador de temas relacionados à educação em saúde.

Na tentativa de encontrar respostas para tais indagações, a construção de conhecimentos, nessa caminhada, poderá contribuir na área de educação em saúde, em particular, no caso de idosos com câncer.

OBJETIVOS

O objetivo geral dessa pesquisa foi identificar as alterações no modo de viver de idosos com câncer em seu domicílio. Seus objetivos específicos foram conhecer como o idoso com câncer refere as suas vivências, em seu domicílio, sobre as alterações nos hábitos de vida e saúde e descobrir como realiza, ali, o autocuidado.

REVISÃO DA LITERATURA

O câncer é um problema de saúde pública no Brasil, constituindo a segunda causa de morte por doença no país. Dentre os principais fatores, associados ao maior número de casos novos, estão a urbanização e a industrialização. A concentração da população, em grandes centros, favorece a exposição aos fatores de riscos ambientais, aos quais são atribuídos, em relação direta ou indireta, o surgimento de casos novos de câncer (2).

Câncer é um termo genérico dado a um conjunto de mais de 100 doenças, que têm, em comum, o crescimento desordenado de células que invadem os tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para outras regiões do corpo (metástase) (3)

As opções terapêuticas para o tratamento do câncer são: cirurgia, radioterapia, quimioterapia, imunoterapia e terapia hormonal. Essas opções são adotadas independentemente ou em combinações. Para cada paciente, o tratamento depende do tipo, do estágio, da localização e do grau de resposta do tumor, bem como das limitações do próprio indivíduo (4).

No Brasil, as estimativas para o ano de 2008 apontaram que ocorreriam 466.730 casos novos de câncer. Os tipos mais incidentes serão os de próstata e de pulmão no sexo masculino, e de mama e colo do útero no sexo feminino, acompanhando o mesmo perfil de magnitude observada no mundo (5).

O número de idosos, no Brasil, chegou aos dezenove milhões, sendo que os registros de base populacional sobre o câncer são imprecisos e tornam-se necessárias informações de qualidade sobre sua distribuição de incidência e mortalidade, o que possibilita melhor compreensão sobre a doença e seus determinantes (5).

Além disso, em países em desenvolvimento, o envelhecimento populacional pode ocorrer em condições de desigualdade social, crises econômicas e escassez de equipamentos públicos. A esses aspectos sociais e econômicos agregam-se as alterações biológicas e psicológicas que a pessoa pode enfrentar, em especial, no envelhecimento (6).

O enfermeiro deve fazer o uso apropriado de referenciais de educação em saúde em sua prática profissional, propiciando um processo interativo de aprendizagem, que busque satisfazer as reais necessidades dos indivíduos idosos (7). Além disso, nas ações educativas em saúde, deve-se levar em conta as crenças, as especificidades, as expectativas e as dificuldades no modo de viver dos idosos, que podem estar relacionadas aos problemas físicos (como dificuldade auditiva, visual e locomotora), cognitivos e sociais (acessibilidade), entre outros. Portanto, o enfermeiro necessita conhecer as transformações decorrentes do processo de envelhecimento humano, as quais podem interferir nas ações educativas em saúde (7).

O idoso com câncer necessita de conhecimentos sobre os cuidados de saúde necessários para manter-se com uma boa qualidade de vida, que está relacionada à melhora dos sinais e sintomas desencadeados pela doença e ao controle dos efeitos adversos do tratamento. Esse conhecimento é importante para troca de informações com outros pacientes, familiares ou profissionais da saúde, estimulando a promoção da saúde.

METODOLOGIA

Pesquisa de cunho qualitativo, caracterizada como estudo de caso, o qual é considerado um instrumento para aprender sobre os efeitos das normas de qualificação, porém deverá existir uma boa coordenação entre cada um dos estudos individuais (8).

O contexto foi constituído pelas unidades de internação clínica e cirúrgica, alas Norte e Sul, de um hospital universitário, pelos domicílios dos sujeitos do estudo e seus respectivos prontuários.  As unidades clínicas e cirúrgicas têm, em média, de 34 a 45 leitos de internação para pacientes procedentes, principalmente, de Porto Alegre, Grande Porto Alegre e, alguns, do interior do Estado do Rio Grande do Sul.

