Music and nonverbal communication in long-stay institutions for aged: new resources for the training of musicians to humanizing hospitals

Música e comunicação não verbal em instituições de longa permanência para idosos: novos recursos para a formação de músicos para a humanização dos hospitais

 Eliseth Ribeiro LeãoVictor Flusser

 1 Hospital Samaritano, São Paulo, Brasil. 2 Universidade Marc Bloch, Strasbourg, França.

 Abstract. This is a qualitative study that aimed to examine the nonverbal communication mediated by music among musicians (Centre de Formation de Musicien Intervenant) and institutionalized aged, and produce a new education strategy for the course of musicians training developed at the University Marc Bloch, in France. After consent and approval by ethical review board data were collected from scenes filmed (without editing), for a previous documentary of Music in Hospitals Project. Two musical encounters were analyzed for decoding nonverbal communication and scenes of six similar musical encounters were included in the educational video to illustrate the theoretical content to be taught. The decoding of non-verbal communication was carried out by units of analysis (taken from the video camera). In the first musical encounter were assessed 68 units of analysis and in the second were assessed 50 units of analysis. The interpersonal relations were characterized by facial expressions, types of smile and ways of looking. The affective touch occurred several times between musicians and aged persons. The close distance between the participants was observed. The data analysis resulted in the production of an educational video with audio in Portuguese and in French.

Key-words: music therapy; aged; nonverbal communication. 

Resumo: Este estudo qualitativo teve como objetivo analisar a comunicação não verbal mediada pela música entre músicos (Centre de Formation de Musicien Intervenant) e idosos institucionalizados, e elaborar uma nova estratégia para o ensino do curso de formação de músicos desenvolvido na Universidade Marc Bloch, na França. Após o consentimento e aprovação pelo Comitê de Ética Institucional os dados foram coletados a partir de cenas filmadas (não editadas), para um documentário anterior sobre o Projeto Música nos Hospitais. Dois encontros musicais foram analisados para a decodificação da comunicação não verbal e cenas de seis encontros musicais semelhantes foram incluídas no vídeo educativo para ilustrar o conteúdo teórico a ser ensinado. A decodificação da comunicação não verbal foi realizada por unidades de análise (criadas a partir das tomadas da câmara de vídeo). No primeiro encontro musical foram avaliadas 68 unidades de análise e, no segundo, foram avaliadas 50 unidades de análise. As relações interpessoais foram caracterizadas por expressões faciais, tipos de sorriso e formas de olhar. O toque afetivo ocorreu várias vezes, entre os músicos e as pessoas idosas. A distância íntima entre os participantes foi observada. A análise dos dados resultou na produção de um vídeo educativo com o áudio em Português e em Francês.

Palavras-chave: Musicoterapia; Idosos; Comunicação não verbal. 

1. Introdução

A música é uma linguagem universal e, talvez por isso, está presente em atividades de diversos profissionais e em projetos também variados, com cunho terapêutico, sócio-cultural,  de responsabilidade social, entretenimento, etc.

Na área da saúde, especificamente, estudos têm comprovado a importância da música, como forma humanizadora do cuidado nos hospitais1, com a finalidade de minimizar o stress, a ansiedade, a depressão e o isolamento social, como também para o manejo e controle de quadros dolorosos dos indivíduos em diversos contextos2, constituindo, portanto, um recurso auxiliar na promoção e/ou recuperação da saúde.

É necessário, entretanto, conhecermos as diferentes abordagens existentes sobre o fazer musical no ambiente hospitalar e instituições afins. Os músicos que atuam em hospitais formados especificamente para levar música a essas instituições, constituem uma realidade em diversos países europeus, o que em nosso meio ocorre, praticamente, por meio do voluntariado.

Em 2005 conhecemos o Projeto Música nos Hospitais, na França, coordenado pelo Prof. Dr. Victor Flusser, responsável pelo curso de formação no Centro de Formação de Músicos Atuantes, da Universidade Marc Bloch o que oportunizou a realização do nosso pós-doutoramento. A relação interpessoal entre os músicos e os idosos institucionalizados chamou-nos a atenção, principalmente, no que se relacionava aos aspectos da comunicação não verbal mediada pela música, uma vez que a comunicação verbal durante as intervenções praticamente inexistia. Tal observação nos motivou a realização do trabalho, uma vez que, freqüentemente, desconhecemos o que comunicamos de maneira não-verbal e como fazemos isso, bem como não sabemos como esses aspectos influenciam o relacionamento interpessoal3, de particular importância na atenção à saúde do idoso.

