A consulta de enfermagem para idosos baseada na andragogia: um artigo de revisão

Nursing consultation to elderly people based on andragogy: a review article

Luccas Melo de Souza 1, Liana Lautert 2, Johannes Doll 2, Maria Cristina Sant’Anna da Silva 1

 1Universidade Luterana do Brasil – campus Gravataí, RS, Brasil; 2Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil.

 Abstract: This is a review article which aims at presenting andragogy as the science that can orients the education of elderly people, in order to provide theoretical construct to grant nursing consultations to those individuals. For this, its concepts are approached and its assumptions are discussed, based in the six premises elaborated by Malcolm Knowles. This article starts from an extended vision of elderly, in which the mission of nurse/educator is to help them to develop their potential, considering their social atmosphere, their personal and collective experiences and their expectations. It is believed that nurses can use the andragogy theory, because it is perceived that it presents elements that can be added to the nursing consultation.

Keywords: Nursing; Education; Health Education; Aging; Aged 

Resumo: Este artigo de revisão tem por objetivo apresentar a andragogia como a ciência que pode orientar a educação de idosos, a fim de fornecer fundamentação teórica para subsidiar as consultas de enfermagem a esses indivíduos. Aborda o conceito da andragogia e discute seus pressupostos, tendo como base as seis premissas elaboradas por Malcom Knowles. Parte de uma visão ampliada do idoso, na qual a missão do enfermeiro/educador é a de ajudá-lo a desenvolver seu potencial, considerando seu ambiente social, suas experiências pessoais e coletivas e suas expectativas. Acredita-se que o enfermeiro pode utilizar-se da teoria da andragogia, pois se percebe que ela apresenta elementos que podem ser agregados à consulta de enfermagem.

Palavras-chave: Enfermagem; Educação; Educação em Saúde; Envelhecimento; Idoso. 

INTRODUÇÃO 

A enfermagem é uma ciência que se dedica ao cuidar e ao cuidado; é focada na preservação e na promoção da saúde, bem como na qualidade de vida dos indivíduos. O cuidado do enfermeiro estende-se desde o atendimento a pessoas hospitalizadas, em estado grave de saúde, até a prática da consulta de enfermagem, para prevenção de dano e promoção da saúde, utilizando-se, especialmente, da educação como ferramenta de cuidado.

A consulta de enfermagem é uma atividade exclusiva do enfermeiro, que objetiva propiciar condições para a melhoria da qualidade de vida por intermédio de uma abordagem educativa, contextualizada e participativa, sendo um processo de interação entre o profissional e o cliente, no qual o principal foco é a promoção da saúde1.

Frente ao aumento no número de idosos na população brasileira, vislumbra-se a consulta de enfermagem como uma das principais estratégias de cuidado prestada à população, uma vez que fornece suporte à pessoa sadia ou doente, no intuito de preservar ou melhorar sua saúde. Tal prática apóia-se na educação em saúde como metodologia de assistência, sendo importante que os profissionais de enfermagem tenham fundamentação teórica acerca de como educar idosos.

Isso posto, surgem alguns questionamentos: educar idosos é semelhante a educar crianças e adultos? Há referencial teórico que subsidie a educação em saúde específica para idosos?

Neste sentido, o objetivo do presente artigo é apresentar a andragogia como a ciência que também pode orientar a educação de idosos, trazendo seu conceito e discutindo seus pressupostos, a fim de subsidiar as consultas de enfermagem e contribuir para o aprimoramento do cuidado à saúde dessas pessoas.

Para a reflexão deste artigo de revisão, buscou-se material bibliográfico no Sistema de Automação de Bibliotecas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, utilizando-se as palavras andragogia e consulta de enfermagem, o qual foi organizado conforme o interesse da argumentação pretendida. A esses, foram adicionadas referências de propriedade dos autores, por ser a andragogia pouco difundida na enfermagem brasileira, sendo escassos textos sobre essa temática em bibliotecas e em bases de dados.  

CONSULTA DE ENFERMAGEM: HISTÓRIA E CONTEXTUALIZAÇÃO 

A denominação consulta de enfermagem foi criada em 1968 pelos profissionais que participaram do Curso de Planejamento de Saúde, da Fundação de Ensino e Especialização de Saúde Pública no Rio de Janeiro. Sua difusão, no Brasil, ocorreu em novembro do mesmo ano, no Seminário Nacional sobre Currículo do Curso de Graduação em Enfermagem, organizado pela Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, com apoio e patrocínio da Organização Pan-Americana de Saúde. Inicialmente, a consulta de enfermagem foi exercida sem regulamentação oficial e visava a atender, sobretudo, às gestantes e às crianças, com posterior ampliação aos portadores de tuberculose e aos outros Programas da Área da Saúde Pública2,3.

