Overweight and obesity in public schools' adolescents from Fortaleza: an exploratory study
Sobrepeso e obesidade em adolescentes de escolas públicas de Fortaleza: um estudo exploratório

 Marta Maria Coelho Damasceno 1, Ana Roberta Vilarouca da Silva 2, Hérica Cristina Alves de Vasconcelos 2, Márcio Flávio Moura de Araújo 3, Paulo César Almeida 4, Roberto Wagner Júnior Freire de Freitas 3

 1Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil. Departamento de Enfermagem. Pesquisadora do CNPq; 2 Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil. Alunas do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem; 3 Universidade Federal do Ceará, CE, Brasil. Bolsistas IC/CNPq.; 4 Universidade Estadual do Ceará, CE, Brasil.

 

Abstract: Nowadays overweight is a condition that prepares adolescents to several chronical diseases in the future. Thus, the objective was to find out overweight and obesity cases in public schools' adolescents from Fortaleza. 720 students, from 12 schools, between 14 and 19 years of age were investigated in the months of February and March, 2006, by means of a form application in which socio-demographic features, weight, height, Body Mass Rate (BMR) were recorded. Results highlighted that 65.8% were between 14-17 years old, 81% attended highschool, 59.3% belonged to the female gender and 12.9% had an above normal BMR. Out of these, 10.3% were overweight, 2.6% were obese, 7.6% belonged to the female gender and 8.4% were between 14-17 years old. Overweight/obesity predominance was higher in those with lower income, although a statistically significant association was not found (p=0.342). However, there was a significant association between BMR and age (p= 0.003). It was inferred that the raise of overweight cases among the investigated may be related to the adoption of a predisposing lifestyle. In this context, the nurse should implement intervention and prevention actions such as education in health and early detection of overweight cases.

Key words: overweight; obesity; adolescent's health 

Resumo: O excesso de peso é, atualmente, uma condição que predispõe os adolescentes a várias doenças crônicas no futuro. Assim, objetivou-se detectar casos de sobrepeso e obesidade em adolescentes de escolas públicas da cidade de Fortaleza. Investigou-se 720 estudantes, de doze escolas, com idade entre 14 e 19 anos, nos meses de fevereiro e março de 2006, mediante a aplicação de um formulário no qual registrou-se as características sócio-demográficas, o peso, a estatura e o Índice de Massa Corporal (IMC). Os resultados evidenciaram que 65,8% tinham entre 14-17 anos, 81% cursavam o ensino médio, 59,3% eram do sexo feminino e 12,9% estavam com o IMC acima do normal. Desses, 10,3% tinham sobrepeso, 2,6% obesidade, 7,6% eram do sexo feminino e 8,4% se encontravam na faixa etária entre 14-17 anos. A prevalência de sobrepeso/obesidade foi maior naqueles com menor renda, embora não tenha sido encontrada associação estatisticamente significante (p=0,342). No entanto, houve associação significante entre IMC e idade (p=0,003). Concluiu-se que a ascensão de casos de excesso de peso entre os pesquisados, pode estar relacionada à adoção de um estilo de vida predisponente. Nesse contexto, o enfermeiro deve implementar ações de intervenção e prevenção como a educação em saúde e a detecção precoce de casos de excesso de peso.  

Palavras-chave: sobrepeso, obesidade, saúde do adolescente. 

INTRODUÇÃO

O atual estilo de vida globalizado trouxe aos países em desenvolvimento uma inversão epidemiológica: a decadência das deficiências nutricionais e doenças infecciosas e a ascensão das doenças crônico-degenerativas, especialmente, as cardiovasculares, o que pode estar relacionado às alterações da dieta e da composição corporal dos indivíduos 1.

Hoje, no Brasil, principalmente nas classes menos favorecidas, a população está vivendo uma progressão na prevalência de sobrepeso e obesidade, de maneira que dentro de 20 anos, caso medidas não sejam tomadas, o país estará na atual situação dos Estados Unidos, onde a obesidade e suas complicações constituem um dos maiores problemas de saúde pública 2. Especificamente, na população infanto-juvenil, os estudos pontuam que a prevalência de excesso de peso triplicou, em detrimento da redução pela metade dos casos de desnutrição no Brasil 3.

