Qualidade de vida do aluno-trabalhador do Curso de Habilitação Profissional Técnica de Nível Médio em Enfermagem

Quality of life of the worker-students enrolled in the Middle Level Technical School for Professional Qualification in Nursing.

 Ana Paula Martins Nunes1; Arlete Silva2

1 Escola de Enfermagem da Santa Casa de São Paulo. São Paulo (SP). 2 Universidade Guarulhos. Guarulhos, São Paulo (SP)

 ABSTRACT: This study has as objectives the identification of the characteristics of the worker-students enrolled in the Middle Level Technical School for Professional Qualification in Nursing and the evaluation of their Quality of Life. It is a descriptive, exploratory, cross-sectional field study, with a qualitative focus. The population consisted of 101 worker-students enrolled in the morning, afternoon and night periods, in a private technical school in the city of S. Paulo. To evaluate their Quality of Life we used the Ferrans and Powers QOL, obtained from four dominions: Health/functioning, Socialeconomic, Psychologic/spiritual and Family. The QOL showed reliability, for this study, with an alpha value of 0.84. The majority (82.2%) of the students were females, 63.3% caucasian, 65.7% were aged between 19 and 29 years, 68.3% were single, 73.3% had no children, 82.8% said they slept less than 6 hours/day, 90.1% said they didnt eat properly and did it at incorrect hours. As for leisure, 67.9% of them referred to visiting family or friends  and 63.1% referred to watching TV. In the evaluation of their Quality of Life we obtained the following scores: total Quality of Life, 21.07 (SD=4.50), Health/functioning, 20.01 (SD=5.03); Socio-economic, 20.09 (SD=4.82); Psychologic/spiritual, 23.58 (SD=5.41); and Family, 22.18 (SD=6.61). The Quality of Life of the worker-students was considered to be good in all dominions of QOL.

 Keywords: quality of life; nursing students; workers

 RESUMO: Este estudo teve como objetivos identificar as características do aluno-trabalhador do Curso de Habilitação Profissional Técnica de Nível Médio em Enfermagem e avaliar a sua qualidade de vida. Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, transversal, de campo, com abordagem quantitativa. A população foi composta por 101 alunos-trabalhadores matriculados nos períodos da manhã, tarde e noite em uma escola técnica privada na cidade de São Paulo. Para a avaliação da qualidade de vida foi utilizado o IQV de Ferrans e Powers, composto por quatro domínios: Saúde/funcionamento, Socioeconômico, Psicológico/espiritual e Família. O IQV mostrou confiabilidade para este estudo com o valor de Alfa=0,84. A maioria (82,2%) dos alunos é do sexo feminino, 63,6% da raça branca, 65,7% entre 19 e 29 anos de idade, 68,3% solteiros, 73,3% sem filhos; 82,8% referiram dormir menos de 6 horas/ dia, 90,1% não se alimentam de forma adequada e nos horários corretos. Quanto ao lazer, 65,7% referiram visitar familiares e amigos e 63,1% assistir à televisão. Na avaliação da qualidade de vida, foram observados os seguintes escores: IQV total de 21,07 (DP=4,50); Saúde/funcionamento, 20,01 (DP=5,03); Socioeconômico, 20,09 (DP=4,82); Psicológico/espiritual, 23,58 (DP=5,41) e Família, 22,18 (DP=6,61). A qualidade de vida dos alunos-trabalhadores foi considerada boa em todos os domínios do IQV.

 Palavras-chave: Qualidade de vida; estudantes de enfermagem; trabalhadores.

 INTRODUÇÃO

O interesse pelo presente estudo foi motivado pelos anos em que tenho trabalhado com o aluno-trabalhador do curso de Habilitação Profissional Técnica de Nível Médio em Enfermagem, e observado que esses alunos, que vivenciam a experiência de associar estudo e trabalho, queixam-se constantemente de fadiga, sensação de incapacidade e a conseqüente insatisfação com a vida.

