The experience of the breastfeeding/early weaning process by women orientated to breastfeeding: a qualitative study
A vivência do processo de amamentação e desmame precoce por mulheres-mãe orientadas para o aleitamento materno: estudo qualitativo

 1Raquel Magalhães Rodrigues e Silva, 2Clarice Marcolino
1Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, MG, Brasil; 2 Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil

 

Abstract. Problem: The review of literature on breastfeeding/early weaning limits its conditionings on biological aspects, not including the subjectivities of the women who are breastfeeding. Objective: to understand the phenomenon of breastfeeding/early weaning from the discourse of women who experienced it. Method: It is a qualitative approach. The data were collected from a mid-sized private hospital maternity in the City of Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil. We interviewed twelve women who stopped breastfeeding early, using a question guide. The speeches were comprehensively analyzed. According to the speeches, the two categories that emerged were: feelings experienced during breastfeeding and life-world of mothers. Main results: The revealing of speeches showed that women experienced ambivalent feelings in relation to breastfeeding, which may be positive, negative or ambiguous. Also present are the conflicts experienced by the mothers that breastfeeds and works. Conclusions: The tensions generated during the period of lactation have an influence on breastfeeding/weaning. 

Key words: breastfeeding; weaning; health care attention.

Resumo. Problema: A revisão da literatura acerca da amamentação/desmame precoce limita os seus condicionantes ao campo biológico, não contemplando as subjetividades das mulheres que amamentam. Objetivo: compreender o fenômeno da amamentação/desmame precoce a partir das falas das mulheres que o vivenciaram. Método: Estudo de abordagem qualitativa. Os dados foram coletados em uma maternidade particular de médio porte da cidade de Belo Horizonte. Foram entrevistadas 12 mulheres que realizaram o desmame precoce, utilizando-se de uma questão orientadora. Os discursos foram submetidos à análise compreensiva. Da análise dos discursos emergiu as categorias sentimentos vivenciados durante a amamentação e mundo-vida das mulheres-mães. Principais Resultados: O revelar das falas mostrou que a mulher experimenta sentimentos ambivalentes em relação à amamentação, que podem ser positivos, negativos ou ainda ambíguos. Também estão presentes os conflitos vivenciados pela mãe-que-amamenta-e-trabalha. Conclusões: As tensões geradas durante o período de aleitamento têm influenciado o processo amamentação/desmame.

Palavras-chave: aleitamento materno; desmame precoce; atenção à saúde. 

1. Introdução

As vantagens do aleitamento natural são sustentadas por diversos autores1,2.

Não obstante, a tantos motivos para amamentar e de tanta preocupação com a questão do desmame, o aleitamento materno não tem sido prática predominante entre as mulheres no período da lactação.

Apesar de a prevalência do aleitamento vir, paulatinamente aumentando nos últimos 25 anos3, continua aquém das recomendações da Organização Mundial da Saúde, que é de aleitamento materno exclusivo até aos seis meses de vida e continuidade do aleitamento materno até o segundo ano de vida ou mais.

Em estudo realizado pelo Ministério da Saúde em 1999, nas capitais brasileiras e no Distrito Federal, a prevalência do aleitamento materno no Brasil, na faixa etária de 0 – 4 meses, foi de 86% e a duração mediana foi de 9,9 meses.  A prevalência do aleitamento materno exclusivo, na faixa etária de 0-4 meses foi de 35,6% e na idade de 6 meses foi de 9,7%. A duração mediana do aleitamento materno exclusivo, nessa mesma faixa etária, foi de 23,4 dias para o Brasil como um todo e na capital de Minas Gerais foi de apenas 8 dias – uma das mais baixas entre as capitais brasileiras4

As instituições de saúde então se vêem compelidas no sentido da promoção do aleitamento materno. Para incrementar a participação das instituições, o Ministério da Saúde, em 1991, criou a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, e com ela estabeleceu “os dez passos para o sucesso do aleitamento materno”, pois as rotinas hospitalares e a prática dos berçários eram quase impeditivas para o estabelecimento precoce do aleitamento materno.

A concepção adotada pelo Programa Nacional de Incentivo ao Aleitamento Materno - PNIAM traduz a prática da amamentação como um ato natural, instintivo, inato e biológico, em que a mãe-mamífera naturalmente amamentaria seu filho. Essa concepção, criticada por Almeida e Novak5, não contempla, entretanto, as dimensões sociais e biológicas do ser-que-amamenta.

