Challenges and limitations of validation of the single use medical devices: a review article

 Desafios e limitações da validação dos materiais de uso único: um artigo de revisão     

 Desafíos y limitaciones de la validación de los dispositivos de uso único: un artículo de revisión   

 

Adriana Cristina de Oliveira1, Thabata Coaglio Lucas2

1.Universidade Federal de Minas Gerais, MG, Brasil; 2. Universidade Federal de Minas Gerais,MG, Brasil.

Abstract. This review study is aimed at analyzing the challenges and limitations of the validation of single use medical device regarding cleaning, sterilization, functional performance and integrity. It was a search in the database LILACS Medline / Pubmed of articles published in the period 2002 to 2007. Eleven articles were analyzed. The findings pointed out that one of the challenges of validation of single use devices was related to conformity of the results of tests and the possibility of reuse. It was verified that the complex physical structures of the materials and the presence of roughness on the surface due to successive reprocessing were factors that hampered the elimination of biofilms, microbial loads and endotoxins. In the evaluation of the functional performance was evidenced a decreased in the performance of the material proportional to the number of reuses. Among the limitations of the validation of single use devices, highlighted the impossibility to extend the results of the studies included for all categories of single use devices.

Key words: Equipment reuse; Equipment failure analysis; Endotoxins; Patient care.

Resumo. Objetivou-se analisar os desafios e limitações para a validação dos materiais de uso único referentes à limpeza, esterilização, funcionalidade e integridade. Tratou-se de uma pesquisa na base de dados LILACS Medline/Pubmed de artigos publicados no período de 2002 a 2007. Foram analisados onze artigos. Constatou-se que um dos desafios da validação dos materiais de uso único, esteve relacionado com a conformidade dos resultados de testes e a possibilidade de reutilização. Verificou-se que as estruturas físicas complexas dos materiais e a presença de rugosidade nas superfícies em virtude de sucessivos reprocessamentos foram fatores dificultadores para a eliminação de biofilmes, cargas microbianas e endotoxinas. Na avaliação da funcionalidade evidenciou-se uma diminuição do desempenho do material proporcional ao número de reutilizações. Dentre as limitações da validação dos materiais de uso único, destacou-se a impossibilidade de se estender os resultados dos estudos incluídos para todas as categorias de materiais de uso único.

Descritores: Reutilização de equipamento; Análise de falha de equipamento; Endotoxinas; Assistência ao paciente.

Resumen. Se objetivó analizar los desafíos y limitaciones para la validación de los dispositivos de uso único en lo que se refiere a la limpieza, esterilización, funcionalidad e integridad. Se trató de una pesquisa en la base de datos LILACS Medline/Pubmed de artículos publicados en el periodo de 2002 a 2007. Fueron analizados once artículos. Se ha constatado que uno de los retos de la validación de los dispositivos de uso único, estuvo relacionado con la conformidad de los resultados de testes y la posibilidad de reutilización. Se ha verificado que las estructuras físicas complejas de los materiales y el  aparecimiento de rugas en las superficies a causa de sucesivos reprocesamientos,fueron factores que causaron dificultades en la eliminación de biofilmes, cargas microbianas y endotoxinas. En la evaluación de la funcionalidad se ha evidenciado una disminución del desempeño del dispositivo proporcional al número de reutilizaciones. Entre las limitaciones de la validación de los dispositivos de uso único, se ha destacado la imposibilidad de extender los resultados de los estúdios incluidos para todas las categorías de dispositivos de uso único.

Descriptores: Equipo reutilizado; Análisis de falla de equipo; Endotoxinas; Atención al paciente. 

Introdução

           Reprocessamento é o processo a ser aplicado aos artigos médico-hospitalares para permitir sua reutilização, inclui limpeza, preparo, embalagem, rotulagem, desinfecção ou esterilização, testes biológicos e químicos, análise residual do agente esterilizante e da integridade física das amostras1,2.

           Dentre as discussões geradas mundialmente a respeito do reprocessamento de materiais de uso único, destacam-se as questões relacionadas à validação dos mesmos, que consiste na confirmação por meio de testes laboratoriais de evidências objetivas de que os requisitos específicos para um determinado uso pretendido dos materiais sejam atendidos2.

