Care provided by nurses to children and adolescents victims of domestic violence: a qualitative research

O cuidado de enfermeiras à criança e ao adolescente vítima de violência doméstica: uma pesquisa qualitativa

 

Dalva Irany Grüdtner 1, Telma Elisa Carraro 2, Marta Lenise do Prado 3, Maria de Lourdes de Souza 4

 

[1]. Enfermeira. Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Enfermagem (PEN) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Docente do Departamento de Enfermagem da UFSC. Membro do Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando; 2. Enfermeira. Doutora em Enfermagem pelo PEN/UFSC. Docente do Departamento e do PEN/UFSC. Líder do Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando; 3. Doutora em Enfermagem. Docente do Departamento de Enfermagem e do PEN/FSC. Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Santa Catarina; 4. Enfermeira. Doutora em Saúde Pública. Docente do PEN/UFSC. Membro do Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando. Coordenadora Geral da Repensul.

 

Abstract:

This research aimed to understand care provided by nurses to children and adolescents, victims of domestic violence. The project has been assessed and approved by the Ethics Committee of the Federal University of Santa Catarina and  the regulation of research with humans was observed. The research was conducted under the qualitative understanding mode of interpretative comprehensive type, based on symbolic interactionism, the data were collected in semi-structured interviews, with 11 nurses working in public health services, hospitals and organs of protection for children and adolescents. The interviews were recorded, transcribed and systematized to avoid the identification of the nurses. The analysis of the results were performed using as reference the theoretical loving care and the concept of domestic violence. The results showed that to recognize the phenomenon is the first action of nurses care. Showed though that to welcome and solidarize with the victims and other people involved, are attitudes of compromise which can help to prevent further attacks and to support the discovery of new ways to live. Care also needs to be done by the nurse, with  interdisciplinary support.

 

Keywords: Domestic violence. Children. Adolescent. Nursing caring.

 

Resumo:

Esta pesquisa teve por objetivo compreender o cuidado prestado pelas enfermeiras a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica. O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina e foi observada a regulamentação acerca de pesquisa com seres humanos. A pesquisa foi conduzida sob a modalidade qualitativa do tipo compreensiva-interpretativa, fundamentada no interacionismo simbólico, os dados foram coletados em entrevistas, semi-estruradas, com 11 enfermeiras atuantes em serviços de saúde pública, hospitalares e em órgãos de proteção a crianças e adolescentes. As entrevistas foram gravadas, transcritas e sistematizadas de modo a evitar a identificação dos enfermeiros. A análise dos resultados foi realizada adotando como referenciais teóricos o cuidado amoroso e o conceito de violência doméstica. Os resultados mostram que reconhecer o fenômeno é a primeira ação de cuidado da enfermeira. Mostram ainda que acolher e solidarizar-se, com as vítimas e demais pessoas envolvidas, são atitudes de compromisso que podem ajudar a prevenir novas agressões e apoiar a descoberta de novos modos de conviver. O cuidado também precisa ser realizado pela enfermeira, com suporte interdisciplinar.

 

Palavras-chave: Violência doméstica. Criança. Adolescente. Cuidados de enfermagem.

 

Resumen:

Esta investigación tuvo por objetivo comprender el cuidado prestado por las enfermeras a niños y adolescentes víctimas de violencia domestica. El proyecto fue apreciado y aprobado por el Comité de Ética de la Universidad Federal de Santa Catarina, pues fue observada la reglamentación acerca de investigaciones con seres humanos. La investigación fue conducida sobre la modalidad cualitativa del tipo comprensiva-interpretativa, fundamentada en la interacción simbólica, los datos fueron colectados en entrevistas, semi-estructuradas, con 11 enfermeras actuantes en servicios de salud pública, hospitalarias y en organismos de protección a los niños y adolescentes. Las entrevistas fueron gravadas, transcritas y sistematizadas de modo de evitar la identificación de los enfermeros. El análisis de los resultados fue realizado adoptando como referenciales teóricos, el cuidado amoroso y el concepto de violencia domestica. Los resultados muestran que reconocer el fenómeno es la primera acción de cuidado de la enfermera. Muestran aún que acoger y solidarizarse, con las víctimas y demás personas involucradas, son actitudes de compromiso que pueden ayudar a prevenir nuevas agresiones y apoyar la descubierta de nuevos modos de convivencia. El cuidado también necesita ser realizado por la enfermera, con soporte interdisciplinario.

