The users' perception in relation to health practices: a literary analysis
A percepção dos usuários em relação às práticas de saúde: uma análise literária
Gicelle Galvan Machineski1, Maria Alice Dias da Silva Lima1, Ana Lucia de Lourenzi Bonilha1, Jacó Fernando Schneider1.
1Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.
Abstract: The health care practices have become object of study when it comes to knowing profoundly the patients’ perception about daily health care services. The objective of this study is to discuss the results of researches based on health practices and the perception the users have of the Public Health Services of primary and psychosocial care. The results of a dissertation and a thesis have been compared in order to identify and analyze their convergences and singularities. Three subjects have been identified: care completeness; health problem solution in the attendance and; the participation of users in organized movements. Despite the changes in the health care system politics proposed by Health Unique System, it is evident that completeness aspects happen in a diversified and unsatisfactory way. Also, the presented solution is partial and; the participation of users is limited in psychosocial care, not to mention it is incipient in the primary care. The responsibility of interacting with the users in order to build a health care process whose objective is the suitable completeness of the service, lays on a multi-professional team and managers.
Keywords: Primary Health Care, Mental Health Services, Comprehensive Health Care.
Resumo: As práticas de saúde têm se tornado objeto de estudo quando se pretende conhecer de forma mais aprofundada a ótica dos usuários sobre como ocorre o cuidado no cotidiano. Este estudo tem como objetivo discutir os resultados de pesquisas sobre as práticas de saúde e a percepção dos usuários acerca dos Serviços Públicos de Saúde da atenção básica e psicossocial. Foram comparados os resultados de uma dissertação e os de uma tese a fim de identificar e analisar suas convergências e singularidades. Foram identificados três temas: integralidade do cuidado; resolutividade dos problemas de saúde no atendimento e; participação dos usuários em movimentos organizativos. Apesar das transformações ocorridas nas políticas propostas pelo Sistema Único de Saúde, constata-se que os aspectos da integralidade acontecem de forma diversificada e pouco satisfatória. Além disso, a resolutividade aparece de forma parcial e; a participação dos usuários apresenta limitações na atenção psicossocial, sendo ainda incipiente na atenção básica. Cabe à equipe multiprofissional e aos gestores interagir com os usuários na construção de processos de atenção à saúde que tenham como finalidade a integralidade do cuidado à população.
Palavras-chave: Atenção Primária à Saúde, Serviços de Saúde Mental, Assistência Integral à Saúde.
Introdução
Este artigo foi elaborado a partir da discussão de resultados de pesquisas sobre a ótica dos usuários em relação às práticas de saúde em duas realidades de serviços, especificamente uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), a fim de identificar e analisar convergências e singularidades. Os resultados desses estudos, apesar de abordarem o objeto de investigação em diferentes realidades, refletem sobre a temática e discutem questões referentes à visão dos usuários acerca do Sistema Único de Saúde (SUS).
O SUS pauta-se nos princípios da universalidade de cobertura e atendimento, uniformidade e equivalência de benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; seletividade e distributividade na prestação de benefícios; eqüidade da forma de participação no custeio; diversidade da base de financiamento; caráter democrático e descentralizado de administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados1. Nesse sentido, as práticas de saúde devem preconizar tais princípios no atendimento ao usuário.
Os serviços de saúde comunitária têm como propósito priorizar o acesso aos serviços da rede básica, o estabelecimento de vínculo entre o usuário e os profissionais de saúde, a integralidade e o atendimento continuado, evitando ou reduzindo a ocorrência de doenças e promovendo a saúde, além da participação comunitária2:21.
Dessa forma, as práticas de saúde têm se tornado objeto de estudo quando se objetiva conhecer de forma mais aprofundada a ótica dos usuários sobre como ocorre o cuidado no cotidiano. A concretização das práticas de saúde como aplicação da ciência não é simplesmente um modo de fazer, mas é também, enquanto tal, uma decisão sobre quais coisas podem e devem ser feitas, então os profissionais de saúde, estão construindo mediações, escolhendo dentro de certas possibilidades o que devem querer, ser e fazer aqueles a quem assistimos – e a eles próprios.
