Facilities and difficulties observed by nurses in assisting families

Facilidades e dificuldades percebidas por enfermeiros na assistência à família.  

 

Sonia Silva Marcon1, Mislaine Casagrande de Lima Lopes2, Mariana Bovo Lopes3.

1Universidade Estadual de Maringá, Maringá,PR, Brasil; 2 Mestrado em Enfermagem – Universidade Estadual de Maringá, Pr, Brasil; 3 Graduação em Enfermagem Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR, Brasil.   

Abstract: The present descriptive study, of a qualitative nature, had as objective to investigate the facilities and difficulties faced by Basic Care professionals when working with families. Data was collected from September to December of 2006, from 11 nurses working in nine basic care units in the city of Maringá, Paraná State, Brazil, using semi-structured interviews. The results showed that, although all nurses consider family assistance to be important, only slightly more than half (54.5%) feel prepared to work with families. Of those who do not feel prepared, most attribute it to the lack of specific training, as this theme is not approached during professional training and refresher programs, or is done only in a superficial manner. The home visit is considered to be the main tool to the fulfillment of this care, which is currently still too focused on the sick person. The main facilitating factor in this assistance is the bond between the nurse and the families, and the main difficulties are: the large number of visits to be made by the nurse, the distance between the care unit and the coverage area (associated with a lack of motor vehicles for transportation to these families' homes), and incomplete teams. It was concluded that the city must invest more in the training of nurses and other members of the Family Services team, as well as in the structuring of service, in order to promote the creation of a professional/patient bond – which is fundamental when working with families. 

Keywords:  Family nursing; nursing care; nurse-patient relations; primart health care; family health; family health program.  

Resumo: Estudo descritivo exploratório, de natureza qualitativa, que teve por objetivo investigar as facilidades e dificuldades que enfermeiros que atuam na Atenção Básica enfrentam na assistência à família. Os dados foram coletados no período de setembro a dezembro de 2006 junto a 11 enfermeiros atuantes em nove unidades básicas de saúde do Município de Maringá – PR, por meio de entrevistas semi-estruturadas. Os resultados demonstraram que apesar de todos os enfermeiros considerarem a assistência à família importante, pouco mais da metade (54,5%) se consideram capacitados para um trabalho com famílias. Os que não se consideram, atribuem isto à falta de treinamento específico, já que esta temática não é ou é abordada superficialmente nos cursos de formação e atualização profissional.  A visita domiciliar é considerada o principal instrumento para a realização desta atenção, a qual ainda é muito centrada na pessoa doente. O fator que mais facilita esta assistência é o vínculo entre enfermeiro e famílias, e as dificuldades são: elevado número de visitas as serem realizadas, distância entre a unidade e área de abrangência associada à inexistência de veículos para a locomoção até os domicílios e equipes incompletas. Conclui-se que o município precisa investir mais na capacitação de enfermeiros e demais profissionais da ESF e na estruturação do serviço, de forma a incentivar a formação de vínculo profissional/paciente – fundamental para o trabalho com famílias.  

Palavras-chave: Enfermagem familiar; assistência de enfermagem; relações enfermeiro-paciente; atenção básica à saúde; saúde da família; programa saúde da família.  

Introdução

            A família é a unidade social aproximadamente conectada ao paciente através do amor, podendo ou não ter laços legais ou de consangüinidade1. Neste contexto, o paciente é um segmento da família e esta é de vital importância para a recuperação do mesmo, sendo portanto, necessário atender às reais necessidades da família, e não só do paciente.

            A família, em seu processo de viver, constrói um mundo de símbolos, significados, valores, saberes e práticas, em parte oriundos de sua família de origem e do seu ambiente sociocultural e, em parte, decorrentes do viver e do conviver da nova família em suas experiências e interações cotidianas intra e extra-familiares2, o que inclui as interações com os profissionais de saúde.            

            Em resposta a esta perspectiva, o Ministério da Saúde criou, em 1994, o Programa de Saúde da Família (PSF), com vistas a uma reorganização da atenção básica, tendo como objetivo melhorar a saúde da população, por meio de um modelo assistencial que reafirma e incorpora os princípios básicos do SUS - universalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade - e que se alicerça sobre três grandes pilares: a família, o território e a responsabilização, além de ser respaldado pelo trabalho em equipe3.

