Investigating the vulnerability and the risks of adolescents in the midst of STD/ HIV/ AIDS in their several contexts – a exploratory study 

Investigando a vulnerabilidade e os riscos dos adolescentes em meio as DST/HIV/AIDS nos seus diversos contextos – um estudo exploratório

 

Cibele Almeida Torres 1, Stella Maia Barbosa 1, Drª Maria Grasiela Teixeira Barroso 1, Drª Patrícia Neyva da Costa Pinheiro 1.

1 - Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil

 

Abstract: We objectify in this study to investigate the vulnerability and the risks of adolescents in the midst of ST/HIV/AIDS in their several contexts. It was used the exploratory method, and based on a cultural and ethnographical approach, developed in an elementary and high school in Fortaleza, Ceará, in the period between April and June, 2007. The following instruments were used to work with the 20 selected adolescents observation, participant observation, field diary, focal group. The students of this study were divided into two focal groups according to the gender. There were five meetings with the average duration of 90 minutes. For the data analysis, it was used the content analysis of Bardin. As a result, it is possible to emphasize that social groups are essential in adolescents’ formation of knowledge related to STD/HIV/AIDS, however there is a deficit of reflexive and constructive dialogue in these spaces, which are not performing their real roles. This problem together with womanly submission, culturally rooted, influences the risk and vulnerability that expose the adolescents. Therefore, it was concluded that the society as a whole needs to reflect on these factors, distinguishing its roles in the control of STD/HIV/AIDS of the adolescents as well as of the population in general, aiming health promotion.

Keywords: Adolescents; Sexuality; Vulnerability; Sexually Transmissive Diseases. 

Resumo: Este estudo tem por objetivo investigar a vulnerabilidade e os riscos dos adolescentes em meio as DST/HIV/AIDS nos seus diversos contextos. Utilizou-se o método exploratório, fundamentado numa abordagem cultural etnográfica, desenvolvido em uma escola de ensino fundamental e médio em Fortaleza, Ceará, no período de abril a junho de 2007. Para trabalhar com os 20 adolescentes selecionados, utilizaram-se os seguintes instrumentos: observação, observação participante, diário de campo, grupo focal. Os estudantes, deste estudo, foram divididos em dois grupos focais de acordo com o gênero. Ocorreram cinco encontros com duração média de 90 minutos.  Para a análise dos dados, utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin. Como resultado, pode-se destacar que os grupos sociais são fundamentais na formação de conhecimento dos adolescentes com relação às DST/HIV/AIDS, mas que está havendo um déficit de diálogo reflexivo e construtivo nestes espaços, não cumprindo seus reais papéis. Esta problemática em conjunto com a submissão feminina, culturalmente enraizada, influencia no risco e vulnerabilidade que expõe os adolescentes. Portanto, concluiu-se que é preciso que a sociedade como um todo reflita acerca destes fatores, enxergando seus papeis no controle das DST/HIV/AIDS, tanto dos adolescentes quanto da população em geral, com vistas a promoção da saúde.

Palavras-Chave: Adolescente; Sexualidade; Vulnerabilidade; Doenças Sexualmente Transmissíveis. 

Introdução

A adolescência é a fase em que se encontram, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os indivíduos de ambos os sexos com idades entre 10 e 19 anos1.  Esta etapa do desenvolvimento humano destaca-se pelas intensas mudanças nos quesitos biológicos, psíquicos e sociais, sendo, assim, uma etapa cheia de conflitos pessoais e interpessoais. Durante essa fase se percebe, inclusive, grande vulnerabilidade física, psicológica e social2.  Vulnerabilidade pode ser entendida como a interação dos fatores individuais do ser com fatores sociais nos quais está envolvido, podendo torna-se um indivíduo mais vulnerável ou menos, dependendo de sua capacidade de reinterpretar criticamente mensagens sociais de perigo3.

A vulnerabilidade dos adolescentes no Brasil repercute nos dados estatísticos, com números expressivos de mortes por causas externas (acidentes de transporte, suicídios, agressão e homicídios), gravidez precoce, alto índice de desemprego, infecção por doenças sexualmente transmissíveis, evasão escolar e envolvimento com drogas. As classes economicamente desfavorecidas são as que mais sofrem pela falta de atenção à sua condição, representada pelos elevados índices de mortes por causas violentas, envolvimentos com gangues, traficantes e com as drogas, fatos que demonstram a vulnerabilidade social que o contexto lhe expõe4.