As práticas de saúde, portanto, precisam ser definidas a partir das necessidades sociais emergentes que são produzidas nas relações históricas entre os indivíduos e explicitadas quando da oportunidade de participação dos usuários nas reivindicações por melhores condições de cuidado. Isso porque tais práticas comportam uma racionalidade com finalidade concreta, um projeto de ação; criam e consolidam um sistema de necessidades, cujo contorno é dado pela sociedade mediante valores e normas3:238.
Nesse sentido, o desafio que se impõe aos atores das práticas de saúde, tanto profissionais, quanto usuários e até mesmo o poder público, tendo em vista que tais práticas determinam e são determinadas pelas relações estabelecidas no contexto sócio-econômico-político e cultural, relaciona-se com a construção de um saber fazer coerente com os princípios do Sistema Único de Saúde.
Objetivo
Discutir os resultados de pesquisas sobre as práticas de saúde e a percepção dos usuários acerca dos Serviços Públicos de Saúde da atenção básica e psicossocial.
Material e métodos
Foram selecionadas, para análise, uma dissertação2 e uma tese4 que enfocaram a percepção dos usuários acerca das práticas de saúde em Serviços Públicos, uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), do Rio Grande do Sul. A escolha dos estudos foi feita a partir da sugestão da temática proposta para uma atividade na disciplina de Fundamentos e Práticas de Enfermagem e Saúde do Programa de Pós-Graduaçao em Enfermagem – Doutorado, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi realizada a busca por teses e dissertações que tivessem estudado as práticas em saúde em cotidianos diversos buscando pontos de convergências entre eles. A escolha dos estudos foi intencional.
A dissertação teve por objetivo conhecer a opinião de usuários sobre a resolutividade de seus problemas de saúde em uma UBS localizada no bairro Partenon na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, com o intuito de identificar a opinião dos usuários sobre o que é saúde e problema de saúde; os determinantes que levam o usuário à procura por atendimento em uma UBS; as expectativas dos usuários com relação ao atendimento para resolver seus problemas de saúde; o que os usuários referem por resolutividade de seus problemas de saúde; as necessidades referidas pelos usuários para que o atendimento atinja a resolutividade de seus problemas de saúde e; a existência de movimentos organizativos e colaborativos para resolver os problemas de saúde dos usuários e a sua participação nesses movimentos2.
A tese teve por objetivo avaliar um serviço de saúde mental mediante o comprometimento dos atores envolvidos com o intuito simultâneo de gerar conhecimentos e transformação. Para tanto, os dados foram coletados no Centro de Atenção Psicossocial Castelo Simões Lopes (CAPS Castelo), na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul a fim de explorar as questões para além da aparência, tendo em vista que o município assumiu, politicamente e mediante ações concretas, a implantação de um sistema local de saúde mental pautado nos pressupostos da Reforma Psiquiátrica. Nesse sentido, as questões para a avaliação do serviço surgiram dos grupos de interesse, ou seja, usuários, familiares e equipe4.
A leitura dos estudos permitiu elencar como temas convergentes: a integralidade do cuidado; a resolutividade dos problemas de saúde no atendimento e; a participação dos usuários em movimentos organizativos.
Resultados
A Lei Orgânica de Saúde (8.080 e 8.142/90) coloca a integralidade enquanto princípio doutrinário conceituando-se como um conjunto de ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos que considerem cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Assim, se descrevem as duas dimensões da integralidade que são a articulação entre serviços e práticas desenvolvidas pelos profissionais de saúde envolvidos na assistência. E a integralidade se mostra como um sistema de integração, uma rede de serviços que promova o acesso e a resolutividade dos problemas e fatores de risco que afetam a qualidade de vida da população, além de articular serviços públicos e privados e as instituições promotoras de serviços de saúde5.