O sobrepeso e a obesidade, por seu caráter genético e ambiental, podem se manifestar em qualquer época da vida, sendo a adolescência um período crucial devido às mudanças biológicas, sócio-culturais e comportamentais que podem modificar o padrão nutricional e o crescimento. A Organização Mundial de Saúde (OMS), a partir de recentes publicações, pontua que mais de 300 milhões de pessoas sejam acometidas por sobrepeso e obesidade. Acerca dos adolescentes ainda não há um valor da prevalência global, porém estimativas apontam que um quinto da população mundial entre 10 e 19 anos seja acometida por excesso de peso 4.

Na compreensão da gênese do excesso de peso na população infanto-juvenil, os estudos relatam que os principais responsáveis pelo desenvolvimento da obesidade nesses grupos são um padrão dietético hipercalórico e um estilo de vida sedentário. Deve-se enfatizar que os hábitos alimentares se formam, paulatinamente, no decorrer dos primeiros anos, sendo incorporados progressivamente e, na dependência de erros no estabelecimento de determinados padrões alimentares, a repercussão de adiposidade pode acontecer ainda na infância, com o risco de se manter até a idade adulta 5, 6.

Na adolescência a necessidade de calorias encontra-se acentuada, provocando um aumento do apetite e possível ganho de peso. Além disso, essa fase, caracterizada pela rebeldia e independência familiar, leva à seleção de alimentos, à adoção da prática de realizar refeições fora de casa e à preferência por certos alimentos, que nem sempre são condizentes com uma dieta nutricionalmente balanceada e saudável 7.

A obesidade, na infância e adolescência, tem sido associada ao surgimento de morbidades como hipertensão, principal doença cardiovascular de países em transição epidemiológica como o Brasil, dislipidemias, apnéia do sono (37% dos obesos), problemas ortopédicos (80% dos obesos), distúrbios emocionais e diabetes mellitus tipo 2. Nesse, o risco habita na hiperinsulinemia e na alteração no metabolismo da glicose que chega a ser de 25%. Além disso, a adiposidade infanto-juvenil determina maior ocorrência de doenças cardiovasculares na idade adulta. Em países desenvolvidos a obesidade também tem sido relacionada a um menor grau de sucesso profissional e a menores salários 6, 8, 9.

No Brasil ainda há poucos estudos sobre a prevalência de excesso de peso em adolescentes. Dentre esses, muitos apresentam análise com alguns anos de atraso e com limitações metodológicas na estratificação e seleção das amostras, além da desatenção sobre as modificações substanciais da condição nutricional brasileira nos últimos 15 anos 10.

Tendo em vista a relevância da ascensão do excesso de peso no quadro das doenças crônico-degenerativas no Brasil, sobretudo entre crianças e adolescentes, e a escassez de estudos nessa temática no estado do Ceará, objetivou-se, com a presente investigação, detectar casos de sobrepeso e obesidade em adolescentes de escolas públicas da cidade de Fortaleza. 

MATERIAL E MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal realizado em doze escolas da rede pública estadual, situadas em Fortaleza-Ceará. Para a seleção das escolas, considerou-se o fato de que Fortaleza é dividida em seis regiões, abrangendo 197 escolas.

De cada uma das regiões escolheu-se duas escolas, localizadas em bairros distintos e com diferentes cenários de infra-estrutura, serviços e condições socioeconômicas, a fim de se construir um quadro mais fidedigno da situação da capital quanto ao excesso de peso juvenil.

A população foi constituída por adolescentes de 14 a 19 anos, de ambos os sexos, matriculados nas escolas selecionadas. Esse intervalo de idade foi escolhido, tendo como base resultados de pesquisas anteriores que apontam o aumento de casos de obesidade nessa faixa etária 10 - 12. Além disso, ter envolvido sujeitos inseridos nessa faixa, propiciou uma coleta de dados mais concisa e fidedigna, pois acredita-se que tenham uma compreensão maior para atender aos requisitos necessários para a pesquisa.

