Perceptions of smokers in abstinence about the benefits from smoking cessation: a qualitative study

Percepção de fumantes em abstinência sobre benefícios advindos do ato de parar de fumar: estudo qualitativo

Percepción de los fumadores en abstinencia sobre los beneficios de la cesación del tabaquismo: estudio cualitativo

 

Isabel Cristina Echer1, Sérgio Saldanha Menna Barreto2, Giordana de Cássia Pinheiro da Motta3 

1Doutora em Clínica Médica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: Isaecher@enf.ufrgs.br; 2Pós-Doutor em Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil; 3Acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.

 

Abstract: This article has the objective of identify the benefits to health related to smoke quitting from the perspective of smokers in abstinence. Qualitative study in which 16 individuals from Porto Alegre who have ceased smoking for more than six months, with dependence ≥ 5 in the Fagerström scale, were interviewed between 2005 and 2006. Information was examined through content analysis. The benefits of smoke quitting were translated into the improvement of self-esteem, personal looking and physical environment, physical activity and other activities yielding and life valuing. Results acknowledged that feeling the benefits from smoking cessation and be praised by society because of the change of look and behaviour stimulate smokers to keep in abstinence.

Keywords: Smoking Cessation; Health Promotion; Qualitative Research. 

Resumo: Este artigo teve como objetivo identificar benefícios à saúde relacionados ao abandono do tabagismo na percepção de fumantes em abstinência. Estudo qualitativo, no qual foram entrevistados 16 indivíduos de Porto Alegre que pararam de fumar há mais de seis meses, com pontuação ≥ 5 pela escala de Fagerström, no período de 2005 a 2006. As informações foram analisadas pela técnica de análise de conteúdo. Os benefícios relacionados ao parar de fumar foram traduzidos nos temas: melhora na auto-estima, na aparência pessoal e no ambiente físico, capacidade física e valorização da vida. Os resultados evidenciaram que sentir os benefícios advindos do ato de parar de fumar e receber elogios da sociedade sobre sua decisão de parar e sobre sua aparência são estímulos para os fumantes se manterem em abstinência.

Palavras-chave: Abandono do hábito de fumar; Promoção da Saúde; Pesquisa Qualitativa. 

Resúmen: Este artículo tiene el objetivo de identificar los beneficios a la salud relacionados a la cesación del tabaquismo  en la percepción de fumadores en abstinencia. Estudio cualitativo, en el cual fueran entrevistados 16 individuos de Porto Alegre, Brasil que pararan de fumar hace más de seis meses, con puntuación ≥ 5 por la escala de Fagerström, en el periodo de 2005 a 2006. Las informaciones fueran analizadas por la técnica de analice del contenido.  Los beneficios relacionados a la cesación del tabaquismo fueran traducidas en los temas: mejora en la autoestima, en la apariencia personal e en el ambiente físico capacidad y valoración de la vida. Los resultados evidenciaron que sentir los beneficios avenidos del acto de fumar y recibir elogios de la sociedad sobre su decisión  de parar y sobre su apariencia son estímulos para los fumadores mantener  su abstinencia.

Palabras-clave: Cese del Tabaquismo; Promoción de la Salud; Investigación Cualitativa. 

Introdução 

O tabagismo, antes visto como estilo de vida, é atualmente reconhecido como um importante fator de adoecimento, sendo a principal causa de morbimortalidade prevenível no Brasil e no mundo. Por isso, a necessidade de investir em ações para apoiar as pessoas a deixarem de fumar é cada vez mais evidente(1).

Sabe-se que cerca de 80% dos fumantes desejam parar de fumar e que apenas aproximadamente 3% ao ano conseguem sem ajuda. Isso evidencia o grande potencial de ajuda dos profissionais de saúde na abordagem rotineira do fumante, uma vez que com as terapias de cessação do tabagismo as taxas de abstinência chegam a 41% (2-4).

No Brasil, o Instituto Nacional do Câncer recomenda que os profissionais de saúde utilizem a abordagem cognitivo-comportamental para informar o fumante sobre os riscos de fumar e os benefícios de parar, para motivá-lo e apoiá-lo a deixar de fumar, fornecendo-lhe orientações para que possa lidar com a síndrome de abstinência, com a dependência psicológica e os condicionamentos associados ao hábito de fumar(3;5).