Os sujeitos constituíram-se por quinze idosos com câncer que foram convidados a participar do mesmo após a concordância do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. O número de sujeitos foi determinado pelo critério de saturação dos dados e considerou-se a denominação de idoso, a qual define população idosa aquela a partir de 60 anos de idade (9). Os dados sóciodemográficos foram analisados e apresentados na forma de frequência e percentual.

Para tanto, foram definidos alguns critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de inclusão foram: ser idoso(a) (³60 anos de idade); ser portador(a) de câncer; estar internado(a) em unidades de internação clínica ou cirúrgica do hospital universitário; estar internado(a), pelo SUS, há pelo menos uma semana; ter três meses de confirmação do diagnóstico e de conhecimento da doença; ter assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; ter condições de responder aos questionamentos (compreensão da pergunta, formulando sua resposta).

Os critérios de exclusão foram: ser portador(a) de doenças crônicas descompensadas; estar com diagnóstico indefinido no momento da coleta das informações; estar sob cuidados paliativos.

Procurando manter o anonimato dos idosos, eles foram identificados com a letra alfabética “S” seguido de um número arábico.

A fase da coleta das informações observou os seguintes aspectos:

* entrada no campo e busca ativa: após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa foi realizada uma reunião com as(os) enfermeiras(os) das unidades de internação, com a finalidade de expor-lhes os objetivos do estudo e solicitar auxílio na indicação de possíveis participantes, os quais foram, posteriormente, contatados pela pesquisadora para formular o convite de participação na pesquisa. Os idosos foram entrevistados, em seu domicílio, após a alta hospitalar. Respeitou-se a vontade dos participantes no sentido de estabelecer o horário da entrevista, uma vez que a pesquisadora se preocupou em não invadir a privacidade das famílias. O período de coleta foi de abril a dezembro de 2007. A pesquisadora defrontou-se com algumas dificuldades para localização dos domicílios, devido ao acesso às moradias em terrenos inclinados e a presença de várias casas em um mesmo terreno. A entrada, em alguns vilarejos, também foi dificultosa, pois os moradores do local limitavam o acesso às moradias.

 * estratégias para coleta das informações: foi utilizada a técnica da entrevista semiestruturada, a qual é a principal ferramenta para se chegar às múltiplas realidades dos entrevistados (8). A entrevista teve duração aproximada de 30 minutos.

As perguntas do roteiro de entrevista semiestruturada foram: Após o diagnóstico de sua doença, houveram modificações na sua vida? Quais as que mais lhe chamam a atenção? Em que essas modificações influenciaram seus hábitos de vida e saúde? Como você faz o seu autocuidado no momento? E, o que você tem feito, agora, para se cuidar melhor?

* registro das informações: as entrevistas foram gravadas e depois transcritas.

A análise desenvolveu-se simultaneamente à coleta das informações. As situações identificadas foram classificadas em categorias com seus respectivos temas, tendo, por base, a análise de conteúdo (10).

Foram observados os aspectos éticos para pesquisa com seres humanos de acordo com a Resolução 196/1996. Os idosos foram convidados a participar do estudo mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizada a leitura desse documento para os sujeitos da pesquisa, ficando uma cópia com o participante e outra, com a pesquisadora após as devidas assinaturas. O projeto dessa pesquisa foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre sob o número 07-067 em 23/03/07.   

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização dos Idosos e seus Domicílios

Dos quinze idosos participantes dessa pesquisa, 60% eram do sexo masculino e 100% foram atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) durante a internação hospitalar.

As famílias desses idosos, em sua maioria (80%), recebem de 1 a 2 salários mínimos do índice regional. No Brasil, pesquisa, realizada nos domicílios em que os idosos estão inseridos, identificou que prevalece a convivência com familiares. O tipo mais comum é o idoso que mora com os filhos, representando 44,5% no conjunto do País (1), fato que foi verificado nessa pesquisa.

