Spiritual distress: integrative review of literature

Angústia espiritual: revisão integrativa da literatura

Erika de Cássia Lopes Chaves1, Emília Campos de Carvalho2, Sueli Leiko Takamatsu Goyatá3, Cristina Maria Galvão4

1Doutoranda da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Professor Assistente junto à Universidade Federal de Alfenas, MG, Brasil. Bolsista CAPES echaves@usp.br;  2Professor Titular junto à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Bolsista de produtividade em Pesquisa do CNPq ecdcava@usp.br; 3Professor Adjunto junto à Universidade Federal de Alfenas, MG, Brasil sueligoyata@yahoo.com.br; 4Professor Associado junto à Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, SP, Brasil. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq crisgalv@eerp.usp.br.

 Abstract: This study aims to identify concepts and clinical indicators that evidence spiritual distress in patients. Integrative review was the method adopted for the development of the study. In the initial stage, 82 studies were found in the following databases PUBMED, COCHRANE, CINAHL, LILACS and North American Nursing Diagnosis Association Conference Proceedings and 18 were selected. The descriptors used were spirituality and nursing diagnosis in addition to the term spiritual distress. Literature review (38.9%) and articles with level of evidence IV (27.8%) were the predominant types of study. The analysis of the articles revealed that the identified concepts of spiritual distress presented common and related elements to the human being subjective and individual response to life experiences, which harm the human spiritual dimension. Defining spiritual distress is a complex task since it depends on the perspective of those evaluating it, limiting in this way, its generalization. However, knowledge regarding the constructs that guide the understanding of human spirituality can base the nursing care in its spiritual dimension, thus providing theoretical support for the diagnosis.

 Keywords: Spirituality. Nursing Diagnosis. Nursing

 Resumo: Este estudo tem como objetivo identificar os conceitos e os indicadores clínicos que evidenciam a presença de angústia espiritual no paciente. A revisão integrativa foi o método de pesquisa adotado para o desenvolvimento do estudo. Na etapa inicial localizou-se 82 estudos, sendo 18 selecionados, os quais estavam indexados nas bases de dados PUBMED, COCHRANE, CINAHL, LILACS e na North American Nursing Diagnosis Association Conference Proceedings. Os descritores utilizados foram spirituality e nursing diagnosis juntamente com o termo spiritual distress. Em relação ao tipo de estudo houve predominância de revisão de literatura (38,9%) e artigos com nível de evidência IV (27,8%). A análise dos artigos incluídos revelou que os conceitos de angústia espiritual identificados apresentaram elementos comuns e relacionados a uma resposta subjetiva e individual do ser humano às experiências de vida, resultando em prejuízos na dimensão espiritual humana. Definir angústia espiritual é uma tarefa complexa, uma vez que depende da perspectiva de quem avalia, limitando, assim, sua generalização. Entretanto, o reconhecimento dos construtos que norteiam a compreensão da espiritualidade humana pode fundamentar o cuidado da enfermagem em sua dimensão espiritual, fornecendo um suporte teórico ao diagnóstico.

 Palavras-chave: Espiritualidade. Diagnósticos de Enfermagem. Enfermagem.

 INTRODUÇÃO 

A espiritualidade é um fenômeno humano universal que vem despertando interesse da comunidade científica e, apesar ter sido reconhecida pela North American Nursing Diagnosis Association (NANDA) como categoria diagnóstica e incluída como responsabilidade do enfermeiro1, ainda não conta com um consenso acerca de sua definição ou de sua relação com a enfermagem2,3.

O compromisso com o paradigma holístico do cuidado de enfermagem requer o reconhecimento da dimensão espiritual, contudo, é apontada a dificuldade para se considerar o aspecto espiritual da assistência ao paciente e as razões que levam à inobservância quanto ao cuidado espiritual são diversas: ansiedade e desconforto em discutir o assunto, considerado pouco científico e muito pessoal; sentimento de inadequação e falta de formação para o cuidado espiritual; ausência de modelos teóricos para a assistência espiritual e falta de compreensão da própria espiritualidade2,4.