            Em países como os Estados Unidos da América, (EUA) e a Austrália, órgãos de referência como o Food and Drug Administration (FDA) e o Therapeutic Goods Administration (TGA) têm exigido a determinação de critérios de validação das instituições que reprocessam materiais de uso único, a fim de que estabeleçam diferentes números de reuso para cada tipo de material, garantindo assim que este seja tão seguro e efetivo quanto um artigo novo 2,3.

           No Brasil a resolução n0 2.606/2006 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) dispõe sobre a elaboração, validação e implementação de protocolos de reprocessamento, entretanto não especifica quais métodos de validação devem ser aplicados para fundamentação dos diferentes números de reutilizações dos materiais de uso único1.

           A validação dos materiais de uso único deve ser monitorada, através de uma vigilância sistematizada, em virtude de que uma não conformidade com um padrão de qualidade, pode resultar em eventos adversos irreversíveis, causando prejuízos temporários ou permanentes aos pacientes.

           Dentre os eventos adversos recentemente divulgados, destacam-se as reações pirogênicas, acidentes cerebrovasculaes embólico, déficit neurológico e cegueiras registrados em pacientes após a confirmação de endotoxinas presentes no cateter, fragmentos de cateteres reprocessados alojados no coração, artéria carótida esquerda da porção intracranial e a artéria central da retina 4,5,6,7.

           Contudo, apesar do avanço a cerca da importância da validação dos materiais de uso único e melhoria da qualidade da vigilância a respeito dos eventos adversos, verifica-se que as diretrizes de validação impostas pelo FDA, TGA e ANVISA na maioria das vezes não promovem um grande impacto na prática clínica das instituições hospitalares.

           Questiona-se assim, o fato de que essas continuam a reprocessar sem nenhum tipo de monitoramento quanto a métodos específicos de validação dos materiais de uso único. Diante disso, inquietações em relação à uma  prática ética e segura das instituições e de seus profissionais e o compromisso com uma assistência de qualidade prestada aos pacientes,  são frequentemente suscitados.

           Desta forma, espera-se que a presente revisão sirva como base de reflexão a respeito do gerenciamento dos materiais de uso único reprocessados viabilizando a possibilidade da inclusão de estratégias de validação. E assim, propõe-se esta revisão, com o objetivo de analisar os desafios e limitações para a validação dos materiais de uso único referentes à limpeza, esterilização, funcionalidade e integridade no contexto mundial.

Material e métodos

           Tratou-se de um levantamento bibliográfico por meio da base de dados LILACS (Literatura Latino Americana e do Caribe em ciências da Saúde) e Medline/Pubmed na língua inglesa, espanhola e portuguesa, publicados no período de 2002 a 2007 de delineamento experimental. Optou-se pelos estudos publicados nos últimos cinco anos em virtude de reprocessamento ser um assunto pouco explorado na literatura a nível mundial, mas que vem suscitando importantes discussões, acerca dos métodos necessários para a validação dos materiais de uso único.

           No que se refere à base de dados LILACS, foram utilizados os seguintes Descritores em Ciências da Saúde (DeCS): reutilização de equipamento, análise de falha de equipamento, endotoxinas e esterilizacion.

           Quanto à base de dados Medline/Pubmed, foram utilizados os vocabulários controlados para artigos indexados pela Medical Subject Headings (MeSH): equipment reuse, equipment failure, pyrogens, catheter, equipment failure, equipment safety e materials testing.

           Vale ressaltar, que o emprego de descritores diferentes nas bases de dados referidas reflete o fato de ser o DeCs é uma tradução ampliada dos descritores MeSH para o português e espanhol.

           A seleção dos artigos se deu por meio de leitura do título e resumo de todos aqueles encontrados nas bases de dados pesquisadas, sendo incluídos os que se referiam à validação do material de uso único através de estudos experimentais que avaliavam a qualidade da limpeza, esterilização, funcionalidade e integridade.

           O tipo de estudo experimental, como critério de inclusão, justificou-se pela possibilidade de evidenciar de forma controlada, a manutenção da qualidade do material após o reprocessamento.

Foram excluídos os artigos que na leitura do resumo não apresentaram relação com o tema em questão.