Os domicílios dos sujeitos desse estudo são de Porto Alegre e da Grande Porto Alegre. Na sua maioria, são casas de alvenaria (86,6%) e apartamentos em pequenos condomínios, atendidos pelo saneamento básico de água e esgoto, luz e coleta de lixo. Os pátios dessas moradias são grandes e úmidos. É comum a existência de animais domésticos soltos ─ cachorros, gatos e galos ─ como, também, de uma variedade de plantas e árvores frutíferas.

Categorias e Temas da Pesquisa

Na categoria “Vivenciando a Doença”, estão relacionados os temas Busca do Serviço de Saúde e Enfrentando o Tratamento.

Referindo-se à Busca do Serviço de Saúde, os idosos mencionaram as dificuldades de acesso aos serviços de saúde e de confirmação do diagnóstico como pode ser observado no relato: “Eu estava mal lá no interior quando me trouxeram para Porto Alegre de ambulância. Quando acordei, estava internado no hospital e daí foi que me operaram (S1)”.

Em pesquisa sobre trajetórias terapêuticas e redes sociais de pacientes com câncer em um município do Estado do Rio Grande do Sul, foi identificado que o acesso aos serviços de saúde, muitas vezes dificultoso e ineficiente, é um dos principais problemas encontrados por essa clientela (11). Além disso, a dificuldade, na procura do serviço de saúde, deve-se a algumas hipóteses como a falta de recursos econômicos e a de acompanhante; a dificuldade em aceitar a espera do atendimento e a da marcação dos exames.  Somam-se a essas, mudanças sazonais, o que, no caso de idosos, acaba tornando mais difícil o trajeto do paciente.

Quanto ao item Enfrentando o Tratamento, logo após a descoberta do câncer, iniciaram-se os tratamentos, reportados pelos idosos dessa pesquisa, como cirurgia, quimioterapia e radioterapia. Junto aos tratamentos, surgem as dúvidas quanto aos efeitos adversos, sequência do tratamento, enfim, quanto ao inesperado. Todos os quinze idosos, participantes dessa pesquisa, realizaram cirurgia, seis, quimioterapia e três, radioterapia como formas de tratamento.

Nos relatos sobre tratamento quimioterápico e radioterápico, podem ser visualizadas as dificuldades vivenciadas pelos idosos: “A quimio dá assim, como eu vou te dizer, um desânimo na gente. Ela baixa a imunidade e, então, a gente fica cansada (S2)” e “Isso aí é que estragou a minha vida: essa radioterapia. Se eu soubesse não teria feito. Deviam avisar antes, mas não me avisaram. A boca seca, não sabia que ia ficar assim (S3)”.

Por isso, é fundamental que, além do seu papel técnico relacionado à administração das drogas, o enfermeiro atue como um multiplicador de informações a respeito do tratamento quimioterápico, desfazendo dúvidas, tabus e temores dos pacientes (12).

O profissional da saúde pode, junto com o paciente, procurar alternativas para amenizar os efeitos adversos do tratamento quimioterápico, atuando de forma não impositiva, procurando descobrir a melhor forma de cuidado, especialmente, no domicílio.

A partir do que foi exposto anteriormente, as alterações, decorrentes do tratamento quimioterápico e radioterápico, estão mais voltadas para os seus efeitos adversos. Há necessidade de um maior acompanhamento durante o seu trajeto. Trabalhos que tenham, como subsídio, a educação em saúde só serão alcançados quando os sujeitos do processo educativo, nesse caso os idosos e sua família, possam, juntamente com a equipe de enfermagem, estabelecer vínculos, trocar experiências e, juntos, elaborarem um plano de cuidados para satisfazer as necessidades decorrentes da doença. No domicílio, isso pode ser buscado por meio da visita domiciliar, a qual se configura em uma ferramenta que visa estimular estratégias de autocuidado.