 

Palavras-clave: Violencia doméstica. Niños. Adolescente. Cuidados de enfermería.

 

 

 

Introdução

 

A violência é um fenômeno que sempre fez parte da experiência humana, a cada ano seu impacto é sentido por milhões de pessoas, com altos custos na forma de sofrimento, dor, mortes, além das perdas materiais. Por isso desde os anos 80 do último século, trabalhadores da saúde pública, pesquisadores e os próprios sistemas de saúde têm investido esforços e recursos tentando compreender as raízes da violência e controlar suas conseqüências. (1)

Na história, a violência doméstica praticada contra pessoas em desenvolvimento não é um fenômeno novo. Ele é encontrado nas relações entre os seres humanos, desde os primeiros registros dos vários povos. É caracterizado como um fenômeno universal e que ocorre em qualquer classe social, etnia ou religião. (2) Portanto, a violência doméstica contra crianças e adolescentes é uma prática social antiga e histórica, mas que só está ganhando maior atenção em algumas sociedades, na atualidade.

A violência denota uma relação de força entre desiguais, que resulta na dominação e aniquilamento do mais fraco, por não ter condições de oferecer resistência. (3) As lutas pela reconquista dos direitos humanos têm evidenciado que certas relações, em determinadas famílias, configuram altos níveis de violência doméstica.

Crescer e adolescer, por um lado, representam à ampliação dos horizontes, por outro um período de grandes incertezas e pressões. Transpor esse período com o apoio de pais adultos, responsáveis e amorosos já é tarefa árdua. Quanto mais difícil, sofrido, caótico e pernicioso não será, para certas crianças e jovens, viver esse processo acrescido da condição de vítima de violência doméstica? (4)

Investigações realizadas junto a serviços de emergências em saúde, no Brasil, têm demonstrado que o desconhecimento de tal fenômeno, em suas diferentes modalidades e focos, faz voltar a preocupação dos profissionais apenas para os sinais e sintomas, doenças ou lesões. Atitudes como essas têm evitado que casos de violência sejam suspeitados, investigados, registrados, notificados e tratados adequadamente. (1, 5)

Estudiosos do fenômeno da violência (2, 3) têm defendido a necessidade de uma abordagem mais abrangente, incluindo os profissionais de saúde, para compreender que fatores políticos, econômicos, sociais, ecológicos, culturais e históricos se inter-relacionam. Bem como para a atuação interdisciplinar e articulada dos serviços e instituições.

O desconhecimento da complexidade do fenômeno representa riscos adicionais para as vítimas, razão pela qual o atendimento não pode ser solitário. Ele requer o envolvimento e a articulação de profissionais de vários setores, numa atuação sintonizada, procurando superar o fenômeno na sua abrangência, ou seja, o tratamento da vítima, o acompanhamento de sua família, assim como a responsabilização do agressor e o seu tratamento.

As conseqüências da violência doméstica são destacadas (6) sob dois aspectos: primeiro é o sofrimento indescritível que imputa às suas vítimas, muitas vezes silenciosas e, segundo porque pode impedir um bom desenvolvimento físico e mental bem como emocional e cognitivo com manifestações a curto, médio e longo prazo.

A violência doméstica contra criança e adolescente é um fenômeno que tem encontrado relutância em ser enfrentado. A progressão desse fenômeno acontece silenciosamente dentro do “lar”, quando atinge um nível em que seus efeitos necessitem dos serviços de saúde, é a Enfermagem que, em geral, recebe as vítimas. Se o cuidado for prestado de maneira indevida a um ser humano em desenvolvimento que venha sendo submetido à vitimização na sua própria família, estará contribuindo para novas situações de violência. Isto pode acontecer quando o profissional não promover os direitos de segurança, proteção e prioridade de atendimento, previstos em lei para esses seres em desenvolvimento. E, por incompetência, ele pode condená-lo a continuar sofrendo a violência, que é um processo progressivo, e que, por vezes, só termina com a morte da vítima.

A Enfermagem é fundamental para a superação dos problemas associados à violência, por isto mesmo é que esta pesquisa foi desenvolvida, com o objetivo de compreender o cuidado prestado pelas enfermeiras a crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica.