Frente a essa crítica, Almeida e Novak5 propõem um movimento de construção cujo propósito é buscar os elos que unem o biológico e o social no cenário da amamentação, levando em conta os fatos sociais que permeiam o fenômeno da amamentação, como as experiências anteriores e as familiares, a penetração do marketing em torno da substituição do leite materno pelos leites industrializados, a inserção da mulher nas frentes de trabalho, ao papel de provedora do lar e à visão que a mulher tem de si mesma, frente ao desafio de ser mulher-mãe-esposa-chefe de família.

         A maioria dos estudos sobre a problemática desmame precoce/amamentação tem utilizado variáveis definidas por Caldeira e Goulart6, divididas em cinco categorias: (a) variáveis demográficas: tipo de parto, idade materna, presença paterna na estrutura familiar, números de filhos, experiência com amamentação; (b) variáveis socioeconômicas: renda familiar, escolaridade materna e paterna, tipo de trabalho do chefe de família; (c) variáveis associadas à assistência pré-natal: orientação sobre amamentação, desejo de amamentar; (d) variáveis relacionadas à assistência pós natal imediata: alojamento conjunto, auxílio de profissionais da saúde, dificuldade iniciais; e (e) variáveis relacionadas à assistência pós-natal tardia (após a alta hospitalar): estresse e ansiedade materna, uso de medicamentos pela mãe e pelo bebê, introdução precoce de alimentos.

O poder amamentar geralmente está ligado ao campo dos fatores biológicos, às incapacidades materiais, deixando pouco claras outras questões mais subjetivas, deixando o querer para ser o algoz daquela mulher que não consegue amamentar por suas próprias questões que nem sempre são aceitas como válidas para os profissionais envolvidos com o aleitamento materno.

Esta pesquisa desenvolveu-se buscando as subjetividades da mulher no processo de amamentação/desmame, nos desafiando a compreender esse fenômeno a partir das falas das mulheres que o vivenciaram. 

2. Material e Método

Esta pesquisa qualitativa foi realizada em uma instituição privada de médio porte, localizada na capital de Minas Gerais.

A seleção dos sujeitos de pesquisa foi realizada por meio do banco de dados de internação (fichas hospitalares). Considerou-se elegível as mulheres que estivessem vivenciando o fenômeno do desmame precoce, embora tivessem sido orientadas para o aleitamento materno, por acreditar que seus sentimentos acerca do ser-mulher-que-desmama-precocemente estivessem mais vivos e próximos à realidade vivida, podendo emergir mais facilmente de seus discursos. Foram excluídas da pesquisa as mulheres que estiveram internadas em pós-parto no plantão da entrevistadora para evitar o constrangimento da pergunta: “Como foram as orientações recebidas?”

A identificação das mulheres sujeito da pesquisa foi feita após contato telefônico para agendar o local e a data da entrevista escolhida pela entrevistada, e nesta oportunidade foi solicitado o uso do gravador. No início da entrevista foi assegurado às entrevistadas o direito de se negar a responder qualquer pergunta com a qual se sentissem constrangidas, de rejeitar o uso do gravador, ao sigilo quanto à sua identidade e solicitado que assinassem um termo de autorização, conforme preconiza a resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.

Foram entrevistadas 12 mulheres, utilizando-se as questões norteadoras: “Fale-me sobre a sua experiência com a amamentação” e “Como foram as orientações que você recebeu sobre amamentação?”.

Os discursos foram submetidos à análise compreensiva.

Neste artigo abordaremos as categorias: sentimentos vivenciados durante a amamentação e mundo-vida das mulheres-mães.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – parecer no. 151/01 de 21 de novembro de 2001. Foram observadas todas as recomendações e requisitos legais previstos para as atividades de pesquisa envolvendo seres humanos. 

3. Resultados e Discussão

3.1- Sentimentos vivenciados durante a amamentação

A análise dos dados permitiu evidenciar que a vivência da amamentação é permeada por sentimentos contraditórios. Neste sentido afirmam também os autores7 que a amamentação nem sempre é experimentada de forma positiva, mas desperta sentimentos ambíguos e contraditórios. Esses achados também estão presentes no estudo de Silva8.