As dificuldades financeiras, muito comuns nos pacientes com câncer, foram também mencionadas pelos idosos dessa pesquisa, como pode ser observado: “O meu salário é um “pé na cova”! É ridículo, porque dá até vergonha dizer que a gente ganha trezentos e oitenta reais (S4)”. Ele definiu seu salário como “um pé na cova”, o que torna difícil a aquisição de medicamentos, o transporte até o serviço de saúde e, inclusive, a compra de alimentos.

É importante ressaltar que a saúde provém tanto de determinantes socioculturais quanto de econômicos e esses aspectos devem ser considerados no contexto de saúde (7).

O enfermeiro, por meio da visita domiciliar, pode auxiliar o idoso nesta etapa em que está vivenciando a doença e, também, ajudá-lo a entender o tratamento e a amenizar seus possíveis efeitos adversos tornando-se necessária a interação entre ambos.

 Noutra categoria identificada, “Percepções dos Idosos sobre a Doença” estão relacionados os temas O Indivíduo sente-se Diferente e A História Familiar relacionada ao Câncer.

      Em O Indivíduo sente-se Diferente, foi mencionado pelos idosos que, após o seu diagnóstico, ocorreram modificações no curso de sua vida.  Junto a essa percepção, surge a fadiga, fenômeno intrínseco relatado pela maioria dos idosos dessa pesquisa, como pode ser observado na fala: “Caminho do quarto, com o andador, até a sala, e, quando eu sento, já estou cansada, um cansaço, que depois passa (S5)”.

Algumas características definem a fadiga como falta de energia ou incapacidade para manter o nível habitual de capacidade física, aumento das necessidades de repouso, cansaço, aumento das queixas físicas, entre outras (13).

O enfermeiro deve usar de criatividade para auxiliar o idoso a lidar com as modificações no curso da sua vida, como a sensação de fadiga. A presença desse profissional pode ajudar o idoso a encontrar alternativas ─ como desenvolver atividades físicas, relaxantes e de lazer ─ para diminuir os sintomas dessa alteração e, com isso, melhorar sua qualidade de vida.

Com referência a A História Familiar relacionada ao Câncer, alguns idosos mencionaram história de câncer em parentes de primeiro grau o que demonstrou, nesse caso, preocupação com a família e conhecimento da hereditariedade associada à doença. Isso pode ser demonstrado no relato: “Eu nunca tive doença nenhuma, mas meu pai faleceu de câncer de próstata. Então, como eu sabia que isso é hereditário, logo após a sua morte, venho fazendo todos os exames de rotina (S6).”

S6 foi um dos idosos que ficou surpreso com o conhecimento de sua doença, mas informou que, há mais de um ano antes da sua descoberta, já fazia acompanhamento médico em função de sua história familiar relacionada à doença.

Uma ação transformadora de cuidar acontece na medida em que o indivíduo se apropria daquilo que está instituído na rede de saberes do conhecimento científico, do que está construído na sabedoria popular e tenta fazer um intermeio desses saberes. É comum um movimento em espiral, visto que, em alguns momentos, esses saberes se cruzam e, em outros, se separam ou se distanciam (14).

Os avanços tecnológicos e os dos meios de informação têm contribuído para aumentar os conhecimentos dos indivíduos sobre os assuntos mais variados de saúde. Os profissionais da saúde precisam utilizar essas informações para estimular tanto o desenvolvimento da consciência crítica desses indivíduos quanto a busca de soluções para seus problemas e a organização para a ação individual ou coletiva.

 Já a categoria “O Impacto do Diagnóstico” relaciona os temas Alterações Psicológicas, Sentimento de Tristeza, Apoio da Família, Apoio Profissional e Apoio da Crença Religiosa.

   Identificaram-se, nesta, alterações psicológicas como o choque emocional e o sentimento de tristeza após o diagnóstico da doença, comum em quase todos os idosos dessa pesquisa como pode ser visualizado nas falas: “Uma coisa que eu nunca imaginei. Para mim foi um choque! Mas, aos poucos, estou assimilando,porque a gente tem que encarar com outros olhos (S5)”, e quanto ao Sentimento de Tristeza: “Fiquei muito triste, parecia que tinha acabado tudo na vida. Depois fui ficando mais consciente da coisa [...] (S7)”.