            A família, nesta estratégia, cosntitui o foco da atenção e por isto deve ser entendida de forma integral e em seu espaço social; ou seja, a pessoa deve ser abordada em seu contexto socioeconômico e cultural e reconhecida como sujeito social portador de autonomia, reconhecendo-se que é na família que ocorrem interações e conflitos que influenciam diretamente a saúde das pessoas.

O programa prevê que o profissional tenha compreensão de aspectos relacionados à dinâmica familiar, ao seu funcionamento, às suas funções, ao seu desenvolvimento e às suas características sociais, culturais, demográficas e epidemiológicas. Isso requer dos profissionais uma atitude diferenciada, pautada no respeito, na ética e no compromisso com as famílias pelas quais são responsáveis, mediante a criação de vínculo de confiança e de afeto3.  

            No cenário dos serviços de saúde, após a implantação do PSF, muitas mudanças foram realizadas, o que possibilitou algumas melhorias na assistência. Entretanto, muito há ainda por fazer no que se refere às estratégias de abordagem e atendimento à família. Esse novo modelo de assistência supõe envolvimento dos integrantes das equipes com a população de seu território de abrangência, para que seja criado um vínculo entre a família e a equipe, de modo que as equipes possam planejar e executar ações voltadas para a resolução de problemas dos usuários4.  

Para isto, o processo de trabalho deveria ganhar contornos específicos e o profissional deveria ter qualificação e perfil diferenciados, já que a ênfase da assistência não está nos procedimentos técnicos, mas sim, na inter-relação equipe/comunidade/família e equipe/equipe5, visto que a família é, antes de tudo, um corpo social em que prevalece a rede de relações e de interações, que possui crenças que são manifestadas em um espaço cultural, e a sua saúde deve ser entendida no contexto das relações entre seus membros, tanto sadios como doentes, em vista da influência da saúde do indivíduo no grupo familiar e vice-versa6.

Neste contexto, para que um trabalho seja denominado de cuidado familiar, é necessário que o profissional tenha conhecimento acerca desse universo que é a família, pois cuidar implica na capacidade de entender e atender adequadamente às necessidades do outro. Nesses casos, não basta boa intenção, é necessária uma revisão de postura e inclusive reflexão sobre o conceito de conhecimento7, o qual não deve se restringir ao que é verbalizado. Por essa razão, para conhecer a família é preciso, além de saber ouvir, ser sensível o suficiente para enxergar nas entrelinhas e conhecer o que está implícito.

Para alguns, a postura do profissional diante da família, tem sido colocada em termos de “estar com a família8, para oferecer apoio e suporte, seja em situações de saúde seja de doença, envolvendo respeito à cultura, conhecimentos e práticas da família; para outros, é definida a partir da concepção da família sob o aspecto de co-participante do processo de cuidar9.

Ao adotar essa concepção o profissional, além de assegurar a participação da família na definição e no planejamento da assistência, passa a atuar com vistas a instrumentalizá-la para tomar decisões relacionadas com a saúde e com a doença de seus membros. Isso envolve informar, discutir, compartilhar e negociar com a família os aspectos diagnosticados que interferem em seu processo de ser/estar saudável, bem como ações e estratégias que possam contribuir para reverter, quando necessário, a situação encontrada9.

Assim, considerando que um dos alicerces do trabalho do PSF é a família, que os seus propósitos não são contraditórios aos que têm sido identificados na literatura de enfermagem sobre um trabalho com família10, e levando em conta também a preocupação de enfermeiros em realizar uma assistência que aborde o trabalho com a família no contexto da Atenção Básica, propomo-nos a realizar o presente estudo, visando responder a seguinte questão: “Qual é a percepção de  enfermeiros que atuam na atenção básica sobre sua competência para o trabalho com famílias?”. Assim, definimos como objetivo do estudo: investigar, a partir da opinião de enfermeiros que atuam na Atenção Básica, quais as facilidades e dificuldades para atuar junto às famílias.  

Metodologia 

Trata-se de um estudo descritivo e exploratório, de natureza qualitativa, realizado junto a enfermeiros que atuam na Atenção Básica do município de Maringá – PR.