A preocupação dos alunos em conciliar os estudos e o trabalho é marcante. Considerando a realidade brasileira de desigualdade social, desemprego e baixa renda familiar, a necessidade de trabalhar para financiar os estudos é verbalizada informalmente pelos alunos. Freqüentemente referem-se aos problemas relacionados ao cansaço, à incompatibilidade de horários e à falta de tempo para realizar as atividades propostas, bem como sua sobrecarga.

Além disso, o fato de ser a enfermagem uma profissão predominantemente feminina(1), as alunas-trabalhadoras ainda acumulam atividades domésticas, que geralmente estão sob sua responsabilidade.

A necessidade de trabalhar para manter os estudos, aliada ao desejo de ascensão social, reflete diretamente no cotidiano do aluno-trabalhador. Enquanto o homem moderno tem dificuldade em  dar sentido à vida senão pelo trabalho, que significa necessidade e razão de vida, novas teorias vêm sugerindo que o conceito de trabalho seja reconcebido como experiência da convivência sadia, respeito e compromisso. Do ponto de vista psicológico, o trabalho provoca diferentes graus de motivação e satisfação, mas, ao mesmo tempo, exige esforço, capacidade de concentração e raciocínio, implicando desgaste físico e ou mental(2).  

Considera-se o trabalho um mediador de integração social, tanto por seu valor econômico quanto cultural tendo assim, importância fundamental no modo de vida das pessoas. Evidencia-se que os trabalhadores, tanto individualmente como coletivamente, devem estar cientes do desgaste sofrido(3) .

Conciliar estudo e trabalho é uma forma de possibilitar a complementação profissional do técnico de enfermagem, visando melhores oportunidades de empregos e conseqüentemente melhores salários.

O aluno-trabalhador muitas vezes precisa superar a problemática da falta de tempo para os estudos e as dificuldades oriundas de deficiências básicas do ensino fundamental e médio. A associação estudo-trabalho reflete-se evidentemente no rendimento escolar, pois, além de reduzir o tempo disponível para os estudos, pode causar sobrecarga física e mental (4) .  Observa-se que esses alunos, muitas vezes, são considerados “problemas” pelos professores (5).

A necessidade de se promover esforços para melhorar o aproveitamento escolar dos estudantes e, como resultado, a eficiência dos futuros profissionais impõe-se  com toda a urgência (6).

Na maioria das vezes o aluno que busca o Curso Técnico de Enfermagem é auxiliar de enfermagem  e exerce a profissão de enfermagem. Vale ressaltar, especialmente na enfermagem, que inclui o cuidar como base da profissão e conseqüentemente o enfrentamento de inúmeras situações penosas que vivenciam no processo de sua formação, o significado da associação estudo e trabalho.

A capacidade de enfrentar novos desafios, superar limitações, aprendendo a conviver e a vencer obstáculos internos e externos, em busca de ideais, são desafios que tornam os estudantes mais fortes tanto no aspecto pessoal  como profissional (7) .

Ao realizar esse estudo considera-se que o processo de formação profissional visa não apenas à transmissão de conteúdos e o desenvolvimento de competências técnico-científicas, mas, principalmente, o desafio de promover e facilitar o crescimento do aluno em todo o seu potencial.

A participação desta categoria profissional na força de trabalho é expressiva , perfazendo um total de 193.906 técnicos e 486.241 auxiliares, enquanto o número de enfermeiros é de 108.375, de acordo com dados do COFEN (8).

Visualizando um aumento no contingente desses profissionais, baseado na Resolução COFEN – 276/2003,que regula a concessão provisória ao auxiliar de enfermagem e estabelece o prazo de cinco anos para a conclusão da habilitação de técnico em enfermagem, é importante conhecê-los melhor e avaliar sua qualidade de vida, especialmente daqueles que associam trabalho e estudo, no sentido de oferecer subsídios para as instituições de ensino e de saúde que permita identificar de forma ampla as repercussões da condição de ser aluno e trabalhador, estabelecendo as bases para uma formação profissional de qualidade, que considere a realidade do aluno (9).

Várias são as definições de qualidade de vida, as quais ressaltam os aspectos objetivos e subjetivos, de capacidade cognitiva, bem-estar emocional e habilidades, não sendo possível um consenso único do que significa ter uma vida com qualidade, o que reforça a idéia de que somente a pessoa pode julgar sua própria vida, sob sua perspectiva individual.