As alternativas encontradas para a diminuição desses sentimentos foram os apoios da família, do profissional e da crença religiosa, como pode ser observado a seguir:

 “Depois, tem uma coisa que eu acho muito importante em tudo isso, que é o apoio da família (S2)”; “Todos lá no hospital estão de parabéns [...], a enfermeira então, nem se fala, porque é muito querida e cuida bem da gente (S8)” e “A primeira coisa eu penso é que tenho que acreditar em Deus [...] e se ele me deu isso é porque vou poder suportar (S2)”.

Em uma pesquisa cujos objetivos eram investigar situações adversas e favoráveis, vivenciadas por pessoas idosas em condições crônicas de saúde, e levantar as estratégias de enfrentamento, os participantes declararam que enfrentaram tais vivências com a fé em Deus, com a ajuda da família e de profissionais da saúde (15).

Como os idosos com câncer necessitam desabafar, o enfermeiro deve incentivá-los a frequentar grupos de ajuda, além de fornecer tempo para que esses idosos possam expressar suas necessidades, realizando o ouvir terapêutico.

 Quanto à categoria “Alterações no Modo de Viver” estão relacionados os temas Mudanças no Cotidiano, Autocuidado com Alimentação, Autocuidado com a Imagem Corporal e A Valorização da Saúde.

Mudanças no Cotidiano foi o tema no qual os idosos referiram as mudanças que perceberam em seus hábitos de vida e saúde após a doença, como, por exemplo, redução nas atividades que estavam acostumados a fazer tais como as domésticas ou ir ao supermercado. Outras mudanças, como parar de fumar ou não consumir mais bebidas alcoólicas, também foram expressas pelos idosos: “Sempre fui muito ativa e isto é que me apavora um pouco. Eu fazia o supermercado, a lavanderia  e agora, a minha filha é que toma conta da casa (S5)”; “Eu gostava mesmo, como ainda gosto, de cachaça, mas depois que descobri o tumor nunca mais botei uma bebida de álcool na boca e larguei a bebida antes de largar o cigarro (S4)”.

Quando o trabalho representa um interesse para o idoso e é a fonte para seus contatos sociais, a separação do trabalho pode deixar um “vazio” em sua vida. Enfrentar a aposentadoria e/ou a separação do trabalho pode ser mais fácil, se a pessoa aprender como usar seu tempo para o lazer.

Na fala de S4, destaca-se o comentário sobre o hábito de ingerir bebidas alcoólicas e sobre o momento em que abandonou esse hábito, além da sua desistência ao cigarro após a descoberta da doença. O alcoolismo está relacionado, de 2% a 4%, às mortes por câncer. O consumo excessivo de álcool etílico pode originar ou atuar como um acelerador do câncer de cabeça e pescoço, laringe, fígado e pâncreas. Como o etanol é o agente agressor, o risco de câncer, relacionado ao consumo de álcool, se potencializa, quando associado ao tabagismo (16).

Os idosos disseram, com respeito ao Autocuidado com Alimentação, procurar se alimentar bem, buscando alimentos, que forneçam energia, ou utilizando fortificantes, fazendo-o, porém, sem conhecimento do que seja uma alimentação adequada ou de alimentos saudáveis como pode ser visualizado: “Sempre fui de comer tudo. Agora a refeição é balanceada porque eu era muito guloso (S9)”; “Eu como o meu churrasco e fiz mocotó ontem e nada me faz mal (S10)”.

Através de relatos dos idosos, pode-se observar o desconhecimento sobre alimentação saudável. Eles procuram alimentos ricos em energia, porém sem orientação profissional sobre o assunto. O enfermeiro pode oferecer orientações sobre alimentação saudável com o auxílio de uma equipe multiprofissional em que médicos e nutricionistas também façam parte desse suporte educativo. Além disso, entre os idosos dessa pesquisa, existe um forte componente cultural com a presença de comidas como o churrasco ou mocotó, típicas na alimentação dos gaúchos. 

Para que uma alimentação seja saudável, é necessário que ela seja equilibrada do ponto de vista nutricional. Isso significa que deve fornecer energia e todos os nutrientes em quantidade suficiente para o bom funcionamento do organismo (17).