 

 

Metodologia

 

Trata-se de uma pesquisa qualitativa do tipo compreensiva-interpretativa, pois, com ela, é possível a captação dos sentidos simbólicos do fenômeno para o informante, ou dos que este lhe atribui. (7) Ainda é possível captar a percepção de como ocorre esse processo. Foram adotados os conceitos de cuidado amoroso (8-11) e o de violência doméstica (1, 12) como suporte para a compreensão do fenômeno.

O projeto foi apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Santa Catarina, sob o Protocolo nº 165/2003, e observou a Resolução nº. 196. (13) A inclusão dos sujeitos da pesquisa observou os critérios de: 1) a enfermeira trabalhar na instituição de saúde que presta atendimento a vítimas de violência doméstica; 2 - contar com registro de enfermagem acerca do cuidado prestado, as crianças e adolescentes vítimas de violência, no último ano; 3) a enfermeira conhecer os serviços de proteção à família contra violência; 4) a enfermeira aceitar participar da pesquisa.

Os dados foram coletados no período de outubro de 2003 a outubro de 2004, por meio de entrevistas semi-estruturadas, com base nas perguntas formuladas para o estudo: Qual tem sido tua vivência frente ao fenômeno da violência doméstica contra crianças e adolescentes? O que faz uma enfermeira frente a uma criança ou adolescente que foi agredido pelos pais? Estas perguntas foram usadas para estimular os enfermeiros a falar sobre suas práticas e os contatos empreendidos com outros serviços ou setores.

Ao iniciar a entrevista, elas foram informadas do objetivo do estudo e consultadas acerca da autorização para gravação das entrevistas. Após concordarem com a solicitação, elas assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Neste momento foram também informadas de que elas não seriam identificadas na apresentação dos resultados e que, visando preservar a identidade das mesmas seriam aplicados códigos.

O tratamento dos dados constou dos três tópicos: (7) a) Ordenação dos Dados; b) Classificação dos Dados, composta de dois momentos: leitura e apreensão das estruturas e das idéias centrais; e o segundo que surgiu quando as idéias centrais representavam o esboço de cuidado das enfermeiras; e c) Análise Final, que consistiu na aproximação das falas das enfermeiras aos conceitos de cuidado amoroso e violência.

 

 

Resultados e discussão

 

O cuidado de Enfermagem é uma articulação de arte e ciência, “cuidar em enfermagem consiste em envidar esforços transpessoais de um ser humano com outro visando proteger, promover e preservar a humanidade...”. (14:267) O cuidado de Enfermagem compreende ações objetivas, isso implica no desenvolvimento de técnicas e procedimentos, e subjetivas representa a interação entre a enfermeira e o ser humano cuidado se baseia em sensibilidade, criatividade e intuição para cuidar de outro ser

A Enfermagem, como prática social, no dia-a-dia representa o espaço para o resgate do amor no cuidado. O amor é fundamental em todo momento da existência humana, e, que ele é exacerbado ainda mais nas situações de desequilíbrio no processo saúde-doença. (11)

Crianças ou adolescentes vítimas de violência doméstica têm cicatrizes invisíveis, as emocionais, que doem e interferem no estabelecimento de suas relações interpessoais e, às vezes, causam maior sofrimento do que as feridas externas. Podem ser feridas abertas há muito tempo, que estão escondidas sob uma espessa crosta. A remoção desta crosta é difícil e dolorosa, porém é fundamental para a superação. O cuidado amoroso da enfermeira representa o bálsamo que contribui para esta superação.

O amor traduzido em dignidade, direito a ser valorizado, auto-respeito, e esperança no alcance dos sonhos da criança ou adolescente pode ser mobilizado pela enfermeira durante o cuidado. Por esta razão cria o amor em si, e desperta a consciência desse valor que um dia a criança, adolescente ou adulto teve sobre si. É preciso que o trabalho reflita coragem e amor. (9)

No momento em que alguém escolher o amor, seu poder o tornará ativo, forte, sutil, inteligente, flexível, sensível, compreensível, tolerante, sábio, corajoso. (10,11,15,16)

O amor esperado no cuidado de Enfermagem passa também por uma revisão estrutural do contexto da assistência de modo que os Seres, o que cuida e o que é cuidado, possam ambos estar na sintonia amorosa que o cuidado de Enfermagem requer. (11:69)

 

O amor a que se faz referência neste estudo não significa apenas ter comiseração pela vítima ou pelo agressor. Significa um agir competente, responsável, sensível e criativo, conjugando a ciência e a arte, que vai além de técnicas e procedimentos.