Foi possível identificar nos dois trabalhos analisados questões relativas à integralidade no cuidado, tais como acolhimento, vínculo e autonomia como fatos percebidos pelos usuários em relação às práticas de saúde.
O acolhimento caracteriza-se como uma diretriz operacional que visa atender todas as pessoas, reorganizar o processo de trabalho de forma a caracterizá-lo como multiprofissional e, qualificar a relação trabalhador-usuário. E vínculo, pode ser entendido, como a relação humanizada com o usuário6. Nesse sentido, o cuidado ao usuário exige a análise caso a caso, a interlocução com a família e o usuário, e um projeto terapêutico flexível que visualize a singularidade do sujeito4.
Com relação ao acolhimento e ao vínculo, percebem-se nos dois trabalhos óticas distintas entre os usuários atendidos nos dois serviços. Tanto no CAPS como na UBS há aqueles que elogiam e aqueles que criticam as práticas dos profissionais de saúde na forma de acolher e instituir o vínculo com o usuário. Nessa perspectiva há que se considerar a complexidade do ser do cuidado, seja ele o profissional ou o usuário, tendo em vista que se caracterizam como sócio-político-culturais e trazem em si questões relacionadas à subjetividade como crenças e valores que devem ser respeitados, sem que tragam prejuízo à continuidade do cuidado7. Dessas considerações infere-se que o sujeito pode comportar-se de maneira diversa, dependendo da sua constituição subjetiva.
Em relação à autonomia, percebe-se nos dois estudos que parece se tratar de uma questão para reflexão entre os profissionais da saúde. No entanto, os usuários não apresentam opiniões a respeito, talvez pelo fato de que a decisão em relação ao cuidado a ser prestado, na maioria das vezes, pertence ao profissional e o usuário desconhece a possibilidade de decidir sobre o melhor encaminhamento.
No contexto da UBS a resolutividade dos problemas de saúde foi apontada, por alguns usuários, em situações que demandam procedimentos específicos, encaminhamentos, acolhimento, atendimento para enfrentamento de doenças, atendimento continuado. Assim, da análise das condições propícias à obtenção da resolutividade, emergiu que ela ocorre, prioritariamente nessas situações2.
Já as condições restritivas ao alcance da resolutividade aparecem em situações, relatadas por alguns usuários, como a falta de agilidade para a complementaridade do atendimento na realização de exames, a necessidade de mais profissionais médicos, a falta de qualidade no atendimento, a inexistência de medicamentos para a realização de tratamento terapêutico, desarticulação entre os níveis do sistema para encaminhamentos, a dificuldade de acesso para atendimento e insuficiência de acolhimento e apoio à atenção continuada. A ineficácia do atendimento básico leva o usuário a recorrer a outras instâncias de atendimento, principalmente nos hospitais, resultando numa concentração no nível terciário2.
No CAPS, a resolutividade dos problemas de saúde aparece, de acordo alguns usuários e familiares, para casos que não estão em crise, pois encontram naquele espaço oportunidade para interagir e serem atendidos em suas necessidades. No entanto, há que considerar o fato de que para os casos em crise grave o CAPS não apresenta a resolutividade esperada, tendo em vista que não há investimentos para que a rede de cuidados seja implementada, ou seja, a internação domiciliar, a articulação com a família e com a rede social do usuário e a contenção química. Isso porque naquela realidade coexistem o CAPS o hospital psiquiátrico, ao qual são encaminhados os indivíduos em sofrimento psíquico que apresentam crises graves. A opinião dos usuários e familiares em relação à necessidade do hospital psiquiátrico é ambígua, tendo em vista que há os que vêem a internação como dissociada da proposta do CAPS e aqueles que a defendem como espaço que teria condições para atender os pacientes em crise.