Resultados e Discussão

           Foram levantados 78 artigos e após a leitura dos resumos, 67 foram excluídos por não atenderem ao período de tempo da presente revisão, pelo delineamento não experimental e por não proporem testes de validação da limpeza, esterilização, funcionalidade e integridade que evidenciassem a segurança e qualidade do material após a reutilização. E assim ao final da seleção, incluíram-se onze artigos.

           Dentre os artigos que foram incluídos, a maioria daqueles que validaram a limpeza, esterilização e integridade, não inferiram números possíveis de reutilizações uma vez que foram validados somente em um único momento, após um determinado número de reprocessamento especificado pelos autores 8,9,10,11.

           Em dois estudos, os materiais foram validados a cada diferente número de reprocessamento, chegando-se até seis e dez respectivamente; porém, não inferiram a respeito de números possíveis de reutilizações em virtude do não estabelecimento de parâmetros aceitáveis de cargas microbianas, endotoxinas e de biofilmes12,13.

           Ressalta-se que a integridade foi avaliada isoladamente em dois estudos: enquanto um validou a presença de resíduos de óxido de etileno a cada reprocessamento, chegando-se até quatro, o outro não informou a respeito de quantos reprocessamentos os materiais tinham sido submetido após a avaliação dos mesmos em microscopia eletrônica 14,15 .

           Os estudos que foram referidos acima e que validaram a limpeza, esterilização e integridade dos materiais são apresentados no Quadro 1

Quadro 1: Distribuição dos estudos experimentais que validaram a limpeza, esterilização e integridade dos materiais. Estados Unidos, Europa, Brasil - 2002-2006.

Métodos de validação

   Principais resultados

Número do reprocessamento em que se evidenciou os principais resultados

 

 

 

Teste de detecção de endotoxinas através do reagente Limulus Amebocyte Lysate (LAL)

1)Diminuição das endotoxinas nos três primeiros ciclos de reprocessamento. Entretanto, após os sucessivos ciclos houve recuperação das mesmas, chegando a 100% nos cateteres intravenosos 12;

2)Presença das endotoxinas (0,18 - 0,33 unidades de endotoxinas) em alguns cateteres guias 8;

3)Presença de endotoxinas em cateteres diagnósticos cardiovasculares 9;

4)Presença de endotoxinas em cateteres de eletrofisiologia e ablação 10;

1) Do 40 ao 100 reprocesamento

 

 

 

2) 40 reprocessamento

 

3) 50 reprocessamento

 

4) 10 reprocessamento

 

 

 

Testes de esterilidade por inoculação direta e/ou indireta;

 

 

 

1)Crescimento microbiano de Bacillus subtilis em cateteres intravenosos, torneiras de três vias e tubos de traqueostomia com balonetes 12;

2)Crescimento microbiano de Staphylococcus epidermidis  em apenas alguns cateteres guias testados 8;

3)Ausência de carga microbiana nos cateteres angiográficos 9;

4) Ausência de carga microbiana nos papilótomos 11;

5)Bacillus subtilis sobreviveram ao reprocessamento nos cateteres de eletrofisiologia 13;

1) 30 e 60 reprocessamento   

  

 

2) 40 reprocessamento 

 

3) 50 reprocessamento

4) 10 reprocessamento

5) 50 reprocessamento

 

 

 Microscopia Eletrônica

1)Rugosidade nas superfícies dos cateteres intravenosos e nos tubos de traqueostomia com Bacillus subtilis aderidos 12;

2)Deterioração na superfície distal dos cateteres e presença de resíduos aderidos na mesma 8;

3)Presença de fendas, arranhões, depressões e de biofilmes na superfície de alguns endoscópios 14;

1) 100 reprocessamento

 

2) 40 reprocessamento

 

3) Não informado

 

Teste direto e indireto para a detecção de proteína, hemoglobina e carboidrato

1)Resíduos de carboidrato e proteína nos cateteres diagnósticos cardiovasculares 9;

2)Eliminação dos resíduos dos papilótomos somente com o método de limpeza automatizado por fluxo retrógrado 11;

1) 50 reprocessamento

 

2) 10 reprocessamento

Espectroscopia

Resíduos de óxido de etileno aderidos aos cateteres de aspiração e uretrais15.

