Rehabilitation process experience after a cerebral vascular accident: a qualitative study

 A vivência do processo de reabilitação após acidente vascular cerebral: um estudo qualitativo

Joselany Áfio Caetano1, Marta Maria Coelho Damasceno2, Enedina Soares3, Ana Virgínia Melo Fialho4

1Universidade Federal do Ceará, Ce, Brasil; 2Universidade Federal do Ceará, Ce, Brasil; 3Universidade do Rio de Janeiro, RJ, Brasil; 4Universidade Estadual do Ceará, Ce, Brasil

 Abstract: We tried to learn the process of cerebrovascular accident holders’ rehabilitation and identify factors that make this process difficult. Twelve individuals living in the city of Sobral-Ce participated in this study. Data were collected by means of consultations to medical registers and semi-structured interviews, carried out in residences, along the months of October and November, 2004. The statements highlighted that the rehabilitation process is permeated by financial difficulties, by lack of infra-structure in medical care, and, it is restricted to medical follow-up. It was proven, yet, that the family performs an important role towards those taken by the cerebrovascular accident and that it determines changes in life style. It was inferred that health professionals must fight for the implantation of public policies that make rehabilitation easier, and, that nurses must center their operation in education for health and in systematized assistance, favoring home care essential for rehabilitation.

Keywords: cerebrovascular accident; rehabilitation; nursing 

Resumo: Buscou-se conhecer o processo de reabilitação dos portadores de acidente vascular cerebral (AVC) e identificar os fatores que dificultam esse processo. Participaram do estudo doze sujeitos, residentes na cidade de Sobral - CE. Os dados foram coletados mediante consultas aos prontuários e entrevistas semi-estruturadas, realizadas nos domicílios, nos meses de outubro e novembro de 2004. Os depoimentos evidenciaram que o processo de reabilitação é permeado por dificuldades financeiras, pela falta de infra-estrutura dos serviços de saúde, e se restringe ao acompanhamento médico. Constatou-se, ainda, que a família desempenha papel importante na reabilitação dos acometidos e que o AVC determina mudanças no estilo de vida. Conforme se conclui, os profissionais de saúde devem lutar pela implantação de políticas públicas que facilitem a reabilitação, e os enfermeiros devem centrar sua atuação na educação para a saúde e na assistência sistematizada, privilegiando os cuidados domiciliares essenciais para a reabilitação.

Palavras-chave: acidente cerebrovascular, reabilitação, enfermagem.

INTRODUÇÃO

Em países desenvolvidos, as doenças cerebrovasculares são a terceira causa de óbito, precedidas somente pelas doenças cardiovasculares e pelo câncer1. No Brasil, a distribuição dos óbitos por doenças do aparelho circulatório vem apresentando crescente importância entre adultos jovens, já a partir dos 20 anos, assumindo o maior índice de primeira causa de óbito na faixa dos 40 anos e predominando nas faixas etárias subseqüentes2.

Segundo dados do Sistema de Informação Hospitalar do Sistema Único de Saúde (SIH/SUS), no período de 2002, no Ceará, o número de doenças cerebrovasculares foi de 1.023 casos. Entre elas destaca-se o Acidente Vascular Cerebral (AVC) que traz sérias conseqüências clínicas e sociais, e resulta em forte impacto para o indivíduo e a família2.

            O AVC está relacionado a diversos fatores de risco instalados em certa etapa da vida do indivíduo. Mas a hipertensão arterial é fator de risco preditivo poderoso, ocorrendo em torno de 70% de todos os quadros vasculares cerebrais. Doenças cardíacas constituem o segundo mais importante fator de risco, especialmente para os quadros aterotrombóticos e embólicos, fibrilação atrial crônica, como, também, diabetes, tabagismo e hiperlipidemia3. Outros fatores responsáveis pela ocorrência de AVC são o uso de contraceptivos orais, o álcool e a existência de doenças que acarretem aumento no estado de coagulabilidade do indivíduo4.