O PSF foi implantado no município de Maringá em 1999, inicialmente com 07 equipes. Atualmente existem 64 equipes, distribuídas nas 23 unidades básicas de saúde (20 na zona urbana, duas nos distritos e uma na zona rural) pertencentes a 5 regionais de saúde, que atendiam 75.746 famílias, o que significa uma cobertura populacional de 82%.

Para a realização do estudo, foram selecionadas por conveniência nove UBS, todas localizadas na área urbana. Fizeram parte do estudo 11 enfermeiros atuantes nestas UBS que tinham disponibilidade e concordaram em ser entrevistados nos dias destinados à coleta de dados em cada UBS.

A coleta de dados foi realizada no período de outubro a dezembro de 2006, por meio de entrevistas semi-estruturadas, realizadas no próprio local de trabalho, sendo em sua maioria previamente agendadas. Tendo em vista uma maior agilidade e interação entrevistador/entrevistado, os relatos foram gravados, com o consentimento dos entrevistados.

O instrumento utilizado na coleta de dados foi um roteiro constituído de questões abertas, elaborado pelos próprios pesquisadores, o qual foi submetido à avaliação aparente e de conteúdo por  três peritos. Ele está constituído de duas partes: a primeira contém questões objetivas relacionadas à identificação das características sociodemográficas; a segunda é constituída de oito questões abertas sobre o conceito de família e de saúde da família e da prática do trabalho com famílias, que incluía citação e descrição das atividades realizadas e das técnicas e instrumentos conhecidos e utilizados. Os dados obtidos foram tratados segundo a análise de conteúdo11. Procedeu-se, então, à categorização, que consistiu em isolar os elementos do discurso e impor certa organização às mensagens, investigando o que cada um tem em comum com o outro, ou então, isolando-os segundo os temas propostos previamente (conceito de família e atividades realizadas).

O estudo obedeceu aos preceitos éticos de pesquisa com seres humanos disciplinados pela Resolução 196/9612, e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Maringá (Parecer nº 084/2006). A solicitação de participação no estudo foi feita pessoalmente, ocasião em que foram informados os objetivos do estudo, tipo de participação desejado e tempo provável de duração da entrevista. Também foi assegurado aos participantes o livre consentimento e a liberdade de desistir da participação, se em qualquer momento o desejassem, sigilo quanto às informações prestadas e anonimato sempre que os resultados da pesquisa fossem divulgados. Todos os informantes que concordaram em participar do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido em duas vias. 

Apresentação e discussão dos dados 

Conhecendo os enfermeiros em estudo 

Foram entrevistados 10 enfermeiros integrantes de equipes de PSF e um que atualmente é chefe de unidade básica de saúde, mas que já atuou como membro do PSF. O tempo de atuação neste programa variou de 1 a 7 anos (média de 5,8 anos). Quatro enfermeiros possuem especialização em saúde da família e todos referiram ter participado de cursos introdutórios de saúde da família e que participam da maioria dos cursos oferecidos pela Secretaria de Saúde, independente da temática destes cursos. Referiram ainda que se baseiam na experiência que possuem para fundamentar sua atuação profissional.

Somente três enfermeiros referiram ter vivenciado alguma experiência na área de saúde da família durante a graduação, ou seja em sua formação profissional. Dois deles referiram que esta experiência ocorreu em situações de estágios curriculares, sala de aulas e participação em projetos de extensão, sendo que os dois possuíam menos de cinco anos de formados. O terceiro enfermeiro mencionou que sua experiência durante a formação restringiu-se à participação em algumas palestras isoladas, sem qualquer experiência prática.

                       [...] na graduação a gente teve algumas oficinas em relação à saúde da família (Enf 5). 

            Quando questionados sobre como percebem sua qualificação para o trabalho com famílias, contatamos que seis enfermeiros se consideram capacitados para assistir o grupo familiar, o que atribuem ao tempo de experiência, à realização de cursos de capacitação e pós graduação e pela atualização constante nos programas em saúde da família:

Acho que sim, porque eu estudei... (Enf 3).

Acredito que sim, porque eu tenho disponibilidade e vontade, e apesar de não ter capacitação de PSF, eu tento me atualizar nos projetos e programas que são direcionados para este grupo (Enf 6). 

Eu acredito que sim, depois de seis anos de experiência... (Enf 7). 