  40 reprocesssamento

          

           Verificou-se que um dos estudos incluídos na presente revisão, utilizou o teste de detecção de endotoxinas através do reagente LAL para a validação dos materiais após a limpeza manual com detergente enzimático (soluções químicas que possuem enzimas como seu princípio ativo) e enxágüe em água destilada e apirogênica, após dez ciclos simulados de reprocessamento 12.

           Como se verifica no Quadro 1, detectou-se uma recuperação das endotoxinas inoculadas como desafio, a partir do quarto reprocessamento e alcançando o máximo de recuperação ao 100 reprocessamento nos cateteres intravenosos quando comparados com as torneiras de três vias e com os tubos de traqueostomia com balonetes12.

           Infere-se que tal achado pode estar associado à conformação complexa dos materiais de estudo (lumens estreitos, engates, encaixes e balões), que possibilitou a incompleta operacionalidade da limpeza na remoção de lipopolissacarídeos residuais.

           Entretanto, contradizendo a questão da configuração intrincada dos materiais de uso único e a impossibilidade de remoção da sujidade visível aderida aos mesmos, um estudo realizado com cateteres cardiovasculares após cinco simulações de reuso, demonstrou a probabilidade de supressão das endotoxinas, a partir da comparação de três diferentes métodos de limpeza9.

           Os métodos adotados incluíram a limpeza manual com detergente enzimático e enxágüe em água de torneira; manual e mecanizada com detergente contendo peróxido de hidrogênio e enxágüe em água tratada por osmose reversa e esterilizada9. Um resultado curioso foi que somente os cateteres que foram enxaguados com água de torneira apresentaram endotoxinas 9.

           Há de se ressaltar o experimento revelou 862,30 unidades de endotoxinas/mililitros na água de torneira utilizada para o enxágüe dos cateteres 9. Pelo exposto compreende-se que água de torneira pode ser uma importante fonte de endotoxinas.

           Apesar disso, em outros estudos que realizaram a limpeza em nível laboratorial com detergente enzimático e enxágüe em água de torneira, as quantidades de endotoxinas detectadas nos mesmos foram consideradas não pirogênicas quando comparadas com o limite de risco recomendado pela United States Phamacopéia e European Pharmacopeia (< 20 unidades de endotoxinas /material) 8,10.

           Quanto ao teste de esterilidade, identificou-se após a avaliação em dez ciclos simulados de reprocessamento, um crescimento microbiano predominante do Bacillus subtilis, inoculado como desafio, no terceiro e sexto reprocessamento 12.Em um outro estudo de validação da limpeza de cateteres guias após o quarto reprocessamento, identificou-se a presença de cepas virulentas como a de Staphylococcus epidermidis somente em alguns cateteres avaliados8 .

           Infere-se que a ocorrência de cargas microbianas predominante somente em alguns ciclos de reprocessamento ou em alguns cateteres avaliados após um mesmo número de reprocessamento, deve-se possivelmente a ocorrência de falhas no processo de limpeza que refletiram a não eficiência da esterilização.

           O aperfeiçoamento das técnicas de limpeza é necessário para a manutenção das condições apropriadas das mesmas durante os vários reprocessamentos, em virtude de que as falhas nas técnicas e no controle de alguns parâmetros (tempo, temperatura e pressão), podem preservar cargas microbianas viáveis após a esterilização8,11,12,13.

           Pelo exposto faz-se crucial, a adoção de novas posturas baseadas num maior envolvimento e comprometimento dos profissionais frente à técnica de limpeza, como um processo metódico que inclua e determine sua exeqüibilidade com o controle de todos os processos empregados para o cumprimento dos padrões requeridos de qualidade.

           Entretanto após uma avaliação comparativa em seis ciclos de reprocessamento com cateteres de eletrofisiologia evidenciou-se o crescimento do Bacillus subtilis, inoculado como solução desafio, a partir do quinto reprocessamento mesmo mantendo as condições controladas de todo o processo de limpeza 13.