Em um estudo realizado com o objetivo de identificar a extensão que o cuidado espiritual é aplicado, foi observado que 96%, dos 186 enfermeiros que compuseram a amostra, acreditavam que este cuidado é um componente do cuidado holístico, contudo 66% desses profissionais se sentiam inadequados para realizar as intervenções espirituais5. Em outra pesquisa sobre as práticas direcionadas para o cuidado espiritual entre os profissionais de enfermagem, os resultados evidenciaram que, de 102 enfermeiros que constituíram a amostra, 57% raramente ou nunca proveram o cuidado espiritual e 50% se sentiam despreparados para fazê-lo6.

Além disso, também tem sido demonstrado que a falta de satisfação das necessidades espirituais pode resultar em angústia espiritual, afetando a capacidade do paciente em combater a doença e, em muitos momentos, intensificando os sintomas físicos e emocionais7-9. No entanto, a experiência negativa acarretada pela angústia espiritual, muitas vezes não são relatadas, pois os pacientes geralmente não têm oportunidade de falar sobre isso, devido à falta de interesse da equipe de saúde ou, ainda, por medo de serem estigmatizados ao discutir sobre espiritualidade10.

Em 1980, o diagnóstico de enfermagem angústia espiritual foi reconhecido pela NANDA; entretanto, esse diagnóstico foi considerado prematuro, devido à falta de poder discriminatório, flexibilidade, generabilidade e globalidade11. Na prática tem sido mostrado que seu uso é limitado4,11,12, o que evidencia a necessidade de investimentos no sentido de compreender o que constitui angústia espiritual e quais são os sinais indicativos da sua presença nas pessoas. Assim, este estudo tem como objetivo identificar os conceitos e os indicadores clínicos que evidenciam a presença de angústia espiritual no paciente. 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, a qual foi elaborada fundamentada nos estudiosos do método de pesquisa13-15. As seguintes etapas foram desenvolvidas: identificação do tema ou formulação do problema; busca na literatura; categorização dos estudos; avaliação dos estudos incluídos na revisão; interpretação dos resultados e a síntese do conhecimento evidenciado nos artigos analisados ou apresentação da revisão integrativa.

A pergunta norteadora da revisão integrativa foi: Qual é a definição de angústia espiritual e quais são os indicadores clínicos que evidenciam a presença deste diagnóstico de enfermagem no indivíduo?

A busca dos estudos foi realizada online nas bases de dados LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), PUBMED, COCHRANE e CINAHL (Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature), decorrendo da combinação dos descritores “espiritualidade” e “diagnóstico de enfermagem” com o termo “angústia espiritual” (spirituality and nursing diagnosis or distress spiritual). As estratégias utilizadas para localizar as publicações nessas bases de dados foram adaptadas em virtude da especificidade de cada uma e de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos. Uma busca manual nos NANDA Conference Proceedings, desde a primeira até a décima segunda Conferência, também foi utilizada como estratégia de busca dos estudos.

As buscas foram desenvolvidas em dezembro de 2006. Os critérios de inclusão estabelecidos foram: artigos publicados em inglês, espanhol e português; artigos com resumo disponíveis e que abordassem a angústia espiritual como foco de estudo. O resultado da busca na base LILACS foi de uma publicação e nenhuma na COCHRANE. Nas bases de dados CINAHL e PUBMED foram encontrados 131 estudos, contudo, 50 se repetiram em ambas as bases. Assim, um total de 82 publicações constitui-se no resultado da busca nas bases de dados selecionadas e na busca manual nas NANDA Conference Proceedings foram eleitos três estudos. Realizou-se a leitura criteriosa do resumo de todas as publicações, das quais foram selecionadas 31, que, após serem lidas na íntegra, permitiram a identificação de 18 artigos, os quais constituíram a amostra deste estudo.