Sabe-se que hoje as doenças sexualmente transmissíveis (DST) estão entre os problemas de saúde pública mais comuns em todo o mundo. No plano das DST/HIV/AIDS, sabe-se que, para o controle delas, mais do que compreender aspectos imunobiológicos relativos, entre outros, aos agentes causais é necessário também o entendimento dos padrões dessas doenças como intimamente ligados pelo ambiente comportamental individual e o macroambiente sociocultural5. No plano individual da adolescência, reconhece-se como importante os fatores relacionados a idade da primeira relação sexual, o número de parceiros, a escolha dos parceiros, padrões de comportamentos, uso ou não de drogas, álcool, contraceptivos e preservativos.

Especificamente sobre as DST/HIV/AIDS, houve um significativo aumento da infecção pelo HIV. No mundo, das 30 milhões de pessoas infectadas pelo HIV, pelo menos um terço tem entre 10 e 24 anos. No Brasil, 11,4% dos casos diagnosticados entre 1980 e 2006 foram em jovens de 13 a 24 anos6. A vulnerabilidade na adolescência, com relação a sexualidade, se confirma quando se percebe que os casos de AIDS aumentam nesta fase, também destacando a questão de gênero atrelada a esse contexto. A razão entre os casos de infecção pelo vírus da AIDS em homens e mulheres encontra-se decrescente, ficando em 14 casos masculinos para cada 10 casos femininos e a transmissão sexual continua sendo a maneira mais comum. O número de casos de AIDS diagnosticados, porém, segundo o sexo e a idade no ano de 2006, mostrou-se inverso, já que há aproximadamente o dobro de casos adolescentes do gênero feminino em relação ao número de casos de adolescentes do gênero masculino na faixa etária de 13 a 19 anos, indicando a influência das relações de gênero a esta problemática6. Dentro destes aspectos epidemiológicos, sabe-se que há o agravante de subnotificação de casos de DST, já que os únicos casos de DST de notificação compulsória são: AIDS, HIV na gestante/criança exposta, sífilis na gestação e sífilis congênita, dificultando a visibilidade do problema e implantação de intervenções prioritárias7.

O controle das DST tem se voltado tradicionalmente para o diagnóstico e tratamento no âmbito clínico. Sabe-se, no entanto, que as atividades preventivas que veiculam informação para a população geral e as atividades educativas que priorizam a percepção de risco, as mudanças no comportamento sexual e a promoção e adoção de medidas preventivas com ênfase na utilização adequada do preservativo têm um maior impacto sobre a população8.

Quando estas atividades educativas são desenvolvidas especificamente para os adolescentes, tem-se uma maior visibilidade à noção de vulnerabilidade, enxergando não a adolescência, mas as adolescências em seus contextos socioculturais. As atividades educativas que seguem este conceito devem perceber o indivíduo de forma singular e individualizada, construído na sua diversidade a partir das suas diferenças, descartando a visão de práticas educativas baseadas numa perspectiva de universalidade do sujeito9.

Entendendo que os adolescentes encontram-se em uma situação de vulnerabilidade, em particular no quesito da sexualidade, e que há influências dos diversos atores sociais que os envolvem, objetiva-se, com este estudo, investigar a vulnerabilidade e os riscos dos adolescentes em meio as DST/HIV/AIDS nos seus diversos contextos. 

Metodologia

            A pesquisa é do tipo exploratória, fundamentada numa abordagem cultural etnográfica. A etnografia tem um sentido próprio: a descrição de um sistema de significados culturais de um determinado grupo. O significado que as pessoas dão as coisas de sua vida são focos de atenção especial de pesquisa. O cuidado que o pesquisador precisa ter ao revelar os pontos de vista dos participantes é com a acuidade de suas percepções10. O objetivo da pesquisa etnográfica é compreender os padrões e os significados dos domínios da investigação de acordo com a visão de mundo das pessoas. Abordagem etnográfica combina com vários métodos de coletas de dados10.

O estudo foi desenvolvido em uma escola de ensino fundamental e médio que se localiza em um bairro periférico de Fortaleza, Ceará, onde a equipe administrativa e pedagógica representou verdadeira parceria na implementação deste projeto. É uma escola da rede pública de ensino que se situa nas proximidades do campus do Porangabussú da Universidade Federal do Ceará (UFC).