Nesse sentido, a busca da educação em saúde deve estar focalizada na importância da alimentação saudável, respeitando a cultura alimentar das pessoas e, também, os aspectos sociais e econômicos envolvidos nesse processo.

Acerca de Autocuidado com a Imagem Corporal, os idosos demonstraram preocupação em manter uma boa imagem corporal. Isso pode ser identificado na fala:

Eu sempre fui uma mulher faceira, uma mulher que gosto de me arrumar. Estou sem cabelos, mas o batom está na boca; caíram os cílios e as sobrancelhas, mas fiz uma sobrancelha definitiva, e o meu sapato de salto sempre uso (S2).”

Os pacientes com câncer são forçados a lidar com modificações da imagem corporal durante o curso da doença e do tratamento. A cirurgia, às vezes desfigurante, a perda dos cabelos (alopecia), a caquexia, as alterações cutâneas, são alguns dos efeitos do câncer e de seu tratamento que ameaçam a autoestima e a imagem corporal dos pacientes (3).

Outro fator, que interfere na imagem corporal, em especial nos pacientes com câncer colorretal, é a realização de colostomia permanente, a qual se constitui na mais efetiva terapia contra a doença. Cinco idosos dessa pesquisa portam colostomia, sendo que alguns desses verbalizaram cuidados com o ostoma: “Um dos cuidados é trocar a bolsa (colostomia) quando necessário, e higiene, o principal é a higiene. Eu nunca tive problema de pele (S10).”

O tema A Valorização da Saúde apresenta como a saúde é vista pelos idosos: “Eu não tinha nada, nunca tinha doença nenhuma. Sempre dizia que tinha muita saúde (S7); “O meu maior cuidado é sem dúvida preservar a minha saúde, e a minha prioridade é essa! (S6)” ; “E agora, em 2007, eu disse: vou cuidar da minha saúde! (S11)”.

No comentário de S7, saúde é vista como ausência de doença. Em contrapartida, S6 refere que um dos seus maiores cuidados é a preservação da saúde, apesar da doença. Já na fala de S11, percebe-se que, após a descoberta da doença, ela pretende cuidar da sua saúde como pode ser observado nos relatos.

A partir disso, acreditamos que os conceitos de saúde são variados e sua percepção, individual, abrangendo os aspectos biológico, social, psicológico, cultural e espiritual.

No caso de indivíduos com câncer, a vivência do processo de adoecimento pode ser transformadora não apenas para quem a experencia mas, também, para aqueles que estão, indiretamente, envolvidos no processo. A doença pode ser entendida como um sinal de alerta para que o indivíduo possa reavaliar a sua vida, atitudes, comportamentos, valores e, até mesmo, o modo com que se relaciona consigo mesmo e com os outros (18).

Dessa forma, em nossa prática profissional, temos procurado trabalhar utilizando, como base, uma fundamentação em aspectos da educação em saúde e buscado fornecer subsídios para que os idosos adquiram consciência crítica sobre a sua saúde e, assim, possam realizar escolhas. Para que esse processo seja efetivo, é importante que, além da presença do enfermeiro, exista uma equipe multidisciplinar e, em conjunto, possam auxiliar os idosos em seu autocuidado, melhorando cuidados antes realizados, mantendo outros e, até mesmo, quando necessário, modificando formas de autocuidado.

CONCLUSÕES

A construção dessa pesquisa foi permeada de descobertas sobre as vivências dos idosos com câncer. Durante seu trajeto, foram identificadas as alterações no modo de viver desses idosos em seu domicílio. Surgiram as categorias “Vivenciando a Doença”, “Percepções dos Idosos sobre a Doença”, “O Impacto do Diagnóstico” e “Alterações no Modo de Viver”, relacionadas aos seus respectivos temas.

Com base nas informações sobre as vivências e as alterações de vida e saúde, que repercutem na forma com que o idoso realiza os cuidados de saúde, e, também, sobre os aspectos de educação em saúde, pode-se auxiliar o idoso e sua família a gerirem seu cuidado. Além disso, elas podem proporcionar benefícios em termos de promoção da saúde e subsidiar estudos na enfermagem domiciliar.

