A reflective exercise on the issue of sexuality in the view of undergraduate nursing students: evaluating the process
Um exercício reflexivo acerca da sexualidade na ótica dos acadêmicos de enfermagem: avaliando o processo
Lúcia Beatriz Ressel1; Maria de Lourdes Denardin Budó2; Graciela Dutra Sehnem3; Emanoeli Büttenbender4.
1Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil; 2Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil; 3Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil; 4Universidade Federal de Santa Maria, RS, Brasil.
Abstract: This paper presents an outline of the field research using a qualitative approach: “Sexuality as a cultural element: signification and resignification in the formation of nurses”. This study involved undergraduate nursing students from a Federal Public University in the south of Brazil, and was carried out through a reflective exercise on sexuality based on a focal group technique, emphasizing the cultural perspective that involves this theme. This work highlights the evaluation process of this experience. The evaluations revealed several positive aspects provided by this exercise, such as the extension of the concept of sexuality, self-knowledge, a personal awakening of interest in humanized care, ambiguity and sharing feelings. The evaluation of the research exercise indicated the necessity to discuss the concept of sexuality in the formation of undergraduate nursing students, enabling the creation of spaces propitious to the manifestations mentioned above.
Keywords: sexuality, culture, health education.
Resumo: Este artigo apresenta um recorte da pesquisa de campo, com abordagem qualitativa, “A sexualidade como um elemento cultural: significação e resignificação na formação de enfermeiros”. Foi realizada com alunos do Curso de Enfermagem de uma Universidade Pública Federal do sul do Brasil, através de um exercício reflexivo sobre sexualidade, embasado na técnica do grupo focal, enfatizando a perspectiva cultural que envolve o assunto. Neste artigo é destacado o processo avaliativo desta vivência. As avaliações revelaram vários aspectos positivos proporcionados pelo exercício, dentre eles o alargamento do conceito de sexualidade, o autoconhecimento, o despertamento pessoal para o cuidado humanizado, a ambigüidade e o compartilhamento de sentimentos. A avaliação do exercício de pesquisa denotou a necessidade de abordar o conceito de sexualidade na formação dos acadêmicos de enfermagem, possibilitando a criação de espaços propícios às manifestações acima citadas.
Palavras-chave: sexualidade, cultura, educação em saúde.
Introduzindo o tema
A invisibilidade e o ocultamento de alguns temas trazem, por si só, uma significação especial. Isso acontece em relação à sexualidade tanto na formação quanto na prática dos enfermeiros.
Como tema de estudo, a sexualidade permite inúmeras e singulares concepções. Talvez essa multiplicidade conceitual tenha sua lógica relacionada a própria multiplicidade interpretativa e a forma como a sexualidade foi levada a objeto de estudo no percurso da história. Durante a maior parte do século XX, a sexualidade esteve à margem das pesquisas sociais, dos espaços e estudos sobre o ser humano, principalmente pela relação que a mesma apresenta com o significado de corpo. Ambos, corpo e sexualidade, se expressam e se constituem a partir de representações culturalmente construídas, porém também estão intimamente relacionados com leis e características biológicas que fazem funcionar os corpos sexuados1.
Sob essa influência, a sexualidade recebeu uma interpretação essencialmente naturalizante, reprodutivista e determinista da espécie, sendo classificada e normatizada com um significado de negação ou afirmação, ou seja, normal ou anormal2.
Embora ela esteja presente em todos os momentos vividos pela enfermeiro – através dos gestos, dos movimentos corporais e nas entrelinhas implícitas do que foi verbalizado ou não3 -, a sexualidade ainda é mantida silenciosa, encoberta, ou na invisibilidade nos estudos, discussões e prática da enfermeira4,5. Isso foi constatado também em tese de doutorado na área da Enfermagem6, pela revelação da ausência de um espaço de ponderação acerca do tema que envolve a sexualidade, na formação e no cotidiano dos enfermeiros.