A maioria dos programas de abandono do tabagismo tem seu foco centrado em modificar comportamentos dos fumantes por meio da divulgação dos malefícios do fumo. No entanto, os fumantes parecem subestimar os efeitos nocivos do cigarro. Portanto, mobilizar os fumantes para a decisão de parar de fumar por meio do conhecimento dos benefícios advindos deste ato pode ser uma estratégia para o abandono do tabagismo. Estudos mostram que a redução pode ser o primeiro passo, e os benefícios com o parar de fumar ocorrem em qualquer idade(6;7).

A enfermagem, como participante de programas e políticas de educação em saúde, com foco no tabagismo, também tem papel efetivo na modificação de comportamentos visando o abandono do hábito de fumar. Uma das técnicas preconizadas é agir de forma que as conseqüências negativas do tabagismo sejam identificadas e discutidas entre profissional e paciente, de forma a reforçar a intenção de parar de fumar(8).

Para compreender melhor essa situação, foi desenvolvido uma pesquisa(9) com o objetivo de identificar fatores que contribuem para o abandono do tabagismo, na percepção de fumantes em abstinência e, dentre os fatores mencionados pelos participantes, destaca-se neste artigo os benefícios à saúde relacionados ao abandono do tabagismo como um dos elementos favorecedores do processo. 

Método 

Pesquisa qualitativa, com foco na premissa de que os conhecimentos sobre os indivíduos são possíveis somente com a descrição da experiência humana, tal como ela é vivida e definida por seus próprios autores(10;11).

As informações deste artigo são parte de uma pesquisa maior(9) em que foram entrevistados 16 indivíduos da cidade de Porto Alegre/RS, recrutados intencionalmente junto à comunidade, no período entre 2005 a 2006. A captação dos sujeitos ocorreu por meio de cartazes, divulgação entre amigos e indicação dos próprios participantes. A amostra foi encerrada quando os pesquisadores, em discussão com os pares de seu grupo de pesquisa, perceberam que atingiram o critério da saturação das informações(10).

Para ser incluído no estudo, o indivíduo deveria ter parado de fumar há mais de seis meses e apresentado dependência ≥ 5 pela escala de Fagerström(12). Essa escala consiste em um questionário com seis perguntas com escore que varia de 0 a 10. O grau de dependência é classificado de acordo com o número total de pontos: muito baixo (0 a 2); baixo (3 e 4); médio (5); elevado (6 e 7); e muito elevado (8 a 10).

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e pela Comissão de Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Todos os participantes manifestaram concordância em fazer parte do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido(13).

As entrevistas semi-estruradas foram realizadas pela autora principal na residência ou local de trabalho dos participantes, gravadas em áudio, com duração média de 80 minutos cada. Elas serão conservadas intactas por um período de cinco anos, de acordo com Lei de Direitos Autorais 9610/98(14).

A entrevista envolveu o perguntar e discutir o tema “Como você conseguiu parar de fumar” e dentre os assuntos os benefícios de parar de fumar foram abordados. A entrevista semi-estruturada garantiu que questões relevantes fossem trabalhadas utilizando linguagem de domínio dos participantes.

 As entrevistas, após transcritas, foram analisadas com base na técnica de análise de conteúdo(11), que envolveu o preparo das informações, a transformação do conteúdo em unidades de significado, classificação das unidades em categorias, descrição e interpretação do fenômeno investigado. As informações relacionadas aos benefícios em parar de fumar foram organizadas numa categoria com quatro subdivisões.

A confirmação das informações foi realizada por meio do mecanismo de conferência com pares e pela participação de um revisor externo(10). Todos os pesquisadores envolvidos possuíam experiência e conhecimento sobre abandono do tabagismo, pesquisa qualitativa e análise de conteúdo.

Visando manter o anonimato, os depoimentos foram identificados por códigos numéricos que distinguem as entrevistas e a pontuação na escala de Fagerström (exemplo: E1F5 - entrevistado número 1; pontuação 5 na escala). 