Os usuários da UBS relatam que a participação em movimentos organizativos ocorre em abordagem individual e/ou grupal de maneira incipiente e/ou regressiva, constatando-se um déficit de participação e o desconhecimento por parte dos usuários da existência de movimentos e/ou associações como espaços de participação individual e coletiva, como mecanismos de gestão e de controle popular sobre o sistema de saúde2. Nesse caso, a participação, muitas vezes, não se efetiva devido à falta de respostas do gestor público ou das lideranças comunitárias às reivindicações, e em alguns casos pela dificuldade de acesso ou falta de estímulo.
No CAPS, evidencia-se a participação efetiva dos usuários no pleito por melhores condições de atendimento. Isso acontece devido à trajetória de implantação do serviço que contou com a mobilização de pacientes e famílias para a criação do serviço de saúde mental, no qual a atenção acontecia de acordo com os preceitos da Reforma Psiquiátrica e a partir do trabalho comunitário. Nesse contexto, houve envolvimento dos usuários e familiares no funcionamento do serviço que tinha forte noção de cidadania e direitos participando de uma Associação de Usuários, do Conselho Gestor Local e do Conselho Municipal de Saúde. Nos momentos seguintes, a inserção dos usuários, enquanto comissão, conseguiu a aprovação de um plano de ações e metas para a saúde mental.
Assim, o CAPS como organizador do sistema de atenção em saúde mental tem a responsabilidade social de proporcionar estratégias e programas de atenção à saúde pautados na articulação com a comunidade a fim de possibilitar sua participação efetiva e concreta na eleição de prioridades, na tomada de decisões e na elaboração e desenvolvimento de estratégias para alcançar melhor nível de saúde8.
Discussão
Nesse momento, torna-se relevante tecer algumas reflexões tendo como base as pesquisas que foram escolhidas para a discussão em relação à ótica dos usuários sobre as práticas de saúde. É importante salientar que não se pretende esgotar as possibilidades de compreensão acerca do objeto tratado, mas possibilitar novas perspectivas de análise das possíveis inquietações sobre o tema.
As situações descritas neste estudo permitem inferir que apesar da existência dos princípios de atenção à saúde preconizados pelo SUS, a forma de implementação dos mesmos nas práticas de saúde divergem de uma realidade para outra de atendimento. Isso pode ser resultado da forma como foram instituídos os diferentes serviços de atenção básica e da influência política de cada local, tendo em vista a descentralização dos serviços.
A integralidade no cuidado é discutida nos estudos analisados, evidenciando que os usuários percebem a necessidade do uso de tecnologias leves como o acolhimento e o vínculo, facetas daquele princípio, apesar das opiniões em relação à forma como acontecem divergirem nos dois estudos. O acolhimento pode ser entendido como uma estratégia para a organização do serviço de saúde tendo como resultado a humanização do atendimento, isso porque trabalha com esta subjetividade do sujeito, escuta necessidades, desejos, dificuldades; tenta ver o homem além da dimensão da doença, fazendo com que o trabalho em saúde seja mais humanizado9:35.
E para que a integralidade do atendimento ao usuário se estabeleça é relevante considerar o acolhimento como uma tecnologia do gerenciamento do cuidado. Pois a integralidade da atenção à saúde, em suas ações de promoção, prevenção poderá, assim, representar um novo modo de “andar na vida”, numa perspectiva que coloca o usuário como sujeito de sua própria história10.
Dessa forma, os profissionais de saúde, na realização de suas práticas, utilizam tecnologias que os possibilitam gerenciar o cuidado, como o acolhimento e o vínculo que se constituem em tecnologias leves que permitem sustentar a satisfação dos indivíduos e valorizá-los como potentes para interferir no cuidado, considerando suas singularidades.
O vínculo pode ser entendido como a formação de relações entre profissionais e usuários que permitam aos primeiros sensibilizarem-se com o sofrimento do outro o que possibilita uma intervenção humanizada. Assim, o vínculo pressupõe outra forma de relação com horizontalização e reconhecimento do outro como detentor de poderes/direitos e saberes/culturas11:660.