Contentamento

De acordo com os relatos colhidos, o sentimento de alegria em amamentar está mais relacionado ao prazer do ato em si de amamentar; entretanto, em alguns discursos a superação das dificuldades foi o maior motivo do contentamento. As seguintes frases mostram essa perspectiva:

“...é o contato com o neném, que é super bom...”

“na hora que o neném tá amamentando, juntinho, eu acho muito legal, até na hora da sucção também...”

O “estar juntinho” remete ao sentido do tato e ao aconchego; o contato físico íntimo produz uma sensação de prazer para a mulher, mas o prazer encontrado neste aconchego vai além da sensação produzida pelo tato. Para a mulher, sentir que o corpo de seu filho permanece junto ao seu, lhe dá a sensação de que ele está seguro e protegido em seus braços, que a integridade física do seu bebê está garantida.

O estudo sobre os fatores que influenciam o desmame precoce e a extensão do aleitamento materno9 apresenta dados sobre os sentimentos das mães as quais relataram sentir alegria, prazer ou realização pessoal durante a amamentação. Esses sentimentos foram vivenciados tanto pelas mães que desmamaram precocemente quanto por aquelas que mantinham o aleitamento prolongado.

Algumas mães estabeleceram metas de tempo para amamentar, que em geral está em torno de quatro meses, apesar de o tempo de amamentação exclusiva estabelecido pela OMS ser de 4 a 6 meses, essas mulheres avaliam que a amamentação foi ótima durante o tempo que conseguiram realizá-la. Verificamos isto através das frases a seguir:

Ah, foi bom (...) durante o tempo que eu pensei em dar foi muito bom.”

“Eu acho que tudo é válido, né? Foi muito bom o tempo que o neném ficou no peito.”

A superação dos obstáculos encontrados no decorrer das primeiras tentativas de conseguir amamentar também foi motivo de contentamento para a mulher. Estes relatos deixam claro que conseguir amamentar não foi fácil, mas houve persistência. Ainda que a amamentação não tenha perdurado, houve momentos de superação dessas dificuldades, o que já trouxe alegria no período de aleitamento, como ilustram as falas abaixo:

“...apesar de tudo isso que eu sabia que ia passar é que o prazer de amamentar supera tudo isso...”

“Primeiro foi colocar ela no peito, foi muito gostoso ver ela sugar, foi uma vitória...”

A mãe é a fonte de alimento que satisfaz uma necessidade básica de seu filho, assim, o aleitamento materno promove uma relação de interação e cumplicidade mãe-filho. A mãe sente que é reconhecida quando ele demonstra através de sorrisos, busca do seio materno com as mãos. Toda sensação positiva da criança deixa a mãe experimentar enorme prazer, como ilustram as seguintes frases:

“sabe que ele gosta mais da gente por causa daquilo que só a gente tem, né? O pai pode dar carinho, todo mundo pode dar carinho, mas peito mesmo é só a gente.”

Mesmo sem a consciência do termo “vínculo afetivo”, a mulher percebe bem o sentimento de cumplicidade proporcionado pelo contato íntimo com seu filho através da amamentação. O vínculo não se trata apenas de reconhecimento da mãe por parte do filho, mas uma relação emocional forte e persistente.

“Os nossos olhares se trocavam, ela me buscava com as mãozinhas, ela conhecia minha voz e meu cheiro já nos primeiros dias, eu sentia isso, e eu sentia que ela sentia, sabe?”

“Foi uma sintonia muito legal, assim.”

Sentimentos negativos

Os discursos revelam que os sentimentos negativos são provocados muito mais pela ineficácia do manejo do aleitamento, nos momentos em que a mulher se vê sozinha e despreparada para lidar com as dificuldades da amamentação. Para algumas mulheres entrevistadas, a amamentação parece não ter sido uma opção e sim uma obrigação de mãe. A mulher, ao amamentar seu filho, expressa a influência sofrida pela sociedade, sua personalidade e sua história familiar10. A incapacidade de superar as dificuldades leva à culpa, ao trauma, à ansiedade, enfim, à frustração.

A atenção dispensada à mulher muitas vezes segue o modelo do assistencialismo, conceito no qual as orientações não preparam a mulher-mãe para seguir seu caminho de maneira segura e autônoma, vejamos o relato de uma mulher:

“Ah, foi tudo muito lindo... o parto, o cuidado de todo mundo, o pessoal da maternidade, a minha família, mas em casa é que o bicho pegou.”