O período da investigação foi de abril a junho de 2007. A população do estudo foi constituída de 703 alunos dos quais foram selecionados 20 para constituírem a amostra, sendo 11 do sexo masculino e 9 do sexo feminino, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: estar devidamente matriculado na escola e que quisessem participar da pesquisa. Tratou-se, assim, de uma amostra não probabilística do tipo intencional, sem a preocupação de estabelecer o dimensionamento da amostra.  O número de participantes do estudo foi influenciado pela disponibilidade da escola, dos alunos e dos pesquisadores.

Foram usados como instrumentos e procedimentos para a realização desse estudo os seguintes recursos: observação, observação participante, diário de campo, grupo focal, tendo cada um sua importância dentro do estudo, como se pode ver a seguir. O presente estudo usou a observação participante, tendo em vista que na pesquisa etnográfica a observação é o método mais adequado para investigar um determinado problema.  O observador assumiu um papel em que sua identidade e os objetivos do estudo foram revelados ao grupo pesquisado desde o início. A observação quando alcança o estágio de observação participante, obtém como fruto a interação entre o pesquisador e os participantes. Vale ressaltar que a observação acompanhou todo o processo de investigação.

O diário de campo permitiu o registro detalhado do conteúdo das observações no campo de pesquisa, envolvendo a descrição do ambiente e as reflexões do pesquisador, incluindo suas observações pessoais, especulações, sentimentos, impressões e descobertas durante a fase de coleta de dados.

O grupo focal trata-se de uma modalidade de pesquisa para a obtenção de dados de natureza qualitativa. Esta técnica possibilita analisar, de forma eficiente e em curto tempo, problemas na perspectiva da população, examinando suas percepções, conceitos, opiniões, expectativas, representações culturais, universo cultural e vocabular11. É uma espécie de entrevista grupal, que pode ser usada como método único da pesquisa. Os participantes são selecionados a partir das características em comum (sexo, idade e ocupação), seguindo o objetivo central do estudo, formando uma amostra intencional12. Os estudantes, deste estudo, foram divididos em dois grupos focais separados de acordo com o gênero - feminino e masculino. Essa divisão seguiu o critério de gênero por acreditar que dessa forma eles se sentiriam mais livres para debater seus pensamentos acerca de sua sexualidade. Ocorreram cinco encontros, sendo que os encontros tiveram duração média de 90 minutos.  Os grupos focais obedeceram a um roteiro preestabelecido.

Para a análise dos dados deste estudo, utilizou-se a análise de conteúdo de Bardin que se trata de uma técnica que analisa as comunicações, objetivando reconhecer indicadores (quantitativos ou não) que permitam a aquisição de conhecimentos relativos às condições de produção e recepção destas mensagens, através de procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens13. Este conceito foi fundamental para a compreensão dos dados fornecidos nas técnicas grupais que permitiu explicitar e sistematizar o conteúdo das mensagens e a expressão deste conteúdo. Assim, este estudo, seguindo a análise de conteúdo, obteve as seguintes categorias: grupos sociais influenciando nos riscos e vulnerabilidades da adolescência; a submissão feminina influenciando nos riscos e vulnerabilidades da adolescência.

Foram respeitados os aspectos éticos e legais que envolvem pesquisas com seres humanos, conforme a Resolução 196\96 do Conselho Nacional de Saúde, inclusive no concernente a pesquisas com população adolescente descrito na alínea a) do item IV.3 14. Ressalta-se que o estudo foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa, com a devida justificação da escolha dos sujeitos da pesquisa, cujo número do protocolo é 26/07, e iniciou-se somente após sua aprovação em 08 de março de 2007.  Respeitaram-se também as exigências relacionadas ao termo de consentimento livre e esclarecido, através do pedido de assinatura dos representantes legais dos referidos sujeitos da pesquisa, sem a suspensão do direito do indivíduo, respeitando suas limitações. Garantiu-se o sigilo e anonimato das pessoas participantes do estudo através da identificação das falas dos adolescentes com pseudônimo Estudante seguido de um número cardinal (1, 2, 3...). 

Resultados e discussões

Grupos sociais influenciando nos riscos e vulnerabilidades da adolescência

Segundo a Secretaria de Atenção à Saúde do Ministério da Saúde do Brasil, os adolescentes e jovens estão submetidos às situações de vulnerabilidade nos âmbitos pessoais, sociais e institucionais, e às diversas interdições pessoais por não serem reconhecidos socialmente como pessoas sexuadas, livres e autônomas15

A condição de risco e vulnerabilidade foi percebida pelos adolescentes participantes dos grupos focais como:

Quem tem risco é quem transa sem camisinha (Estudante 1).