A utilização das tecnologias leves contempla a existência de um objeto de trabalho dinâmico que exige dos profissionais da saúde, especialmente do enfermeiro, uma capacidade diferenciada no olhar a ele concedido a fim de que percebam essa dinamicidade e pluralidade, que desafiam os sujeitos à criatividade, à escuta, à flexibilidade e ao sensível12.
O acolhimento se constitui não somente como uma forma de atender à demanda dos usuários, pois se caracteriza como uma tecnologia leve que pode ser utilizada pela equipe multiprofissional a fim de identificar as singularidades de cada pessoa, por meio da escuta, por exemplo, e disponibilizar a eles o acesso ao cuidado, mas também como uma forma de inseri-lo no gerenciamento do cuidado a ele oferecido. Assim, o acolhimento propõe inverter a lógica de organização e funcionamento do serviço de saúde13.
Em relação à autonomia, não foi possível identificar relatos específicos dos usuários, talvez porque desconhecem a possibilidade do uso de tal mecanismo para que o cuidado se efetive. Porém, essa questão é evidenciada pelas autoras das duas investigações quando da análise das falas dos sujeitos a respeito dos serviços de saúde. Nesse sentido, a autonomia pode ser entendida como o poder de tomada de decisão a respeito das necessidades de saúde dos usuários e a partir dessa visão o outro incluído nos processos gerenciais não é visto como recurso, mas sim como sujeito das ações12.
Nos estudos analisados, constatou-se que os usuários percebem a resolutividade para algumas situações em que suas necessidades são atendidas na UBS e em outras ela não se faz presente. Então, os usuários procuram os serviços onde conseguem a solução para o problema, ou seja, não são encaminhados, mas escolhem o nível de atenção no qual pensam ser melhor atendidos.
Esses problemas enfrentados pelos usuários na UBS podem relacionar-se com a influência de questões políticas, as quais impedem que a integralidade do atendimento aconteça o que se reflete, por exemplo na falta de profissionais e insumos que propiciem a continuidade do cuidado. Outro aspecto que pode contribuir para a não resolutividade é a forma como os profissionais encaram o cuidado, tendo em vista a subjetividade complexa que envolve suas ações.
No CAPS, os usuários ressaltam que a resolutividade aparece para casos em que os pacientes não estão em crise, porém, quando a crise acontece não pode ser resolvida pelos profissionais do serviço e sim pelo encaminhamento de internação psiquiátrica. Esse encaminhamento poderia ser visto como a solução para o problema, no entanto, não condiz com a proposta da Reforma Psiquiátrica. Isso porque a mudança de noção de doença para saúde mental implica a socialização do sofrimento mental, e passa a vê-lo como detentor da dimensão social, cultural e política, além da biológica e assim, a reabilitação psicossocial se alia a esta visão14.
Os usuários e familiares, por sua vez, têm opiniões diferentes acerca da permanência do hospital psiquiátrico, enquanto alguns o vêem como um dispositivo de isolamento para o indivíduo portador de sofrimento psíquico, outros o visualizam como um mal necessário.
A resolutividade é tratada como um objetivo a ser alcançado na solução de problemas de saúde, sejam eles individuais ou coletivos e seus efeitos devem ser capazes de modificar positivamente a situação de saúde do indivíduo ou de grupos, pressupondo-se a possibilidade de avaliação das ações praticadas, assim como o conhecimento e análise de seus resultados2. É preciso salientar que a solução para os problemas de saúde transcende a relação usuários-profissionais, pois envolve também questões de organização dos serviços para um atendimento humanizado, o que é conseqüência também das ações da política vigente.
Outro aspecto relevante nos dois estudos foi a participação dos usuários em movimentos organizativos. Com relação à UBS foi possível perceber que alguns usuários desconhecem a existência de órgãos corporativos, outros conhecem, mas não participam ou participam com pouca freqüência. Nesse contexto, se o que se persegue é a participação da sociedade brasileira na tomada de decisões relacionadas com a gestão do SUS, ainda devem-se realizar amplas campanhas de educação ao público a fim de orientar os próprios serviços – cuja atuação tem uma forte influência sobre a atuação da população15.