Resultados e discussão 

Os 16 entrevistados tinham entre 24 e 62 anos, média de 45 anos, e apresentavam diversidade quanto à profissão (do lar, zelador, técnico em gráfica, atriz, estudante e professor de nível médio e universitário, administrador, propagandista de laboratório, massoterapeuta, auxiliar administrativo e de mecânica) e ao grau de escolaridade, incluindo desde o ensino fundamental completo até o nível de pós-graduação. Eles iniciaram o uso do fumo entre 11 e 22 anos de idade, tendo o hábito de fumar durado de 9 a 42 anos, média de 26,6 anos. A quantidade de cigarros consumidos por dia variou entre 15 e 40, média de 24,9 cigarros, com pontuação na escala de Fagerström de 5 a 10 pontos, média de 7,4 pontos, o que significa que os indivíduos estudados eram dependentes da nicotina. 

Os entrevistados pararam de fumar de diferentes formas: com apoio profissional e bupropiona (E2F7, E3F10, E6F10, E7F10, E9F9), com apoio profissional e chiclete de nicotina (E10F10), participação em grupos de apoio realizado por profissional da saúde (E2F7, E3F10, E10F10, E11F5, E14F5) e os demais não utilizaram tratamento específico. Com relação a tentativas anteriores de parar de fumar, haviam feito uma tentativa (E3F10, E4F7, E10F10, E11F5), duas (E2F7, E7F10, E9F9, E15F8, E16F8), três (E5F6, E12F5, E13F6, E14F5), e os demais nenhuma. Os resultados atestam que quanto maior a dependência maior a procura por acompanhamento profissional e uso de fármacos. Em relação a tentativas anteriores de parar de fumar, elas variaram de nenhuma a três, e o período de abstinência dos entrevistados, por ocasião da entrevista, oscilou de 8 meses a 4 anos. Foram os entrevistados que nos procuraram, tamanha a representação de parar de fumar em suas vidas.

Os benefícios advindos do ato de parar de fumar foram percebidos, na maioria das vezes, depois de alguns meses do abandono e relatados como importantes para a manutenção da abstinência, a despeito da vontade de fumar que permaneceu por mais tempo. Este fato vai ao encontro da literatura quando refere que, com a redução da exposição ao fumo, os benefícios à saúde são visíveis(7). Fazendo uma comparação com os estágios de mudança do processo de parar de fumar(15), pode-se inferir que os benefícios de parar de fumar atuam de forma a prevenir a recaída. 

A categoria benefícios relacionados ao parar de fumar subdividiu-se nos temas: auto-estima, aparência pessoal e ambiente físico, capacidade física e valorização da vida.

 Auto-estima

 A satisfação da necessidade de auto-estima leva o indivíduo a sentir-se confiante no seu valor, força, capacidade e adequação, mais útil e necessário ao mundo(16). A conquista da condição de não fumante representa uma vitória sobre a dependência e influencia positivamente a auto-estima do indivíduo no abandono do fumo(17). A melhora na auto-estima foi expressa pelo amor próprio e o agradar a si mesmo, e isso parece ter tido um valor importante nesse processo para todos os entrevistados. Alguns exemplos:

No momento em que se gosta da gente, tem uma energia melhor. A minha auto-estima melhorou [...], depois que eu parei de fumar nunca mais tive depressão, isso me estimula e me incentiva a não voltar a fumar [...]. Fiquei muito orgulhosa.(E3F10)

A gente só tem uma vida para viver, e, se tu não te amar, não te respeitar nessa vida, ninguém pode fazer isso por ti. Parar de fumar é o primeiro passo.(E4F7)

Vale a pena, porque a tua auto-estima melhora, é estimulante de tudo que é jeito [...]. Me dei muitos presentes quando estava deixando de fumar, livros, prazeres, a pintura do apartamento, fazia negociações, ia ao cinema [...].(E9F9)

Para os entrevistados, perceber-se com melhores condições de saúde foi traduzido como uma mudança positiva que os fez melhorar a auto-imagem, optar por buscar atividades prazerosas e persistir na sua decisão.

A perda da autodeterminação, contribui para diminuir a auto-estima, pois muitas vezes as pessoas se sentem culpadas por terem, por exemplo, ficado expostas ao cigarro, sabendo que deveriam evitá-lo(18). Para os entrevistados, voltar a ter autonomia é importante, saudável, inerente à natureza humana, e os leva a se presentear pela conquista, agradando a si próprios.