A mulher não só se sentiu despreparada, mas abandonada diante de uma situação sobre a qual não teve controle, isto traz um sentimento de nervosismo diante da situação.

Nesta mesma perspectiva os autores11 ressaltam que os serviços e os profissionais de saúde enfatizam o aspecto biológico da amamentação, em detrimento de questões singulares da mulher, que podem incluir tanto emoções positivas, quanto negativas em relação ao ato de amamentar.

Os sentimentos negativos vividos no período de aleitamento refletem um período de crise. “A gravidez, o parto e o pós-parto são períodos considerados de crise, assim como a adolescência e a menopausa. Podem trazer alterações psicológicas”12.

A fala das mulheres revela uma instabilidade emocional diante de situações inesperadas, ou de final inesperado. A preocupação de manter uma nutrição adequada com o leite materno persiste, o que é percebido pelo relato da mãe de não confiar na suficiência do seu leite em qualidade e quantidade, e isto é mais um motivo que contribui para as tensões geradas durante o período de aleitamento.

O leite fraco e insuficiente é uma das alegações mais freqüentes nos estudos que tratam dos fatores que influenciam o desmame13-15, entretanto, conforme ressaltam Ramos e Almeida7, esse tipo de alegação está impregnado de um pedido de ajuda latente frente às dificuldades vivenciadas no transcurso da amamentação.  

Ambigüidade dos sentimentos e vivências

As mulheres revelam sentimentos conflituosos em relação ao aleitamento. Esses sentimentos conflituosos foram relatados por Almeida16, que defende que os sentimentos contraditórios vividos pela mãe podem ser entendidos a partir da compreensão acerca da vulnerabilidade emocional a que a mulher está submetida no período puerperal, entretanto, não só a instabilidade emocional fruto de mudanças hormonais, financeiras e organizacionais, mas também a historicidade influencia para a variação dos sentimentos da mulher.

O mesmo autor16 trata dos sentimentos maternos de acordo com um determinado contexto histórico. O autor relata que, em determinado momento a mulher foi trabalhada para deixar de amamentar seus filhos, e em outro momento a sociedade se empenha em reconstruir a prática do aleitamento materno. Em resposta a esses movimentos a mulher vem se adaptando em direção ora à amamentação, ora ao desmame, e seus sentimentos pairam numa espécie de tensão entre o conhecimento e o sentimento.

Além da historicidade e do contexto social na qual a mulher se insere, o próprio ato de amamentar carrega consigo estímulos contraditórios, pois ele contém, de um lado, estímulos de prazer, como as experiências agradáveis como o reconhecimento do filho, o alívio de esvaziar as mamas, a manutenção da ligação com o filho fora do útero e o próprio contato com o filho, e por outro, há uma demanda maior de esforço físico da mãe, a limitação das atividades da mulher e a ansiedade gerada pelo choro persistente do bebê e a incapacidade de compreendê-lo, como os relatos a seguir exemplificam:

“Às vezes é meio chato a gente ter que fazer alguma coisa e o neném estar amamentando, mas é gostoso.”

“Olha, por um lado foi bom, mas por outro lado foi bastante difícil.”

Arantes17 conclui que “a amamentação traz consigo um experienciar momentos positivos e ao mesmo tempo negativos”.

A mulher percebe que existem tanto coisas boas quanto coisas desagradáveis na experiência de amamentar; este sentimento ambíguo pode deixá-la confusa em relação à amamentação, e por conseqüência, em relação à decisão de parar de amamentar.

Os sentimentos exercem forte influência sobre a tomada de decisões. Nossa experiência com as mulheres que amamentam nos permite inferir que o próprio conhecimento que a mulher possa ter acerca do aleitamento materno fica obscurecido diante dos sentimentos de prazer ou desprazer, dor, angústia, ansiedade e preocupação, e o conhecimento nem sempre é suficiente para uma escolha consciente da mulher sobre a manutenção da amamentação exclusivamente ao seio. 

Sentimento de responsabilidade com o filho

Emerge do discurso da mãe que ela se sente responsável pelo melhor desenvolvimento do seu filho, não só pelo esperado resultado de saúde, mas de ser a promotora deste resultado, não só oferecendo as condições, mas participando diretamente de algumas atividades.

“Eu achava que tinha que dar (o peito), amamentar mesmo...”