No que concerne à subjetividade, trata-se de considerar a percepção da pessoa sobre o seu estado de saúde e os aspectos não médicos do seu contexto de vida; em outras palavras, como o indivíduo avalia a sua situação pessoal em cada uma das dimensões relacionadas à qualidade de vida (10).

Considerando a multiplicidade de conceitos sobre qualidade de vida, é adotado como referencial teórico para o desenvolvimento deste estudo o modelo conceitual de Ferrans e Powers (11,12). Este modelo apresenta uma abordagem individualista, com uma visão ideológica em que os próprios sujeitos podem definir o que representa qualidade de vida para eles em relação aos domínios da vida, reconhecendo que diferentes pessoas valorizam diferentes aspectos. Dessa forma, a essência da qualidade de vida e a experiência de cada sujeito cabem a ele julgar, de acordo com seus valores e preferências (13).

O núcleo da satisfação foi considerado por Ferrans(13) como o mais congruente com a abordagem individualista, uma vez que os outros aspectos, como vida normal, utilidade social, capacidade natural e alcance de objetivos, não necessitam obrigatoriamente de uma avaliação pessoal, podendo ser realizada por outrem.

Embora a qualidade de vida seja freqüentemente avaliada em termos de satisfação com a vida, a importância atribuída pelas pessoas a dimensões específicas não tem sido considerada. Assim, a satisfação e a importância são explicitamente consideradas na definição de qualidade de vida proposta por Ferrans e Powers (11).

Com base neste modelo pode-se definir qualidade de vida como a “sensação de bem estar de uma pessoa que deriva da satisfação ou insatisfação com as áreas da vida que são importantes para ela” (11;13).

A opção metodológica pelo Índice de Qualidade de Vida de Ferrans e Powers deu-se por várias razões, como a clareza conceitual que o fundamenta e que o diferencia dos demais instrumentos disponíveis em nosso país, em que avalia a satisfação com os diferentes domínios da vida e a importância atribuída pela própria pessoa a esses domínios; por ser um instrumento desenvolvido por enfermeiras, genérico, disponível, traduzido e validado no Brasil por Kimura(13), aplicado inclusive em população saudável, com qualidades psicométricas demonstradas em diversos estudos realizados internacionalmente e em nossa cultura, em diferentes populações, inclusive em estudantes de graduação em enfermagem (14) e já utilizado em pesquisa com alunos-trabalhadores do Curso de Graduação em Enfermagem (9).

Frente à tendência cada vez maior do contingente de alunos-trabalhadores que cursam o técnico de enfermagem devido à exigência de habilitação deste profissional e também à escassez de trabalhos direcionados ao conhecimento desse aluno, considera-se oportuna a realização deste estudo. 

OBJETIVOS:  identificar as características sociodemográficas do aluno-trabalhador do Curso de Habilitação Profissional Técnica de Nível Médio em Enfermagem e avaliar a qualidade de vida desse aluno em relação aos aspectos: saúde/funcionamento, socioeconômico, psicológico/espiritual e família. 

 MÉTODO

O estudo foi realizado após autorização e aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (Protocolo 307/05), em uma escola técnica privada, localizada na região central da cidade de São Paulo, onde são oferecidos cursos profissionalizantes na área da saúde, entre eles o Curso de Habilitação Profissional Técnica de Nível Médio em Enfermagem.

A população foi composta por todos os alunos-trabalhadores presentes na sala de aula, no dia da coleta de dados, totalizando 101 discentes do referido curso, nos períodos da manhã, tarde e noite, que concordaram em participar do estudo, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido .

Considerou-se aluno-trabalhador aquele que exercia qualquer atividade remunerada, com ou sem vínculo empregatício. 

A coleta de dados deu-se durante o mês de novembro de 2005.

A todos os alunos que concordaram em participar, foram informados os objetivos e da finalidade do estudo e assegurados o anonimato e o sigilo das respostas, além de deixar claro que os resultados poderiam ser utilizados em publicações e estudos futuros, segundo os preceitos da Resolução 196/96.