            Outros aspectos considerados na seleção dos indivíduos foram a exclusão de alunos que tivessem diagnóstico de alguma doença crônica ou condição que interferisse nos padrões antropométricos e daqueles que, no momento da avaliação, tivessem algum impedimento para a obtenção das medidas antropométricas. O tamanho da amostra foi calculado, utilizando-se uma fórmula para população infinita13. Com vistas a prováveis perdas de sujeitos e/ou de informações, acrescentou-se uma margem de 20% a esse tamanho amostral. Assim, o “n” final culminou em 720 escolares.

            A seleção dos alunos em cada sala de aula ocorreu por sorteio, após a explanação dos objetivos e metodologia do estudo, sendo respeitado o desejo de participar e os critérios de exclusão já citados. A coleta de dados foi realizada nos meses de fevereiro e março de 2006, aplicando-se um formulário estruturado, abordando dados pessoais, características sócio-demográficas, medidas antropométricas (peso e altura) e prática de atividade física. O peso foi obtido em uma única tomada, com os indivíduos descalços e com roupas leves, utilizando-se uma balança portátil digital com capacidade de 120 kg e uma precisão de 0,1 kg. A estatura foi verificada em uma única tomada, sendo utilizada uma fita métrica com escala de 0,5 cm. No intuito de assegurar a precisão da estatura, os pesquisados foram orientados a se posicionarem eretos e imóveis, com as mãos espalmadas sobre as coxas e com a cabeça ajustada ao plano de Frankfurt 14, 15.

            O Índice de Massa Corpórea (IMC) foi calculado pela fórmula [peso (kg)/altura(m2)] e a interpretação baseou-se na idade e no sexo dos pesquisados, preconizada por Cole e colaboradores 16, 17.

            Analisaram-se os dados com o auxílio do Programa Epinfo versão 6.0, por meio da estatística descritiva. Para as análises de associação entre variáveis, utilizou-se os testes não paramétricos de Qui-Quadradado e de Fischer; para se detectar médias de variáveis quantitativas empregou-se o t de Student. Em todos os testes, fixou-se o nível de significância de 5% e os resultados foram apresentados em tabelas.

            Em relação aos aspectos éticos, atendeu-se as exigências das Diretrizes e Normas da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, apresentadas na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (CNS)18. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em pesquisa do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará-COMEPE e os adolescentes menores de 18 anos obtiveram a autorização dos pais ou responsáveis para participar do estudo.

RESULTADOS

Dentre os 720 adolescentes estudados, 59,3% eram do sexo feminino. Houve uma participação equiparada das faixas etárias, pois 32,7%, 33,2% e 34,1% tinham, respectivamente, 14-15, 16-17 e 18-19 anos. A idade média foi de 16,5 anos, desvio padrão de 1,6 e mediana de 17 anos.   Em relação à escolaridade, participaram alunos desde a 8ª série do ensino fundamental até o 3º ano do ensino médio. A parcela predominante dos alunos (33,1%) cursava o 1º ano do ensino médio. Cerca de 91,1% dos pesquisados referiram ter renda familiar mensal de 3 salários mínimos. Apenas 0,8% tinham renda mensal de 8-10 salários. Em média as famílias ganhavam 2 salários mensais(Tabela 1)

Tabela 1. Distribuição da amostra segundo as variáveis sóciodemográficas. Fortaleza. 2006.


1
Ensino Fundamental; 2 Ensino Médio; 3 Salário Mínimo de R$300,00 reais.

Detectou-se uma prevalência de 12,9% de adolescentes com IMC elevado, sendo, dentre esses, 10,3% classificados com sobrepeso e 2,6% com obesidade. Os estudantes classificados com IMC normal representaram 87,1% da população investigada.

Quanto à associação do IMC e o sexo, observou-se que 7,6% das meninas e 5,3% dos meninos apresentaram sobrepeso/obesidade, sendo mais prevalentes os casos de sobrepeso para ambos os sexos com percentuais de 6,0% e 4,3%, respectivamente, não tendo sido encontrada associação estatisticamente significante entre sexo e IMC (p=0,840).