Além disso, quando os cidadãos participam no planejamento e na fiscalização das instituições públicas, os serviços quase sempre apresentam melhorias em oportunidade, resolutividade e qualidade do atendimento prestado, além de possibilitar um engajamento social importante e necessário à sociedade como um todo2.
No CAPS, percebe-se que a inclusão dos usuários e de seus familiares em movimentos organizativos é evidente, pois a trajetória de implantação do serviço foi marcada pela participação popular. Nesse sentido, a desinstitucionalização tem, como elementos estruturadores dos serviços, o território; o acolhimento; e o controle social4. E, nesse contexto, esse vínculo, reverte-se em confiança, em caminhos menos sofridos, menos estigmatizados e mais partilhados para inventar novos modo de atenção em saúde mental16.
Assim, os usuários mediante a participação no controle social, individual ou coletivamente, podem usufruir de sua autonomia na gestão das práticas de saúde. Para tanto, faz-se necessário que os mesmos conheçam seus direitos e deveres em participar da decisão coletiva por melhores condições de atendimento à saúde e sejam vistos como protagonistas do cuidado.
Considerações finais
Os estudos apresentam a percepção dos usuários, quanto ao atendimento e a sua participação, em relação às práticas de saúde em duas diferentes realidades, a UBS e o CAPS. Nesses cenários, percebem-se características convergentes quanto à integralidade do cuidado; à resolutividade dos problemas de saúde no atendimento e a participação dos usuários em movimentos organizativos.
Com relação à integralidade do cuidado identificou-se que os usuários percebem a existência de diretrizes como o acolhimento e o vínculo, estando em parte satisfeitos com as condutas dos profissionais em relação a essas práticas e em parte criticam a forma de atendimento. Porém, ressaltam que, muitas vezes, o cuidado não é prestado da forma preconizada devido à falta de condições de trabalho dos profissionais.
Sobre a resolutividade dos problemas de saúde no atendimento, alguns ressaltam que para determinadas situações há solução e para outras não. Assim, os usuários da UBS deslocam-se para outros serviços em busca da satisfação de suas necessidades e os do CAPS são encaminhados para o hospital psiquiátrico que ainda persiste apesar do movimento da Reforma Psiquiátrica. Isso evidencia a necessidade de intervenção dos gestores, dos profissionais e dos próprios usuários a fim de que se construam práticas que permitam ao indivíduo receber o cuidado de forma singular.
A respeito da participação dos usuários em movimentos organizativos percebe-se a necessidade de motivação e estímulo, além da divulgação da existência do direito de participar da gestão das práticas de saúde. Pois, os usuários do CAPS têm discernimento a respeito devido à característica democrática em que se instituiu a Reforma Psiquiátrica, e apesar de o SUS surgir a partir de movimentos de democratização do país, em outras instâncias de atendimento à saúde a participação dos usuários em processos decisórios quanto às necessidades de saúde ainda é incipiente.
Nesse sentido, cabe à Enfermagem, enquanto profissão da área da saúde juntamente com a equipe multidisciplinar, os gestores e os usuários refletirem acerca de meios que possibilitem a melhoria da qualidade do cuidado. Para tanto, é necessário que haja conscientização de todas as partes e que o usuário se transforme no objeto central do cuidado.
E para que isso seja possível, é preciso que o usuário conheça seus direitos e deveres a respeito da participação em movimentos organizativos que o permitam exercer sua autonomia em relação ao cuidado numa relação com os profissionais de saúde em que a orientação seja de sujeito para sujeito e não de sujeito para objeto. Além disso, torna-se imprescindível que a formação da equipe multiprofissional tenha como diretrizes os princípios da integralidade da atenção ao usuário, possibilitando o agir consciente do ser do cuidado.