“Eu achava que quem tinha que dar a maçã era eu, porque era a primeira vez que minha filha comia maçã...”

Em contrapartida, esta obrigação pode gerar ansiedade, medo e cansaço, diante disto as mulheres reagem diferentemente, de acordo com a experiência que está vivendo ou viveu.

Almeida16 aborda a questão da obrigatoriedade como um discurso absorvido, mesmo que haja variação na forma e no tempo do desmame, o que nos remete aos condicionamentos sociais e valores estabelecidos.

Ramos e Almeida7 analisam que a prática da amamentação tem sido a de responsabilizar a mulher pela saúde de seus filhos, e mais do que responsabilizar, culpabiliza-a pelo fracasso, ou seja, pelo desmame precoce, invés de compreender as necessidades e promover apoio. 

3.2-  Mundo-vida das mulheres- mães

Trabalho e carreira

A inserção da mulher no mercado de trabalho e a busca por uma carreira acabam por polarizar a mulher-mãe-que-amamenta e a mulher-mãe-trabalhadora. A mulher que vê na qualificação profissional a oportunidade de oferecer uma vida melhor para si e seus filhos tende a optar pelo trabalho em detrimento da amamentação, uma das falas que ilustra esta assertiva é:

“Penso que a escolha é por elas mesmo, pra poder ter um emprego mais qualificado, pra elas mesmas usufruírem disso, por isso eu tô fazendo essa opção. Se eu pudesse eu voltaria pra amamentar na hora do almoço, mas a UFMG é muito longe, né?”

No estudo18, a autora encontrou dados semelhantes e afirma que embora a mulher atribua um significado de benefício para a amamentação, ela opta por reassumir as atividades fora do lar, dando-lhes prioridade, o que deixa o aleitamento materno sujeito a outras condições, que fogem do seu único domínio de decisão.

A inserção da mulher no mercado de trabalho é, sem dúvida, um dos fatores que dificultam a manutenção do aleitamento materno. As adaptações exigem da mulher um esforço físico muito grande, e os locais de trabalho muitas vezes não permitem as adequações necessárias, como pontua o relato abaixo:

“E depois foi ruim porque eu trabalho muito longe, e na hora que eu voltei a trabalhar eu tinha que deixar o leite que eu tirava pra ela.(...) e no trabalho eu tinha que tirar o leite no banheiro, jogava fora né?”

Silva19 verificou que a falta de apoio nas instituições e de condições ambientais para a ordenha do leite, bem como a falta de berçários, que permita a aproximação mãe-filho, foram os principais dificultadores apontados pelas mães em relação à manutenção da amamentação.

Diversos autores7,11,20 apontaram o trabalho materno como causa do desmame.

Apesar da conquista de alguns direitos e proteção legal terem contribuído para os programas de incentivo ao aleitamento materno, estes ainda não contemplaram situações como a do profissional autônomo e da mulher que estuda.

Segundo a Constituição Federal21, as trabalhadoras da cidade e do campo têm o direito à licença maternidade de 120 dias, sem prejuízo de emprego e do salário (Capítulo II - Art.7O. - XVIII), e o pai tem direito à licença paternidade de cinco dias após o parto, para que possa dar assistência ao filho e à companheira, recebendo salário integral (Art. 7O. - XIX), e segundo a Consolidação das Leis Trabalhistas, a gestante não pode ser demitida sem justa causa (Art. 391).

Muitas empresas não respeitam a lei no que diz respeito à proteção da mulher que amamenta e de seu filho lactente.  A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu Art.389 diz que, toda empresa, com mais de trinta empregadas, com mais de 16 anos deve ter um local reservado para os bebês de até seis meses. Caso a empresa não disponha de um local adequado, deve manter ou ter convênio com uma creche próxima, ou ainda, reembolsar a empregada para que ela coloque seu filho em uma creche particular. Sabemos que esta não é uma situação real para a maioria das empresas do nosso país.

A lei 11.770 de 9 de setembro de 2008, ampliou a licença maternidade  para 180 dias, porém é facultativo às empresas concederem mais dois meses de licença. A nova lei poderá ser imediatamente aplicada para as servidoras públicas, entretanto, nas empresas privadas ela passará a vigorar a partir de 2010.

O Ministério da Saúde manifestou-se dizendo que a nova lei contribuirá para fortalecer o contato entre mãe e recém-nascido, proporcionando condições mais favoráveis para o aleitamento materno.