Somente em 25 de junho de 1986, por determinação do Conselho Federal de Enfermagem, assegurados pela Lei 7.498/86 (artigo 11, inciso 1, alínea i), que dispõe sobre a Regulamentação do Exercício da Enfermagem, foi que enfermeiros e enfermeiras receberam respaldo legal para desenvolverem a consulta de enfermagem. Na referida lei, descreve-se essa atividade como uma das tarefas-fim do enfermeiro, ou seja: privativa a este profissional, sem possibilidade de execução por outro membro da equipe de enfermagem. Com isso, consolidou-se a ação já desenvolvida desde 19683,4.

Pode-se definir a consulta de enfermagem como sendo a atenção prestada ao indivíduo, à família e/ou à comunidade, de modo sistemático e contínuo, realizada pelo enfermeiro com a finalidade de promover a saúde mediante diagnóstico e tratamento precoces2. Por meio dela, são identificados problemas de saúde-doença, sendo prescritas e implementadas medidas que contribuam à promoção, à proteção, à recuperação ou à reabilitação das pessoas.

A consulta de enfermagem é, também, um processo de interação entre o enfermeiro e o usuário do serviço, na busca da promoção da saúde, da prevenção de doenças e/ou atenuação do dano. Todavia, o alcance desses objetivos não é uma tarefa singela, pois é necessário que o domínio do profissional de enfermagem vá além de conhecimentos sobre fisiopatologia e as demais disciplinas que envolvam o processo saúde-adoecimento, o seu tratamento e o seu cuidado: é fundamental o desenvolvimento de habilidades que favoreçam sua interação, dentre as quais a comunicativa e a educativa1.

A sistemática da consulta de enfermagem consiste nas etapas de coleta de dados e exame físico do cliente, estabelecimento do diagnóstico de enfermagem, prescrição e implementação dos cuidados, orientação sobre ações relativas ao cuidado da saúde e avaliação do processo3.

É principalmente no momento da orientação das ações que o enfermeiro tem a possibilidade de atuar como educador, etapa em que há oportunidade de discutir e propor metas, o que requer experiência, à medida que trabalhar com educação em saúde é um processo complexo que exige habilidades para seu êxito. Assim, discorre-se sobre a andragogia, de Malcom Knowles5, que, por meio dos seus pressupostos, orienta a educação de adultos. Convém destacar que, neste artigo, irá considerar a aplicabilidade da andragogia para idosos, uma vez que a teoria refere-se a adultos. 

ANDRAGOGIA: A ARTE E A CIÊNCIA DE AUXILIAR OS ADULTOS A APRENDER 

A palavra andragogia provém da junção de duas palavras gregas: andra deriva de Anner, Andrós, que significa homem; agogia advém de Agogés, Agogôs, que expressa a ação de conduzir, guiar ou auxiliar6. Dessa forma, representa a ação de auxiliar o aprendizado do homem adulto.

O termo andragogia foi primeiramente utilizado pelo professor alemão Alexander Kapp, em 1833, no seu livro Platon’s Erziehungslehre, als Paedagogik für die Einzelnen und als Staatspaedagogik (As idéias de Platão sobre educação), quando introduziu alguns pressupostos empregados até hoje. Para Kapp, a aprendizagem não acontece somente por intermédio do educador, mas também por meio de auto-reflexão e de experiências de vida do educando, indo além de simplesmente ensinar adultos. Entretanto, Kapp não apresenta o conceito de andragogia, e tampouco salienta se fora invenção própria ou apropriação do termo de outro teórico7.

         A educação de adultos possui suas raízes na antigüidade, nas escolas filosóficas da Grécia, e acompanhou a história humana: na educação profissional, no ensino universitário desde o século XIX, nos movimentos de educação dos trabalhadores desde o iluminismo, bem como nos processos missionários no Brasil, lembrando as obras nas missões jesuíticas8. A despeito, foi somente durante o século XX, principalmente pelas mudanças rápidas nas sociedades contemporâneas, que a restrição da educação à primeira fase de vida foi questionada. No processo de ampliar o conceito de educação para uma educação durante a vida inteira, a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) assumiu um papel importante depois da Segunda Guerra Mundial, em suas conferências, análises e relatórios sobre a situação mundial da educação9. No Brasil, foi no final dos anos 50 que a educação de adultos ganhou destaque, principalmente nos processos de alfabetização. Neste contexto, podem-se destacar também as experiências e reflexões de Paulo Freire, que se tornaram referência mundial10.