O preservativo logo emergiu como o principal instrumento de prevenção das DST/HIV/AIDS, mostrando a percepção deles sobre este assunto, independente do seu uso continuado. Outro aspecto que eles relacionaram ao risco e à vulnerabilidade às DST/HIV/AIDS se relacionam às profissionais do sexo:

As prostitutas também têm muito risco (Estudante 2).

Porém, a visão de transgressão e inconseqüência do adolescente na visão deles mesmos foi:

O jovem sempre não está nem aí porque pensa que nunca vai acontecer com ele e que ele não tem risco (Estudante 3).

Ainda, analisando o universo dos adolescentes dos grupos focais foi percebido que os contextos do adolescente, incluindo os setores familiares, educacionais, de saúde, dos meios de comunicação e dos amigos evidenciaram-se, durante os diálogos, como pilares na forma de expressão da sexualidade deles.

No que se referem à família, quando se questionou os adolescentes sobre o diálogo com os pais, estes enfatizaram os seguintes aspectos:

Meus pais têm medo de me ensinar sexo, porque acham que isso estimula (Estudante 4).

 Minha mãe diz que eu não tenho idade pra falar dessas coisas com ela (Estudante 5).

Nunca ninguém lá em casa teve coragem de me ensinar esse assunto (Estudante 4).

É muito vergonhoso pra a gente e pra eles conversar sobre isso (Estudante 4).

É nítido, pelo diálogo com os estudantes, que não há conversas sobre sexualidade no lar, por muitas vezes os pais não perceberem seus filhos como pessoas vulneráveis a alguma infecção sexualmente transmissível16. Apesar de a maioria dos adolescentes do gênero masculino, concordarem em relação a dificuldade de ter diálogo sobre sexualidade em casa, outros afirmaram:

Com os homens é diferente, tem que criar solto (Estudante 3).

Homem preso vira boiola (Estudante 6).

Meu pai gosta de me ver com muitas namoradas, já minha irmã ele não quer nem que ela tenha amigos homens (Estudante 7).  

Essa forma distinta de tratar os filhos é outra variável que influencia a vulnerabilidade dos adolescentes advinda do próprio ambiente familiar. Quando questionados sobre o ambiente escolar e sua participação na formação da sexualidade destes adolescentes, os relatos apontaram para um entrave que insiste em permanecer:

Eu queria ter aula sobre isso. Ajuda a gente a entender as coisas, né? (Estudante 8).

Fora a aula de gravidez com o professor de biologia, nunca tive aula sobre camisinha e sexo (Estudante 6).

Nunca tive aula ou conversa sobre sexualidade com os professores (Estudante 9).

Apesar de a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996) trazer a educação sexual como um dos temas transversais e ser incluída nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) do ensino fundamental ao ensino médio, percebe-se que os professores ainda não pautam estes assuntos com seus alunos, muitas vezes por não sentirem-se preparados para tal ação ou por não se perceberem com esta função17.

O PCN define a sexualidade como “algo inerente à vida e à saúde, que se expressa desde cedo no ser humano”, logo devendo ser colocado como um tema a ser discutido e orientado também dentro cotidiano escolar17.  Para a efetiva inclusão dos direitos sexuais e reprodutivos nos currículos escolares, torna-se fundamental a intersetorialidade, com a articulação de políticas de saúde e educação, respeitando sempre as diferenças e necessidades de cada um dos estabelecimentos de ensino15.

Com relação às relações de socialização e suas influências na vulnerabilidade dos adolescentes às DST/HIV/AIDS, sabe-se que, por conta da insegurança típica da idade e a da necessidade de aceitação dentro do grupos, eles muitas vezes submetem-se a influências não-saudáveis de outros também adolescente em processo de formação de identidade. Há uma forte relação dos adolescentes em quererem se afirmar dentro do grupo de amigos, na qual há uma construção social que predomina o papel dos amigos e do grupo18.

Com relação aos serviços de saúde, sabe-se que sua organização tem como objetivo principal garantir o acesso de adolescentes e jovens a ações de promoção à saúde, prevenção, atenção a agravos e doenças, bem como reabilitação, respeitando os princípios organizativos e operacionais do Sistema Único de Saúde (SUS)19.  As unidades de saúde, no entanto, encontram-se despreparadas para atender as demandas peculiares e complexas dos adolescentes, faltando espaços e suporte apropriados20.