De acordo com essa realidade emergiu o desafio de desenvolver essa temática com os acadêmicos de enfermagem a partir de uma nova ótica, que possibilitasse a interpretação cultural, pois esta oportuniza compreender como se dá a socialização da sexualidade; a construção de seus significados e simbolizações; a produção e a reprodução de seus conceitos, e ainda, de que modo e a que estão vinculados, na rede social em que vivemos, esses valores e conceitos.
Neste artigo a sexualidade é entendida como o resultado de uma construção histórica, social e cultural singular, que se integra e se manifesta por meio de uma rede de significados do grupo social específico, possibilitando toda a expressão relativa ao sexo6. Este conceito vai ao encontro de abordagem de estudos da área da Antropologia7:62, que argumenta: “nossas idéias, valores, atos e até mesmo nossas emoções são produtos culturais”. Refere ainda que, o homem é um ser “simbolizante”, “conceptualizante” e “pesquisador de significados”, pois se expressa através de símbolos, ordena-se através de conceitos e busca os significados das atitudes, dos pensamentos, valores e ações.
Com o intento de promover um momento de ponderação junto aos acadêmicos de Enfermagem de uma Universidade Pública Federal do sul do Brasil, acerca da sexualidade, oportunizou-se um espaço promotor de auto-conhecimento e reflexão crítica em relação aos conceitos, tabus e preconceitos associados à temática, contribuindo para a instrumentalização destes acadêmicos, na busca de uma vivência qualitativamente mais significativa.
Foram realizadas dinâmicas de grupo, com os alunos do 6º semestre, da Universidade supracitada, nos dois semestres consecutivos dos anos de 2003, 2004 e 2005. Essas atividades foram desenvolvidas baseadas em pressupostos do grupo focal e estavam inseridas no projeto de pesquisa “A sexualidade como um elemento cultural: significação e resignificação na formação de enfermeiros”.
Dentre as atividades propostas no projeto de pesquisa descrito anteriormente, encontra-se a avaliação do processo reflexivo junto aos acadêmicos. Entende-se, que avaliar consiste fundamentalmente em fazer um julgamento de valor a respeito de uma intervenção ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de ajudar na tomada de decisões8.
Acredita-se que o processo de avaliação permite mudanças e crescimento, pois o ato de avaliar serve também como o momento de parada para refletir sobre a prática e a ela retornar de forma mais adequada9.
O presente artigo traz, portanto, uma avaliação da vivência reflexiva baseada em pressupostos do grupo focal. Destaca-se que essa vivência buscou descortinar a invisibilidade que tange a sexualidade, assim como, instigar os acadêmicos de Enfermagem para a visualização de uma nova abordagem conceitual acerca do tema.
Metodologia
Com o intento de desencadear ponderações sobre sexualidade, numa perspectiva cultural, e sensibilizar os alunos de graduação do Curso de Enfermagem para esta temática, foi desenvolvida uma vivência reflexiva na disciplina Enfermagem no Cuidado à Saúde da Mulher, do Adolescente e da Criança, no sexto semestre curricular, através de uma dinâmica grupal que compreendeu quatro momentos. A presente proposta surgiu a partir de uma experiência em coleta de dados de tese de doutorado6, e de vivências realizadas com acadêmicos de uma Escola de Enfermagem da região sudeste do Brasil.
Para tanto recorreu-se à pesquisa de campo com abordagem qualitativa, sendo que a investigação dos dados embasou-se na técnica de grupos focais. Esta constitui-se numa modalidade de pesquisa-ação, considerando a intencionalidade declarada de conscientização para operar na transformação da realidade de modo crítico que rompa com a alienação10.
O Grupo Focal é uma técnica de pesquisa que utiliza as sessões grupais como foros facilitadores da expressão de características psicossociológicas e culturais11. Este prevê a obtenção de dados a partir de discussões cuidadosamente planejadas onde os participantes expressam suas percepções, crenças, valores, atitudes e representações sociais sobre uma questão específica em um ambiente permissivo e não constrangedor12.