Retornando ao termo andragogia, este vocábulo, apesar de ter sido utilizado por Kapp em 1833, consolidou-se somente em 1921, no Relatório de Rosenstok, o qual enfatiza que a educação de adultos requer métodos, filosofia e educadores diferenciados. O termo fora re-introduzido, principalmente, pelo pesquisador norte-americano Eduard Lindeman, a partir da sua obra The meaning of adult education, publicado em 1926. Se Kapp não desenvolvera uma teoria para a andragogia, Lindeman e outros estudiosos europeus (influenciados pelas idéias de John Dewey) começaram a criar uma série de reflexões sobre o porquê, o para quê e o como pensar a educação de adultos, alicerçando, assim, a teorização da andragogia. Um novo objeto, então, estava despontando: a reflexão intelectual e acadêmica sobre uma educação prática de adultos7,11.

Contudo, a andragogia foi amplamente utilizada somente a partir das décadas de 60 e 70, principalmente nos Estados Unidos, na Inglaterra, na França, na Iugoslávia e na Holanda12. Nesse contexto, Malcom Knowles (1913-1997) teve importante contribuição para sua teorização e difusão, sendo considerado o pai da andragogia. Nos Estados Unidos, a andragogia de Knowles é a perspectiva mais conhecida e utilizada na educação de adultos7.

Esta teoria de Knowles está embasada em premissas que apontam distinções entre ensinar adultos e ensinar crianças. Tradicionalmente, na pedagogia (do grego guiar crianças), o educador era o centro das ações: aquele que decide o que e como ensinar. Às crianças, esperava-se que aprendessem o que a sociedade exigia, por meio de ensino didático e por conteúdos, sendo deixados em segundo plano, muitas vezes, seus interesses, desejos e suas experiências13. Contudo, atualmente, essa abordagem vem modificando-se, à medida que busca utilizar a experiência e a contextualização no ensino das crianças.

Entretanto, na visão da andragogia, o educador direciona a aprendizagem ao aluno adulto, promovendo autonomia, independência e autogestão da aprendizagem. Nessa teoria, adultos aprendem quando reconhecem os benefícios da aprendizagem, sobretudo quando ocorre por meio de um processo dialógico que considera experiência, conhecimento, contexto e motivação dos atores envolvidos no processo, ou seja, aprendem quando as metas são estabelecidas em conjunto, quando há consenso e impera o respeito e o diálogo5,13.

Quando se trabalha com educação de idosos, convém realçar a importância da exploração de suas necessidades, capacidades e da autogestão, utilizando suas experiências no aprendizado, identificando e discutindo prioridades e ambições no que tange ao que querem/necessitam aprender. Observa-se que os pressupostos da andragogia condizem com o pensamento sociohistórico surgido após a década de 70, assemelhando-se com as teorias de conscientização de Paulo Freire e de Carl Rogers7.

Deve-se destacar, ainda, que as diferenças entre pedagogia e andragogia foram exageradas por Knowles, pois muitos elementos, por ele considerados típicos da andragogia, encontram-se também na pedagogia, já no início do século XX, no movimento da Escola Nova14. Mas, construindo a andragogia em oposição à pedagogia (divergências diminuídas mais tarde) dava oportunidade de estar no lado certo, no lado politicamente correto, não ser um pedagogo, visto como um professor escolar pedante7, o que permitiu uma nova atratividade aos profissionais da educação de adultos.

Como discutido, na andragogia, o profissional adquire o status de educador, deixando para trás o estigma de professor pretensioso e/ou apresentador de conteúdos. Com esta postura, torna-se um facilitador que auxilia o processo de aprendizagem, criando, então, condições propícias para o aprendizado, além de estimular e participar na troca de experiências coletivas. O pensamento andragógico parte de uma visão ampliada da pessoa adulta/idosa, pois possibilita ao indivíduo elaborar o conhecimento a partir da sua visão de mundo, considerando seu ambiente social e de acordo com suas experiências pessoais, coletivas e institucionais12. A missão do educador de adultos é ajudá-los, então, a desenvolver o seu potencial.