            Contudo, os fatores de risco individuais para o AVC são bastante conhecidos e, por isso, podem ser evitados. Nesse intuito, a prevenção primária pode ser montada com a finalidade de promover a modificação desses fatores5. Conforme se sabe, a relevância da atenção primária é proporcionar ao cliente portador de quaisquer fatores de risco a oportunidade de minimizá-los e estabilizá-los a partir de medidas de orientação e sensibilização inclusas nas atividades de prevenção e promoção da saúde.

            Ante situações de doenças, sobretudo quando se verifica comprometimento da saúde, as pessoas devem se submeter a formas de adaptação. Nesse novo contexto, o portador de AVC necessita de uma série de medidas planejadas e desenvolvidas com vistas a lhe facultar a maior integralidade possível. Como procedimento essencial nesse processo sobressai a realização de ações para a reabilitação dos déficits neurológicos surgidos. Por reabilitação entende-se um conjunto de ações desenvolvidas para a prevenção da deformidade física, manutenção da função física, restabelecimento dessa função, educação do cliente e da família e reintegração da pessoa à sua família e à sociedade6. Envolve uma equipe interdisciplinar, composta de médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos, psicólogos e fisioterapeutas, além do paciente, foco dos esforços da equipe e maior beneficiado pelos resultados finais do processo. Enfatiza-se, também, a importância da família, que desempenha um papel marcante e cuja incorporação propicia mais capacidade de adaptação à mudança de todo o sistema familiar7.

            Existem várias formas de reabilitação. Todavia, sua aplicação vai depender do tipo de comprometimento neurológico de cada pessoa. Por exemplo, no comprometimento motor, há intervenções fisioterápicas de diversas naturezas. Se o paciente tiver alteração na fala, a fonoaudiologia pode ser recomendada, pois há recursos de reabilitação de inúmeras esferas. Como observado, o processo de reabilitação desencadeará profundas mudanças no âmbito familiar, inclusive de papéis, pois o portador de AVC pode passar de uma postura mantenedora e provedora para outra na qual precisará de suporte e apoio familiar, não só para ser mantido e ter estímulo para realizar o tratamento, como também para desenvolver atividades, outrora simples, em decorrência do déficit motor.

Portanto, a despeito da complexidade que envolve a reabilitação pós-AVC, constata-se na prática que por vezes os cuidados no domicílio são negligenciados, ora totalmente, ora em parte. Isto dificulta a chance de recuperação dos acometidos. Diante desta problemática, o estudo tem como objetivos conhecer o processo de reabilitação vivenciado pelos portadores de AVC no domicílio e identificar os fatores que dificultam esse processo.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo desenvolvido com portadores de AVC atendidos no Serviço de Neurologia de uma instituição beneficente, situada na região metropolitana da cidade de Sobral-CE, no período de janeiro a julho de 2004. Para a escolha dos sujeitos foram estabelecidos os seguintes critérios: estar nos seis primeiros meses após o AVC, por ser um período em que pode haver recuperação dos movimentos voluntários; ser maior de 18 anos, ter endereço completo registrado no prontuário, ser domiciliado em Sobral-CE e apresentar condições para responder ao instrumento de coleta de dados.

Inicialmente, consultou-se os arquivos do serviço mencionado para selecionar os participantes. Levando em consideração os quatro primeiros critérios estabelecidos, foram listados doze sujeitos. Todavia, como a intenção era coletar dados no domicílio por meio de entrevista, foi necessário averiguar se os selecionados tinham condições de respondê-la. Uma vez constatado tal fato, procedeu-se à coleta de dados nos meses de outubro e novembro de 2004 nos domicílios.

Para isto utilizou-se um formulário que envolveu dados sociodemográficos e perguntas sobre as experiências vivenciadas com o processo de reabilitação. As entrevistas foram gravadas e, em algumas ocasiões, foi registrada a participação de familiares.

Os dados foram tratados conforme as etapas a seguir: a) transcrição na íntegra das respostas às perguntas sobre o processo de reabilitação; b) leitura atentiva do material transcrito, com vistas à apreensão do todo; c) segunda leitura, na qual foram sublinhadas as idéias que delinearam o fenômeno em pauta, além de posterior agrupamento em categorias; d) análise apoiada na literatura pertinente e na experiência pessoal das pesquisadoras8.

