Associated aspects to the age at sexual initiation among adolescents from Sao Paulo city: a quantitative study

Aspectos associados à idade de iniciação sexual de adolescentes residentes na cidade de São Paulo: um estudo quantitativo

Ana Luiza Vilela Borges1, Elizabeth Fujimori2

1Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, SP, Brasil; 2Departamento de Enfermagem em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, SP, Brasil 

Abstract. Using survival analysis, we analyzed data from 363 both female and male 15 to 19 year-old adolescents enrolled in a family health unit in the east area of São Paulo city. They filled a self-administered structured questionnaire at home in May 2007. Results showed a statistical difference in the age of sexual initiation between women and men (15,2 and 14,3 years of age, respectively). Sexual life onset showed to be an event that does not occur in a linear way during adolescence, but a gradual phenomenon that takes place from a specific age. Multiple Cox regression showed that variables associated to the age at sexual initiation among women were working as well as relating a non-rigid mother concerning to dating. Variable associated to the age at sexual initiation among men was agreeing to the sentence “man can have sex no matter what because can’t become pregnant”. It was concluded that cultural, relational and demographical aspects can influence sexual initiation among adolescents.     

Key-words: Adolescent; Sexual Behavior; Sexual and Reproductive Health 

Resumo. Por meio da abordagem da análise de sobrevida, foi analisada a idade de iniciação sexual de 363 homens e mulheres adolescentes, moradores da área de abrangência de uma unidade de saúde da família da zona oeste da cidade de São Paulo. O questionário estruturado foi auto-preenchido em maio de 2007. Os resultados mostraram uma diferença estatisticamente significativa na idade de iniciação sexual entre homens e mulheres (14,3 e 15,2 anos de idade, respectivamente). A iniciação sexual mostrou-se como um evento que não ocorre uniformemente na adolescência, mas sim de forma gradual, como um processo que ganha dimensão ao longo deste período. A análise múltipla segundo Cox revelou que, entre as mulheres, trabalhar e referir a mãe como tendo um perfil meio-termo em relação a saídas e namoro foram inversamente associadas à idade de iniciação sexual. Entre os homens, concordar com a frase “homem pode transar quando bem entender, pois não engravida” foi positivamente associado à idade de iniciação sexual. Conclui-se que aspectos culturais, relacionais e demográficos têm influência na iniciação sexual de adolescentes.

Palavras-chave: Adolescente; Comportamento Sexual; Saúde Sexual e Reprodutiva

                                                                                    

Introdução

O início da vida sexual tem sido descrito como um evento que ocorre com maior freqüência durante o período que compreende a adolescência. Esse fato pode ser bem ilustrado tanto pela idade mediana de início da vida sexual de uma amostra representativa da população urbana brasileira entre 16 e 19 anos de idade(1), que foi 15 anos, quanto pelo fato de que, aos 19 anos de idade, 76% das mulheres e 92% dos homens de três capitais brasileiras já haviam tido a primeira relação sexual(2).

Vários estudos têm salientado a associação entre a idade e o início da vida sexual. Analisando os dados referentes a 203 indivíduos do sexo masculino e feminino entre 12 e 21 anos, acompanhados durante cinco anos em uma clínica pediátrica de um hospital universitário nos Estados Unidos(3), não foi encontrada nenhuma diferença na idade média do início da vida sexual entre os sexos, porém a idade foi o fator preditor mais forte de iniciação sexual. A cada aumento de um ano na idade do adolescente, foi observada 1,7 vez a chance de iniciar a vida sexual, tanto entre os homens quanto entre as mulheres investigadas.

Também nos Estados Unidos, 751 indivíduos negros entre 14 e 17 anos de idade foram entrevistados e foi observado que a porcentagem de adolescentes que já havia tido ao menos uma relação sexual aumentou com a idade. Os adolescentes de 14 anos com experiência sexual totalizaram 26% das garotas e 43% dos garotos, ao passo que aos 17 anos de idade, os percentuais alcançaram 64% e 85%, respectivamente(4).

Por sua vez, em um estudo conduzido com adolescentes moradores em uma região periférica da cidade de São Paulo, foi verificado que ter 17 anos de idade ou mais elevou a chance de iniciação sexual, independentemente de ser do sexo feminino ou masculino(5).