As crianças ou adolescentes que chegam ao serviço de saúde na condição de vítimas de violência doméstica, precisam de uma ação amorosa. Essa é a oportunidade em que, uma enfermeira, acolhendo com empatia, mobiliza o amor. Entendendo empatia como “a capacidade de perceber a experiência subjetiva do outro”, (17:50) a profissional ouve, permanece junto, manifesta sua disponibilidade em ajudar, expressa que vê valor na pessoa da vítima e que se importa com sua vida.

O Cuidado das enfermeiras se configura em: reconhecimento dos indícios de violência doméstica, acolhimento, orientação e interação com outros profissionais.

 

 

Reconhecimento de Indícios de Violência doméstica

Indícios de violência em uma criança de meses, como marcas estranhas por todo o corpo, requerem da enfermeira um olhar atento para a realidade e uma fundamentação científica para realizar ponderações sobre, por exemplo, a causa da febre, de uma criança que é levada ao serviço de saúde.

Marcas que a gente encontra na criança. A criança vem com febre, e hematomas na cabeça, no olho, no corpinho [...] Crianças que chegam aqui de uma maneira absurda, perninha quebrada, normalmente filha de mãe alcoólatra... (Enfa (i)).

 

A complexidade de situações de violência doméstica começa pela dificuldade em dar visibilidade ao fenômeno. Ele não se mostra de uma forma clara e sim como um fenômeno mascarado e fugidio. As pessoas, inclusive a vítima, tentam evitar a exposição, por meio de desculpas e negações, afastam a revelação do que acontece no interior da família. As múltiplas formas da invisibilidade do fenômeno ainda têm como característica o silêncio dos membros da família, conforme mostram os comentários a seguir:

A vivência que eu tenho de atendimento à violência é mascarada. Ela nunca chega como uma violência... É na Consulta de Enfermagem que tu acabas descobrindo... Mas, tu só descobres, quando tu tens uma relação de confiança com a comunidade. Os exames clínicos te mostram, mas a pessoa não assume... (Enfa (j)).

 

Você sabe que tem problema ali... No caso das crianças é mais difícil, porque elas não falam... Mesmo o adolescente é muito difícil de você conseguir pegar o fio da meada. [...] Essas coisas acontecem muito na intimidade do lar... (Enfa (a)).

 

Eu acho que os adultos que estão presentes, eles são de certa forma cúmplices, ou por medo, não sei exatamente qual é a razão (Enfa (a)).

 

Sabe, algumas vezes as mães encobrem, e esse é o grande problema. Encobrem por uma série de razões, uma delas por medo, algumas vezes por problema econômico. (Enfa (e)).

 

A detecção da violência exige um olhar atento da enfermeira para além do visível, retratando uma complexa trama em sua gênese, segundo mostra o depoimento a seguir:

Uma menina foi trazida aqui várias vezes, e na última ela veio com sinais de estrangulamento [...] Depois de muito conversar com a mãe, soubemos que esta estava separada do marido, não tinha como deixar de trabalhar. A criança então ficava com a empregada, que tinha um namorado e, de vez em quando, ia visitá-la... A criança passou por vários episódios. Foi feita a denúncia... [...] No final parece-me que realmente era a empregada e o namorado que maltratavam a criança...
(Enfa (d)).

 

Nesse evento, não foram os pais que imputavam violência contra a criança. Mas foi possível perceber a concorrência de vários fatores que poderiam ter desencadeado a violência, tais como necessidades de ordem econômica e social, que levavam a mãe a deixar a filha com outros, pondo em risco a segurança e a vida da mesma.