           Entende-se com tal achado que a reutilização a partir do quinto reprocessamento, pode não garantir uma esterilização eficaz dos cateteres de eletrofisiologia. No entanto, chama a atenção o fato de que o estudo não avaliou fatores que podem favorecer a adesão de microrganismos aos materiais, como a presença de fissuras e arranhões interferindo assim na eficácia do processo de limpeza.

           Através da microscopia eletrônica identificou-se a presença de Bacillus subtilis aderidos a fissuras e a rugosidades de cateteres intravenosos e de tubos de traqueostomia no 100 reprocessamento 12 . Além disso, observou-se a presença de resíduos orgânicos aderidos sobre a superfície deteriorada distal interna e externa de cateteres guias após o quarto reprocessamento 8.

           Ressalta-se que as características das superfícies dos materiais, pode estar relacionada com o aumento da rugosidade, uma vez que foi considerada um fator facilitador da adesão de resíduos orgânicos e microrganismos com conseqüente formação de biofilmes (conjunto de células microbianas, associadas a uma superfície que é envolvida numa matriz extracelular de substância polimérica) 8,9,11,12,14.

           A identificação dos tipos de resíduos orgânicos foi revelada através dos testes de detecção de proteína, hemoglobina e carboidrato, demonstrando que não houve a completa eliminação dos resíduos de carboidrato e proteína nos cateteres diagnósticos cardiovasculares após cinco simulações de reuso independente do processo de limpeza avaliado no estudo, os quais foram citados anteriormente na presente revisão 9.

           Resultados semelhantes foram encontrados na avaliação da remoção dos resíduos orgânicos e inorgânicos em papilótomos após a primeira simulação de reuso em processos de limpeza manual e automatizado 11. No entanto, quando foi introduzida a técnica de lavagem complementar ao método de limpeza automatizado por fluxo retrógrado a remoção dos resíduos em papilótomos foi eficaz, alcançando níveis próximos de zero 11.

           Em virtude de se ter avaliado os papilótomos somente após o primeiro reprocessamento, a reutilização segura dos mesmos após posteriores reprocessamentos é imprecisa, uma vez que a manutenção da eficiência da limpeza automatizada e da integridade do material após sucessivas reutilizações não pode ser garantida.

           Em relação à integridade dos materiais de uso único reprocessados, deve-se atentar para o fato de que os produtos utilizados na limpeza e esterilização podem contribuir para a deterioração do material.    Observa-se no Quadro 1 que o método de espectroscopia (baseia-se no fato de cada ligação química das substâncias possuem freqüências de vibração específicas que são detectadas em diferentes níveis de energia) detectou a presença de resíduos tóxicos de óxido de etileno interagindo com o material no quarto reprocessamento, favorecendo sua deterioração e toxicidade para os pacientes 15.

           Infere-se com esses resultados, que um aumento do tempo de desintoxicação a partir do quarto reprocessamento propiciaria uma melhor segurança em relação à toxicidade.

           A deterioração do material em virtude dos produtos químicos utilizados na limpeza e esterilização, também podem contribuir para um comprometimento da funcionalidade do mesmo 16,17,18. Partindo dessa premissa, admite-se que a funcionalidade dos materiais tais como as propriedades eletrônicas (condutividade elétrica) e mecânicas (tração, fadiga e flexibilidade) diminuem gradualmente com o reprocessamento.

           Os estudos incluídos na presente revisão que validaram a funcionalidade dos materiais, por meio de testes mecânicos e elétricos, demonstraram que a recomendação do número de reutilizações depende na maioria das vezes do tipo de material e fabricante, chegando-se a recomendar duas, cinco ou até mesmo a não indicação de reuso após os testes 16,17,18 .Tais estudos estão apresentados no Quadro 2.

Quadro 2: Distribuição dos estudos experimentais que validaram a funcionalidade dos materiais de uso único. Estados Unidos, Europa, Japão - 2005-2006.

Métodos de validação

 Materiais

Número de reprocessamentos indicados

1) Teste elétrico, teste de torque, teste de tração 16.

1) Cateter de eletrofisiologia

1) Cateteres podem ser reutilizados cinco vezes

2) Teste de perfil de cruzamento, teste de deslizamento, pressão de rompimento do balão, teste de complacência 17.