Saliente-se que a idade no início da vida sexual é um aspecto que precisa ser conhecido no intuito de propiciar ações voltadas à saúde do adolescente antes que sua iniciação sexual ocorra. Isso não quer dizer que deva haver quaisquer generalizações ou imposição de normas a respeito do momento certo ou errado, adequado ou precoce ou mais “natural” para a iniciação sexual de homens e mulheres, até mesmo porque a adolescência é vivida de forma distinta nos diferentes grupos sociais, porquanto “não existe uma adolescência, mas sim, Adolescências, em função do político, do social, do momento e do contexto em que está inserido o adolescente”(6).p.83.

Dado que este trabalho parte do pressuposto que a idade, no que diz respeito ao comportamento sexual, mais que um marcador biológico, é demarcada histórica, social e culturalmente, este estudo teve como objetivo identificar a idade de início da vida sexual de homens e mulheres adolescentes e os aspectos sociodemográficos, relacionais e culturais a ela associados. 

Metodologia

Este estudo compreende a segunda etapa de um projeto maior de cunho quali-quantitativo cujo objetivo foi analisar o início da vida sexual de adolescentes residentes na zona oeste da cidade de São Paulo. A primeira etapa – qualitativa – embasou a elaboração de um questionário que foi utilizado na segunda etapa – quantitativa, aqui abordada – que constou de um estudo do tipo transversal desenvolvido em uma amostra representativa dos adolescentes entre 15 e 19 anos de idade de ambos os sexos, moradores da área adscrita de uma unidade de saúde da família da zona oeste do Município de São Paulo/SP. Os sujeitos entrevistados foram selecionados por amostragem sistemática sem reposição considerando as famílias cadastradas no Programa de Saúde da Família que tinham ao menos um adolescente entre 15 e 19 anos de idade.

O tamanho amostral foi calculado baseando-se na precisão desejada para se estimar a porcentagem de adolescentes de 15 a 19 que já haviam iniciado a vida sexual. Tal proporção foi considerada igual a 60%(1), com erro máximo em valor absoluto de 5% e com nível de confiança de 95%. Para se obter a estimativa final do tamanho da amostra, esse valor foi ajustado usando-se um fator de correção para população finita. Ainda, considerando a possibilidade de perdas, foram acrescidos 30% para que não houvesse redução do tamanho da amostra.

Ao todo, 396 questionários estruturados, pré-testados e validados foram entregues aos adolescentes para que fossem auto-preenchidos em seus próprios domicílios (mediante a autorização dos pais ou responsáveis, daqueles que tinham menos de 18 anos de idade) por agentes comunitários de saúde para serem coletados em envelopes lacrados na semana seguinte. Foram coletados ao todo 363 questionários válidos de adolescentes entre 15 e 19 anos, em maio de 2007 (houve 33 perdas).

Os dados foram analisados por meio da abordagem da análise de sobrevida separadamente para homens e mulheres. A variável “idade de início da vida sexual” caracterizou o tempo (em anos) e “já ter iniciado a vida sexual” caracterizou o status. A descrição dos resultados foi realizada por meio da técnica de Kaplan-Meier. Foi também utilizada modelagem múltipla segundo Cox para identificar as variáveis associadas à idade de início da vida sexual (variável dependente). Inicialmente, por meio de análise univariada, foram identificadas as variáveis cujo p<0,20. Posteriormente, estas variáveis foram sendo inseridas no modelo múltiplo por ordem de significância estatística mediante a estratégia stepwise forward. Fixou-se nível de significância de 5%. As variáveis categóricas que apresentavam mais de duas categorias foram transformadas em dummies nas análises múltiplas. As análises foram realizadas por meio do Statistical Package for Social Sciences (SPSS for Windows) versão 15.0 e STATA versão 9.0.