A técnica do grupo focal foi eleita pois gera, através da vivência de aproximação, um processo de interação grupal que favorece trocas, descobertas, participações comprometidas, proporciona descontração para os participantes responderem as questões em grupo, em vez de individualmente12; facilita a formação de idéias novas e originais, gera possibilidades contextualizadas pelo próprio grupo de estudo13; e oportuniza a interpretação de crenças, valores, conceitos, conflitos, confrontos e pontos de estrangulamentos em relação ao tema, na prática cotidiana12,14,15; sendo essas vantagens, consideradas, desde já, como ganhos e avanços na formação dos futuros profissionais de enfermagem.
Destaca-se aqui a perspectiva dialética de abordagem grupal aplicada no grupo focal, que ao possibilitar aos próprios participantes discutirem a questão em foco, imbute uma intencionalidade de provocar conscientização, e esta, por sua vez, pode levar, ou não, a uma transformação da realidade de modo crítico, rompendo com a alienação.
Salienta-se que a composição dos grupos levou em conta o traço comum que unia os participantes, conforme orientação do grupo focal, ou seja, todos eram alunos de graduação do curso de enfermagem, todos estavam no sexto semestre, todos tinham idade aproximada entre dezoito e vinte e cinco anos, o que privilegiou a abordagem do tema amparado na vivência já experienciada por todos os sujeitos da pesquisa. Considerou-se pertinente integrar, num mesmo grupo, homens e mulheres, uma vez que a revelação de suas idéias enriqueceria a discussão do tema.
A duração dos encontros grupais também foi definida pela orientação no grupo focal. Cada encontro tinha a duração de aproximadamente três horas, sendo possível, neste tempo, atingir bons níveis de discussão e refletir no debate grupal. A escolha e o preparo do local para os encontros asseguraram privacidade, conforto, fácil acesso e facilidade para a realização do debate e das atividades estimuladoras da discussão, como a confecção dos cartazes e discussões em pequenos e grandes grupos.
Os encontros foram moderados pela pesquisadora, e seguiu-se as indicações do grupo focal para a facilitação do debate. Assim promoveu-se a apresentação da pesquisa, da técnica usada para a construção dos dados, a fomentação dos debates com cuidado, para que todos os participantes pudessem ter espaço igual para suas expressões, a distribuição do tempo, as orientações para as tarefas grupais e a apresentação destas no grande grupo, o encerramento e a avaliação de cada encontro. Essas atividades foram distribuídas em quatro momentos, durante a vivência grupal.
Previamente a essas ponderações, foi estabelecido um contrato grupal de “comprometimento recíproco”, onde os grupos determinaram regras de convivência e cuidados éticos para assegurar o respeito e o sigilo quanto a revelação de suas idéias no acontecer grupal, além da apreciação e autorização de participação através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Este termo segue as normas da Resolução 196/96, do Ministério da Saúde, para pesquisa com seres humanos. Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da instituição a qual a pesquisa está vinculada, sob o registro n° 113/03 de 20/10/2003.
No primeiro momento, foram feitas as apresentações inter-pessoais; as explicações a respeito da função e consecução do grupo focal e ainda foi firmado o contrato grupal de compromisso ético. Este encontro teve como objetivo investigar os significados, as percepções e as concepções sobre sexualidade entre os participantes. Ainda, nesse encontro foi aplicada a técnica de explosão de idéias, a partir do questionamento: “Qual o significado de sexualidade para você?” e “Como você expressa sua sexualidade no dia-a-dia?”.
No segundo momento foi desenvolvido uma discussão grupal sobre as representações individuais dos participantes quanto a sexualidade e realizados relatos de situações que envolvem este evento humano, culminando na elaboração de cartazes em pequenos grupos que expressaram a representatividade grupal de sexualidade.
No terceiro momento, ocorreu a apresentação das representações grupais no grande grupo, com discussão e reflexão acerca do tema, sendo apontados conceitos de sexualidade presentes na área da saúde e destacadas as conceituações com abordagem cultural.