Os autores22, afirmam que “a prática da amamentação só será efetiva se estiver em harmonia com as condições concretas de existência da mulher”.

As condições de trabalho, a ausência de creches próximas ao local de trabalho, as condições de transporte também agravam o cansaço de jornadas duplas, que minam as forças da mulher face ao aleitamento.

Influências familiares

As influências familiares podem contribuir para a amamentação ou para o desmame.

Em busca por soluções a mulher se remete a terceiros que se apresentam como seu referencial de experiência e sabedoria. “Na escolha da forma de alimentar seu filho, ela expressa a influência da sociedade, de sua personalidade e de sua história familiar10”. Os autores23 encontraram entre as causas de desmame precoce a expressão “tradição familiar”.

As mulheres entrevistadas nesta pesquisa confirmam a influência familiar, mas nem sempre essa influência está sedimentada; há quem questione e até sinta a necessidade de um profissional especializado, porque de alguma forma as mulheres percebem que nem sempre as orientações são de fato positivas, como exemplificam nas seguintes falas:

“... aí eu procurei um monte de pessoas que me deram um monte de dicas e todo mundo queria dar palpite...”

“cada um fala uma coisa, minha mãe e minha vó só ficavam falando que era fome...”

“Seria bom ter alguém que viesse em casa, sabe, que fizesse um corte entre os palpites e as contribuições de fato...”

Em estudo realizado no Rio Grande do Sul24 sobre a influência dos avós na prática do aleitamento materno, concluiu-se que os avós podem influenciar negativamente na amamentação, tanto na sua duração quanto na sua exclusividade. Esse achado reafirma a necessidade que uma das entrevistadas coloca de pedir ajuda ao profissional de saúde no sentido de orientá-la de maneira mais consistente. Ainda nessa mesma direção aponta o estudo realizado por Ramos e Almeida25, realizado em Terezina – PI, enfatizando a necessidade, tanto de profissionais quanto de mecanismos de apoio mais eficientes para amparar a mulher no transcurso da amamentação.

Para os autores26 o profissional de saúde assume papel normatizador da amamentação, respaldando-se em conhecimentos científicos, mas no cotidiano da amamentação a família ocupa o primeiro lugar de referência para as mulheres, transmitindo-lhes crenças, hábitos e condutas. Por essas razões a valorização do contexto familiar pelo profissional de saúde constitui novas bases para um modelo de assistência na amamentação, adequando-se a um contexto mais amplo e plural do ser-mãe-mulher que amamenta.

Sabendo que a mulher sofre influências, a enfermeira deve tentar conquistar a confiança desta mulher e também a de seus familiares e as estratégias para isto podem ser a do aprimoramento profissional, das relações interpessoais ou técnicas de marketing pessoal. As autoras27 afirmam que “mulheres que recebem orientações de pessoas nas quais elas depositam total confiança apresentam mudança de comportamento”. 

Pré-determinação da mãe para a amamentação ou para o desmame precoce

Parece haver uma forte correlação entre a intenção da gestante em amamentar seu filho e a duração da amamentação28.

Em alguns discursos fica claro que a decisão prévia de estabelecer o aleitamento materno contribuiu para que, mesmo em meio a adversidades, que o aleitamento fosse levado a cabo pelo menos no período que a licença maternidade permitisse a presença física da mãe junto ao seu filho.

“antes de ter o neném eu já tinha a consciência do que representaria a importância de dar o peito.”

“Se eu fosse uma pessoa desinformada e não tivesse intenção de amamentar, entendeu?”

Nas falas anteriores, podemos notar a firmeza com que elas falam sobre a importância da informação e o desejo de levar o aleitamento até o tempo preconizado pelos órgãos oficiais de saúde, o desejo da mulher pode ser um aliado no estabelecimento da amamentação.

O contrário também é válido, a mulher que não desejar amamentar poderá justificar o desmame as adversidades peculiares da amamentação ou alegar leite fraco, mas dificilmente manterá o aleitamento materno por muito tempo. “Se a idéia da amamentação for repugnante para a mulher, tentativas de persuadi-la são inúteis29”.