Os demais enfermeiros não se julgam capacitados para este tipo de trabalho e justificam esta percepção pela falta de um referencial teórico, ao excesso de atividades pelas quais são responsáveis e também pela falta de apoio:

Não, devido ao número de atividades e ao número de problemas levantados... (Enf 9).  

[...] eu acho que o capacitado é meio relativo, porque a gente tem vontade de fazer, mas falta instrumento, falta conhecimento... (Enf  4).  

Observa-se que apesar de todos os enfermeiros já terem participado de cursos introdutórios e de atualização em PSF, o Enf4 se ressente da falta de instrumentos e conhecimentos específicos na área de saúde da família. Isto provavelmente se deve ao fato de que nos cursos introdutórios ainda é observada uma escassez de conteúdos específicos sobre a temática família e, além disso, nestes cursos há a ênfase em conteúdos técnicos voltados para a doença, o que tem levado alguns autores a considerar que o modelo assistencial/individual/uniprofissional ainda predomina nos serviços de saúde, dificultando a efetivação dos princípios do PSF6. Conclui-se que as capacitações em PSF podem não ser suficientes por não permitirem a compreensão exata de como funciona o programa e que muitas vezes o treinamento não é suficiente para introduzir o trabalho justamente por não oferecer visualização mais prática6

A importância da assistência à família sob o enfoque dos enfermeiros

Todos os enfermeiros consideram importante a abordagem familiar durante a assistência, pois reconhecem que ter a família como foco do cuidado, amplia a visão do problema presente no seio familiar, além de facilitar o repasse de informações, o conhecimento da estrutura da família e favorecer a participação de seus membros no cuidado:

                [ ...] eu considero a assistência à família importante. A saúde da família tem que olhar a família inteira para ver os problemas que ela tem... (Enf 3).

Os profissionais consideram importante a realização conjunta de cuidados com o doente, pois esta prática pode favorecer e melhorar a saúde dos próprios familiares, já que em alguns momentos, o cuidado envolve a mudança de hábitos para práticas mais saudáveis. Entretanto, esta mudança precisa ser encarada pelos familiares como algo benéfico para sua saúde, e para o reconhecimento disso é preciso haver a orientação e apoio dos profissionais de saúde. Estes fatores podem ser um meio de ajudar a família a se sentir mais segura e apoiada para a realização do cuidado. O diálogo, a atenção à família, o conhecimento de todos os membros e a participação de toda a equipe de saúde na assistência são fatores que foram considerados como formas de fortalecimento do grupo familiar.

Nesta questão de participação da família no cuidado ao membro doente, verifica-se que os enfermeiros percebem que algumas famílias investem todas as suas forças neste cuidado e estas, segundo eles, geralmente são as mais estruturadas. Este tipo de família é vista com bons olhos pelos profissionais, pois elas facilitam o trabalho dos profissionais ao mesmo tempo em que permitem que resultados satisfatórios sejam observados.

[...] a família tem que estar estruturada. Uma família que não é estruturada, por exemplo, se você passa... um medicamento, uma terapêutica, tipo  uma dieta, ele não vai fazer porque a família não está fazendo.... Se ninguém ajuda-lo, não adianta nada...(Enf 3).                                              

Em alguns casos, se a família não faz pelo paciente, vai ficar sem fazer, sem tomar o remédio, então não tem mesmo como sarar, como melhorar aquela condição (Enf  1).           

            No relato do Enf 3 observamos que apesar de uma visão um tanto quanto preconceituosa, esta não deixa de ser verdadeira, uma vez que o cuidar de um membro doente exige muito da família e o fato de ela ser estruturada pode ser um fator positivo, na medida em que, pelo menos teoricamente,   facilita a divisão de tarefas. Nos relatos a seguir, observamos que Enf 6 e Enf 7  reconhecem a multiplicidade de arranjos e modos de agir das famílias como eventos que podem agravar ou gerar situações de doença. Reconhecem também que este comportamento é fruto de suas próprias concepções e da importância que atribuem a cada um de seus membros, à união familiar em todos os momentos de seu viver e à qualidade das relações intra-familiares.  

Depende muito de família para família. Tem família que se importa com seus entes (...) e buscam juntos uma melhor qualidade de vida e uma melhor assistência conjunta. Já outros não pensam assim. Muitos pais abandonam a família (...) filhos abandonam os pais e tem muito idoso que não está tendo assistência da família (Enf 6). 