Parte dos dados está apresentada de forma descritiva e parte com trechos dos depoimentos obtidos e identificados com a letra P, acompanhada do número atribuído do respectivo sujeito.

Quanto aos aspectos éticos, a pesquisa baseou-se na Resolução 196/96, que regulamenta os estudos com seres humanos, incorporando os quatro referenciais básicos da bioética9. Os termos de consentimento livre e esclarecidos foram assinados pelos próprios sujeitos e/ou familiares. O trabalho foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual Vale do Acaraú, tendo sido aprovado na reunião de 28 de outubro de 2004 com o Parecer no. 216.  

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

             Ao se analisar a identificação dos participantes, conforme percebeu-se, estes, na sua maioria, eram idosos na faixa etária entre 61 e 80 anos, com prevalência do sexo masculino, então representado por sete do total de doze participantes. No tocante ao estado civil, cinco dos pesquisados eram viúvos e, destes, um tinha companheiro fixo; quatro eram casados; um era separado, com companheiro fixo; dois eram solteiros. Cinco dos participantes tinham grau de escolaridade equivalente ao ensino médio incompleto; quatro ao ensino fundamental incompleto e três eram analfabetos.

No tocante à ocupação, quatro eram donas-de-casa; cinco eram autônomos com atividades diversas; dois eram aposentados e um era gerente de uma fazenda. Com relação à renda familiar, cinco tinham renda de um salário mínimo; três, ganhavam três salários ou mais; dois, um salário e meio; um, dois salários e, um, meio salário.

            No referente às incapacidades e seqüelas, cinco estavam sem nenhum déficit motor, mas um destes apresentava labilidade emocional; um tinha depressão; um estava afásico e um sofria de disartria e de labilidade emocional e, três apresentavam hemiparesia, com mobilidade física presente. Entre estes, um tinha mobilidade restrita ao lar, com labilidade emocional e disartria; dois estavam com hemiplegia e hemiparestesia, com mobilidade física ausente; um apresentava hemianopsia homônima e um tinha hemiplegia com ausência de mobilidade física, depressão e disartria.

            Apesar de grande parte dos entrevistados ter ausência de déficit motor, havia outros problemas, como labilidade emocional, disartria e depressão, que exigiram da pessoa acometida uma série de adaptações e cuidados, na tentativa de melhorar sua forma de vida e mantê-la o mais normal possível. 

Categorias

O processo de reabilitação após o AVC é permeado por dificuldades

              O processo de reabilitação após o AVC envolve tratamento medicamentoso, fisioterápico, fonoaudiológico, nutricional, entre outros. De acordo com a condição do acometido, nem todos esses tratamentos são necessários. No entanto, para alguns, a fisioterapia, mesmo quando indicada, não é realizada, como pode ser constatado nos depoimentos a seguir: 

Hoje, tomo os remédios todo dia na hora certa e faço uns exercícios com uma bolinha, duas, três vezes por dia. Acho que isso é bom para mim. (P. 1)

Depois dessa trombose, tomo só os remédios. Não faço mais nada, também não tem quem me leve, sabe.... a fisioterapia acho que é bom, mas eu nem fiz. (P. 8)

Só o que eu faço é tomar os remédios mesmo, a fisioterapia é difícil pra ir, nunca dá certo. A ambulância tava no prego e a gente não pode pagar carro... a fisioterapia é importante, mas não posso ir, aí faço uns momentos em casa mesmo e tá servindo. (P. 9)

Tomo meus remédios tudinho na hora. A fisioterapia é difícil pra me levar, meu filho não pode me levar porque trabalha. (P. 12) 

Conforme reiterado por alguns autores10, grande parte dos que sobrevivem ao AVC apresentarão déficits neurológicos e incapacidades residuais significativas. Todavia, segundo se nota, o tratamento fisioterápico, embora contribua significativamente para a recuperação da função motora, é dificultado ora por questões financeiras, ora por questões familiares. Em geral, a fisioterapia é realizada em clínicas ou hospitais, o que determina o deslocamento para essas instituições. Assim, se não dispõem de transporte próprio nem têm condições de pagar por este serviço, terminam por não se beneficiar de tal modalidade de tratamento.