Outro fator desencadeante do nosso interesse prendeu-se ao fato da nossa dedicação na última década, como enfermeira pesquisadora e musicista, ao estudo da música sobre a saúde humana e como recurso que possibilita a humanização do cuidado e por desenvolvermos um trabalho clínico de intervenção musical no ambiente hospitalar, pautado em pressupostos e algumas técnicas musicoterápicas, sob a ótica da enfermagem, inseridos em uma abordagem cognitivo-comportamental. Nossa experiência com a música junto aos pacientes idosos hospitalizados (não institucionalizados) tem revelado o potencial terapêutico deste recurso na alteração de estados de ânimo, evocação de memórias e como facilitador do relacionamento interpessoal.

O relacionamento, no caso desses músicos, assim como na nossa experiência com a música no ambiente hospitalar, busca o estabelecimento de um diálogo que possibilite o resgate do saudável, em um momento em que a fragilidade é a tônica, devido à hospitalização. Nesse caso, o sujeito não é tratado como objeto, nem de conhecimento, nem de ação, mas sim, como alguém que enfrenta uma dificuldade apresentando-se ansioso, vulnerável, instável e a música passa a constituir um convite à arte do encontro e da interação. Há que se considerar que, mesmo estando experimentando uma situação de desequilíbrio, toda pessoa possui uma tendência positiva no sentido de se reorganizar, de se dirigir e de se preservar4.

Tal abordagem parece favorecer ainda, uma realidade vivenciável, na qual a possibilidade de autotranscendência das situações de dor, sofrimento e morte, encontram espaço, se o indivíduo assim se disponibilizar, ressaltando-se que grande parte da interação que pode se estabelecer a partir de então, ocorre de maneira não-verbal.

A problemática dos idosos institucionalizados merece atenção dos profissionais da saúde e de outros profissionais que trabalham em gerontologia/geriatria. A depressão, a sensação de abandono, as implicações físicas, emocionais e sociais do envelhecimento são relevantes e urge o desenvolvimento de medidas que minimizem o triste quadro observado em instituições de longa permanência para idosos, que atividades dessa natureza visam a atender.

A formação de recursos humanos para atuar nessa área é um constante desafio e por isso nos propusemos à elaboração de novos recursos para o processo de formação dos músicos, que esperamos possa servir também como estratégia educativa e contraponto reflexivo para a atuação de outros profissionais que atuam com essa clientela.

         2. Objetivos

Decodificar a comunicação não-verbal dos músicos atuantes no atendimento a idosos institucionalizados, no que tange aspectos relacionados à cinésica, à proxêmica e à tacêsica.

Produzir um vídeo sobre comunicação não-verbal mediada pela música como recurso educativo para o Centro de Formação de Músicos Atuantes da Universidade na qual se desenvolveu este estudo.

3. Metodologia

O presente estudo de natureza qualitativa foi realizado no período compreendido entre julho de 2005 e outubro de 2006.

Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética da Instituição de origem da pesquisadora e do consentimento informado os sujeitos de pesquisa, realizamos a análise de filmagens (não editadas) realizadas em 2003 (França) e 2005 (Portugal), pela coordenação do projeto, visando à produção de documentários.

A filmagem constitui uma estratégia de coleta de dados que permite apreender de maneira ampla as interações entre os músicos, os idosos, acompanhantes e os profissionais de saúde. O emprego da filmagem permite reter vários aspectos daquilo que se pretende estudar, conduzindo o investigador a obter maior conhecimento do universo pesquisado5. Todavia, as gravações em vídeo apresentam limitações, tais como: os ângulos da câmara podem não estar sempre em uma posição ótima para mostrar os detalhes mais significativos de uma ação e devido à redução geral de detalhes ela pode estar sujeita a uma falsa interpretação concreta sobre a compreensão do ânimo e da intenção, além de todos os outros problemas de interpretação a que o comportamento humano tridimensional possa ter levado já que as imagens gravadas são sempre bidimensionais6.

A seleção das cenas ocorreu da seguinte forma: primeiramente realizamos uma análise flutuante de 11 vídeos com gravações editadas e não editadas para apreensão inicial do conteúdo que abordava a atuação dos músicos junto aos pacientes idosos e recém-nascidos.  No segundo momento procedeu-se à análise de todas as cenas envolvendo somente os idosos, sendo descartadas aquelas de caráter coletivo realizadas com diversos pacientes em um mesmo ambiente. Das cenas, portanto, individuais, foram selecionadas aquelas em que a interação foi permeada por três ou mais músicas em um mesmo encontro e não editadas. Foi adotada como unidade de análise, a tomada feita pela câmara de filmagem, ou seja, quando a câmara mudava o conteúdo, uma nova unidade de análise começava. Foram analisados dois encontros integralmente e para elaboração do vídeo foram selecionadas cenas de seis situações que pudessem exemplificar a análise  resultante e o referencial teórico de forma didática.