Não só a família, pois eles podem ser cuidadores e, de repente, propiciadores da própria doença (Enf 7).  

Na concepção de alguns enfermeiros, quando não existe este sentimento de valoração das relações no seio familiar, surge o descuidado familiar, o qual pode manifestar-se por meio do abandono da família ou da transferência de responsabilidades ao profissional:

O que a gente tem visto é que tem famílias que abandonam seus entes na maioria das vezes (Enf 2). 

[...] é terrível, porque eles acham que nosso papel não é cuidar, é segurar o doente, que é obrigação nossa ficar com o doente, e eles não tem responsabilidade nenhuma (Enf 5). 

             Observamos no relato de Enf 5 que os profissionais sentem–se sobrecarregados com a atitude de algumas famílias que querem, segundo eles, repassarem a responsabilidade do cuidado do membro doente para o serviço de saúde, mais especificamente para os profissionais de saúde. Não podemos, no entanto, deixar de considerar que se isto ocorre, trata-se de casos isolados. Vários estudos têm apontado que na maioria das vezes as famílias querem cuidar de seu membro doente, embora nem sempre possuam condições para isto, já que o cuidar em alguma situações exigem dedicação exclusiva, disposição física entre outros. Apesar disto, e inclusive muitas vezes sem qualquer apoio institucional, a família é a responsável pela continuidade do cuidado até a completa recuperação da  saúde ou, quando esta não é possível, com a extensão crônica da doença e suas conseqüentes seqüelas. As famílias muitas vezes têm dificuldades para cuidar, desconhecem sobre a doença e sentem insegurança por não saber lidar com o desconhecido, com situações estressantes e inusitadas. Podem ainda ter dificuldade para manifestar seus medos e dificuldade e isto ser mal interpretado pelos profissionais. Assim, na estratégia de saúde da família deve existir uma disposição dos profissionais para detectar os problemas que envolvem o cuidado em cada família, de forma que sua atuação seja no sentido de orientar e apoiar a família em suas necessidades, possibilitando assim que o processo de cuidar se desenvolva de forma harmônica e tranqüila, especialmente para os cuidadores:

Todo mundo é co-responsável pelo cuidado do outro de que se tem um problema de saúde. Tem que mudar todo o ritmo da família. Então o nosso papel é de dar apoio, orientar...  (Enf 4). 

Observa-se no relato de Enf 4 que os profissionais consideram importante a realização conjunta de cuidados com o doente, pois esta prática pode favorecer e melhorar a saúde dos próprios familiares, já que em alguns momentos, o cuidado envolve a mudança de hábitos para práticas mais saudáveis. Entretanto, esta mudança precisa ser encarada pelos familiares como algo benéfico para sua saúde, e para o reconhecimento disso é preciso haver a orientação e apoio dos profissionais de saúde. Estes fatores podem ser um meio de ajudar a família a se sentir mais segura e apoiada para a realização do cuidado. O diálogo, a atenção à família, o conhecimento de todos os membros e a participação de toda a equipe de saúde na assistência são fatores que foram considerados como formas de fortalecimento do grupo familiar.             

Fazendo assistência de enfermagem à família: como isto acontece 

Para os enfermeiros em estudo, as visitas domiciliares respondem pela maioria dos momentos ou situações em que ocorre a assistência à família, embora quatro enfermeiros tenham sido enfáticos ao afirmarem que durante o atendimento domiciliar não assistem a família como um todo. Os demais consideram que assistem a família, pois referem que o atendimento e cuidados se estendem a todos os seus componentes:

Sim, a família inteira, desde o pequenininho até o mais velho... (Enf 3). 

 Eles também consideram que as ESF em geral utilizam a visita domiciliar para conhecer a família. Este fato, ao mesmo tempo em que reforça a importância da visita enquanto instrumento de trabalho das ESF, destaca a necessidade de estes profissionais não limitarem sua atuação apenas dentro da unidade de saúde.  

De fato, a VD tem sido considerada um instrumento de intervenção fundamental da estratégia de SF, utilizado pelos integrantes para conhecer as condições de vida e de saúde das famílias sob sua responsabilidade13. No entanto, alguns autores14 consideram que apesar de eficaz para conhecer a realidade familiar, pode se apresentar como um método bastante dispendioso, visto que se deve dispor de recursos humanos especializados e o custo de locomoção também é bem alto.