Cabe destacar que o modelo da andragogia de Knowles é baseado em algumas premissas que orientam a educação dos adultos, as quais aumentaram em número ao longo dos anos. Originalmente, eram quatro as hipóteses da andragogia (números 2 a 5). Posteriormente outras duas foram incorporadas, a de número 6 (em 1984) e número 1, mais recentemente5, as quais são apresentadas de forma resumida na seqüência abaixo.

1. Necessidade ou razão de aprendizagem: adultos interessam-se e empenham-se em aprender sobre aquilo que consideram útil. O educando tem a oportunidade de discutir o que, porque e como aprender. Com isso, uma das primeiras e principais tarefas do facilitador da aprendizagem é ajudar o adulto a tornar-se atento àquilo que é necessário.

2. Opinião dos educandos: adultos têm o costume de responsabilizar-se por suas decisões, pelo rumo de sua vida. Assim, procuram e valorizam um tratamento que considere sua autogestão e independência, resistindo às pessoas e às situações que consideram impositivas.

3. O papel da experiência dos educandos: adultos possuem experiências e diferenças em maior quantidade e qualidade quando comparados com crianças ou jovens, sendo que essas interferem no processo de aprendizagem. É preciso, com isso, que o educador considere a heterogeneidade dos indivíduos, valorizando, também, suas experiências pessoais e coletivas. Entretanto, importa considerar os aspectos negativos que podem acompanhar essa vasta experiência adquirida, tais como hábitos tendenciosos, pressuposições e  preconceitos, os quais podem dificultar ou impedir a abertura para novas idéias.

4. Disposição para aprender: adultos são dispostos a aprender e a lutar por coisas que têm necessidade, principalmente quando elas trazem experiências ricas.

5. Orientação para aprender: adultos são mais centrados a aprender, uma vez que sabem a importância que o aprendizado traz à sua vida e ao seu trabalho, pois conseguem visualizar as implicações dos novos conhecimentos. Eles sentem-se motivados quando o aprendizado envolve situações do seu dia-a-dia, da sua realidade.

6. Motivação: alguns adultos reagem mais facilmente a estímulos externos (melhor trabalho, promoção, elogios, entre outros). Porém as maiores motivações são internas (decisão própria para crescer no trabalho, auto-estima, qualidade de vida, entre outros).

Essas premissas indicam que o processo de ensino-aprendizagem do adulto tem especificidades que necessitam ser pensadas e contempladas para o seu êxito, o que leva, com base no objetivo desse artigo, ao questionamento: como esta teoria pode orientar as consultas de enfermagem à população idosa? 

A TEORIA ANDRAGÓGICA COMO SUBSÍDIO PARA A CONSULTA DE ENFERMAGEM AO IDOSO  

A consulta de enfermagem ao idoso necessita ser holística, avaliando capacidade funcional, necessidades físicas, psicológicas e sociais, e costuma envolver o famíliar. Visto que, de maneira geral, o enfermeiro pauta sua ação na educação em saúde como metodologia de cuidado, por meio de orientações sobre promoção da saúde e enfrentamento dos problemas15, pode-se considerar alguns dos aspectos apontados pela andragogia.

Como propõe a teoria andragógica, o educador precisa atuar como um facilitador junto ao processo de ensino/aprendizagem. O enfermeiro, assumindo essa função no processo educativo, pode discutir junto com os idosos – a partir do conhecimento sobre o processo de envelhecimento e do estabelecimento dos diagnósticos de enfermagem, por exemplo – alternativas individualizadas de cuidado que atendam às expectativas dessas pessoas e que sejam consoantes com sua realidade. Para isso, o vínculo é essencial para a troca de experiências entre profissional e indivíduos, favorecendo um processo comunicativo em que ambos expressem sua opinião, convergindo – por meio do diálogo e do respeito, entre outros – para caminhos que os levem a estabelecer metas a serem efetivamente alcançadas. Assumindo essa postura, o enfermeiro deixa de ser o detentor do saber e do poder, que muitas vezes coage, distancia e até afugenta o indivíduo, para, então, atuar facilitando a aprendizagem, a partir da interação dos saberes e fazeres dos atores envolvidos.

Salienta-se que, tanto no processo educativo, quanto no estabelecimento de vínculo e confiança com os idosos, é fundamental a escuta ativa e o diálogo por parte do enfermeiro, que busca compreendê-los. Assumindo tal conduta na consulta, pode propiciar a reflexão, a conscientização e a transformação, favorecendo a busca de melhores condições de vida.