Na tabela 2, ao se correlacionar a classificação do IMC e a idade dos participantes, os valores encontrados foram muito próximos, podendo-se dizer que são praticamente idênticos para as idades estudadas. O IMC mostrou associação estatisticamente significante com a idade (p=0,003). Pôde-se constatar ainda, em relação à renda familiar dos indivíduos com elevação do IMC, que a prevalência de sobrepeso/obesidade (11,6%) foi maior nos alunos com menor renda (até 3 salários), enquanto que naqueles com maior renda(8-10 salários) não foram detectados casos de IMC elevado. Não se encontrou associação estatisticamente significante entre o IMC e a renda familiar dos estudantes (p=0,342).

Tabela 2. Distribuição da amostra, segundo a relação da classificação do Índice de Massa Corporal com características socioeconômicas. Fortaleza. 2006.

Variáveis

Classificação do IMC

TOTAL

 

 

Normal

 

Sobrepeso

 

Obesidade

 

 

N

%1

N

%

N

%

X 2

p                    

Sexo

 

 

 

 

 

 

 

 

Feminino

372

51,7

43

6,0

12

1,6

 

 

Masculino

255

35,4

31

4,3

 7

1,0

0,041

0,840

Total

627

87,1

74

10,3

19

2,6

 

 

 

 

 

 

 

Idade

 

 

 

 

14-15

204

28,3

26

3,6

 5

0,7

 

 

16-17

209

29,1

22

3,1

 8

1,0

19,69

0,003

18-19

214

29,7

26

3,6

 6

0,8

 

 

Total

627

87,1

74

10,3

19

2,6

 

 

 

 

 

 

 

Renda

 

 

 

 

0-3 SM2

572

79,4

68

9,4

16

2,2

 

 

4-7 SM

49

6,8

 6

0,8

 3

0,4

6,78

0,342

8-10 SM

 6

0,8

 0

 0

 0

 0

 

 

Total

627

87,1

74

10,3

19

2,6

 

 

 

 

 

 

 

Trabalho

 

 

 

 

Sim

102

14,2

11

1,5

 3

0,4

 

 

Não

525

72,9

63

8,8

16

2,2

0,098

0,952

Total

627

87,1

74

10,3

19

2,6

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 As freqüências são em relação ao total 720;  2 SM= Salário Mínimo de R$300,00 reais

 Conforme os dados mostrados na tabela 2, observou-se que 16,1% dos adolescentes afirmaram exercer alguma atividade profissional. Enquanto as meninas referiram trabalhar como doméstica, babá, secretária e professora; os meninos trabalham como vendedor ambulante, empacotador, pedreiro, professor de dança, mecânico dentre outros. Cerca de 1,9% dos adolescentes que tinham sobrepeso/obesidade eram engajados em alguma atividade profissional, contudo, não foi detectada associação estatisticamente significante entre atividade profissional e IMC (p=0,952).

Constatou-se ainda que os casos de sobrepeso/obesidade foram mais prevalentes nos adolescentes que não praticavam exercícios físicos regularmente, conforme demonstra a tabela 3. Entretanto, não foi encontrada associação estatisticamente significante entre atividade física e IMC (p=0,836).

Tabela 3. Distribuição da amostra em relação à classificação do índice de massa corporal e a prática de atividades físicas.  Fortaleza. 2006.

Atividade física

Classificação do IMC

                       

Total

 

Normal

Sobrepeso

Obeso

X2

p

 

Pratica

154 (21,4%)

20 (2,8%)

 4 (0,4%)

 

0,357

 

0,836
 

 

Não pratica

473 (65,7%)

54 (7,5%)

15 (2,1%)

 

Total

627 (87,1%)

74 (10,3%)

19 (2,6%)

 

 DISCUSSÃO

Investigações em todo o cenário mundial ressaltam a importância de se estudar a prevalência de sobrepeso/obesidade, entre crianças e adolescentes, como meio preditor da saúde da população no futuro, frente à associação entre excesso de peso e a gênese de doenças crônico-degenerativas na adultícia. 