 Por outro lado, um enfermeiro referiu que, embora a visita constitua uma possibilidade de atendimento integral à família, esta, em muitos casos, tem se tornado um prolongamento do consultório, onde é visto somente o indivíduo e sua condição de saúde, sem abordar com profundidade questões familiares:

A gente tem dado o enfoque mais para a pessoa, e não para a família como um todo, no sentido de estar verificando a saúde de todos os membros. A gente tem um paciente acamado e a gente vai ver o paciente acamado e não faz consulta para todos. E a gente tem noção de que se a pessoa tem condição de vir até a unidade, ela venha até a unidade (Enf 3).  

Este fato pode revelar que as práticas assistenciais ainda estão voltadas para o indivíduo, e não ao coletivo familiar. Normalmente as atividades desenvolvidas por enfermeiros junto às famílias são de caráter assistencial e se manifestam predominantemente por meio de orientações no âmbito preventivo, o que torna imperativo o estímulo a uma prática mais avançada, que considere tanto as necessidades e o estado de saúde dos indivíduos que compõem a família como seu funcionamento, sua estrutura e suas funções6.  

A visita domiciliar é um instrumento que permite ao profissional da saúde interagir com o meio em que o individuo vive, observar e conhecer sua realidade15. A presença do profissional de saúde nos domicilios é percebida pelas famílias como uma importante ajuda emocional, envolvendo apoio e companheirismo16. Isto porque o ir ao domicilio e verificar in loco a realidade vivenciada pela família facilita a delimitação de metas e objetivos a serem traçados para minimizar as dificuldades da família, assim como no planejamento de cuidados necessários e condizentes com a realidade. Cabe ressaltar no entanto, que isto será mais facilmente alcançado se a metodologia de assistência no domicilio pautar-se no principio que concebe a família como co-participante do processo de cuidar – respeitando suas crenças e valores – e no estabelecimento do relacionamento terapêutico com a família16.

            De qualquer forma, os enfermeiros consideram que o desenvolvimento da assistência à família pode ocorrer de forma mais eficaz dentro do domicílio, visto que nas unidades de saúde, a ênfase é na atenção individual, o que torna difícil uma abordagem familiar:

Na unidade é difícil, mas quando a criança vem com o pai ou a mãe, a gente dá uma orientação em relação a vacina, medicamento.... (Enf  11). 

Neste relato é possível perceber que a assistência à família pode estar sendo considerada como somente o repasse de informações aos acompanhantes familiares. Esta atitude pode caracterizar-se como uma visão reducionista da assistência familiar, que engloba o atendimento a outras necessidades da realidade das famílias.

Para assistir a família, o enfermeiro e demais profissionais devem compreendê-la de forma integral e sistêmica, como o espaço de desenvolvimento individual e de grupo, dinâmico e passível de crises. Deve conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com ênfase nas suas características sociais, econômicas, culturais, demográficas e epidemiológicas, e identificar os problemas de saúde e as situações de risco mais comuns às quais aquela população está exposta3 .

A literatura tem apontado alguns benefícios de se trabalhar com famílias, dentre os quais se destacam a maior facilidade de acesso e de aceitação das orientações realizadas. Estes dois aspectos revelam que família e profissionais saem ganhando, pois a intimidade, a confiança e o vínculo estabelecido com as famílias favorecem a qualidade da assistência, e como conseqüência, entre outros aspectos, resulta em maior gratificação pessoal e profissional6. 

Facilidades e dificuldades para assistir a família. 

Assistir a família e o coletivo é algo novo e desafiante para os profissionais de saúde. Cuidar da família, de uma forma geral, não é uma tarefa fácil, porém, a boa vontade e a percepção e reconhecimento de que a família tem sua própria maneira de cuidar e que isso deve ser respeitado, pode ajudar a delinear o enfoque do trabalho e seu sucesso. Conhecer os valores da família, suas crenças e costumes, facilita a construção de uma assistência digna e individualizada. Neste contexto, o profissional precisa levar em consideração que as necessidades mudam de pessoa para pessoa, principalmente em relação ao contexto em que elas estão vivendo17.