Para a coleta de dados foram utilizados dois instrumentos. O primeiro, um questionário para a obtenção dos dados sociodemográficos dos alunos-trabalhadores e o segundo, o Índice de Qualidade de Vida   (IQV) de Ferrans e Powers (11).

O IQV é um instrumento genérico de avaliação de qualidade de vida composto por 68 itens, divididos em duas partes, com 34 itens em cada uma. A primeira parte contém questões que avaliam a satisfação do indivíduo em relação a diferentes aspectos da vida e, na segunda parte, esses mesmos aspectos são avaliados quanto à importância que os respondentes atribuem a cada um deles.

Os escores são atribuídos de tal forma que cada item de satisfação é ponderado pelo seu correspondente de importância. Assim, pessoas satisfeitas com áreas consideradas importantes para elas desfrutam de melhor qualidade de vida do que aquelas insatisfeitas com áreas por elas valorizadas (11).

Os 34 itens de cada parte correspondem aos quatro domínios ( Saúde/funcionamento, Sócio-econômico, Psicológico/espiritual e Família) e devem ser respondidos por uma escala do tipo Likert de 6 pontos.

Na primeira parte, a escala varia de “muito satisfeito” a “muito insatisfeito”. Na segunda, de “muito importante” a “sem nenhuma importância”.

Os dados foram inseridos em uma planilha do programa Microsoft Excel para análise estatística descritiva, com o objetivo de caracterizar a população e avaliar a qualidade de vida dos alunos-trabalhadores. Para avaliar a consistência interna do Índice de Qualidade de Vida foi utilizado o coeficiente alfa de Cronbach (15). Este coeficiente varia entre 0 a 1 e quanto maior o valor melhor a confiabilidade. A análise foi realizada por domínios e no total, obtendo um valor de Alfa de Cronbach de 0,84.

Para calcular o IQV dos alunos-trabalhadores, foram considerados 32 itens mantidos no instrumento em relação à satisfação e à importância; dois itens, referentes a assistência à saúde que está recebendo e não ter um trabalho, foram excluídos por apresentarem correlação negativa com os outros itens. O escore total e por domínios pode variar de 0 a 30 e quanto maior o valor, melhor a qualidade de vida.  

Resultados e DISCUSSÃO

Características sociodemográficas

Observa-se entre os 101 alunos respondentes, que a grande maioria (82,2%) era do sexo feminino, característica peculiar da profissão de enfermagem. Atualmente o COFEN(16) aponta em seus registros 88,0% de mulheres no total de profissionais ativos, sendo que, na categoria do técnico de enfermagem, as mulheres perfazem 86,9%.

A média de idade dos alunos-trabalhadores foi de 27,66 anos, variando entre  19 e 50 anos. A faixa etária predominante foi de 19 a 29 anos (65,7%), a maioria (63,6%) pertencia à raça branca; prevaleceu alunos solteiros (68,3%) e sem filhos (73,3%).

Em relação ao número de horas de sono por dia, 72,7% dos alunos-trabalhadores dormiam de 4 a 6 horas, 15,2% de 6 a 8h e 10,1% dormiam menos de 4 horas.

O cansaço e as poucas horas de sono podem levar a um desgaste físico e mental que interferem nas relações diárias do aluno-trabalhador com seus familiares e amigos. A sobrecarga a que se submetem foi evidenciada principalmente pelas possíveis privações de sono e conseqüentemente alterações da capacidade funcional, irritação e nervosismo por não atender às necessidades fisiológicas, prejudicando a vida de relação desses sujeitos, afastando-os do convívio social (17).

A maioria (65,7%) dos alunos mencionou ter alguma atividade de lazer nos finais de semana, sendo predominante a visita a familiares e amigos (67,7%), seguida de assistir à televisão (63,1%), ir ao cinema (33,8%), fazer compras (33,8%);

No estudo desenvolvido por Iglesias(9), dentre 87,0% dos alunos que referiram ter alguma atividade de lazer, assistir à televisão foi a atividade mais citada (61,5%).