Para a extração dos dados dos artigos incluídos foi elaborado um instrumento de coleta de dados, o qual foi submetido à validação aparente e de conteúdo por três juízes. As sugestões realizadas pelos juízes foram acatadas e a versão final do instrumento contém os seguintes itens: a identificação do autor e do artigo; os objetivos do estudo; as características metodológicas; os resultados e as conclusões obtidas, bem como dados sobre a definição de angústia espiritual e as características indicadoras do fenômeno.

A análise do delineamento de pesquisa foi fundamentada em estudiosos de metodologia científica16 e a identificação do nível de evidência em uma classificação norte-americana17, a qual preconiza uma hierarquia de evidências de acordo com o tipo de estudo. A análise dos dados extraídos dos artigos foi realizada na forma descritiva e a elaboração de categorias permitiu o alcance do objetivo do presente estudo. 

RESULTADOS 

Caracterização da amostra

Em relação ao tipo de estudo, na amostra houve predominância de revisões de literatura (38,9%) e pesquisas com delineamento não-experimental (25,8%), conforme apresentado na tabela 1. A revisão de literatura, apesar de permitir ao leitor a atualização de conhecimento sobre um determinado assunto, tem a desvantagem de não ser reprodutível e, em alguns casos, também ser incompleta e inconclusiva18

Tabela 1 – Distribuição dos artigos, segundo o tipo de estudo e o nível de evidência. Ribeirão Preto, 2006.

Tipo de estudo

Nível de evidência

N

%

Pesquisa com delineamento não-experimental

IV

 5

27,8

Pesquisa qualitativa

IV

 2

11,1

Estudo de caso

V

 3

16,7

Relato de experiência

VI

 1

  5,5

Revisão de literatura

--

 7

 38,9

Total

--

18

100

 A força das evidências dos artigos analisados foi distribuída nos níveis IV, V e VI, demonstrando que não há, na amostra da revisão, estudos que retratam evidências fortes (Tabela 1). Na prática baseada em evidências, as melhores evidências são provenientes de ensaios clínicos; entretanto, esse tipo de estudo é restrito na enfermagem e o seu desenvolvimento é justificado quando o pesquisador quer testar a efetividade de intervenções na saúde. O nível de evidência de um estudo fornece subsídios para a utilização de resultados de pesquisa na prática clínica e no ensino19.  

Tabela 2 – Distribuição dos artigos segundo o ano de publicação e o local de origem. Ribeirão Preto, 2006

Variáveis

N

%

Ano de Publicação

 

 

1980 1990

02

11,1

1990 2000

08

44,4

2000 2006

08

44,4

Local de origem

 

 

Estados Unidos da América

11

61,1

Austrália

01

5,6

Ásia

01

5,6

Reino Unido

02

11,1

Índia

01

5,6

Não Informa

02

11,1

 Entre a década de 80 e 90 a produção de artigos sobre angústia espiritual era escassa. A partir da década de 90 houve incremento na produção científica, principalmente nos Estados Unidos da América (Tabela 2). A maioria dos artigos (78%) foi publicada por enfermeiros; apenas quatro artigos contaram com a participação de médicos.  

Definição de angústia espiritual

A análise do conceito de angústia espiritual, proposto nos artigos incluídos na presente revisão, advém da compreensão do que seja espiritualidade, que por sua vez tem sido descrita como um fenômeno que envolve diferentes construtos, tais como: sistemas de crença e de valores, conexão, significado da vida, harmonia e paz interior, transcendência e energia2. Portanto, angústia espiritual é considerada como uma resposta humana individual, complexa, difícil de definir e de articular11,20,21, e como tal foi revelada como prejuízo ou ameaça à integridade espiritual do indivíduo2,22,23. Assim, sua descrição foi realizada com base em três construtos, a saber: distúrbio no senso de significado e propósito na vida; distúrbio na habilidade de conexão e distúrbio na capacidade de transcendência.