Para o atendimento domiciliar, o enfermeiro precisa envolver-se plenamente, pois exige um planejamento atento das ações, com base nos objetivos assistenciais, no diagnóstico da saúde, e também, nas condições familiares e da própria residência sob as quais se encontra o paciente18

Na percepção dos enfermeiros em estudo, as facilidades para se assistir a família se confundem com as vantagens desta assistência e nestes casos, sobressai o conhecimento da realidade familiar, o qual por sua vez, favorece a resolução de problemas e a ampliação do vínculo família/profissional.

Em relação ao conhecimento da realidade familiar, um enfermeiro declarou que assistir a família possibilita uma visão mais ampla do cotidiano familiar, fornecendo inclusive subsídios para uma melhor compreensão da origem da doença na família, facilitando seu tratamento e abordagem na unidade de saúde:

É você ter uma visão global de como a família se situa, como ela age, dos problemas que são relacionados a cada um de seus membros e a inter-relação destes problemas... (Enf 6). 

Outro referiu que, ao se conhecer melhor a realidade familiar, pode-se ter maior facilidade para planejar a assistência e propor modos de forma que os próprios familiares possam resolver seus problemas:

[...] principalmente você conhece a realidade, a situação financeira, e você pode planejar a assistência de acordo com o que você viu... (Enf 7).   

Além disso, o conhecimento da realidade familiar possibilita o planejamento de ações e acompanhamento da saúde de todos os membros da família. Neste sentido é importante destacar a importância de se trabalhar em equipe para garantir a continuidade e acompanhamento das ações desenvolvidas, além de promover maior envolvimento com os familiares19

Um dos enfermeiros referiu que a abordagem familiar facilita o enfrentamento de problemas e amplia as possibilidades de sua resolução, na medida em que as responsabilidades são dividas entre os profissionais e entre estes e a família :

[...] quando você vai abordar a família e o doente dentro do conteúdo da família, você tenta resgatar estes cuidados, que ele passa a ser não só do profissional de saúde, como demais pessoas envolvidas nesse processo (Enf 8). 

            Com relação a este aspecto, é importante destacar que um dos pressupostos da atenção familiar é que a relação entre o profissional e o usuário deve estar pautada nos princípios da participação, da responsabilidade compartilhada, do respeito mútuo e da construção conjunta da intervenção no processo saúde-doença13.    

O atendimento domiciliar, segundo dois enfermeiros, favorece o estabelecimento de um vínculo de confiança entre profissional e família.  

As facilidades em assistir a família são: tempo de atuação na mesma área e o vínculo com as famílias... (Enf 10). 

Durante a assistência, o profissional se envolve com a família... (Enf 11). 

Entretanto, os profissionais consideram que alguns fatores têm prejudicado a realização desse trabalho, tais como o número de visitas a serem realizadas e a dificuldade de deslocamento da unidade para a área de abrangência:

[...] a gente não tem carro, é só uma vez por semana. Que nem eu trabalho numa área que é um pouco mais longe. As vezes a gente vai a pé, só que não dá pra ir todo dia (Enf 4). 

Ainda referente às dificuldades para um trabalho com família, os enfermeiros fizeram referência a outros aspectos, sendo alguns, relacionadas com a estrutura oferecida pelo serviço de saúde e outros à própria organização e atitudes da família, como por exemplo, a falta de adesão da família ao tratamento medicamentoso e/ou orientações:

[...] a gente tem famílias que não aceitam, tem famílias que não seguem as orientações que a gente dá... (Enf 5).  

            Outras dificuldades referidas estão relacionadas ao imediatismo da família para a resolução dos problemas e à dificuldade para se comunicar com todos os membros familiares, bem como a percepção da falta de uma união familiar:

A dificuldade hoje é a questão da família que tem se quebrado, muitas separações, muitas pessoas idosas morando sozinhas, os filhos tentando melhor emprego em outro espaço e deixando os idosos sozinhos...(Enf 2). 