No quarto momento deu-se a avaliação individual da dinâmica através do questionamento “O que o exercício desta reflexão representou para você?”.
A análise e a interpretação dos dados apoiaram-se nas orientações de estudo da área das Ciências Sociais16 para dados de pesquisa qualitativa, compreendendo as seguintes etapas: leitura exaustiva dos dados, categorização por afinidade temática, sub-categorizações e reordenamento de subtemas. A seguir apresentamos o resultado das reflexões acerca das avaliações do exercício grupal.
Interpretando a avaliação dos acadêmicos de enfermagem
A avaliação dessa vivência reflexiva possibilitou construir categorias empíricas com base nas ponderações dos participantes respondendo a questão: “O que o exercício desta reflexão representou para você?”. Apresenta-se a seguir as avaliações realizadas pelo grupo em estudo, que foram organizadas e agrupadas em quatro categorias: ampliação do conceito de sexualidade, autoconhecimento e despertamento pessoal, despontamento para o cuidado humanizado e ambigüidade.
A ampliação do conceito de sexualidade é compreendida como um melhor entendimento sobre a temática, como forma de apropriação de múltiplos conceitos e, também, a emersão de uma nova forma de pensar sobre a sexualidade, possibilitando a libertação de conceitos pré-estabelecidos e a minimização de preconceitos, como pode-se ver nos depoimentos seguintes:
“Eu gostei muito desses encontros, pois tive a oportunidade de refletir melhor e mais profundamente sobre a sexualidade, já que anteriormente não tinha um conceito bem estabelecido sobre o tema e percebia a sexualidade como um relacionamento sexual e o comportamento entre um casal.”
“A reflexão proporcionou um maior entendimento a respeito do assunto, assim como não sendo voltado para o âmbito sexual, mas sim uma representação dos aspectos físicos, culturais, psicológicos e morais do nosso corpo e relacionamento.”
“Esta reflexão está colaborando para o rompimento de algumas idéias preconceituosas.”
“Ressalto que o assunto é uma alternativa para resolver e minimizar problemas que surgem em nossa assistência.”
A partir desse momento de reflexão sobre sexualidade, os participantes estabeleceram condições singulares para suas necessidades, o que se caracterizou pela desconstrução e reconstrução de conceitos. Dessa forma, buscavam as respostas para as indagações e inquietações que o tema conjuga; suscitando uma série de novos questionamentos sobre suas próprias vivências perante a temática.
Quanto ao autoconhecimento e o despertamento pessoal, esses denotam as reflexões sobre o próprio comportamento, confirmação de valores, significados, idéias, reflexões pessoais e profissionais. Tais pensamentos são explicitados nas falas a seguir:
“Em alguns momentos essa reflexão reportou à minha vivência prática enquanto acadêmico de enfermagem, fazendo com que eu fizesse um balanço entre os valores e padrões de comportamento que já incorporei na enfermagem, e as experiências já vivenciadas na assistência prestada aos usuários.”
“O conhecimento explicitado fez com que nos enxergássemos como mulher e enfermeira.”
“Pensar em sexualidade é despertar para o estar vivo, o ser mulher, o realizar-se e o compreender o outro.”
“Como mulher me fez pensar o meu jeito de ser, o da minha mãe, da minha avó, das minhas irmãs e como a sexualidade e os papéis da mulher foram se modificando com o passar dos tempos.
Esta vivência representou um espaço de autoconhecimento e de despontamento pessoal acerca das atividades cotidianas do enfermeiro, no que tange à sexualidade, através do exercício de ouvir a si mesmo e de ouvir os outros, sendo um elemento de conscientização para a pessoa sobre as próprias concepções.
Este exercício culminou também com a percepção do ser mulher e ser enfermeira a um mesmo tempo. Ao pensarem, como mulheres, a sexualidade em uma perspectiva de construção social e cultural perceberam também a extensão dessa na assistência de enfermagem.