O lazer é compreendido como “uma ocupação livre e espontânea, para repousar, divertir-se, entreter-se, cultivar amigos, livrando-se das obrigações profissionais” e também como integração e valorização da família e dos amigos (18,19).

A possibilidade de libertar-se do tédio e das imposições do trabalho não impede a busca consciente ou inconsciente de ocupações que tragam felicidade e integração afetiva com familiares, colegas e amigos, sendo o lazer atividade aspirada pela maioria das pessoas como fonte de prazer e de liberdade (19).

Quanto à alimentação, 90,1% dos alunos-trabalhadores referiu não se alimentar nos horários e adequadamente. 

Avaliação da Qualidade de vida 

Tabela 1 – Estatística descritiva referente ao IQV Total e por domínios dos alunos-trabalhadores, segundo a média, mediana, desvio padrão, mínimo e máximo. São Paulo, 2005. 

Estatísticas descritivas

IQV Saúde/

funcionamento

IQV Sócio-

econômico

IQV Psicológico/

espiritual

IQV Família

IQV Total

N

101

101

101

101

101

Média

20,01

20,09

23,58

22,18

21,07

Mediana

20,45

20,57

24,86

24,00

22,06

Desvio padrão

5,03

4,82

5,41

6,61

4,50

Mínimo

3,23

6,86

2,57

0,00

3,87

Máximo

27,23

28,50

30,00

30,00

28,40

Conforme os dados apresentados na Tabela 1, observa-se que a média do IQV total foi de 21,07 (DP= 4,50), e os valores dos escores variaram entre 3,87 e 28,40, sugerindo que os alunos-trabalhadores do Curso de Habilitação Profissional Técnica de Nível Médio em Enfermagem, população desse estudo, possuem boa qualidade de vida.

Analisando os diferentes domínios, a maior média foi no domínio Psicológico/espiritual, com um escore de 23,58 (DP=5,41), considerado próximo de um nível muito bom no escore de qualidade de vida. O domínio Família apresentou média de 22,18 (DP=6,61), apresentando maior variação entre o escore mínimo (0,0) e máximo (30). Valores próximos foram observados nos domínios, Socioeconômico, cuja média foi de 20,09 (DP=4,82), e no Saúde/funcionamento com média de 20,01 (DP=5,03).

No domínio Saúde/funcionamento, foram considerados 13 itens: 1,3,4,5,6,7,12,15,16,17,25,26 e 27. O coeficiente Alfa foi consideravelmente alto (0,87). O escore de qualidade de vida foi de 20,01 (Tabela 1), sendo importante ressaltar as médias dos itens que compõem o domínio.

O item 16 foi o que apresentou maior escore (24,86) de qualidade de vida, sendo classificado como muito bom; os itens 1,3,4, 5, 6, 7, 12,15 e 27, no mesmo domínio, classificaram-se como bom.

Com relação à média (24,86) do item 16, “capacidade física para ser útil às outras pessoas”, que obteve maior escore neste domínio, pode-se observar a coerência do resultado, considerando que este estudo está sendo realizado com alunos de enfermagem, em que a essência da profissão é o cuidar.

“A atitude de preocupação, a realização de ações específicas e a dedicação para com as pessoas fazem parte dos processos cuidativos”(20) .Quem tem o cuidar por profissão tem o desvelo pela manutenção da vida; a enfermagem é uma profissão que se dedica à conservação da integridade, envolvendo interação pessoal, respeito mútuo e afeto, sempre aliados à competência e habilidade.

Em pesquisa semelhante, desenvolvida com alunos-trabalhadores do curso de Graduação em Enfermagem(9) observou-se uma média menor do que a encontrada no presente estudo no item 16, enquanto nos itens  17, 25 e 26,  as médias foram similares.

Os extremos inferiores de valores de média nesse domínio foram dos itens 17 (12,99), “nível de estresse ou preocupações com sua vida”, 25 (15,32), suas “atividades de lazer” e 26 (16,87) referente à “disposição para passear”, considerados como um nível regular de qualidade de vida, indicando um aspecto importante de interferência na qualidade de vida dos alunos pesquisados.