A melhora na auto-estima também aparece através dos sentimentos de orgulho, vitória e auto-respeito desses indivíduos por conservar-se firme na decisão de conseguir ficar longe do cigarro. Por ser uma difícil mudança de comportamento, manifestam desejo de comemorar. Esses sentimentos foram relatados em todas as entrevistas.

Eu sinto orgulho de mim[...], eu fui mais forte que o cigarro.(E2F7)

Sinto-me ótimo [...], um sentimento de vitória, de conquista[...].(E8F8)

As falas apontam, a satisfação e o orgulho dos pesquisados por terem abandonado o tabagismo, e os benefícios que este ato trouxe para a sua saúde e, conseqüentemente, para sua vida pessoal e profissional. O conseguir abandonar o tabagismo parece ter gerado nos participantes mais autoconfiança, auto-respeito, orgulho, responsabilidade sobre si, sua saúde e sua vida, como também levou-os a aprender novos comportamentos.

Aparência pessoal e ambiente físico

O abandono do tabagismo trouxe para os entrevistados o benefício de poder se ver com uma melhor aparência pessoal e ser percebido desta forma, o que parece ter sido estimulante e atuado de forma positiva na sua auto-imagem.  Estes resultados vão ao encontro da literatura quando refere que a construção da identidade pessoal inclui, necessariamente, a relação com o próprio corpo, que se faz através da imagem corporal(19).

Voltar a sentir o cheiro das coisas trouxe sentimentos de repugnância e desprezo pelo cigarro e colaborou para que esses indivíduos optassem por ficar longe do fumo. Os participantes destacam como fatores que os animam a seguir neste caminho: não precisar lavar a roupa sempre após usá-la; sentir o gosto dos alimentos e o cheiro do xampu; poder manter a casa fechada; ser percebido e perceber-se com melhor aparência do cabelo, pele, unhas e dentes.

Eu me sinto muito bem. É tão bom balançar o cabelo e sentir o cheirinho de xampu, vestir uma roupa de novo sem precisar lavar, estar em casa sem estar tudo aberto, ficar em casa com a janela fechada, acho isso encantador [...]. Sentir mais o gosto do alimento, ter mais o prazer do olfato [...] há e meus dentes melhoraram. (E3F10)

Eu me olho no espelho e gosto. As pessoas olham e dizem: ‘Como tu mudaste! O que fizeste com a pele, com o cabelo?’ Digo que não fiz nada, apenas parei de fumar.(E6F10)

 Pode-se constatar nos depoimentos que todos os participantes sentem-se bem, mais saudáveis, felizes com os elogios que recebem sobre a sua aparência física e pela atitude de ter parado de fumar satisfeitos consigo mesmos e usufruindo dos benefícios conquistados com o abandono do tabagismo

Lembro que meus filhos sempre odiaram que eu fumasse, eles saíam de lugares em que eu estava porque eu estava fumando, é claro que no fundo eu não gostava de ver aquilo, a gente não gosta disso,  até o convívio com meu filho o cigarro está prejudicando. (E13F6)

Na análise do depoimento percebe-se a influência positiva dos relacionamentos sociais para o abandono do fumo. Em relação ao ambiente físico é preciso enfatizar que a poluição tabágica ambiental é maior em ambientes fechados e que o tabagismo passivo é a 3ª maior causa de morte evitável no mundo(20). Por isso, considera-se relevante estimular os diversos setores da sociedade a desenvolverem uma política de proteção aos não-fumantes e de incentivo à cessação do tabagismo.

Capacidade física

O rendimento na prática do exercício físico e de outras atividades, percebendo-se com mais disposição, mais força e melhora na reação do seu organismo, foi tido como importante no abandono do fumo.