Distúrbio no senso de significado e propósito na vida:

Alguns estudos incluídos nesta revisão conceituaram angústia espiritual como sendo prejuízo à capacidade de encontrar significado e propósito para a vida21,24,25. Outros consideraram a perda do sentido da vida como “parte” da definição2,22,26,27.

“Sentido e propósito da vida”, na descrição de angústia espiritual, é um tema que está relacionado a outros construtos da espiritualidade humana, como, por exemplo, os “valores e crenças” que conduzem a vida do indivíduo. De tal modo, diante de situações de crise, como o momento da doença, o paciente pode experimentar conflito no sentido/significado da experiência manifestando sinais como: questionar o significado do sofrimento, da doença, da morte; solicitar assistência espiritual ou ainda questionar seu sistema de crenças2,9,21,22,25,26,28.

Em um estudo de caso apresentado por Georgesen e Dungan25, o qual abordava a dor intratável e a presença do câncer terminal, a angústia espiritual foi caracterizada pelo questionamento do significado e o propósito da dor e do sofrimento. Também, no estudo de Hensley29, realizado com o objetivo de validar as características definidoras do diagnóstico de enfermagem para a angústia espiritual, a “expressão de preocupação com o significado da vida, da morte e das crenças” foi a característica de maior peso, segundo a avaliação de um grupo de 64 enfermeiras da American Nurses Association (ANA).

Distúrbio na habilidade de conexão:

A angústia espiritual também pode ser descrita como um distúrbio na experiência de integração/relação com o outros, com Deus/Força Maior, com o mundo ao seu redor ou consigo mesmo, ou seja, uma alteração na habilidade de conexão2,9,22,28.

Loh10 apresenta um estudo de caso em que uma paciente com câncer de mama terminal manifesta angústia espiritual, por meio da raiva e da recusa em interagir com os filhos. Outros relatos de caso, que enfocavam a presença da angústia espiritual em pacientes com câncer, também apresentam situações em que este diagnóstico foi caracterizado pela dificuldade de relação com Deus e pelo sentimento de abandono e isolamento25,31. Também Van Dover e Bacon30, em uma pesquisa qualitativa, encontraram várias situações em que a angústia espiritual foi descrita pelo rompimento da relação com Deus. Portanto, relacionamentos significativos que, anteriormente à doença, eram considerados saudáveis, passaram a ser confrontados com os sentimentos de abandono e de isolamento ou com dificuldade de interação.

Distúrbio no senso de transcendência

A descrição de angústia espiritual também incorporou a qualidade de “transcendência” nos estudos de Villagomeza2; Pronk21 e Smucker26, o que está relacionado à sensação de que a espiritualidade da pessoa refere-se a algo além do físico, do ambiente ou do material21.

A perda da capacidade de transcendência tem sido percebida por meio da manifestação da dificuldade de auto-transcendência2,26, em que o paciente pode demonstrar ser incapaz de ser introspectivo e reflexivo2.  Em um estudo fenomenológico apresentado por Smucker26, com o objetivo de descrever a angústia espiritual, conceituando o diagnóstico de enfermagem e as suas características definidoras, os participantes relataram uma sensação de “algo além”, referida como um sentimento difícil de ser descrito, uma realidade desconhecida pela consciência racional, ou seja, um mistério.

Por fim, os demais estudos que compuseram a amostra desta revisão10,11,20,29 definiram angústia espiritual utilizando o conceito proposto pela NANDA até o ano de 2002, a saber: “ruptura no princípio de vida o qual penetra totalmente a pessoa e que integra e transcende a sua natureza biológica e psicossocial”. Porém este conceito já era considerado inadequado e pouco flexível11. 