Desenvolvemos a decodificação com momentos de micro-análise (seqüências específicas) integrados em uma síntese macro-analítica (a cena como um todo), para a elaboração do vídeo, que não pretendeu ser exaustiva, mas apenas paradigmática, e as cenas, portanto, representaram recortes da pesquisadora com o intuito de caracterizar a comunicação não verbal e seguiram os pressupostos pedagógicos de Delors et al7.

A decodificação da comunicação não verbal foi pautada na transcrição visual e observação direta dos vídeos dividida em cinésica8, Proxêmica9 e Tacêsica10. Na comunicação não verbal a cinésica consiste no estudo dos movimentos do corpo, os sinais faciais, as posturas corporais que se adota em relação ao outro e estão sempre associados a um significado quando analisados dentro do contexto em que ocorrem. A Proxêmica focaliza como as pessoas usam e interpretam o espaço durante os encontros sociais e a tacêsica é o estudo do toque e pode ser analisado segundo a intensidade, localização, ação intensidade, freqüência e sensação provocada3.

4. Resultados e Discussão

No Encontro I foram elencadas 68 Unidades de análise temporais (37’52’’) protagonizado por duas musicistas, uma profissional de saúde e uma paciente, no encontro II (9’17’’), 50 Unidades de análise, decorrentes da interação entre duas musicistas e uma idosa.

A comunicação não verbal, no que tange à cinésica (linguagem corporal) foi analisada sob três aspectos: a postura, os olhos e o rosto.

A postura não é só um meio de mediar a comunicação; é também a maneira como as pessoas se relacionam entre si quando estão reunidas. É possível distinguir três tipos de posturas: inclusiva-não inclusiva, de orientação frente a frente ou paralela, de congruência-incongruência.

         A paciente se encontrava deitada, o que fez com que as duas musicistas ficassem (em pé) lado a lado na lateral do leito e a profissional de saúde quase todo o tempo permaneceu atrás delas. As musicistas, portanto, do ponto de vista da postura, adotaram a categoria de orientação paralela, voltadas para uma terceira pessoa (paciente), entretanto, com relação à profissional da saúde, a postura inclusiva-não inclusiva foi observada. Essa postura é caracterizada pela maneira como os membros de um grupo incluem ou não as pessoas. E fazem isso colocando seus corpos, braços, pernas ou objetos em determinadas posições. No Encontro II a postura adotada pelas musicistas também foi a de orientação paralela.

É certo que o trabalho é desenvolvido com foco no paciente, mas isso não implica em manter um relacionamento interpessoal satisfatório com outras pessoas que façam parte do contexto, como no caso da profissional da saúde, ou que estejam no ambiente no momento da intervenção. Vale ressaltar, que na formação dos músicos é dada ênfase no envolvimento dos profissionais das instituições, dos familiares, acompanhantes, a partir do estabelecimento do relacionamento interpessoal, nos locais onde atuam. Tal procedimento pode justificar algumas resistências por parte de funcionários frente ao projeto ou como mecanismo de defesa assumido pelos músicos, o que merece atenção para promoção de um alinhamento entre o discurso e a prática.

A consciência da linguagem corporal do outro e a capacidade de interpretá-la criam a consciência da própria linguagem corporal e propiciam um maior auto-controle e processos de comunicação mais eficazes. Se uma pessoa tem consciência do que faz com seu corpo, inclusive, com relação ao outro, sua compreensão de si mesma é mais profunda e mais significativa. Se uma pessoa consegue controlar sua linguagem corporal, poderá cruzar muitas barreiras defensivas e estabelecer melhores relações. Cada movimento ou posição do corpo  tem funções adaptativas, expressivas e defensivas, algumas conscientes e outras inconscientes. Nossa linguagem corporal pode ser em parte instintiva, ensinada ou imitada, razão pela qual a cultura é um fator importante a se considerar. Trata-se de uma arte que pode ser ensinada, uma vez que depende de uma cuidadosa observação, porém somente será aprendida se a pessoa estiver consciente de que ela existe11.