Nesse estudo os percentuais em torno de sobrepeso e obesidade alcançaram 10,3% e 2,6% dos avaliados, respectivamente. Pesquisa de abrangência mundial, realizada a partir de dados nacionais de nutrição de diferentes períodos no Brasil, Estados Unidos, China e Rússia, avaliou o excesso de peso em crianças e adolescentes na faixa etária de 6-18 anos. Os resultados revelaram que a prevalência de sobrepeso, no Brasil, subiu de 4,1% para 13,9%, o mesmo ocorreu na China (de 6,4% para 7,7%) e nos Estados Unidos (de 15,4% para 25,6%), enquanto na Rússia diminuiu de 15,6% para 9,0% 19.

Neutzling e colaboradores encontraram que as prevalências de sobrepeso e obesidade em adolescentes brasileiros são mais baixas (7,7%) que as apresentadas em inquéritos nacionais de outros países, e que isso corresponde a três vezes menos que as prevalências encontradas nos Estados Unidos e na Arábia Saudita. Todavia, enfatizam que esse quadro é dinâmico e que, o Brasil, onde a obesidade está aumentando de forma alarmante, está sofrendo uma transição nutricional 20.

Pesquisa recente realizada em Maceió com 1253 estudantes de 7-17 anos mostrou valores para risco de sobrepeso e sobrepeso de, respectivamente, 9,3% e 4,5% das crianças e adolescentes. Outro inquérito epidemiológico, desenvolvido em Recife com 1616 estudantes de 10-19 anos, demonstrou uma prevalência de sobrepeso e obesidade de 10,8% e 4,9% respectivamente 21, 22.

 Estudo desenvolvido em Belo Horizonte com 1450 estudantes de 6-18 anos apontou prevalência de 8,4% e 3,1% para sobrepeso e obesidade, respectivamente, correspondendo a 11,5% de adolescentes com excesso de peso (IMC> percentil 85). Já Triches e Giugliano, em uma investigação sobre obesidade, práticas alimentares e conhecimentos de nutrição, envolvendo 573 escolares do Rio Grande do Sul, encontraram uma prevalência maior de sobrepeso e obesidade, em relação aos estudos brasileiros anteriores, obtendo valores de 16,9% e 7,5%, respectivamente 3, 23.

Especificamente, no Ceará, a avaliação mais recente, realizada por Campos, ocorreu em Fortaleza, ocasião na qual foram investigados 1.158 adolescentes escolares de 10 a 19 anos, tendo sido detectada uma prevalência de 19,5% de sobrepeso/obesidade 24. A divergência acerca dessas taxas de prevalência é reflexo da variabilidade ou discordância dos sistemas de classificação para sobrepeso/obesidade em crianças e adolescentes, motivo de dificuldade de comparação entre estudos dessa temática e da identificação de valores comuns. Outro aspecto dificultoso é a variação que há entre adolescentes, dependendo da raça e estágio de maturação sexual, quanto à distribuição de gordura corpórea e índices antropométricos 24-26.

            Apesar de as meninas terem sido mais acometidas por sobrepeso/obesidade (7,6%) do que os meninos (5,3%), nessa pesquisa, não houve uma associação estatisticamente significante entre IMC e sexo. Quanto à relação de sobrepeso/obesidade e gênero ainda há controvérsias quanto a um acometimento maior de um dos sexos. Neutzling e colaboradores, com base nos dados de adolescentes de 10 a 19 anos da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN), utilizando como ponto de corte o percentil 85 do IMC da população norte-americana proposto pela National Heart and Nutrition Examination Survey (NHANES) 1, encontrou prevalência de 7,7% de sobrepeso/obesidade, sendo 10,6% para meninas e 4,8% para meninos. Anjos, analisando os dados das regiões nordeste e sudeste do Brasil contidos nesse inquérito, observou tendência positiva do IMC para meninos da região sudeste 20, 27.

É importante destacar que durante a fase da puberdade existe uma diferença entre os sexos quanto à distribuição da gordura corporal. Nos meninos, ocorre uma redistribuição do acúmulo de gordura das extremidades para o tronco e nas meninas há uma tendência a ocorrer o inverso, sendo que essa diferença acontece pelas modificações nos níveis de estrógeno e testosterona durante a puberdade. No entanto, a quantidade excessiva de gordura corporal em adolescentes é acompanhada pelo maior depósito de gordura na região abdominal em relação às extremidades, independente do sexo 28.