Já em relação às dificuldades referentes à estrutura do serviço, verifica-se que muitas delas afetam diretamente o trabalho com famílias. Uma delas, referida com freqüência pelos enfermeiros, refere-se à dificuldade para o deslocamento da unidade até a área de abrangência. Neste município, é comum as equipes serem responsáveis por uma área de abrangência relativamente distante da unidade. Isto acontece porque em uma mesma unidade são alocados três a quatro equipes de PSF. Como o carro para deslocamento dos profissionais é disponibilizado em um único período por semana, para cada equipe, normalmente existe um grande número de visitas agendadas para este dia, o que obriga a equipe a fazer uma seleção criteriosa dos casos a serem visitados, sendo normalmente priorizados aqueles de maior necessidade de acompanhamento domiciliar. Entretanto, esta condição pode restringir o atendimento à pessoa agravada, e não a todos os membros da família:

                As visitas são realizadas uma vez por semana, quando há disponibilidade de carro ..., pois na área de abrangência que a equipe que trabalho atende é longe da UBS, não sendo possível fazermos a pé... (Enf 9). 

A deficiência de transporte tem sido apontada como uma das dificuldades mais frequentemente enfrentada por profissionais que atuam no PSF. Em alguns casos isto ocorre porque uma parcela considerável da população reside na zona rural20, mas em outros, é decorrente da distância da unidade e sua área de abrangência, o que tende a se agravar, quando em uma mesma unidade são alocadas várias equipes de PSF6.  

Outra dificuldade referida foi a ausência de profissionais nas equipes de PSF:

[...] além disso, nossa equipe não está completa, então muitas vezes a gente sabe que tem coisa pra fazer e você vai até onde dá, mas precisaria de um médico para estar intervindo com medicação... (Enf 4).  

A ausência de profissionais nas equipes dificulta o trabalho, uma vez que cada profissional tem funções especificas a serem desenvolvidas dentro da equipe. Quando estas funções são de caráter burocrático, existe a possibilidade de serem realizadas por outros profissionais; todavia, quando são assistenciais, muitas vezes esses profissionais não podem ser substituídos por um outro membro da equipe. Esta dificuldade pode ocasionar a sobrecarga dos demais membros para a realização das tarefas e o desfalque para a assistência à população.

Considerações finais           

            O foco da assistência em saúde é revelado pelos enfermeiros como sendo a família. Entretanto, quando verificadas as atividades que são realizadas com famílias, observa-se que elas são direcionadas ao indivíduo, ficando para a família somente atividades de orientações de caráter preventivo. Por isso, deve-se investir na oferta de cursos que abranjam enfermeiros e demais profissionais de Equipes de Saúde da Família, com conteúdos que favoreçam o entendimento sobre assistência à família, visando melhorar as ações em saúde.

            Não obstante os enfermeiros demonstraram existir uma preocupação com o estabelecimento do vínculo com a família, o que pode ser considerado como aspecto positivo, pois pode facilitar o acesso à família, a abordagem de todos os membros, o conhecimento do funcionamento familiar e sua estrutura e, conseqüentemente, a determinação de uma melhor qualidade na assistência prestada à família.

            Percebe-se, também, que mesmo com os problemas encontrados, como falta de funcionários, de incentivo e também de materiais e recursos financeiros, os profissionais têm concebido que, para melhorar a qualidade e a humanização da assistência, o serviço deve ser prestado à família e à comunidade, com abordagem e compreensão de todos os membros da unidade familiar.

            Os enfermeiros também consideram importante a assistência à família e acreditam que esta pode colaborar para o tratamento das doenças presentes no seio familiar, além de facilitar a assistência profissional, quando alguns familiares são capacitados para realizar certos cuidados que precisam ser realizados diariamente. A co-responsabilização família/profissional também foi destacada como fator que facilita o cuidado.  

Referências  

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Contribuição dos autores: -Concepção e desenho: 1 -Análise e interpretação: 1,2,3
-Escrita do artigo: 2,3 -Revisão crítica do artigo: 1 -Aprovação final do artigo: 1,2 -Colheita de dados: 3 -Provisão de pacientes, materiais ou recursos: 1 -Expertise em Estatística: -
-Obtenção de suporte financeiro: 1 -Pesquisa bibliográfica: 2,3 -Suporte administrativo, logístico e técnico: -  

Endereço para correspondência
Sonia Silva Marcon: Rua Jailton Saraiva, 526. Jardim América. Maringá-PR. CEP: 87045-300

 

Received: Nov 2, 2007
Revised: Dec 21, 2007
Accepted: Feb 24, 2008