2) Cateteres de balão para angioplastia coronária percutânea

2) Cateteres podem ser reutilizados duas vezes

3) Teste da performance de penetração do trocater, teste de tração, teste de vazamento de água sob pressão 18.

3) Clipes de endoscopias, trocateres

3) Os materiais não foram recomendados para o reprocessamento

            Pelo exposto no Quadro 2 verificou-se que em dois estudos, as variações nos resultados dos testes mecânicos e elétricos não prejudicaram a reutilização do material no paciente, apesar de ter sido evidenciado um comprometimento da funcionalidade a cada reprocessamento 16,17.Ou seja, à medida que o material foi reprocessado os testes demonstraram uma diminuição da performance do mesmo e a possibilidade  da ineficiência para a realização dos procedimentos clínicos.

           No entanto, o estudo realizado com cateteres de eletrofisiologia concluiu que o comprometimento foi mínimo, não demonstrando perdas mensuráveis da funcionalidade16. Tal fato foi evidenciado ao se comparar os resultados dos testes de tração, elétrico e de torque de um cateter não utilizado no paciente com um reprocessado cinco vezes 16.

           Infere-se com isso, que a disponibilidade de protocolos que demonstrem a realização de testes de funcionalidade que indicam quantas vezes os materiais podem ser reprocessados se faz necessária, pois a certeza do grau de risco que se expõe o paciente reflete a atitude ética dos profissionais diante do mesmo 19 .

           Chama atenção os resultados do estudo que validou o balão dos cateteres de angioplastia, pois apesar de ter detectado a diminuição de sua complacência proporcional ao número de reutilizações, não se verificou mudanças significativas na pressão de rompimento do balão quando comparado o primeiro e o segundo reprocessamento com o não reprocessado 17. No entanto estes dados não podem se estender para os sucessivos reprocessamentos, uma vez que o teste de pressão não foi realizado após um terceiro reprocessamento.

           Além disso, não se deve perder de vista que os cateteres de balão intra-aórtico são proibidos de serem reprocessados no Brasil de acordo com a resolução n0 2605 da ANVISA, considerado assim, um material de alto risco para o paciente, se reutilizado 20.

           Quando foram analisados trocateres e clipes de endoscopias, após um único reuso, houve modificações expressivas que interferiram na funcionalidade dos materiais, como um aumento da força de penetração dos trocateres durante a realização de procedimentos e uma diminuição da força de tensão dos clipes tornando-o mais frágil e vulnerável a quebras 18.

           Assim, a previsão do risco de quebra do material é essencial para a prevenção de eventos adversos nos pacientes. Normas técnicas internacionais e nacionais de materiais, elaboradas para que os fabricantes avaliem qualidade do material, podem ser adaptadas para a realização de testes de validação em materiais reprocessados.

           Para os cateteres intravasculares de uso único, por exemplo, a norma NBR ISO 10555-1 de 2003, recomenda aos fabricantes que um dos ensaios que deve ser feito para a avaliação da funcionalidade do material, é o ensaio de tração 21. Tal ensaio tem sido realizado em estudos experimentais para inferir as características de funcionalidade dos materiais após serem reprocesssados 16,18.

           Nesse contexto, ao decidir-se pelo reprocessamento, é inerente a possibilidade de parceria com a bioengenharia e com laboratórios que disponibilize equipamentos necessários para a validação dos materiais de uso único, uma vez que é essencial a verificação dos mesmos por meio de testes que avaliem o seu desempenho antes de reutilizá-los.

           Ainda que tais parcerias sejam inviáveis para algumas instituições de saúde, sobretudo em virtude das diferenças econômicas e sociais típicas do contexto brasileiro pela sua dimensão territorial, vislumbra-se a possibilidade de que pautados em reflexões a cerca dos riscos inerentes ao reprocessamento novas atitudes possam ser tomadas, frente à validação dos materiais de uso único, viabilizando a relação do custo/benefício, em detrimento à realidade das instituições de saúde, que de uma forma ou de outra, continuarão a reutilizar sem a garantia das mesmas condições de quando foi utilizado pela primeira vez.

Considerações finais

           Na análise geral dos resultados obtidos, constatou-se que um dos desafios da validação dos materiais de uso único esteve relacionado com a conformidade dos resultados de testes e a possibilidade de reutilização.