Sinais e sintomas que indicam a presença de angústia espiritual

Os sinais que caracterizaram a presença de angústia espiritual são manifestações que englobam aspectos cognitivos, afetivos, comportamentais e variam de grau e intensidade, de acordo com cada indivíduo2. Neste estudo, os indicadores clínicos que confirmam a presença de angústia espiritual, foram agrupados nos construtos que descrevem o fenômeno:

Distúrbio no senso de significado e propósito na vida:

·       Expressa falta de significado e propósito da vida2,8,10,12,21,22,23,25,26,28,29

·       Questiona o sofrimento e a doença2,10,12,21,23,28,29

·       Questiona o significado da morte e/ou expressa sentimento de pesar8,20,25,28,29

·       Questiona ou verbaliza preocupação com relação ao sistema de crenças e valores2,8,11,12,25,28,29

·       Verbaliza necessidade de assistência espiritual2,12

Distúrbio na habilidade de conexão consigo, com Deus/Força Maior, com os outros e com o mundo ao seu redor:

·       Expressa sentimento de culpa/ Sente que a doença é uma punição2,10,11,23,26

·       Sente incapacidade de amar e ser amado2,8

·       Expressa falta de coragem2,9,24

·       Expressa falta de esperança2,8

·       Expressa raiva2,9-12,24,31

·       Verbaliza falta de harmonia interior, aflição/agitação2,20,26

·       Expressa alteração de comportamento: choro/lamentação2,24,25,31

·       Sente-se abandonado2,11,27,30

·       Expressa raiva de Deus4,25,27

·       Expressa desespero2,9,24,25,31

·       Expressa sentimento de alienação e isolamento2,8,10,12,24,25

·       Separa-se das pessoas significativas2,8,23

·       Não se interessa pela natureza2

·       É incapaz de experimentar o estado anterior de criatividade2

Distúrbio no sentimento de transcendência:

·       Expressa alteração no sentimento de auto-transcendência2,26

Esses sinais são específicos e se manifestam como prejuízo na combinação de qualquer um dos construtos citados; contudo, não podem ser vistos como um fenômeno “tudo ou nada”, ou seja, certo grau de angústia espiritual pode estar presente mesmo que ocorra uma alteração apenas como, por exemplo, no sentimento de conexão2. 

DISCUSSÃO 

As publicações da área de enfermagem sobre a questão da espiritualidade têm crescido nos últimos anos, contudo, a falta de fortes evidências dificulta a generalização dos resultados32. O baixo nível de evidências encontrado nas publicações sobre angústia espiritual também aponta para a necessidade de investimentos no desenvolvimento de pesquisas de enfermagem sobre esse fenômeno. Uma vez que o corpo de conhecimento da enfermagem é uma das ferramentas indispensáveis para a prática clínica, faz-se necessária a construção de pesquisas com evidências fortes, para que esses profissionais possam prestar assistência de enfermagem de qualidade33.

Tem sido documentado que a espiritualidade não possui uma definição universal, mas que está relacionada a uma experiência individual, subjetiva e multidimensional3,4,34,35. Construtos ou elementos comuns são utilizados para descrevê-la, entre eles: conexão, crença, valores, transcendência, significado e objetivo na vida2,3,34,35.

O reconhecimento dos elementos, ou construtos, que norteiam a compreensão da espiritualidade humana também pode fundamentar o entendimento do que seja angústia espiritual. Assim, alterações que envolvem esses elementos podem se manifestar como um crescimento ou como um prejuízo na integridade espiritual26,36, e o diagnóstico de enfermagem relacionado à alteração na espiritualidade, quando caracterizado por prejuízo nessa dimensão humana, revela- se como angústia espiritual2,22.