Foram consideradas variáveis independentes as variáveis sociodemográficas (idade, cor, religião, estudo atual, trabalho atual, escolaridade materna e paterna, tipo de domicílio), relacionadas aos comportamentos afetivo-amorosos (já ficou com alguém, já ficou com alguém mesmo sem vontade, namoro atual, namoro anterior), relacionadas às mães e aos pais (perfil liberal, meio-termo ou rígido em relação a saídas e namoro, abertura para perguntar às mães e aos pais sobre sexo, concordância materna e paterna quanto ao fato de adolescentes terem vida sexual), relacionadas aos pares (maior parte dos amigos já iniciou a vida sexual, amigos são capazes de influenciar adolescentes a iniciar a vida sexual, sente-se pressionado(a) a iniciar a vida sexual) e relacionadas a valores socioculturais (concordância com as seguintes afirmações “só engravida quem quer”, “planejar a primeira relação sexual tira a graça do momento”, “a mulher tem que se dar ao respeito”, “homem pode transar quando bem entender, pois não engravida”, “a mulher deve guardar a primeira vez para alguém especial”, “é impossível, nos dias hoje, ficar virgem até o casamento” e valor – de zero a dez – atribuído à importância da virgindade masculina e virgindade feminina).

Esta pesquisa foi aprovada pela Comissão de Ética e Pesquisa da Prefeitura Municipal de São Paulo (CAAE 0127/2005, parecer 0156/2005), tendo sido garantidos os aspectos relativos ao anonimato e privacidade dos sujeitos, além da participação voluntária no estudo. O termo de consentimento livre e esclarecido foi assinado pelos pais ou responsáveis pelos adolescentes, desde que fossem menores de 18 anos de idade.

 Resultados

Um pouco menos da metade dos entrevistados era composta por homens (46,8%), ao passo que a proporção de mulheres alcançou 53,2%. Os adolescentes tinham 16,8 anos de idade em média, sem diferença estatisticamente significativa entre os sexos. Apenas 41,2% coabitavam com ambos os pais e 27,0% já se encontravam ausentes da instituição escolar. Mesmo entre os que eram estudantes, foi observada uma defasagem idade/anos de estudo, principalmente entre os homens. Os adolescentes que se encontravam inseridos no mercado de trabalho totalizaram 27,0%, proporção maior também entre os homens.

Os adolescentes iniciaram a vida sexual em idades estatisticamente diferentes, tendo os homens iniciado quase um ano mais jovens que as mulheres (tabela 1).  

Tabela 1 – Média, desvio-padrão, intervalo de confiança e mediana da idade de início da vida sexual, por sexo. São Paulo, 2007. 

Sexo

Média*

DP

IC95%

Mediana

Masculino

14,3

0,20

13,9 - 14,7

15,0

Feminino

15,2

0,12

14,9 - 15,4

15,0

*p=0,003 (Teste Mantel-Cox)

         Foi a partir dos 14 anos de idade que ocorreram os grandes saltos na proporção de indivíduos que iniciaram a vida sexual, sendo que nos homens esse evento ocorreu de forma mais rápida (gráfico 1).

Gráfico 1 – Proporção de adolescentes segundo a idade de iniciação sexual, por sexo. São Paulo, 2007.

 

         Entre as mulheres, foram analisadas pela regressão múltipla de Cox as seguintes variáveis, cuja análise univariada revelou p<0,20: trabalho atual (p=0,046), pai concorda que adolescentes tenham vida sexual (p=0,070), perfil materno no tocante ao namoro (p=0,060), já ficou com alguém mesmo sem vontade (p=0,190), concordância com a frase ”a mulher tem que se dar ao respeito” (p=0,172), namoro atual (p=0,126) e valor dado à virgindade masculina (p=0,167).

         O modelo final constou das variáveis trabalho atual (p=0,027) e perfil materno no tocante ao namoro (p=0,028), conforme tabela 2. 

Tabela 2 – Modelo final de regressão de Cox para a idade de iniciação sexual entre as adolescentes mulheres. São Paulo, 2007.

Variável

Categoria

HR

IC 95%

Trabalho atual

 

Não

Sim

 

1,0

0,6

referência

0,38-0,94

Perfil materno em relação a saídas e namoro

Liberal

Rígida

Meio-termo

1,0

0,8

0,6

referência

0,41-1,49

0,42-0,94

Teste dos riscos proporcionais (Schoenfeld): p=0,4847  

         Entre os homens, foram analisadas pela regressão múltipla de Cox as seguintes variáveis, cuja análise univariada revelou p<0,20: abertura para perguntar ao pai sobre sexo (p=0,065), pressão para iniciar a vida sexual (p=0,053), concorda com a frase “homem pode transar quando bem entender, pois não engravida” (p=0,062), concorda com a frase “a mulher deve guardar a primeira vez para alguém especial” (p=0,168).