Referências
1. Cordeiro H. Descentralização, universalidade e eqüidade nas reformas de saúde. Cienc. saude colet. 2001;6(2):319-28.
2. Degani VC. A resolutividade dos problemas de saúde: opinião dos usuários em uma Unidade Básica de Saúde [dissertação]. Porto Alegre: Escola de Enfermagem, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2002.
3. Matumoto S, Mishima SM, Pinto IC. Saúde coletiva: um desafio para a enfermagem. Cad. saude pública. 2001;1(17):233-41.
4. Wetzel C. Avaliação de serviço em saúde mental: a construção de um processo participativo [tese]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo; 2005.
5. Reis C B, Andrade SMO. Representações sociais das enfermeiras sobre a integralidade na assistência à saúde da mulher na rede básica. Cienc. saude colet. 2008;13(1):61-70.
6. Gomes MCPA, Pinheiro R. Acolhimento e vínculo: práticas de integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface – comunic, saude, educ. 2005; 9(17): 287-301.
7. Erdmann AL, Andrade SR, Mello A, Meirelles BHS. Gestão das práticas de saúde na perspectiva do cuidado complexo. Texto & contexto enferm. 2006;15(3):483-91.
8. Tavares C, Rodrigues S, de-Assis P. Analysis of Psicossocial Attention Centers (CAPS) in the health promotion perspective. Online Braz J of Nurs [serial on the Internet]. 2007 April 21; [Cited 2009 June 10]; 6(1). Available from: http://www.uff.br/objnursing/index.php/nursing/article/view/809
9. Coimbra VCC. O acolhimento no Centro de Atenção Psicossocial. [dissertação]. Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo; 2003.
10. Gomes MCPA, Pinheiro R. Acolhimento e vínculo: práticas de integralidade na gestão do cuidado em saúde em grandes centros urbanos. Interface – comunic, saude, educ. 2005; 9(17):287-301.
11. Reis MAS, Fortuna CM, Oliveira CT, Durante MC. A organização do processo de trabalho em uma unidade de saúde da família: desafios para a mudança das práticas. Interface –comunic, saude, educ. 2007;11(23):655-66.
12. Rossi, FR, Lima MADS. Acolhimento: tecnologia leve nos processos gerenciais do enfermeiro. Rev. bras. enferm. 2005; 3(58):305-10.
13. Franco TB, Bueno WS, Merhy EE. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad. saude publica. 1999; 2(15):345-53.
14. Jorge MSB, Ramirez ARA, Lopes CHAF, Queiroz MVO, Bastos VB. Representações sociais das famílias e dos usuários sobre participação de pessoas com transtorno mental. Rev esc. enferm. USP. 2008; 42(1):135-42.
15. Vázquez ML, Silva MRF, Campos ES. Participação social nos serviços de saúde: concepções dos usuários e líderes comunitários em dois municípios do Nordeste do Brasil. Cad. saude publica.2003; 2(19):579-91.
16. Schrank G, Olschowsky A. O centro de atenção psicossocial e as estratégias para inserção da família. Rev esc. enferm. USP. 2008; 42(1):127-34.
Contribuição dos autores
- Gicelle Galvan Machineski, Maria Alice Dias da Silva Lima, Ana Lucia de Lourenzi Bonilha, Jacó Fernando Schneider (Concepção e desenho, Análise e interpretação); - Gicelle Galvan Machineski (Escrita do artigo, Pesquisa Bibliográfica); - Maria Alice Dias da Silva Lima, Ana Lucia de Lourenzi Bonilha, Jacó Fernando Schneider (Revisão Crítica e Aprovação final do artigo). E-mail: gicelle@fag.edu.br.
Editor´s Note: You can interact with the authors and OBJN´s subscribers. Post a comment about this article related to: - new insights or information about the theme (disease, procedure, drug, charting, patient safety, legal issues, ethical dilemmas, etc) - nursing actions or registered nurse' roles. - implications for the Registered Nurse (nursing diagnosis, interventions, and outcomes or procedures related to the client/family/community care) or to the Executive Nurse. We all be thankful for your contribution! |