De uma parada para outra pegava ônibus, hoje tenho mais capacidade. Subia qualquer lombinha e sentia que estava com os batimentos mais rápidos. Agora vou longe e não sinto nada. Independente da caminhada, fui fazer musculação, ginástica aeróbica. Nada disso fazia antes. (E6F10)

Me sinto melhor, bem melhor. Não conseguia ir à padaria buscar um pão que faltava o ar e agora estou fazendo uma caminhada de 45 minutos 3 vezes por semana, quando pensaria nisso? (E10F10)

Quando eu parei de fumar comecei a correr, sempre quis correr, mas antes não conseguia. Hoje tenho bem mais resistência física.(E11F5)

O fumante freqüentemente subestima os riscos do fumo, pois acredita ser imune aos seus malefícios, nega os sintomas de doenças já existentes, está pouco motivado para abandonar o hábito ou se acha incapaz de fazê-lo(6). A falta de energia para manter atividades cotidianas é destacada como tendo impacto negativo na qualidade de vida das pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica(21). A fadiga e o cansaço prejudicam a realização de atividades físicas, como causam irritabilidade e frustração, podendo provocar afastamento das atividades sociais(18).

A perda de força e de estímulo para realizar atividades diárias foi percebida como perda de prazer e, com o abandono do tabagismo, os participantes referiram sentir a volta progressiva de sua capacidade física e isso foi um estímulo positivo para manter-se em abstinência.

Adotar hábitos saudáveis, como atividades físicas e alimentação equilibrada, é recomendado ao deixar de fumar(22). O fumo está relacionado a doenças respiratórias, seja como causador, seja como agravante, mas é percebido pelos participantes como fonte de prazer, um “amigo”, um “companheiro”, embora depois de meses em abstinência sentem os malefícios dessa prática à sua saúde. A troca do cigarro pelos benefícios do abandono constitui uma troca de prazeres, tendo o último, porém, a vantagem de proporcionar uma vida saudável. Para aqueles que abandonam o cigarro no início dos seus 30 anos gozam de uma expectativa de anos de vida similar aos que nunca fumaram(7).

            Valorização da vida

Parar de fumar parece exigir dos entrevistados uma luta constante para superar as imposições oriundas da dependência à nicotina e a necessidade de reencontrar e controlar sentimentos e emoções. Sugere ser uma opção de indivíduos que passaram a enxergar a vida de outra maneira, na qual a saúde adquire um valor inestimável e o cigarro aparece, então, com todos os seus malefícios. Assim, estes resultados convergem com os achados da literatura que corrobora a idéia de fumantes que compreendem os malefícios do cigarro estão mais propensos a abandonar o tabagismo(23).

Outro estudo refere a ocorrência, embora efêmera, de desaceleração, relaxamento, sensação de paz e alívio em indivíduos que pararam de fumar. Efeitos que podem ser positivos à decisão de parar de fumar, no sentido de ajudar os fumantes a encontrar sensações de prazer semelhantes às trazidas pelo cigarro, por meio de práticas saudáveis de vida(17).

A maneira como os participantes deste estudo percebem a sua qualidade de vida sem o cigarro indica que é possível permanecer em abstinência e ser feliz – fato que eles próprios não acreditavam até terem parado de fumar. A vivência do abandono do tabagismo foi permeada pelo processo de reconstrução de um viver mais saudável e com mais qualidade.

A vida é bela parando de fumar, vale a pena se dar esse prazer. O fumante acha que parando de fumar acabou a vida, era assim que pensava, no entanto é possível ser feliz parando de fumar.(E3F10)

Resolvi que queria ter mais qualidade de vida e parei de fumar antes de ter qualquer doença [...]. Digo para as pessoas que, se eu consegui, qualquer pessoa consegue, me sinto muito bem. É prazeroso demais saber que a minha qualidade de vida é outra.(E9F9)

Qualidade de vida significa a forma positiva do indivíduo se perceber no contexto da cultura e sistema de valores em que vive, e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações(24). O reconhecimento do que é realmente importante para suas vidas e o crédito num futuro melhor, são elementos que contribuem para a qualidade vida(18).

 A preocupação em morrer sem sofrimento também foi verbalizada nos depoimentos como uma necessidade da dignidade humana, pois não querem morrer com falta de ar e/ou responsáveis por seu problema de saúde.

Eu botei na cabeça que iria parar e, se morresse, ia morrer com dignidade, isso sempre eu pensava.(E3F10)

Quando tomei a decisão, disse que nada ia me fazer mudar [...]. Vou deixar de fumar porque quero ter uma qualidade de morte[...], pelo menos não vou morrer sufocada [...]. Do que vou morrer não interessa, estou tendo qualidade de vida.(E9F9)

É importante informar os fumantes adequadamente a partir de perspectivas criativas, no sentido de fortalecer os benefícios do ato de parar de fumar e enfraquecer o prazer e o glamour relacionados ao cigarro.