             Ao mesmo tempo, nem sempre a falta de recursos financeiros é o empecilho para a realização do tratamento fisioterápico. Por vezes, o acometido depende de um membro da família para acompanhá-lo e esse, seja por negligência seja por impossibilidade, não o faz.

Sobral, como milhares de municípios do nosso país, dispõe de serviços de fisioterapia ambulatorial conveniados com o Sistema Único de Saúde (SUS), porém, estando localizados no centro da cidade, dificultam o acesso das pessoas que residem na periferia. Além dos serviços especializados não disponibilizarem transportes para os pacientes, as tarifas cobradas pelos transportes públicos e particulares são incompatíveis com a renda de algumas famílias.

Em meio às dificuldades encontradas para comparecer às sessões de fisioterapia e depositando nelas a esperança de diminuição dos déficits motores, registra-se que uns são beneficiados pelo processo natural de recuperação do próprio corpo e outros fazem alguns exercícios por conta própria, com sucesso.                                                        

Dessa forma, os que atuam no Programa Saúde da Família precisam incluir no planejamento de suas ações cuidados domiciliares essenciais para o atendimento da necessidade de locomoção11.

Percebe-se, ainda, que o uso de medicamentos é comum aos entrevistados e, na maioria das vezes, a única forma de tratamento durante a reabilitação. Como atesta a literatura pertinente, a terapêutica medicamentosa é um dos elementos essenciais ao processo de reabilitação uma vez que propicia a estabilização e/ou modificação dos fatores de risco responsáveis pelas recidivas e por outros agravamentos, além de possuir efeitos adversos cada vez menos relevantes se comparados às complicações ocasionadas por fatores de risco não tratados12. Quanto aos medicamentos, ressalte-se, muitos são distribuídos gratuitamente pelo governo federal o que, pelo menos nesse aspecto, minimiza as dificuldades enfrentadas durante a reabilitação. 

O processo de reabilitação se restringe ao acompanhamento dos médicos do posto de saúde 

Por ocasião da alta hospitalar é dito aos doentes que doravante devem procurar o posto de saúde para o acompanhamento, e que o retorno ao neurologista será indicado apenas em caso de complicações, como se observa nos depoimentos a seguir: 

Quando eu recebi alta, o doutor só disse que era pra eu ser atendido pelo médico do posto e se piorasse é que eu voltava pra lá. (P. 2)

Quando eu vim embora, não falaram nada não, passaram só remédio pra mim e aí eu vou só pro posto todos os meses. Disseram só pra mim voltar se piorasse. (P. 8)

O doutor me disse que eu ia ser acompanhada pelo médico daqui (posto) e qualquer piora eles mandavam pra lá. (P. 9)

Só me consulto com o doutor do posto. Na Santa Casa de Misericórdia, me disseram que era pra voltar em caso de piora e o doutor do posto é que ia me acompanhar.  (P. 11) 

Fica evidente o destaque para o acompanhamento somente pelos médicos do posto de saúde, o que deveria acontecer em parceria com os neurologistas. No caso de seqüelas do AVC, o retorno para esses profissionais é de extrema importância para o diagnóstico e o acompanhamento das alterações neurológicas.

            Conforme observado, o descompasso entre as ações de atenção primária e terciária durante o processo de reabilitação poderá trazer sérias conseqüências ao acometido por AVC, pois a prevenção, promoção e reabilitação da saúde, se realizadas em conjunto, asseguram a detecção precoce de quaisquer alterações e agravos que possam representar risco iminente à vida do indivíduo13.

Segundo se percebe, os responsáveis pelas orientações transmitidas por ocasião da alta hospitalar destacam apenas o papel do médico como se o processo de reabilitação não envolvesse o cuidado de outros profissionais. No entanto, constata-se que os pacientes incluem, no referido processo, o fisioterapeuta, talvez pelo fato dos déficits motores significarem profunda agressão a sua integridade física. Chama a atenção não ressaltarem os enfermeiros, os quais, como componentes das equipes do Programa Saúde da Família, devem ser responsáveis por orientações acerca do atendimento de necessidades básicas como terapêutica medicamentosa, conforto, repouso, sono, locomoção, higiene e eliminação, indispensáveis para o êxito da reabilitação.