Assim como é difícil reconhecer esse fenômeno, superá-lo e intervir são igualmente complexos, devido ao entrelaçamento dos fatores intervenientes, como explicitado na fala a seguir:

Daí todos fomos chamados para prestar depoimento na Vara da Família, foi uma coisa assim, a gente que tinha que falar na frente da pessoa, sabe? Do rapaz que tinha feito isso. Ele dizia que não era assim, chegou a ameaçar até essa agente comunitária, que nós estávamos imaginando coisa, que não era nada disso, que ele gostava muito da criança [...] E nós é que ficamos por fofoqueiras. (Enfa (a)).

 

Além de tudo, tem uma questão de impotência do que é feito com essas pessoas que agridem, que tipo de tratamento é dado... Sim, porque essas pessoas se sentem muito poderosas e seguem fazendo isso porque podem fazer, porque não receberão punição alguma... (Enfa (a)).

 

As enfermeiras empreendem uma série de interações e buscam pistas para identificar, por exemplo, no olhar da criança, possibilidades de que sejam vítimas violência dentro da família:

Eu vejo que as crianças que sofreram violência têm um olhar de medo, te olham apavoradas... Não aquele de apavorada porque fez algumas coisas erradas, mas apavorada porque recebeu um tapa, porque a machucaram. Então elas transmitem no olhar o medo de qualquer coisa, às vezes têm medo mesmo até de falar...
(Enfa (i)).

 

 

Acolhimento

 

Acolher comporta a idéia de abrigar, de proteger, com procedimentos simples. Ao instituir que as vítimas de violência doméstica fossem levadas para um lugar reservado, onde pudessem acalmar-se e evitar a propagação de sua história, a enfermeira acolhe a criança sob abalo emocional na direção de mitigar o seu sofrimento.

Eu chegava aqui e via que a criança ficava aguardando ali na frente e ficava um tumulto, porque, querendo ou não, eles conversam entre si, uma mãe pergunta para outra e tal... Então vi que isso estava dando muita repercussão, esse tumulto aqui na frente. A partir daí comecei a pensar: A gente vai ter que mudar esse sistema..., Vamos dar prioridade para esse atendimento. Comecei a pedir para as meninas do atendimento, que quando a mãe disser: "Estou trazendo porque foi vítima de agressão. "... Vocês façam a ficha e com naturalidade levem a criança lá para trás... (Enfa (d)).

 

A profissional adota uma atitude acolhedora, de confiança, com atenção concentrada na criança, a fim de estabelecer um vínculo com a mesma, visando diminuir o impacto da hospitalização:

Se for uma criança pequena, a gente procura acalentar, pegar no colo, mesmo que ela resista um pouco, mas a gente faz carinho, conversa, procura criar um vínculo através do olhar para que ela se sinta tranqüila e mais confortável. Se for uma criança maior, a gente procura sentar, oferecer uma brincadeira para que essa criança relaxe, também sinta confiança. A nossa intenção é trazer a criança para perto da gente, para que ela não sinta ameaça nesse ambiente hospitalar...
(Enfa (d)).

 

A enfermeira acolhe a jovem vítima, para que esta saiba que tem alguém com quem possa contar, mostra as possibilidades de ajuda que ela tem. Isto representa uma atitude que o autor denomina de “valorização do sujeito cidadão ativo e consciente”. (18:183)

Eu acho que assim, o que tem como importante e fundamental, é eu me colocar disponível para poder ajudar a outra pessoa no que ela solicita no momento...
(Enfa (c)).

 

Por ser um fato que produz o aniquilamento da vítima, (3) a ajuda que essa pessoa requer, pode começar por um cuidado de Enfermagem amoroso, ou seja, aquele que acolhe incondicionalmente, não está preso a preconceitos ou julgamentos, mas interessado na situação vivenciada e em encontrar caminhos para a superação. (11, 19)

Assim, ao refletir sobre o cuidado e o amor, percebemos que ora eles se justapõem e ora se tornam imbricados:

Em uma relação de cuidar o profissional de saúde exprime e compartilha seu conhecimento, sua sensibilidade, sua habilidade técnica e sua espiritualidade, elevando o outro, ajudando-o a crescer. O outro, em sua experiência genuína, acrescentará e compartilhará o seu ser, o seu conhecimento, seus rituais, suas características que auxiliaram no processo transcendente de cuidar, contribuindo desta forma no processo de atualização do profissional de saúde, no seu aprimoramento, no seu vir a ser mais. (20:50)

 

 

Orientação

 

A orientação também é uma ação de cuidado de Enfermagem ofertada por meio da interação/ação.