 Nos grupos focais foi percebida a falta de preparo dos serviços de saúde, já que os adolescentes demonstraram apenas procurá-lo no tocante à busca do preservativo, porém, esta ação também se encontra prejudicada:

É loucura pegar camisinha no posto perto de casa, porque todo mundo fica sabendo (Estudante 2).

Essa fala transmite mais um ponto de vulnerabilidade às DST/HIV/AIDS do adolescente, visto que, no geral, todos demonstraram receio de buscar preservativo na unidade saúde perto de casa. Para os adolescentes brasileiros, os serviços de saúde não representam um lugar importante no que se refere a sua sexualidade, demonstrando, assim, sua pouca freqüência às unidades básicas18. Existe a necessidade de serviços de saúde de qualidade para o alcance de melhores condições de vida e de saúde dos adolescentes brasileiros, significando também compreender a importância das dimensões econômica, social e cultural que permeiam a vida deles19.    

Toda essa cultura é ainda prejudicada pela forma como os meios de comunicação transmitem suas informações, já que estes não retratam o cotidiano dos adolescentes telespectadores e sim passam idéias de forma simplista e verticalizada. Esses meios de comunicação são considerados pelos adolescentes:

Na televisão, toda hora passa informações que ensinam sobre sexo, uso de preservativo e AIDS (Estudante 10).

Essa frase reflete a opinião geral dos adolescentes participantes dos grupos focais. Eles realmente consideram os meios de comunicação informativos, apesar de às vezes referirem que eles também estimulam o ato sexual com supervalorização dos modelos de beleza. Esse ponto torna-se também um agravante à vulnerabilidade dos adolescentes às DST/HIV/AIDS, por saber que o conteúdo transmitido nos meios de comunicação geralmente trata a sexualidade de forma sensacionalista com a finalidade de obter grande audiência, sem resultados educativos21

Submissão feminina influenciando nos riscos e vulnerabilidades da adolescência

Além destes diversos ambientes que influenciam a expressão da sexualidade dos adolescentes, a submissão feminina emerge também no diálogo com os adolescentes dos grupos focais como um forte agravante do risco e vulnerabilidade deles às DST/HIV/AIDS. Culturalmente, nesse sistema de gênero opressor, muitas mulheres não conseguem desenvolver a autoconfiança para levar a vida autonomamente, caracterizando a feminilidade como silêncio e conformação, tornando-as submissas aos companheiros22

Esta submissão feminina tornou-se bastante evidente nos diálogos quando o assunto foi também o uso do preservativo:

Claro que eu vou fazer o que meu namorado quer. Vou bem perder pra outra (Estudante 5).

Tem gente que sabe, mas se o namorado não quer usar camisinha a menina não usa e engravida e pega DST (Estudante 9).

Essa problemática reflete-se nas questões de os casais geralmente não negociarem o uso do preservativo, já que isto estaria pondo em dúvida a fidelidade de ambos, e na condição da mulher que, graças à forte pressão cultural, ainda buscam conquistar autonomia em suas relações23

 Percebe-se grande influência do homem ao longo do processo histórico do uso do preservativo masculino, ficando a mulher, muitas vezes, à mercê do desejo do companheiro.  Com relação à forma de adquirir o preservativo, as meninas relataram:

Não tenho coragem nem de comprar preservativo. É muito vergonhoso (Estudante 5).

Uma pesquisa realizada em uma maternidade de São Paulo constatou que, embora a grande maioria das mulheres soubesse onde encontrar o preservativo masculino para venda, dentre as que o utilizavam, apenas uma minoria já o comprou, mostrando o homem como o maior provedor deste produto24.  As mulheres sempre esperam que o parceiro tenha o preservativo na hora de usar, pois não consideram responsabilidade sua e isto aumenta a vulnerabilidade feminina, já que lhes falta a possibilidade de negociação e o domínio de suas relações sexuais em termos de fidelidade mútua e utilização da camisinha pelo homem25. Já os garotos afirmam que, sendo um local longe da comunidade onde residem, podem perfeitamente adquirir o preservativo. Tendo em vista essa dificuldade na aquisição do preservativo por barreiras sociais, percebe-se uma séria questão de imposição cultural influenciando negativamente os adolescentes, dificultando a mudança de comportamento e prevenção das DST/HIV/AIDS, conseqüentemente tornando-se um empecilho enorme para o controle destas.

Conseqüentemente à temática de submissão feminina, emergiu a concepção de fidelidade como fator que também parece, para os adolescentes dos grupos focais, envolver a vulnerabilidade e o risco às DST/HIV/AIDS:

Minha namorada não me trai. Eu sei que ela é fiel (Estudante 7).