O modelo final constou da variável concorda com a frase “homem pode transar quando bem entender, pois não engravida” (p=0,029) ajustada pela variável concorda com a frase “a mulher deve guardar a primeira vez para alguém especial” (p=0,073), incorporada ao modelo como variável de confundimento por sua intensa associação, conforme tabela 3. 

Tabela 3 – Modelo final de regressão de Cox para a idade de iniciação sexual entre os adolescentes homens. São Paulo, 2007.

Variável

Categoria

HR

IC 95%

Concorda com a frase “Homem pode transar quando bem entender, pois não engravida”

 

Não

Sim

 

1,0

1,6

referência

1,1-2,62

Concorda com a frase “A mulher deve guardar a primeira vez para alguém especial”

Não

Sim

1,0

0,6

referência

0,3-1,05

Teste dos riscos proporcionais (Schoenfeld): p=0,4364  

Discussão

A caracterização sociodemográfica da população estudada indica sua precária inserção social, sendo necessário analisar os dados sob este prisma, já que as questões que cercam a saúde sexual e reprodutiva de indivíduos são intensamente relacionadas às suas condições de vida. 

A idade média de iniciação sexual verificada entre os adolescentes entrevistados foi estatisticamente diferente entre homens e mulheres, o que vai ao encontro da maior parte dos resultados obtidos em estudos conduzidos no país. O mais recente estudo de abrangência nacional, conduzido pelo Ministério da Saúde em 2005, encontrou uma idade média de iniciação sexual igual a 15,0 anos entre os homens e 15,9 anos entre as mulheres(1).

Mesmo que esta diferença esteja visivelmente menor do que em relação a outras décadas, ainda é marcante. Segundo resultados obtidos na PNDS (Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde) realizada em 1996 no Brasil, a idade mediana de início da vida sexual, entre as mulheres foi igual a 19,5 anos e, entre os homens, igual a 16,7 anos(7), e a PNDS de 2006 também enfatizou a antecipação da idade de iniciação sexual entre as mulheres(8). Isso se explica pelo fato de a iniciação sexual se constituir em um evento diferente para homens e mulheres, no tocante aos contextos, motivações, e impactos diferenciados por conta dos papéis sociais a serem exercidos por homens e mulheres(9), papéis estes construídos com base nas identidades de gênero.

 A entrada na vida sexual em momentos etários diferentes entre homens e mulheres pode ser explicada por conta de seus diferenciais de gênero. A literatura já tem fartamente relatado que as explicações para tais diferenças baseiam-se no fato de que há expectativas sociais diferenciadas para homens e mulheres no tocante ao seu comportamento sexual, inclusive a iniciação sexual. Tudo isso porque a concepção vigente de masculinidade e feminilidade em nossa sociedade é sustentada pela compreensão que a necessidade de sexo para o homem é um instinto tão forte quanto outros de natureza puramente biológica, como alimentar-se ou dormir, ao passo que para as mulheres o sexo só deve ocorrer na presença de sentimentos de amor e paixão, revelando o quanto as questões de gênero têm se mostrado fundamentais nas situações que cercam a primeira relação sexual(10-11).

Apesar das significativas mudanças nos papéis sociais de homens e mulheres, principalmente após as transformações ocorridas no comportamento sexual da população brasileira, por conta da entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho e sua crescente escolarização, do uso generalizado de métodos contraceptivos modernos, permitindo a desvinculação do ato sexual à reprodução e, principalmente no contexto da AIDS, no qual as questões em torno da sexualidade tornaram-se mais proeminentes no cenário público, ainda hoje são as relações de gênero que configuram a escolha sobre a entrada na vida sexual ou seu adiamento para um momento considerado mais adequado.

Ainda em relação à idade, a curva de sobrevida mostrou que a iniciação sexual entre os adolescentes entrevistados foi um processo gradual, que se acentuou apenas após os 14 anos de idade. Para Bozon e Heilborn(12), a iniciação sexual mostra-se progressivamente preparada em relações típicas da adolescência, como o namoro e o ficar, bem como estruturada segundo uma cronologia de eventos, como os beijos e as carícias pré-sexuais. Esse processo de experimentação física pode ser rápido ou duradouro, e parece ocorrer predominantemente entre os 10 e 14 anos de idade. Corroborando com esse pressuposto, dois estudos(13-14) mostraram que há uma diferença de aproximadamente três anos entre o primeiro beijo e a primeira relação sexual tanto entre os homens quanto entre as mulheres adolescentes, o que leva a crer que neste período, vai havendo um aprofundamento da intimidade física entre os parceiros, que culmina com a iniciação sexual propriamente dita ao redor dos 15 anos de idade.