No estudo realizado com trabalhadores de hospital, o lazer foi compreendido como uma conquista dos trabalhadores. Realizam atividades em que possam exercer o livre-arbítrio e se reequilibram dos transtornos do trabalho. Também foi expresso pelos pesquisados a questão do tempo e atitude, pois não adianta apenas ter vontade de realizar uma atividade de lazer, é necessário ter disponibilidade de tempo; mas apenas tempo livre não garante a atividade de lazer, que depende de uma atitude consciente e predisposta a isso(18).

Isso leva à reflexão sobre os diversos aspectos da vida das pessoas, que devem ser avaliados sob várias concepções, evitando, dessa forma, interpretações equivocadas, isto é, cada indivíduo determina para si suas escolhas.

O estresse tornou-se um termo comum veiculado nos meios de comunicação e tem sido usado como causa e explicação para inúmeras situações que atingem a vida moderna. A simplificação desse problema que aflige tantas pessoas acaba por omitir os reais significados para a vida humana (21). A questão do estresse é uma preocupação científica que se justifica na sua provável relação com o adoecimento ou sofrimento que ele provoca (21) .

No preparo do cuidador, destaca-se a importância de atenção ao ambiente escolar, que deve ter a capacidade de minimizar a ansiedade excessiva que o aluno tem, principalmente no início de sua atuação, para que ele possa compreender a situação difícil que tem de enfrentar. A possibilidade de proporcionar uma atmosfera aberta e facilitadora atenua o estresse ligado ao processo de profissionalização e reforça que um clima educacional de intimidação tende a acentuar esse problema. Essa afirmação leva os enfermeiros-docentes a refletir sobre o ambiente escolar local de formação, onde a humanização do processo ensino-aprendizagem se faz necessário (22)

Deve-se ressaltar também a sobrecarga que este aluno assume quando associa estudo e trabalho.

 No domínio Socioeconômico, os itens 13, 14, 18, 19, 21, 23, foram classificados como sendo bom o nível de satisfação com estes aspectos da vida. O valor do Alfa foi de 0,77, o menor entre os domínios, e o escore de 20,09 (Tabela 1). Os itens 20 e 24, que apresentaram médias mais baixas (15,58 e 17,60) foram os relacionados às condições socioeconômicas e independência financeira, respectivamente, classificando-se como regular, aspectos esses os de menor satisfação nesse domínio.

 Em estudo semelhante o escore total nesse domínio foi de 20,35, e o referente ao item 20 (condições socioeconômicas) obteve a média 15,58, valor muito próximo ao encontrado no presente estudo; deve-se lembrar que a população pesquisada por essa autora, teve características semelhantes às deste estudo, como o fato de ser aluno-trabalhador e muitos deles atuarem como auxiliares de enfermagem (9).

Considerando que os alunos-trabalhadores trabalham para financiar os estudos, a insatisfação observada  pode ser decorrente desse fato, somada à responsabilidade financeira pessoal e com terceiros(9) .

  A qualidade de vida dos alunos de enfermagem também não foi considerada boa, numa avaliação das condições econômicas em que a relação entre ganho/gastos era deficiente e o dinheiro insuficiente para as despesas com os estudos (23) .

A análise do domínio Psicológico-espiritual, foi realizada considerando os itens 28, 29, 30, 31, 32, 33 e 34, o valor do Alfa foi razoavelmente alto (0,88) com o escore de 23,58 (Tabela 1). O item 29 (sua fé em Deus) apresentou a maior média (27,93) entre todos os itens dos quatro domínios do instrumento, classificada como muito boa, sendo um aspecto de destaque no nível de satisfação com a vida. Os demais itens 28, 30, 31, 32, 33 e 34 obtiveram médias entre as faixas de 21,13 a 23,88 consideradas boas.

 Em relação aos itens 28 e 29, o bem-estar dos alunos aparece como possível resultado da superação das dificuldades enfrentadas diariamente e que a fé transcendental, que provavelmente possuem, influencia o seu cotidiano e conseqüentemente o nível de qualidade de vida deles(9).