Ao concluir essa pesquisa, pensamos haver cumprido com os objetivos traçados e encontrado respostas às nossas indagações. Da mesma forma, estudos semelhantes a esse podem contribuir não só para os idosos e suas famílias como, também, para os demais pacientes. O trabalho pode servir, igualmente, de estímulo a futuros programas de saúde que poderão ser implementados pela rede hospitalar.

REFERÊNCIAS

1 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Síntese de Indicadores Sociais uma Análise das Condições de vida da População Brasileira 2007 [Pesquisa na Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2007. Disponível em: http://www.ibge.com.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/indicadoresminimos/sinteseindicsociais2007/ 

2 Guerra MR, Gallo CVM, Mendonça GAS. Risco de câncer no Brasil: tendências e estudos epidemiológicos mais recentes. Revista Brasileira de Cancerologia. 2005; 51(3): 227-34.  

3 Smeltzer SC, Bare BG. Tratado de Enfermagem Médico-Cirúrgica. 9ªed. v.1. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2005. 

4 Boundy J, Clark PG, Copel LC, Falk KM, Gingrich MM, Heflin CS, et al. Enfermagem médico-cirúrgica. 3ª ed. v. 1. Rio de Janeiro: Reichmann & Affonso; 2004.  

5 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativas 2008: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2007. 

6 Jardim, SEG. Aspectos socioeconômicos do envelhecimento. In: Papaléo Netto, M, editor. Tratado de Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2008. p. 185-197. 

7 Gorini  MIP, Severo IMS, Silva MCS. Análise da produção do conhecimento de enfermagem sobre educação em saúde e envelhecimento. Online Braz J Nurs [periódico na Internet]. 2008 [citado 2008 mai. 3]; 7(1): [cerca de 1p]. Disponível em: http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/j.1676-4285.2008.1252/308  

8 Stake RE. Investigación con estudio de casos. Madrid: Morata; 1998.  

9 Martins MS, Massarollo MCKB. Mudanças na assistência ao idoso após promulgação do Estatuto do Idoso segundo profissionais de hospital geriátrico. Rev. esc. enferm. USP. 2008; 42 (1): 26-33. 

10 Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977. 

11 Rotoli A. Trajetórias terapêuticas e redes sociais de pacientes portadores de câncer: assimetrias no atendimento em um município da região Noroeste do Rio Grande do Sul. [dissertação]. Porto Alegre: Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2007. 

12 Bonassa EMA, Santana TR. Conceitos gerais em quimioterapia antineoplásica. São Paulo: Atheneu; 2005. Enfermagem em Terapêutica Oncológica; p. 3-19. 

13 North American Nursing Diagnosis Association. Diagnósticos de enfermagem da NANDA: definições e classificação 2007-2008. Porto Alegre: Artmed; 2008.  

14 Alvim NAT, Ferreira MA. Perspectiva problematizadora da educação popular em saúde e a enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2007; 16(2): 315-9. 

15 Trentini M, Silva SH, Valle M, Hammerschmidt KSA. Enfrentamento de situações adversas e favoráveis por pessoas idosas em condições crônicas de saúde. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2005; 1(13): 38-45. 

16 Brasil. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Ações de enfermagem para o controle do câncer: uma proposta de integração ensino-serviço. 2 ed. Rio de Janeiro: INCA; 2002.  

17 Pereira FAI. Recomendações Nutricionais. In: Papaléo Neto M, editor. Tratado de Gerontologia. 2 ed. São Paulo: Atheneu; 2007. p. 423-439. 

18 Rzeznik C, Dall’agnol CM. (Re)Descobrindo a vida apesar do câncer. Revista Gaúcha Enferm. 2000; 21(n. esp): 84-100.

 Nota:  Texto extraído da dissertação de mestrado intitulada “Alterações no modo de viver de idosos com câncer” da Universidade Federal do Rio Grande do Sul/2008.

 

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