          Sem dúvidas, a forma de contato predominante se fez pelo olhar contínuo das musicistas para a paciente, do início ao final de todos os encontros. Por alguns instantes apenas o olhar se desviou para a câmara. O olhar das pacientes se alternou entre as participantes do encontro, voltando-se também algumas vezes para acompanhar o movimento da câmara.

O primeiro contato que fazemos com as pessoas, geralmente, é através dos olhos; muitas vezes basta um olhar para iniciar uma relação ou terminá-la, escolher ou rejeitar algo ou alguém11. Essa é uma forma de abordagem na qual o trabalho dos músicos está fortemente ancorado, pois a análise permitiu observar que as musicistas praticamente não desviaram o olhar da paciente o tempo todo. Elas dificilmente trocam olhares entre si, ou ainda com a funcionária. Quando o fizeram, geralmente o olhar foi dirigido para o próprio instrumento que tocavam, ou ainda para a câmara (raras vezes) já que sabiam de sua existência.

Esse é outro aspecto que merece reflexão, pois existe uma medida sutil do tempo empregado ao falar, escutar, olhar e desviar o olhar. É certo que o fazem dessa forma para re-assegurar a presença, a importância do encontro naquele momento, entretanto, pode vir a ocasionar incômodo, até mesmo porque há uma “disputa” pelo olhar da paciente e na forma como irá dividir a sua atenção. Vale lembrar que em toda e qualquer situação, por melhor intenção que tenhamos há necessidade de assegurarmos que respeitamos a intimidade do outro.

A paciente e a profissional de saúde no encontro I utilizaram mais o olhar com seus desvios. A paciente buscava em diferentes momentos, diferentes olhares, inclusive o da câmara. Às vezes, mantinha o olhar vago, perdido no ambiente, o que normalmente é associado à intenção de ocultar a intensidade de uma emoção ou de um sentimento, ou ainda isolamento. Já no encontro II o olhar da paciente permaneceu atento todo o tempo às musicistas.

A expressão facial evidencia diferenças importantes no significado da mensagem. Quando desejamos enviar uma mensagem calorosa ou positiva, geralmente a apoiamos com um sorriso amável10. São necessários 23 músculos para um sorriso verdadeiro. Os três principais tipos de sorriso são: sorriso simples, com os lábios fechados e para cima nos cantos, que é quando a pessoa sorri para si mesma; sorriso para cima, com os lábios para cima nos cantos e aberto, usando geralmente quando sorrimos para outra pessoa; sorriso largo, com os lábios para cima e com os dentes claramente à mostra, usado geralmente quando estamos a nos divertir12.

No encontro I o sorriso esteve presente em 19 unidades de análise (28%). As musicistas apresentaram muitos sorrisos para cima e cantavam com uma expressão de sorriso no rosto. A profissional de saúde sorriu pouco enquanto cantava, mas algumas vezes sorriu para a paciente, que esboçou também em alguns momentos um sorriso simples.

A paciente apresentou ainda meneios de cabeça, alguns positivamente (movimentos de ‘sim’, de concordância) parecendo concordar quando as musicistas usaram da comunicação verbal, predominando os meneios negativos (movimentos de ‘não’), difíceis de serem interpretados, mas que comumente o fazemos quando queremos “jogar para fora” da nossa cabeça, pensamentos com os quais não queremos nos ocupar ou “negar/recusar algo”.

          No encontro II o sorriso das musicistas esteve presente em 17 Unidades de análise (34%). A paciente em nenhum momento sorriu, mas revelou suas emoções ora por expressões de choro, ao passar as mãos sobre os olhos (como a enxugar uma lágrima), ora passando a mão na cabeça (sugerindo certo inconformismo), ou ainda, emitindo suspiros (respirações profundas). Uma das musicistas elevou as sobrancelhas por três vezes, e a outra ficou ruborizada ao ser beijada ou acariciada pela paciente, revelando timidez.

O espaço ao redor de uma pessoa também é um fator importante na expressão da linguagem corporal e constitui a proxêmica. Cada pessoa tem uma zona corporal definida, um território, um espaço pessoal que se denomina zona corporal de acomodação. Essa zona é determinada em termos pessoais e é condicionada pela cultura3. Entretanto, quando o indivíduo está institucionalizado, esse espaço habitualmente é definido por outro e ainda assim, é freqüentemente violado.