Ao mesmo tempo, como a sexualidade é uma condição universalmente vivienciada pelas pessoas, cada qual com sua singular construção cultural e social, ela permite nessa dimensão de construção, que o sujeito da vivência se relacione consigo mesmo e com as demais pessoas, expressando, através de seus pensamentos, ações e sentimentos, o seu papel como mulher ou homem no mundo5.
No que tange o despontamento para o cuidado humanizado, as reflexões oportunizaram o desvelamento da sexualidade como um dos elementos inerentes à todo o ser humano e cada qual com suas especificidades. Esse desvelamento apontou para a necessidade de um cuidado humanizado com o corpo sexuado dos sujeitos do nosso cuidado, como observa-se nos depoimentos abaixo citados:
“O exercício dessa reflexão me trouxe o pensar o outro, o ser enfermeira pensante, ou seja, entender o que o outro está sentindo.”
“Após a aula percebi o quão importante é debater sobre a sexualidade dentro de uma equipe de saúde, pois muitas vezes procedimentos são feitos com constrangimento por não saber como agir em certas situações.”
É considerável referenciar que este exercício permitiu a percepção de que o tema abordado, contém implícito procedimentos como regras, normas, valores e significados culturais instituídos, além de ser permeado por elementos de natureza ética, tais como: respeito, dignidade e compromisso. O conhecimento disso desatou ou reforçou inquietudes quanto a forma que o tema tem sido vislumbrado na área da saúde, em especial, pela enfermagem e alertou para a urgência de uma transformação em nível pessoal, profissional, e educacional para a enfermeira.
Referente ao conceito de ambigüidade, esta é expressada pela contradição e ambivalência presentes nas falas de alguns acadêmicos de enfermagem, como pode ser observado abaixo:
“Ao mesmo tempo que me vejo como uma mulher corajosa aos enfrentamentos e escolhas da vida, sinto-me dependente de um contexto familiar e de uma sociedade machista, que impõe à mulher o dever de ser feminina, frágil, dócil,... difícil conciliar esse estereótipo nos dias atuais.”
“Na profissão às vezes nos sentimos ‘assexuados’, pois não queremos reagir de maneira diferente quando vemos ou tocamos o corpo de alguém. Mas ao mesmo tempo notei quanto é diferente o tratamento com as pessoas. Assim como sou uma pessoa aberta, sem pudores, as outras pessoas são diferentes e devemos respeitar a sexualidade de cada um, não devemos ignorá-la.”
Estes momentos de mediatização possibilitaram uma avaliação dos procedimentos, emoções, significados e percepções acerca do tema em foco tanto no cotidiano pessoal, quanto no viés da formação acadêmica. Nesse sentido, entende-se que o despertar para práticas educativas em saúde, como as vivenciadas neste grupo, promovem a construção de uma prática mais participativa, onde os sujeitos envolvidos podem desenvolver suas potencialidades e criatividades, por meio do diálogo, em busca de um saber coletivo17.
Portanto, acredita-se que essa vivência constituiu um espaço integrador e de compartilhamento de experiências. Além disso, entende-se que a mesma facultou o olhar o outro e encontrar similaridades nas singularidades que compõem a todos. Sendo assim, considera-se que esse espaço, além de ter oportunizado um aprimoramento da compreensão da sexualidade embasado em uma perspectiva cultural, também desmitificou uma visão de mundo que buscava omitir sua existência.
Considerações finais
Como os encontros grupais foram baseados em pressupostos do grupo focal, é interessante destacar que esta pesquisa permitiu o desenvolvimento de um processo avaliativo acerca do tema em foco, pelos próprios sujeitos do processo onde ocorreu a investigação científica. Possibilitou que eles percebessem sua realidade e vislumbrassem novos caminhos para a transformação de situações. Promoveu, ainda, trocas a partir do compartilhamento de informações, idéias, opiniões e expressões pessoais de cada vivência, gerando a construção de um conhecimento coletivo e comprometido entre os participantes do grupo, vindo ao encontro do referido em estudo da área da Saúde Coletiva12, a respeito da técnica do grupo focal.