Se a mãe e o filho tiverem as condições físicas adequadas para o estabelecimento do aleitamento materno, é papel da enfermeira fornecer a melhor informação possível sobre a amamentação e apoio individualizado. Se ainda assim, perceber que ela não quer amamentar, não deve receber nenhuma crítica de nenhum profissional, pois cuidado centrado na pessoa deve respeitar a sua decisão de amamentar ou não. 

4. Considerações Finais

Após ter realizado as análises dos discursos, utilizando uma pesquisa qualitativa, retomo o fenômeno da amamentação/ desmame precoce em mulheres orientadas para o aleitamento com um novo olhar, pois a compreensão de várias facetas do fenômeno se tornou possível por esta nova visão.

O revelar das falas mostrou que cada mulher experimenta sentimentos ambivalentes em relação à amamentação, que podem ser positivos, negativos ou ainda ambíguos.

Os sentimentos negativos que interferem no aleitamento materno, estão ligados às dificuldades inerentes ao cotidiano de uma mulher-mãe que vivencia o aleitamento materno, tais como a falta de preparo, falta de apoio, falta de estrutura familiar, social e do trabalho e falha nas orientações prestadas pelos profissionais envolvidos com a promoção da saúde da mulher e da criança.

Os sentimentos ambíguos são oriundos das situações inerentes ao fenômeno, como prazer com o contato íntimo e limitação das atividades da mulher em função de ela possuir o “equipamento” de amamentar.

As tensões em torno do fenômeno da amamentação/desmame precoce também são permeadas pelas questões de trabalho. Os conflitos vividos pela mãe-que-amamenta-e-trabalha estão presentes todo momento. A opção e as adaptações que a mulher faz dependem de seu mundo-vida, sua condição sócio-econômica, seus desejos, seus valores e seu conhecimento acerca dos benefícios do aleitamento materno.

O aleitamento materno pode significar queda nas taxas de morbimortalidade infantil; portanto, todas as estratégias devem ser cogitadas e se possível, utilizadas, a fim de alcançar o maior número possível de mulheres, no sentido da promoção do aleitamento materno.

Algumas estratégias já estão consagradas, como grupos de mães que amamentam e orientações no pré-natal, mas alternativas diferentes devem ser consideradas. Destacamos algumas estratégias visando à promoção do aleitamento materno que também podem contribuir para a manutenção da amamentação, como a Iniciativa Hospital Amigo da Criança, Posto de Saúde Amigo da Criança, Prefeito Amigo da Criança e Empresa Amiga da Criança. Estas estratégias possibilitam maior envolvimento de vários setores da sociedade com a questão do aleitamento materno.

Finalmente, orientar a mulher para o aleitamento materno não encerra, em si, o apoio necessário para a mulher-mãe-que-amamenta. É preciso utilizar abordagens múltiplas, que contemplem as necessidades de cada mulher-que-vivencia-o-aleitamento-materno, considerando sua singularidade, sua história de vida e sua vontade, que podem incluir tanto emoções positivas quanto negativas. E se, ainda assim, ocorrer o desmame precoce, a postura do profissional de saúde não deve ser a de um promotor diante de uma ré que cometeu o suposto crime de desmamar seu filho, deve considerar o mundo-vida e todos os condicionantes que permearam o desmame precoce, ajudando-a a enfrentá-lo com postura orientada para a manutenção da saúde da relação mãe-filho.

O trabalho feminino e as influências familiares já foram objetos de estudo de muitas pesquisas, entretanto, as vivências e os sentimentos das mulheres que amamentam/desmamam necessitam ser mais bem explorados. Os dados deste estudo apontam essa perspectiva de mudança de enfoque. 

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Contribuição dos autores: concepção e desenho: Raquel MR e Silva, Clarice Marcolino; análise e interpretação dos dados: Raquel MR e Silva, Clarice Marcolino; escrita do artigo: Raquel MR e Silva, Clarice Marcolino; revisão crítica: Clarice Marcolino; aprovação final: Clarice Marcolino; coleta de dados: Raquel MR e Silva; provisão de pacientes,materiais ou recursos: Raquel MR e Silva; pesquisa bibliográfica: Raquel MR e Silva, Clarice Marcolino; suporte administrativo, logístico e técnico: Raquel MR e Silva, Clarice Marcolino.

Endereço para correspondência: Clarice Marcolino - Rua dos Flamboyants, 1015 - Alphaville Lagoa dos Ingleses – residencial flores - 34000-000 Nova Lima, MG