Na proposta andragógica, as alternativas são definidas a partir das necessidades, das aspirações, das possibilidades e das perspectivas do educando, as quais serão construídas conjuntamente. Para isso, é importante, dentre outras, a escuta ativa do enfermeiro nas etapas da consulta de enfermagem ao idoso, elemento também proposto nas etapas do processo de enfermagem16.

Na andragogia, enfatizam-se as escolhas dos educandos, no caso os idosos, e a postura do educador, que atuará com mediação/orientação, tendo o cuidado de não rotular ou prejulgar as ações advindas daqueles.  Vale lembrar que os idosos podem apresentar crenças e comportamentos há muito estabelecidos e, por isso, difícil de serem modificados. Todavia, têm capacidade de tornar-se participantes no processo de educação e atuar como autogestores da própria saúde quando a consulta de enfermagem oportuniza um ambiente terapêutico. Como expresso na segunda premissa da andragogia, os adultos – e os idosos – valorizam o modelo de atendimento que respeita a sua independência, autonomia e experiência, e opõem-se às pessoas ou às situações que avaliam como imperativas. Com isso, os idosos podem decidir com base em seus próprios valores e crenças, em um atendimento sem coerção, levando em conta as alternativas propostas16.

Assim, disponibilizar ao idoso, na consulta de enfermagem, a possibilidade de tomar decisões (ter autonomia), pode facilitar a promoção da capacidade funcional, do autocuidado, da auto-estima e da relação interpessoal, favorecendo uma velhice ativa e saudával15.

Convém destacar, ainda, que esta mudança de considerar o outro como um parceiro ativo na construção de um comportamento saudável (não como um paciente, que simplesmente deve aceitar passivamente a opinião do profissional) não é fácil.  Exige abrir mão de uma relação hierárquica de poder para assumir uma atitude que permita abertura para um real diálogo no mesmo nível de interação.

Tal postura difere do modelo de consulta em que há transmissão de informação acerca de conteúdos predefinidos pelos profissionais de saúde, modelo que geralmente não atende às necessidades de aprendizagem do idoso. Para educar, é importante ir ao encontro dos interesses do educando, disponibilizando práticas que estejam em consonância com suas necessidades15. Isso permite maior aproximação/interação entre o enfermeiro e o idoso. Destaca-se que, atualmente, somente a transmissão de informação durante a consulta não basta, pois essa está amplamente disponível nos meios de comunicação.

 Cabe salientar que não se pretende, com o estímulo à promoção da independência e da autonomia do educando/idoso, transferir a responsabilidade do educador/enfermeiro. Esse continua responsável por prestar um atendimento ético, comprometido e apropriado, com embasamento teórico atualizado e condizente com as necessidades do educando.

Outro fator a ser valorizado na consulta de enfermagem, ao idoso, refere-se à história de vida, à situação social e à experiência destes, pois a aprendizagem ocorre quando o indivíduo consegue atribuir significado a um conteúdo e reconhecê-lo como seu17. Portanto, é importante respeitar tais elementos, ou seja, explorar seu potencial e compreender a realidade concreta desses idosos, demonstrando empatia e preocupação genuínas.

Sabe-se que a vida é um processo de modificação contínua. Com o envelhecimento as alterações cognitivas, como diminuição da atenção e da memória podem interferir no aprendizado, tornando-o mais lento. Além disso, mudanças na estrutura familiar e social, como viuvez e aposentadoria, podem acarretar sintomas depressivos, que também interferem no aprendizado e no autocuidado. Por isso, é necessário que o educador investigue e valorize essas individualidades, discutindo alternativas de acordo com as necessidades e as condições particulares, sem esquecer que a coletividade na qual o indivíduo está inserido influi no seu modo de pensar e de agir, sendo a família uma das principais fontes de apoio social. Assim, os idosos mantêm a capacidade de aprendizagem e esta precisa ser instigada por um ambiente social favorável, inclusivo, criativo, acolhedor e estimulador5,18.

Com ambientes de aprendizagem flexíveis e abertos, em um processo dialético de ação-reflexão-ação, pode-se romper barreiras de espaço, recursos financeiros, tempo, conteúdo e idade, favorecendo a promoção da saúde. 