           Além disso, foi possível verificar que um dos obstáculos à reutilização esteve ligada principalmente às dificuldades impostas ao processo de limpeza dos materiais que apresentavam lumens longos e estreitos, engates, encaixes e balões.

           Uma outra dificuldade apontada foi o controle das condições adequadas de limpeza em virtude da permanência de cargas microbianas viáveis observadas após alguns ciclos de esterilização. Verifica-se a necessidade de uma constante monitorização do processo de limpeza na prática assistencial, reforçando essa técnica como essencial para a qualidade do reprocessamento.

           Conforme os resultados, as limitações da validação dos materiais de uso único referentes à limpeza, esterilização, integridade e funcionalidade, encontradas foram em virtude de que:

           a)Os testes realizados são específicos para cada tipo de material e não podem ser estendidos para todas as categorias de materiais de uso único;

           b)Impossibilidade de determinar números diferentes de reprocessamentos para cada tipo de material, caso a validação não tenha ocorrido de forma completa (limpeza, esterilização, funcionalidade e integridade);

           c)A validação dos materiais de uso único referentes à limpeza, desinfecção e esterilização devem levar em conta a presença de cargas microbianas, endotoxinas e de biofilmes, uma vez que cada um destes fatores podem estar presentes em números diferentes de reprocessamentos e influenciarem no número de reutilizações que serão preconizados ao paciente;

           d)Ausência de parâmetros aceitáveis da quantidade de biofilmes nos materiais de acordo com o grau de invasibilidade no paciente, uma vez que é difícil assegurar a ausência total de resíduos;

           e)Materiais que apresentarem fissuras, arranhões e superfície rugosa podem modificar o número de reprocessamentos estabelecido para um certo tipo de material, uma vez que o desgaste da estrutura polimérica contribui para reter resíduos biológicos e microrganismos;

           f)Dificuldade em se monitorizar resíduos tóxicos de óxido de etileno, que podem contribuir para uma deterioração mais rápida do material, refletindo no comprometimento da funcionalidade;

           g)O comprometimento da funcionalidade do material a cada reprocessamento, é diferente para cada tipo de material e a performance  do mesmo  pode variar à medida que é reutilizado no paciente;

           h)Os materiais reagem de forma diferente ao reprocessamento e muitas vezes, o tipo de procedimento realizado na prática clínica pode contribuir para a diminuição do desempenho do material a ser reprocessado.

           Entretanto, apesar das dificuldades e limitações da validação dos materiais de uso único, a determinação de um número máximo de reutilizações é um parâmetro fundamental na decisão pelo reuso, uma vez que envolve aspectos de responsabilidade ética, legal e assistencial para com o paciente e a instituição de saúde.

           Sendo assim, cabe as instituições a adoção em sua prática clínica de critérios seguros para o reprocessamento que sejam padronizados e monitorados por meio de protocolos que evidenciem que os requisitos específicos um determinado uso estão sendo atendidos. 

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Contribuição dos autores:

- Concepção e desenho: Adriana Cristina de Oliveira, Thabata Coaglio Lucas - Análise e interpretação: Thabata Coaglio Lucas - Escrita do artigo: Thabata Coaglio Lucas - Revisão crítica do artigo: Adriana Cristina de Oliveira, Thabata Coaglio Lucas - Aprovação final do artigo: Adriana Cristina de Oliveira - Colheita de dados: Thabata Coaglio Lucas - Pesquisa bibliográfica: Thabata Coaglio Lucas

Endereço para correspondência: Adriana Cristina de Oliveira. Rua Espírito Santo, 1607, apt. 301. Centro – CEP: 30160-031. Belo Horizonte MG.Tel: (31) 88786554/Fax 34099853. Email: adrianacoliveira@gmail.com.

Notas: Artigo proveniente da dissertação de mestrado em andamento, intitulada provisoriamente como “Validação dos cateteres de hemodinâmica: uma avaliação da funcionalidade e integridade”. EEUFMG. Data provável de defesa: Janeiro de 2009.

 Received: Jan 28, 2008
Revised: Feb 13, 2008
Accepted: Feb 26, 2008