A adolescente que passara a viver na rua, em conseqüência de violência sexual incestuosa, tem a rua como sendo “um local de exposição a sérios riscos e agravos à saúde”. (18:168)

Quando fugia da casa, ela não vinha participar do grupo, eu trabalhava um pouco mais com ela individualmente e, ela se cuidava, para não pegar uma doença sexualmente transmissível... São essas coisas, e até o medo de ela ser morta, por caras que não tão nem aí, pegam, levam para qualquer lugar, fazem o que querem, e não tão nem aí para o que vão fazer com ela, usam e depois largam... (Enfa (h)).

 

A enfermeira orienta a família sobre o procedimento para reparar danos físicos conseqüentes de violência sexual em uma adolescente, ocorridos na infância.

Uma vez atendi ao telefone, uma mãe que queria saber se aqui no hospital faziam a reconstituição do hímen. A filha sofreu um abuso quando era criança, agora era adolescente, estava com 15 anos e namorando...Estavam pensando [...] em ver alguma coisa que pudesse reparar esse mal. Mas, ela não se identificou só falou isso pelo telefone. A gente se colocou à disposição porque não era só esse o encaminhamento, tem um acompanhamento, uma avaliação com psicólogo...
(Enfa (c)).

 

A enfermeira faz orientação da equipe de saúde para intensificar a observação da família sob suspeita e evitar a revitimização.

Criança pequena, até mais ou menos 2 ou 3 anos, por aí, ou então ela aparece com marcas roxas pelo corpo. Nesses casos a gente orienta a agente comunitária para que fique em cima, que vá mais vezes. Eu tive um caso assim também e, aí minha agente começou a ir mais vezes... (Enfa (a)).

 

 

Interação com outros profissionais

 

As enfermeiras prestam cuidados às vítimas de violência doméstica em interação com outros profissionais e acionam apoio de outros setores.

O cuidado as crianças ou adolescentes é compartilhado com os profissionais de instituições de educação.

Fui lá à escola conversei com a diretora. A gente acaba trabalhando em conjunto, né! Eu a chamava assim: Oh! Eu acho que tem que chamar o pai aqui, conversar, ou avisar o órgão de proteção, que está acontecendo isso nessa família... (Enfa (k)).

 

O compromisso das enfermeiras com as crianças e adolescentes, manifesto na busca de outros profissionais para adotar medidas que alivie a tensão nas crianças, resultante de episódios violentos no lar, transparece como o afirmado pelo autor: quem ama tem interesse, e compreensão. (8) É fundamental a enfermeira intermediar com outros profissionais, a necessidade de cuidado do ser humano, como destaca a autora. (15)

Se o enfermeiro não vê, o outro profissional não fica sabendo... Porque é o enfermeiro que está 24 horas por dia. É ele quem está vendo e observando com um olhar mais crítico, mais direcionado para família, para clientela que é a criança e a mãe, no caso... Então é a gente que observa, tenta solucionar o que a gente pode e, o que não pode, a gente (Enfa (e)).

 

Um dos autores consultados salienta “que os serviços de saúde não são a solução para o problema da violência”, mas o setor pode apoiar a criação e a articulação entre as iniciativas já existentes, e transformar o atendimento de vítimas de violência na emergência, num espaço de prevenção secundária da violência na família. (21:173)

Como um fenômeno de múltiplas causas, sua superação requer atuação multiprofissional e dos diferentes setores do governo, sociedade civil, comunidade e organizações não-governamentais, adequadamente articulados. (22, 23)

 

 

Comentários Finais

 

Embora a enfermeira esteja atenta às necessidades específicas das crianças e adolescentes e, a despeito do governo ter criado leis e projetos destinados a zelarem pela proteção das crianças e adolescentes vítimas de violência dentro da família, como por exemplo, o Programa Sentinela, (24) ainda há dificuldades para prestar o cuidado e acompanhar as vítimas.