Assim, a abordagem educativa na consulta de enfermagem ao idoso, com base na andragogia, pode proporcionar o desenvolvimento da capacidade de análise crítica das vivências, por meio da valorização e do respeito às subjetividades individuais, às representações sociais e à diversidade existente entre os idosos. Partindo desses requisitos, estabelece-se um ambiente que converge ao desenvolvimento do idoso, possibilitando mudanças passíveis de favorecer sua qualidade de vida e de promover sua saúde15,19. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O envelhecimento demográfico brasileiro é um fenômeno com repercussão em todos os setores, trazendo apreensões quanto a problemas futuros em relação aos custos com saúde e à qualidade de vida das pessoas idosas. Por isso, é preciso que os serviços de saúde e os profissionais da área, entre eles os enfermeiros, façam uma análise crítica sobre suas ações educativas, preparando-se para atender a população que envelhece. Esta população possui características próprias, complexas e de grande diversidade, e exige uma atuação específica, voltada à integralidade e que motive o idoso de hoje a mudar sua realidade.

A consulta de enfermagem é uma atividade de cuidado em saúde realizada pelo enfermeiro, que visa, através de um atendimento individualizado ao cliente, a promover a saúde e a prevenir ou diminuir agravos. Seus pressupostos recomendam que ocorra de forma a facilitar a interação profissional-cliente, para que, assim, possam construir conjuntamente estratégias de cuidados de saúde de acordo com as necessidades, as condições e as aspirações do usuário, numa tentativa de viabilizar que o resultado das condutas adotadas seja factível e resolutivo.

De igual maneira, a teoria da andragogia estabelece que o processo ensino-aprendizagem do indivíduo adulto ocorra mediante relação dialógica – valorizando a participação ativa do indivíduo na definição dos caminhos para o atendimento de suas necessidades de aprendizagem – como forma de otimização desse processo. O idoso, da mesma forma que o adulto, valoriza o que é útil e está disposto a lutar pelo que tem necessidade. Além disso, responsabiliza-se por suas decisões e é centrado em aprender quando reconhece a importância que a aprendizagem lhe trará. Isto posto, verifica-se que as premissas da andragogia são similares as diretrizes que orientam o cuidado científico (sistematizado) na consulta de enfermagem.

Neste artigo, não foi possível explanar toda a teoria da andragogia, que vai muito além de seis tópicos, nem sua total implicação na consulta de enfermagem para idosos. Análises mais profundas, por exemplo, sobre resistências nos processos de aprendizagem de adultos, como apontados pela literatura20, seriam um complemento necessário das teorias de Knowles (bastante otimistas) sobre a aprendizagem. Da mesma forma, uma formação sobre educação e andragogia seria um complemento importante para a consulta de enfermagem aos idosos, a medida é similar as diretrizes do cuidado científico do processo de enfermagem16.

Assim, acredita-se que, para obter respostas adequadas, não impositivas, e efetivas às necessidades complexas de cuidado de saúde do idoso, o profissional enfermeiro, que atua como educador, pode utilizar-se da teoria da andragogia, pois ela apresenta atributos que podem ser agregados à consulta de enfermagem, potencializando a intervenção. Para que isso ocorra, não se trata, simplesmente, de aplicar uma outra técnica ou teoria: é preciso uma mudança profunda na relação com o outro, oriunda da redefinição da praxis. 

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18 Roach S. Introdução à enfermagem gerontológica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2003. 

19 Gazzinelli MF, Gazzinelli A, Reis DC, Penna CMM. Educação em saúde: conhecimentos, representações sociais e experiências da doença. Cad Saúde Pública. 2005 Jan/Fev; 21(1): 200-6.  

20 Jarvis P. Paradoxes of learning: on becoming an individual in society. San Francisco: Jossey Bass; 1992. 

 

Contribuição dos autores: Concepção e o desenho: Luccas Melo de Souza, Johannes Doll; Escrita do artigo: Luccas Melo de Souza; Liana Lautert; Johannes Doll; Maria Cristina Sant’Anna da Silva; Revisão Crítica do artigo: Liana Lautert; Johannes Doll; Aprovação final do artigo: Liana Lautert; Johannes Doll; Pesquisa bibliográfica: Luccas Melo de Souza; Maria Cristina Sant’Anna da Silva 

Endereço para correspondência Luccas Melo de Souza – Rua São Manoel, 963, Santa Cecília, CEP: 90620-110, Porto Alegre, RS, Brasil.