A descrição de angústia espiritual por meio de um prejuízo no “sentimento significado/propósito da vida” corrobora com outros estudos que consideram este um elemento fundamental na discussão sobre espiritualidade2,3,34,35. A identificação de crenças e valores como parte deste construto é apoiada no estudo de Delgado39, em que a busca do sentido da vida é uma questão existencial muitas vezes revelada como aspecto central dos mais diferentes sistemas de crenças. Também Tanyi34 descreve a espiritualidade como busca pessoal de significado e propósito na vida, o que, segundo a autora, implica em conexão com o sistema de crenças e valores que dão sentido à vida e que inspira e motiva a alcançar sua auto-realização. O sistema de crenças do indivíduo pode ser a forma com que ele percebe o significado e a finalidade de sua vida, ou seja, um veículo para sua espiritualidade9.

A abordagem de um distúrbio no “sentimento de conexão” para o entendimento do que seja angústia espiritual também se relaciona à descrição de espiritualidade por meio do senso de conexão que o indivíduo tem com ele mesmo, com os outros, com uma Força Maior/Deus e com o mundo ao seu redor2,3, 35,37; visto que o homem é um ser social e espiritual que necessita relacionar-se37.

Já com relação à transcendência, pesquisadores têm considerado este um importante construto da espiritualidade2,3,35, que direciona questões fundamentais da vida, que vão além daquilo que vemos ou compreendemos38. A transcendência relaciona-se à experiência não-material, definida como a expansão dos limites pessoais além de uma visão constrita e imediata de si mesmo e do mundo, que resulta no fortalecimento pessoal e na habilidade de enfrentar situações estressantes39. A transcendência pode ser a fonte de totalidade e saúde quando a doença está presente40. Conseqüentemente, a perda da capacidade de transcendência, do sentimento percebido como ‘algo além’, da capacidade de transpor barreiras e alcançar a vitória, pode definir a angústia espiritual.

Os indicadores clínicos da presença de angústia espiritual são incorporados como manifestação dos distúrbios nestes construtos, contudo, é preciso ponderar que esses indicadores se referem a manifestações subjetivas, cuja natureza se sobrepõe2, por isso são de difícil análise; e neste sentido a melhor referência de angústia espiritual é a confirmação do paciente de tais manifestações. 

CONCLUSÃO 

O conceito de angústia espiritual, assim como o de espiritualidade, é de difícil construção, pois está relacionado a uma resposta subjetiva e individual do ser humano. No entanto, sua definição pode ser compreendida por meio de prejuízos em três construtos da dimensão espiritual humana: significado e propósito na vida, conexão e transcendência. O reconhecimento desses elementos fundamenta a identificação dos indicadores clínicos do diagnóstico e possibilita suprir as necessidades espirituais dos pacientes.

Reconhecer e investigar a relação corpo/mente e espírito é fundamental para o cuidado holístico, portanto a utilização de uma terminologia adequada, com sustentação teórica, irá facilitar a inclusão da espiritualidade na assistência da saúde e prover uma visão transformadora para o cuidado de enfermagem.

É certo que se trata de uma questão abstrata, o que por si própria é um limite para este estudo, contudo, novas pesquisas, inclusive de validação de conteúdo, poderão ajudar legitimar e aperfeiçoar o diagnóstico de enfermagem angústia espiritual, enquanto fenômeno teórico consistente. 

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Erika de Cássia Lopes Chaves, Emília Campos de Carvalho e Cristina Maria Galvão - Pesquisa Bibliográfica, Análise e Interpretação: Erika de Cássia Lopes Chaves, Emilia Campos de Carvalho e Sueli Leiko Takamatsu Goyatá - Escrita do artigo: Erika de Cássia Lopes Chaves e Sueli Leiko Takamatsu Goyatá - Revisão crítica do artigo: Erika de Cássia Lopes Chaves, Sueli Leiko Takamatsu Goyatá, Emília Campos de Carvalho e Cristina Maria Galvão - Aprovação final do artigo: Emília Campos de Carvalho e Cristina Maria Galvão. 

Endereço para Correspondência: Emília Campos de Carvalho; Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto – USP - Av. Bandeirantes, 3.900 Campus Universitário-Monte Alegre - Ribeirão Preto – SP - CEP: 14040-902