Nessa pesquisa observou-se uma relação estatisticamente significante entre idade e IMC. Em estudo sobre a prevalência de sobrepeso/obesidade em escolares do município de Fortaleza, Campos detectou que nas escolas públicas, adolescentes mais jovens (10 a 14 anos) apresentaram maior freqüência de sobrepeso/obesidade (21,8%) do que adolescentes de 15 a 19 anos (15,5%), mas sem apresentar significância estatística. Nas escolas privadas, essa diferença foi estatisticamente significante (31,1% e 13,6%, respectivamente)24.  Silva e colaboradores verificaram em um trabalho com 1616 crianças e adolescentes que a prevalência de sobrepeso (14,5%) e obesidade (8,3%) foi maior nos pré-escolares (22,2%), observando-se uma regressão progressiva das freqüências nos escolares (12,9%) e adolescentes (10,8%). Nos casos de obesidade, detectou-se a prevalência de 13,8%, 8,2% e 4,9% para pré-escolares, escolares e adolescentes 21.

O presente estudo, seguindo as tendências das publicações sobre a temática em questão, constatou que o sobrepeso e a obesidade foram mais prevalentes naqueles de menor condição financeira com taxas de 9,4% e 2,2%, respectivamente. Os autores destacam a complexidade da relação entre a condição socioeconômica e o risco para a obesidade, sendo essa uma discussão controversa. O Brasil é um exemplo dessa complexidade, ao mostrar, por estudos, que, independente da região ou condição econômica, não há grandes discrepâncias nas taxas de prevalências de adiposidade. 29

Martorell e colaboradores referiram que, na América Latina, a obesidade infantil é mais predominante em famílias de menor condição socioeconômica e escolaridade materna elevada. No nordeste brasileiro, encontrou-se dois estudos que apóiam essa vertente. O primeiro, com 1616 estudantes em que sobrepeso/obesidade foram maiores entre os adolescentes de melhor condição social. Igualmente, Silva e colaboradores observaram uma associação significante entre risco para sobrepeso e sobrepeso e estudantes das classes sociais A e B 22, 30, 31

Sobre a prevalência de sobrepeso e obesidade em adolescentes masculinos no nordeste do Brasil (1980-2000), os dados mostraram que estados menos favorecidos sócio-economicamente foram os que apresentaram maiores prevalências de sobrepeso e obesidade, o que leva a questionar se esse fato é decorrente de um maior aporte calórico no final da adolescência ou se o problema ocorre em indivíduos com baixa estatura de causa nutricional, secundária a uma possível subnutrição nos primeiros anos de vida 31

É pertinente pontuar ainda que uma alimentação saudável, incluindo frutas e verduras, tem custo elevado para famílias de baixa renda. Paralelamente, a indústria alimentícia disponibiliza vários alimentos hipercalóricos, mais saciáveis, palatáveis e baratos, o que os torna acessíveis às classes de alta e baixa renda. Além disso, observa-se, nas pessoas de menor renda do continente latino-americano, mais dificuldades e menos oportunidades de se engajarem em atividades físicas, fato decorrente da falta de conhecimento dessas acerca dos benefícios da atividade física 32.

 Apenas 1,9% dos pesquisados com sobrepeso/obesidade exerciam alguma atividade laboral. Porém, não foram encontrados estudos que relacionassem a classificação do IMC com o engajamento em atividades profissionais. Sabe-se, porém, que cada vez mais os adolescentes estão iniciando as atividades profissionais muito precocemente, principalmente aqueles de classe socioeconômica baixa, nem sempre desempenhando atividades com grande gasto energético.

            Nessa investigação verificou-se que sobrepeso/obesidade predominam naqueles que não praticavam atividades físicas habitualmente. O aumento na prevalência do sobrepeso e obesidade, no mundo, tem como um dos fatores determinantes a redução progressiva na energia gasta no exercício de atividades profissionais, pessoais ou diárias, que não foram compensadas com o incremento de atividades durante as horas de lazer 33.