A dimensão da espiritualidade tem sido considerada como essencial para o conceito de saúde, bem-estar e qualidade de vida e aparece como fator relevante na vida dos alunos.

“A Espiritualidade coloca questões a respeito do significado da vida e da razão de viver e não se limita a algum tipo de crença ou prática”. A necessidade de significado é considerada uma condição indispensável à vida. Quando um indivíduo se sente incapaz de encontrar um significado, ele sofre em decorrência de sentimentos de vazio e desespero (24).

Outro fator a ser observado é que a perspectiva de profissionalização e provável inserção no mercado de trabalho tenham um significado de vida importante para os pesquisados. A escola em estudo possibilita o privilégio de participação dos alunos em um processo seletivo em que concorrem a uma vaga, em seis hospitais, sendo uma porta de entrada para o mundo do trabalho, fator de motivação para o grupo. Freqüentemente, expressam a expectativa de trabalhar nesta instituição, visto que o salário é compatível com o mercado, as folgas semanais são melhores que a média dos demais hospitais da cidade e também fazem colocações sobre o status conseguido por trabalhar em um Hospital Universitário.

  O domínio Família apresentou o valor do Alfa de 0,86, foi o que apresentou a menor correlação com a escala total (0,5385).

O escore desse domínio foi de 22,18 (Tabela 1), classificado como bom nível de qualidade de vida dos alunos-trabalhadores. A melhor média (26,00), foi referente ao item 9 (seus filhos), embora o número de alunos com filhos tenha sido de 36 (26,70%), mostrando-se muito satisfeitos com esse aspecto da vida. Os itens 8, 10 e 11 foram considerados como um bom nível de satisfação, variando entre 20,84 e 22,95, interferindo de forma positiva na qualidade de vida desses alunos. 

CONCLUSÕES

Os resultados obtidos neste estudo possibilitaram concluir que 82,2% dos alunos-trabalhadores era do sexo feminino, numa faixa etária entre 19 e 29 anos (65,7%), solteira (68,3%), sem filhos (73,3%); dormiam de 4 a 6 horas por dia (72,7%), não se alimentavam adequadamente nos horários corretos (90,1%) e tinham como principais atividades de lazer visitar familiares e amigos (67,7%) e assistir à televisão (63,1%).

Na avaliação da qualidade de vida, foram observados os seguintes IQV nos domínios: Saúde/funcionamento 20,01 (DP=5,03), Socioeconômico 20,09 (DP=4,82), Psicológico/espiritual 23,58 (DP=5,41), Família 22,18 (DP=6,61) e IQV Total 21,07 (DP=4,50), permitindo classificar como boa a qualidade de vida desses alunos-trabalhadores.

Avaliados individualmente, os maiores escores foram os itens 9 (26,00), 16 (24,86) e 29 (27,93), relacionados, respectivamente, a “seus filhos”, “capacidade física para ser útil às outras pessoas” e  “a fé em Deus”, sendo considerada como muito boa a qualidade de vida dos alunos, nesses aspectos.

Os menores escores foram observados nos itens 17 (12,99), 20 (15,58), 25 (15,32) e 26 (16,87) relacionados, respectivamente, ao “nível de estresse ou preocupações com sua vida”, “condições socioeconômicas”, “atividades de lazer” e “disposição para passear”, sendo considerada regular a satisfação com a vida nesses aspectos. 

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Endereço para correspondência: Ana Paula Martins Nunes. Rua Antonio Borba, 489 apto. 82. CEP:05451.070 – São Paulo(SP).  Email: anapaulaeesc@hotmail.com

Nota: Este estudo é parte da Dissertação de Mestrado apresentada ao Curso de Mestrado em Enfermagem da Universidade Guarulhos, em 2006.

Contribuição das autoras: ambas as autoras contribuíram para este estudo, tendo Arlete Silva participado como orientadora e Ana Paula Martins Nunes como orientada, responsável pela realização de todo o processo de pesquisa.  

Received: May 12th, 2007
Accept: Jun 23rd, 2007