A idade em que esses fenômenos ocorrem deve ser considerada na elaboração e implementação de estratégias de promoção da saúde reprodutiva e sexual desse grupo, necessitando alcançar não apenas o adolescente engajado em atividade sexual ou tendo iniciado sua vida reprodutiva, o que é mais comum nas ações no âmbito da atenção básica, mas também aquele que ainda não a iniciou, estimulando a adoção de comportamentos seguros em relação à sexualidade e reprodução, preparando-o, assim, para o início de uma vida sexual saudável.

As análises múltiplas revelaram aspectos interessantes associados à idade de início da vida sexual. Entre as mulheres, chama a atenção que trabalhar mostrou-se inversamente associado ao evento pesquisado. Assim como a iniciação sexual se coloca como um marco de transição para a vida adulta, a inserção no mundo do trabalho também representa a aquisição de uma maior autonomia e maturidade e, na maior parte dos estudos em saúde sexual e reprodutiva, mostram-se como processos que coincidem. Relatos descritos em pesquisas que usaram entrevistas em profundidade denotam que, para as garotas, a iniciação sexual as coloca como autoras de seus atos, exigindo atitudes responsáveis, tomadas de decisão e conseqüentemente responsabilização pelos seus atos, inserindo-as definitivamente em um universo de maior maturidade (10,15). Nesse contexto, identificou-se que, entre as mulheres jovens, o trabalho foi associado ao início da vida sexual justamente por se constituir em uma realidade concreta da vida adulta(9).

Em outro estudo, foi também verificado que um dos requisitos auto-impostos para a iniciação sexual entre as adolescentes é a maturidade, sinalizada principalmente pela inserção no mercado de trabalho e conseqüente autonomia financeira, até mesmo para que possa assumir as possíveis conseqüências da vida sexual, como uma gravidez(5). Não há, dessa forma, fundamento que indique a razão para que, nesta população de estudo, o trabalho tenha se mostrado como um aspecto que adia a iniciação sexual entre as mulheres, requerendo, pois, maiores estudos a este respeito.

Em relação ao fato de que referir a mãe como meio-termo no tocante a namoro e saídas foi inversamente associado à idade de iniciação sexual entre as adolescentes, pode ser que seja justamente essa relação mãe-filha em que há maior possibilidade de diálogo entre ambas. Não se pode negar que a sexualidade, enquanto vista sob o prisma de um evento social, depende da socialização e da aprendizagem de determinadas regras, as quais são transmitidas inúmeras vezes nas conversas entre os membros familiares.

Para Heilborn(9), o controle tradicional da conduta das mulheres pelos pais pode retardar sua entrada na vida sexual. Pesquisadores sugeriram que os adolescentes satisfeitos com o relacionamento interpessoal no bojo da família têm uma chance maior de prestar atenção, processar e aceitar as informações dadas por suas mães acerca de assuntos sexuais(4). Ou seja, os valores maternos podem ter um impacto nos adolescentes quando a qualidade do relacionamento pais-adolescentes é considerada positiva e os diálogos entre os pais e adolescentes sobre assuntos relativos a sexo são conduzidos de forma habilidosa e aberta, sendo associados a um comportamento sexual mais seguro(16). Mas é preciso enfatizar que os diálogos sobre as questões que cercam a sexualidade nas famílias ocorrem predominantemente a partir das mães, sendo os pais pouco participativos nessas discussões, mesmo com seus filhos homens(17).

O modelo múltiplo realizado para os homens possibilitou vislumbrar que persiste ainda uma concepção de invulnerabilidade masculina quanto à gravidez, o que reforça a reprodução como atribuição exclusivamente feminina. Essa suposta invulnerabilidade foi positivamente associada à idade de iniciação sexual entre os homens. Salem(11) retrata esse fenômeno com muita propriedade quando evoca que a preocupação com a contracepção entre os homens contrasta com o caráter impulsivo de sua natureza sexual, na medida em que necessita de planejamento prévio. Também discute que, para eles, além deste ser um assunto de competência da mulher, as conseqüências de uma gestação tampouco lhe dizem respeito. Em suas palavras, “ao homem concerne a satisfação de seu prazer sexual premente e imediato; a ela cabe arcar com as possíveis conseqüências inesperadas e/ou precaver-se contra elas” (p.37).