             Pardo, ao associar IMC e hábitos sedentários em estudantes adolescentes encontrou que dos 131 alunos, aproximadamente, um quarto apresentou sobrepeso, sendo que hábitos sedentários foram encontrados na população juvenil de um modo geral, independente do IMC 34.

A prática de atividade física é um importante determinante das características físicas dos adolescentes. A obesidade em adolescentes resulta do desequilíbrio entre atividades reduzidas e padrão alimentar hipercalórico, sendo o número de horas que um adolescente passa assistindo tevê um importante fator de risco associado à obesidade, acarretando um aumento de 2% na prevalência dessa patologia para cada hora adicional de televisão em jovens de 12 a 17 anos 28, 35,. A atividade física sistemática, dificilmente, é tolerada pelos adolescentes, portanto, deve-se ter criatividade ao se propor essas atividades aos jovens 36.  

CONCLUSÕES

            A escassez de estudos, envolvendo a prevalência de sobrepeso/obesidade em adolescentes, no estado do Ceará, foi o ponto de partida para a realização da presente investigação. Encontrou-se 10,3% de casos de sobrepeso e 2,6% de obesidade, resultados semelhantes aos que foram apontados em pesquisas desenvolvidas em outras capitais brasileiras, o que pode estar relacionado à adoção de um estilo de vida predisponente ao excesso de peso.

            Tal realidade permite reiterar que o sobrepeso e a obesidade devem ser considerados um problema de saúde pública emergente. Contudo, não bastam apenas as informações sobre a prevalência de ambas as condições. São também necessárias ações de intervenção para combater os casos detectados, assim como, ações de prevenção, uma vez que o excesso de peso é um dos principais preditores da qualidade de vida e de saúde do adulto. 

            Nesse sentido, o enfermeiro pode colaborar na viabilização de políticas públicas de saúde direcionadas ao combate da ascensão do sobrepeso/obesidade, como no planejamento e desenvolvimento de ações que visem à prevenção e detecção precoce de casos de adiposidade juvenil.           As escolas, onde crianças e adolescentes permanecem por longos períodos, são espaços propícios para a aprendizagem e a socialização, apresentando-se como locais adequados para o enfermeiro implementar ações de educação em saúde centradas nos hábitos alimentares e na prática de atividade física. Isso não envolvendo somente os estudantes, mas a família, os professores e os demais profissionais que atuam na instituição. 

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Marta Maria Coelho Damasceno e Ana Roberta Vilarouca da Silva; Análise e interpretação: Marta Maria Coelho Damasceno, Paulo César de Almeida, Ana Roberta Vilarouca da Silva e Márcio Flávio Moura de Araújo.; Escrita do artigo: Marta Maria Coelho Damasceno, Ana Roberta Vilarouca da Silva e Márcio Flávio Moura de Araújo; Revisão crítica do artigo: Marta Maria Coelho Damasceno e Paulo César de Almeida. Aprovação final do artigo: Marta Maria Coelho Damasceno e Paulo César de Almeida.Coleta de dados: Hérica Cristina Alves de Vasconcelos, Ana Roberta Vilarouca da Silva e Roberto Wagner Júnior Freire de Freitas.Provisão de pacientes, materiais ou recursos: Marta Maria Coelho Damasceno e Ana Roberta Vilarouca da Silva.Expertise em Estatística: Paulo César de Almeida; Pesquisa bibliográfica: Hérica Cristina Alves de Vasconcelos, Ana Roberta Vilarouca da Silva, Márcio Flávio Moura de Araújo e Roberto Wagner Júnior Freire de Freitas. Suporte administrativo, logístico e técnico: Universidade Federal do Ceará, CAPES e CNPq.

Endereço para correspondência:Avenida Senador Virgílio Távora, 1900, apartamento 401, Aldeota. Fortaleza-CE. CEP: 60.170-251

 Received May 15th, 2007
Revised Jul 19th, 2007
Accepted: Aug 25th, 2007