Hall9 subdividiu as necessidades territoriais do indivíduo em quatro: distância íntima, pessoal, social e pública, as quais crescem na medida em que diminui a intimidade. A distância íntima pode ser próxima, isto é, de contato real, ou distante, de 15 a 45 cm. Quando se está a uma distância íntima próxima, a pessoa tem consciência plena do acompanhante. A fase distante da distância íntima ainda é próxima o suficiente para permitir que as pessoas se dêem as mãos. A zona de distância pessoal próxima é de 45 a 75 cm e a fase distante é de 75 a 120cm, na qual já não é mais possível tocar comodamente o outro, o que proporciona certa privacidade a qualquer encontro, porém é próximo o suficiente para permitir que se mantenha uma comunicação até certo ponto pessoal. A distância social próxima é de 120 a 200 cm e a social distante de 200 a 300 cm. E a distância pública próxima de 3 a 8 m e pública distante acima de 8m.

A tacêsica envolve os estudos sobre o toque, sua duração, local e tempo de contato, formas de aproximação, entre outros. O contato físico provoca alterações neurais, glandulares, musculares e mentais e contribui para a minimização do sentimento de desamparo comumente relatado por pacientes institucionalizadas13.

Quanto à proxêmica, as musicistas no encontro I adotaram uma distância íntima distante (praticamente encostadas ao lado do leito) e próxima durante toda a comunicação. A distância íntima próxima foi observada todas às vezes que tocaram direta ou indiretamente na paciente. Foi considerado toque indireto, quando os músicos tocavam o instrumento de percussão que foi colocado no abdome da paciente e vibrava  sobre ela cada vez que era percutido. O toque direto, de caráter mais instrumental, ocorreu sete vezes na mão da paciente, em sua maioria, para estimular que ela tocasse o instrumento. Embora o trabalho dos músicos tenha a premissa de não ser a priori terapêutico, observa-se que há um desejo de que o paciente se envolva no fazer música, às vezes, para além de suas possibilidades, como era o caso da paciente, que devido a seqüelas de um acidente vascular cerebral, apresentava deformidade e limitação físico-funcional dos membros superiores. Há que  se ter especial atenção com esse aspecto pois isso pode implicar em reforçamento da incapacidade para o paciente, gerando frustração e desconforto. O nosso próprio corpo, e não uma realidade externa absoluta, é utilizado como referência de base para as interpretações que fazemos do mundo que nos rodeia, e que acrescentaríamos a nossa própria percepção de limites, para a construção do permanente sentido de subjetividade que parte essencial de nossas experiências. Isso indica o papel central das experiências corporais como geradoras de ‘inputs’ que irão influenciar, se não determinar, o funcionamento da mente bem como seus conteúdos, o que resultará num modo não só de ver-o-mundo como também um modo de ser-no-mundo14. Frente a isso talvez seja mais apropriado oferecer o instrumento e aguardar adesão espontânea para o fazer musical e não forçar (pegando na mão do indivíduo e movimentando-a) a parceria, uma vez que pode se apresentar como atitude invasora no âmbito físico com repercussões psicológicas.

 Foi na despedida do encontro I que o toque expressivo ou afetivo foi mais bem caracterizado, como forma de demonstração de carinho, empatia e proximidade. Na despedida ainda, a paciente beijou a face da profissional de saúde que lhe beijou a fronte, representando o momento de expressão de maior intimidade, provavelmente pelo fato de, diariamente, essa profissional prestar-lhe cuidados diversos.

No encontro II a distância íntima distante durou apenas 1’23’’. A partir daí, a distância íntima próxima prevaleceu, pois durante a maior parte do tempo a paciente permaneceu segurando a mão de uma das musicistas.

Diferentemente do Encontro I, onde o beijo aconteceu somente ao final da interação entre a paciente e a profissional de saúde, nesse caso, o primeiro beijo no rosto ocorreu nos momentos iniciais (1’23’’). O Encontro II foi permeado pelo toque de caráter mais afetivo, pois a paciente beijou a mão de uma das musicistas por cinco vezes, segurando-a por instantes junto à sua face, como a expressar gratidão e carinho. Aliás, ela manteve contato todo o tempo com as duas musicistas, pois enquanto olhava para uma, segurava a mão da outra, talvez como uma forma de resolver o conflito de divisão de sua atenção, já que parecia desejar agradar as duas.

Uma das musicistas, ao término da primeira canção, como cumprimento, beijou o rosto da paciente que também retribuiu com um beijo no rosto, deixando-a ruborizada, cena essa que se repetiu ao final da terceira canção. Nesses momentos o abraço se fez presente a musicista afagou a paciente, que por sua vez, manteve-se abraçada a ela, com o rosto colado ao da musicista. A distância pelo posicionamento das musicistas ao lado do leito e o fato de uma delas tocar um instrumento de cordas parecem ter sido fator determinante dos beijos serem direcionados à face de uma e às mão da outra.