É preciso que o fumante reconheça que não tem necessidade do cigarro para continuar a viver, pois conforme a literatura alguns fumantes em abstinência afirmam não ter encontrado dificuldade em deixar de fumar, enquanto outros, apesar da falta do cigarro, pensavam que já não recomeçariam a fumar(25). Esses resultados vão ao encontro dos achados deste estudo, em que os participantes compreendem agora os malefícios do cigarro em suas vidas e relatam os benefícios advindos do parar de fumar, os quais constituem um importante fator que os estimula a permanecer longe do cigarro. Acredita-se que esses dados positivos devem ser transmitidos aos fumantes com o objetivo de desprestigiar o hábito de fumar.

Considerações finais 

O abandono do tabagismo foi resultado de um conjunto de fatores, dentre os quais os benefícios em parar de fuma constituem um importante fator, os quais foram evidenciados pelos temas melhora na auto-estima, na aparência pessoal e no ambiente físico, na capacidade física e na valorização da vida. Sentir os benefícios contribuiu para dar visibilidade aos malefícios do cigarro à saúde, reforçar a manutenção da decisão de permanecer sem fumar e prevenir a recaída.

Os resultados revelam ainda, que a responsabilidade pela saúde e a escolha do caminho para parar de fumar é sempre uma decisão pessoal. Entretanto, os profissionais da saúde devem motivar e promover a discussão, ajudando os fumantes a vivenciarem da melhor maneira possível o abandono.O desafio dos profissionais de saúde é compreender e criar condições que levem a fortalecer a motivação para a mudança de comportamento. Acredita-se que uma das alternativas de educação em saúde a ser realizada pelos profissionais e pela mídia, visando à busca de uma sociedade livre do tabaco, é a ênfase na divulgação dos benefícios advindos do cessar de fumar, para o que a participação de fumantes em abstinência como modelos de identificação e referenciais de estratégias de sucesso pode constituir uma contribuição significativa na prevenção do tabagismo. 

Referências

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Contribuição dos autores: -Concepção e desenho: Isabel Cristina Echer, Sérgio Saldanha Menna Barreto -Análise e interpretação: Isabel Cristina Echer, Sérgio Saldanha Menna Barreto, Giordana de Cássia P. da Motta -Escrita do artigo: Isabel Cristina Echer, Sérgio Saldanha Menna Barreto, Giordana de Cássia Pinheiro da Motta -Revisão crítica do artigo: Isabel Cristina Echer, Sérgio Saldanha Menna Barreto -Aprovação final do artigo: Isabel Cristina Echer, Sérgio Saldanha Menna Barreto -Colheita de dados: Isabel Cristina Echer -Provisão de pacientes, materiais ou recursos: Isabel Cristina Echer
-Obtenção de suporte financeiro: Isabel Cristina Echer -Pesquisa bibliográfica: Isabel Cristina Echer, Giordana de Cássia Pinheiro da Motta -Suporte administrativo, logístico e técnico: Isabel Cristina Echer

 Endereço para correspondência: Rua São Luiz 700, apto 504, Bairro Santana, Porto Alegre, RS, Brasil.CEP:90620-170. E-mail: Isaecher@enf.ufrgs.br  

Apoio: FAPERGS e CNPq/UFRGS e  Fundo de Incentivo a Pesquisa e Eventos do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Nota: Extraído da tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Medicina: Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, defendida em novembro de 2006.

 Received: Sep 11, 2007
Revised: Jan 2, 2008
Accepted: Feb 26, 2008

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Nota da Editora: O OBJN tem por norma aceitar rapidamente trabalhos que são oriundos de dissertações e teses por entendermos que estes estudos já foram devidamente avaliados por uma banca de, no mínimo, 03 doutores. Infelizmente, nem sempre os autores indicam ao momento da submissão no espaço de Comentário ao Editor que o manuscrito é um extrato de um trabalho já defendido diante de uma banca. O caso deste.