Confiança é tudo, não tem DST (Estudante 6).

Muitos garotos e garotas participantes do estudo demonstraram que não reconhecem o risco de infecção pelas DST/HIV/AIDS seu e do companheiro, graças à confiança que tem no parceiro na questão da fidelidade. Outros adolescentes masculinos, sentindo necessidade de apresentar valores culturais da masculinidade estereotipada, enfatizaram a questão da infidelidade à namorada, descrendo-as como ingênuas e demonstrando um egoísmo perante a relação:

As meninas são bestas, acreditam em aparência (Estudante 3).

Tenho noção que posso passar DST para minha namorada. Só ela que não pode saber disso (Estudante 7).

Um outro estudo permitiu verificar que a mulher com família constituída mantém a crença na fidelidade do parceiro e na responsabilidade do companheiro de usar preservativo, caso tenha relações extraconjugais, para manter-se saudável, sendo incluídas como fatores determinantes da não adesão, pelas mulheres, às medidas de sexo mais seguro26.

Percebe-se que outros adolescentes, porém, demonstraram uma visão diferenciada dos riscos às DST/HIV/AIDS associada a fidelidade do casal e o não uso do preservativo:

As pessoas que têm confiança no parceiro também tem risco porque se iludem (Estudante 11).

Uma pesquisa, que investiga estratégias de prevenção da AIDS entre homens casados, coloca que é muito mais efetivo valorizar o uso do preservativo nas relações sexuais fora do casamento do que impor dúvidas em relação à confiança na esposa, mas que não se pode abandonar o estímulo do uso da camisinha também nas relações conjugais, porque o casamento não constitui um fator de proteção para homens e mulheres e sugere que a sua introdução no casamento seja feita primeiro pelo caminho da contracepção27.  

Considerações Finais

A adolescência é realmente, em termos de conjuntura, multifacetada. São muitas adolescências, influenciadas por seus diferentes processos de desenvolvimento e formação. O meio sociocultural, crenças, valores, costumes, enfim, a cultura evidencia-se como um fator determinante na forma como o adolescente se percebe, relaciona-se com os outros e guia sua vida rumo à fase adulta.

Enfim, neste estudo foi possível perceber que os grupos sociais são fundamentais na formação de conhecimento dos adolescentes com relação às DST/HIV/AIDS, mas que está havendo um déficit de diálogo reflexivo e construtivo nestes espaços, não cumprindo seus reais papéis. Assim, torna-se fundamental que estes grupos sociais incorporem seus papéis na busca da formação de adolescências saudáveis.  É necessário que os diversos espaços percebam sua importância  na construção de adolescências mais felizes. Esta problemática em conjunto com a submissão feminina, culturalmente enraizada em vários âmbitos sociais, influenciam no risco e vulnerabilidade que expõe os adolescentes às DST/HIV/AIDS atualmente. É preciso que a sociedade como um todo reflita acerca destes fatores, enxergando seus papéis no controle das DST/HIV/AIDS, tanto dos adolescentes quanto da população em geral, com vistas a promover a saúde humana. 

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Contribuição dos autores: -Concepção e desenho: Cibele Almeida Torres
-Análise e interpretação: Cibele Almeida Torres, Stella Maia Barbosa, Maria Grasiela Teixeira Barroso e Patrícia Neyva da Costa Pinheiro -Escrita do artigo: Cibele Almeida Torres -Revisão crítica do artigo: Cibele Almeida Torres, Stella Maia Barbosa, Maria Grasiela Teixeira Barroso e Patrícia Neyva da Costa Pinheiro -Aprovação final do artigo: Maria Grasiela Teixeira Barroso e Patrícia Neyva da Costa Pinheiro -Colheita de dados: Cibele Almeida Torres, Stella Maia Barbosa -Obtenção de suporte financeiro: Maria Grasiela Teixeira Barroso, Patrícia Neyva da Costa Pinheiro -Pesquisa bibliográfica: Cibele Almeida Torres, Stella Maia Barbosa  -Suporte administrativo, logístico e técnico: Maria Grasiela Teixeira Barroso, Patrícia Neyva da Costa Pinheiro

 

Endereço para correspondência: Rua Coronel Linhares, 930, apto 103 – Aldeota. CEP: 60170240. 

Apoio financeiro à pesquisa: CNPq

Received: Sep 4th, 2007
Revised: Jan 16th, 2008
Accepted: Jan 16th, 2008