A partir dessa análise, que constituiu apenas uma leitura da comunicação não verbal, dentre as inúmeras possíveis, uma vez que é sempre dependente da percepção do avaliador e do seu conhecimento sobre o contexto onde as cenas aconteceram, foi elaborado o vídeo educativo intitulado “La musique et la communication non verbal” (A Música e a comunicação não verbal),  com áudio original em francês (16’36’’) e versão em português (16’26’’), com acesso neste artigo, respectivamente, nos seguintes endereços:

http://www.samaritano.org.br/files/videos/Diversos/LaMusiqueFR.wmv

http://www.samaritano.org.br/files/videos/Diversos/LaMusiquePT.wmv

5. Considerações finais

A análise da comunicação não verbal provê exemplos concretos de situações e oportunidades de ensino/aprendizagem que podem ser usadas como atividade instrucional.

Como demonstram os resultados deste estudo, embora a música seja uma linguagem com múltiplas possibilidades de comunicação, e possibilita alavancar assim, a intersubjetividade, é a comunicação não verbal que sustenta fortemente a atividade dos músicos. Ela reforça a intenção e a filosofia de formação e do trabalho realizado pelos músicos atuantes. É ela que, no contexto estudado, viabilizou um real encontro humano, a relação eu-tu (em contraposição à relação eu-isso) 15 e por isso possibilita a demonstração de afetividade, compaixão, solidariedade tão necessária frente ao isolamento social, às perdas e ao próprio impacto da institucionalização dos idosos. A música, portanto, parece atuar como um elemento facilitador da relação interpessoal nas instituições de longa permanência para idosos e esperamos com o vídeo elaborado contribuir para a formação e consciência profissional dos músicos e outros profissionais de saúde sobre a importância da comunicação não verbal mediada pela atividade musical.

A nossa intenção de colocarmos-nos frente a esse vídeo didático é apenas um primeiro passo nesse sentido, um exercício que deve ser transposto para a atuação cotidiana e repetido inúmeras vezes por cada músico atuante junto aos idosos institucionalizados. Exercício esse que pode ser realizado, a exemplo dos músicos, pelos profissionais da saúde, uma vez que o cuidado sempre está inserido no universo das relações humanas. 

Referências

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2. Leão ER, Silva MJP. The relationship between music and musculoskeletal chronic pain. Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN-ISSN 1676-4285) [online] 2005 April; 4(1) Available in: www.uff.br/nepae/objn401leaoetal.htm

3. Silva MJP. Comunicação tem remédio: a comunicação nas relações interpessoais em saúde. São Paulo: Gente; 1996.

4. Rodrigues ARF. Pensando sobre o relacionamento enfermeiro-paciente. Rev Paul Enf 1991; 10(1): 38-40.

5. Minayo MCS. Organizador. Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes; 2002.

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8. Birdwhistell RL. Kinesis and context. Philadelphia: Pennsylvania Press; 1970.

9. Hall E. A dimensão oculta. Lisboa: Relógio d’Água; 1986.

10. Weiss SJ. The language of touch. Nurs Res 1979; 28(2): 76-80.

11. Organização Panamericana de Saúde/Organização Mundial de Saúde. Curso de auto-aprendizagem em comunicação de risco. Linguagem corporal. [curso online] Disponível em: http://www.cepis.ops-oms.org/tutorial6/p/tema_05.html > (25 jan. 2008)

12. Lambert D. Body Language. Londres: Harper Collins; 1972.

13. Davis PK. O poder do toque. São Paulo: Best Seller; 1991.

14. Damásio AR. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano.  Cia das  Letras:  São Paulo; 1996.

15. Buber M. Eu e Tu. São Paulo: Cortez; 1977.

Agradecimentos especiais: ao Prof. Dr. Luiz F. Santoro, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, pelo apoio na produção do vídeo.

Contribuição dos autores:  Eliseth Ribeiro Leão (Concepção e desenho, Análise e interpretação, Escrita do artigo, Aprovação final do artigo, Coleta de dados, Pesquisa Bibliográfica, Suporte administrativo, logístico e técnico); Victor Flusser (Concepção e desenho, Revisão crítica do artigo, Aprovação final do artigo, Provisão de pacientes, materiais e recursos, Suporte administrativo, logístico e técnico)