As dificuldades estão relacionadas aos obstáculos para identificar a violência, particularmente, quando as vítimas não falam sobre as mesmas, embora conheçam o agressor. A enfermeira precisa desenvolver competência para captar as pistas que sinalizam a possibilidade de violência, por meio do olhar, do choro, das marcas no corpo e da febre. Identificar sinais de violência é o primeiro e mais difícil componente do cuidado de enfermagem. Isto porque, a violência assusta a todos e nem sempre é possível manter um distanciamento do evento para enfrentá-lo. A enfermeira trabalha na Unidade Local de Saúde e, assim, convive com a comunidade e as vítimas da violência e com os agressores, inclusive correndo riscos.

Outra dificuldade é, também, a capacidade instalada do serviço que nem sempre oferece condições para acolher adequadamente às vítimas da violência. (25) O cuidado de enfermagem às crianças e adolescentes vítimas de violência precisa ser realizado em local adequado para preservar a identidade das vítimas, evitar conflitos na presença de outros usuários do serviço, prevenir possíveis agressões ao enfermeiro e atos que possam comprometer a segurança de pessoas que buscam assistência na Unidade Local de Saúde.

Finalmente, a enfermeira precisa conhecer os recursos existentes na comunidade para diante dos limites de sua própria competência buscar a ajuda de outros profissionais ou serviços, reconhecida como necessária durante o cuidado.

 

 

 

Referências

 

1.   Krug EG, Dahlberg LL, Mercy JA, Zwi AB, Lozano R. Editors. World report on violence and health. Geneva: WHO; 2002.

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3.   Minayo MCS. Organizador. Violência sob o olhar da saúde: a infrapolítica da contemporaneidade brasileira. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 2003.

4.   Policarpo DN, Teixeira KR, Chaves KLF, Vieira LS, Grüdtner DI, Pereira SM. Aprender a cuidar-se ajuda a minimizar os danos da violência sexual: relato de experiência. Ciênc Cuid Saúde 2003;2(2):187-192.

5.   Deslandes SF. Prevenir a violência: um desafio para profissionais de saúde. Rio de Janeiro: FIOCRUZ; 1994.

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8.   Fromm E. A arte de amar. Belo Horizonte: Itatiaia; 2000.

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10.  Buscaglia LF. Amor: sobre a maior experiência da vida. 22 ed. Janeiro: Nova Era; 2002.

11.  Valverde MMM. Assistência às adolescentes grávidas: um desafio amoroso à enfermagem [Tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 1997. 184f.

12.  Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Políticas de Saúde. Violência doméstica: orientações para prática em serviço. Brasília: Ministério da Saúde; 2002. (Série Cadernos de Atenção Básica; n. 8.).

13.  Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196, de 10 de outubro de 1996. Estabelece os requisitos para realização de pesquisa clínica de produtos para saúde utilizando seres humanos. D.O.U.; Poder Executivo (16 de outubro de 1996).

14.  Souza ML, Sartor VVB, Padilha MICS, Prado ML. O cuidado em enfermagem: uma aproximação teórica. Texto & Contexto Enferm 2005 abr/jun;14(2):266-70.

15.  Grüdtner DI. Violência Doméstica contra a criança e o adolescente: reflexões sobre o cuidado de enfermeiras. [Tese]. Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 2005. 208f.

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23.  Charon JM. Sociologia. 5 ed. São Paulo: Saraiva; 2002.

24.  Brasil. Tribunal de Contas da União. Relatório de avaliação do programa: programa de combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Brasília: TCU/SFAPG; 2004.

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Contribuição dos autores:

Dalva Irany Grüdtner - Concepção e desenho, pesquisa bibliográfica, coleta de dados, análise e interpretação, redação e composição e aprovação final do artigo.

Telma Elisa Carraro – Sistematização dos dados, escrita do artigo, formatação inicial e revisão de bibliografia e aprovação final do artigo.

Marta Lenise do Prado - Revisão crítica do artigo e aprovação final do artigo.

Maria de Lourdes de Souza - Composição, revisão crítica, correções para formato de publicação, revisão final do inglês e formatação de bibliografia.

 

 

Endereço para correspondência:

Grupo de Pesquisa Cuidando e Confortando – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Saúde, Departamento de Enfermagem. Campus Universitário – Bairro Trindade. CEP: 88040-900 – Florianópolis/SC – Brasil. Telefone: (48) 3721-9480 - Ramal: 9399 - Fax: (48) 3721-9787.

Received: Dec 5, 2007
Revised: Feb 17, 2008
Accepted: Mar 25, 2008