Os participantes deste exercício experenciaram o vivenciar grupal, e puderam a partir disso, sentir, como integrantes do grupo, as qualidades de um espaço de abertura, de reflexão, de autoconhecimento, de compartilhamento das idéias que a sessão grupal oportunizou. Considera-se, dessa forma, a essência do despertar para o processo educacional como área social, o qual deve perpassar a idéia de ensino formal, na busca da constituição não só de uma cidadania plena, mas também para uma vida melhor18 .
Os aspectos da confiabilidade e da espontaneidade que premiaram os grupos de discussão, oportunizaram que cada participante expusesse, naquele momento, suas debilidades e dificuldades. Cabe ressaltar que este exercício teve a intenção de conduzir ao pensamento crítico e a um processo de desalienação.
Entende-se que a sexualidade está relacionada com todos os aspectos da vida humana. Portanto, ao desvendar sua visibilidade, do espaço privado ao público, a pessoa realmente despe-se de suas armaduras e máscaras. No entanto, esse fato somente ocorre em momentos especiais como os experenciados nos grupos desenvolvidos, por exemplo. Tais momentos permitiram, além da abordagem do tema, relacioná-lo a aspectos que foram construídos na base da socialização primária, possibilitando a autopercepção de cada participante e a visualização de caminhos que melhor transformassem (ou não) suas situações.
Finalizando, reitera-se o chamamento instigado em tese de doutorado6 de que esta temática extrapola um mero conteúdo teórico a ser discutido limitadamente, num momento especial da formação da enfermeira. Igualmente, destaca-se que pensar a sexualidade é um compromisso de todas os enfermeiros; portanto, não deve ser programada para ser assistida, restritamente por uma determinada área ou disciplina. Alerta-se neste exercício reflexivo para que o caráter limitante que direciona esta temática ao enfoque biologicista, reprodutivista e patologicista, os quais ainda predominam na área da saúde, seja progressivamente abandonado.
Na mesma direção conclama-se que, a consciência da sexualidade como parte da integralidade do ser humano permite atentar para não fortalecer a dicotomia existente no cuidado prestado às pessoas. Dessa forma, precisa-se perceber esse tema como uma dimensão social e cultural, que faz parte da vida de cada sujeito, que é centro do cuidado. Assim, reforça-se o entendimento de que este tema urge ser visibilizado em todos os momentos do cuidado de enfermagem.
Na mesma direção, reforça-se que a sexualidade, por constituir um expressão humana e portanto singular, caracteriza-se por um conceito amplo e simbólico, o qual não é fixo e nem estático por natureza. Compreende-se que a consciência da sexualidade como parte da integralidade do ser humano permite atentar para a superação da perspectiva essencialista que cerca seu conceito. Desta forma, é necessária a percepção desse tema como objeto de um processo de construção imerso em uma dimensão social e cultural, que faz parte da vida de cada sujeito, o qual constitui o centro do cuidado.
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-Concepção e desenho: Lúcia Beatriz Ressel. -Análise e interpretação: Lúcia Beatriz Ressel; Graciela Dutra Sehnem; Emanoelli Büttenbender.-Escrita do artigo: Lúcia Beatriz Ressel; Graciela Dutra Sehnem; Emanoelli Büttenbender.-Revisão crítica do artigo: Maria de Lourdes Denardin Budó.-Aprovação final do artigo: Lúcia Beatriz Ressel; Maria de Lourdes Denardin Budó.-Colheita de dados: Lúcia Beatriz Ressel.-Provisão de pacientes, materiais e recursos: Lúcia Beatriz Ressel.-Obtenção de suporte financeiro: Lúcia Beatriz Ressel.-Pesquisa bibliográfica: Lúcia Beatriz Ressel; Graciela Dutra Sehnem; Emanoelli Büttenbender.-Suporte administrativo, logístico e técnico: Graciela Dutra Sehnem; Emanoelli Büttenbender.
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Received:
Jul 31, 2007
Revised: Jan 3, 2008
Accepted: Feb 24, 2008