Os resultados desta investigação mostraram que há interface entre certos aspectos socioculturais e a idade de iniciação sexual, sendo que tais elementos podem subsidiar estratégias de promoção da saúde sexual dos adolescentes. Diante desse quadro, a enfermagem, em especial, aqueles que trabalham na atenção básica, podem incorporar, em suas práticas, a concepção de que os adolescentes estão sujeitos às normas sociais que regem a esfera da sexualidade – largamente influenciadas pelas relações de gênero ainda vigentes – e reproduzem essas normas em seu cotidiano sem se darem conta das desigualdades criadas por essas representações, nem dos contextos de vulnerabilidade a que estão sujeitos(18). É também importante encarar que o desafio na promoção da saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes encontra-se, sobretudo, na compreensão de que as concepções de mundo e os comportamentos frente às questões da vida sexual são guiados pelas identidades de gênero desde muito cedo construídas, assimiladas e repetidas e de que poucos são aqueles que se percebem subordinados à pressão do grupo de iguais e de familiares no âmbito da iniciação sexual. As abordagens e intervenções em saúde devem considerar, pois, que os adolescentes têm necessidades individuais e singulares que se moldam nas suas relações com o outro, seja do mesmo sexo ou não, e essas relações são fortemente marcadas por imperativos de gênero.

Para alcançar essas metas, à enfermagem cabe diminuir o distanciamento que a unidade básica de saúde impões aos adolescentes, principalmente pelo fato de não se encaixarem no tradicional perfil de prioridades a que os serviços habitualmente consideram em seu planejamento de atividades, como mulheres, crianças e portadores de doenças crônico-degenerativas. Dessa forma, as ações de promoção da saúde sexual e reprodutiva entre os adolescentes devem também ocorrer em outros espaços, como escolas, centros da juventude, centros comunitários e de forma a contemplar os que trabalham, pois não têm disponibilidade de comparecer a atividades realizadas durante a semana.

Além disso, os trabalhadores da enfermagem podem contribuir promovendo a comunicação e o diálogo de forma aberta com os adolescentes de modo que possam refletir sobre qual é o papel esperado de homens e mulheres em nossa sociedade, fomentando o respeito mútuo e a igualdade nas relações sociais, amorosas e sexuais. Não se pode deixar de lado que os adolescentes necessitam ser subsidiados a adotarem medidas de proteção contra doenças sexualmente transmissíveis e aids e gestações não planejadas não importa com qual idade iniciem sua vida sexual. 

Referências

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  3. Karofsky PS, Zeng L, Kosorok MR. Relationship between adolescent-parental communication and initiation of first intercourse by adolescents. J Adolesc Health 2000; 28: 41-5.

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  10. Heilborn ML. Construção de si, gênero e sexualidade. In: Heilborn ML. Sexualidade: o olhar das ciências sociais. Rio de Janeiro (RJ): Jorge Zahar; 1999. p. 40-58.

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Ana Luiza Vilela Borges; Análise e interpretação: Ana Luiza Vilela Borges e Elizabeth Fujimori; Escrita do artigo: Ana Luiza Vilela Borges; Revisão crítica do artigo: Elizabeth Fujimori; Colheita dos dados: Ana Luiza Vilela Borges; Aprovação final do artigo: Ana Luiza Vilela Borges e Elizabeth Fujimori; Provisão de pacientes, materiais ou recursos: Ana Luiza Vilela Borges; Expertise em estatística: Ana Luiza Vilela Borges e Elizabeth Fujimori; Obtenção de suporte financeiro: Ana Luiza Vilela Borges; Pesquisa bibliográfica: Ana Luiza Vilela Borges; Suporte administrativo, logístico e técnico: Ana Luiza Vilela Borges e Elizabeth Fujimori 

Endereço para correspondência: Ana Luiza Vilela Borges - Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 419 - Cep 05401-001  São Paulo/SP. alvilela@usp.br  

Financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), processo 05/55428-9.