Estas orientações seriam muito úteis, sobretudo porque muitos saem do hospital com dúvidas sobre o uso dos medicamentos prescritos e o atendimento dessas necessidades, o que compromete o processo de reabilitação14. 

A família como sustentáculo do processo de reabilitação

            A família constitui a principal referência de vida. Nela têm-se as primeiras experiências de convívio e amor, e dela adquire-se a base para a formação da personalidade. Nisso, talvez, resida sua essencialidade e importância na vida de cada ser humano15. Os depoimentos a seguir evidenciam a relevância da família no decorrer da reabilitação, já que os entrevistados, ao se referirem a ela, atribuíram-lhe toda ajuda recebida e garantiram ser dela seu principal incentivo para prosseguir a vida e o tratamento.  

Minha família ajuda demais, tem muita atenção comigo, tá todo mundo ajudando mesmo, querendo me ver com saúde, e eu acho isso muito bom. (P.2)

Minha família é a melhor possível, minha mulher tem muita paciência e minhas filhas são do mesmo jeito, fazem tudo por mim, pra me ver bem. (P.6)

Só uma filha me ajuda e se preocupa comigo. Minha segunda mulher também me ajuda. (P.7)

A família é tudo pra mim, porque me dá apoio, ajuda. Sinto-me bem, perto dos meus pais e irmãos, acho que até melhora mais ligeiro. (P.10) 

De acordo com as informações colhidas, os portadores de AVC provêm de famílias estruturadas e dedicadas. Este fator é decisivo por assegurar à pessoa em reabilitação mais perspectivas de vida, incentivo a prosseguir sua trajetória e motivação para buscar recursos que propiciem sua recuperação. Para se obter êxito no processo de reabilitação é necessário o paciente e a família entenderem o diagnóstico, os medicamentos e o tratamento pós-alta, os cuidados clínicos previstos de acompanhamento e a atitude a adotar em caso de emergência. Deve ser proporcionada, também, uma educação especializada ao paciente e à família na busca de garantir o autocuidado após a alta16.

            Durante o processo de reabilitação a família terá papel essencial em todo cuidado prestado à pessoa afetada por AVC, pois esta estará impossibilitada de executar suas atividades e necessidades humanas básicas. Diante disto, tais atividades serão desempenhadas pela família, que deverá oferecer, também, apoio, incentivo e motivação. Para isto, é preciso adquirir estas habilidades.

            As atribuições impostas pelas atividades de cuidado modificam as relações familiares, e isto proporciona aos cuidadores e ao portador de AVC a oportunidade de obterem nova percepção de si e do outro, pois o processo de cuidar implica um conjunto de ações que envolvem atitudes, sentimentos e compromissos. É possível ocorrerem transformações relevantes do sistema familiar como um todo que podem trazer conotações positivas ou negativas sob a ótica dos membros da família. Por exemplo: a colaboração para o cuidado pode melhorar o relacionamento entre os membros da família, o apoio destes nos processos decisórios e também pode haver uma ausência de colaboração para o cuidado. Esta, por sua vez, pode trazer conflitos entre os membros da família, pois o desejo de ajudar pode não depender única e exclusivamente de uma só pessoa 6.

O processo de reabilitação determina mudanças no estilo de vida 

Com base nas informações colhidas, conforme denotado, após o AVC todas as pessoas afetadas têm consciência da necessidade de melhorar seu estilo e hábitos de vida. Tais medidas são de indiscutível relevância para evitar possíveis recidivas e melhorar sua qualidade de vida a curto e longo prazo, como mostram os seguintes relatos: 

Faço fisioterapia e caminhada todo dia, não como sal, nem gordura, e tomo meus remédios bem direitinho. (P.2)

Fora a fisioterapia, faço uma caminhadazinha aqui perto com minha mulher, ando numa bicicleta que meu amigo ajeitou pra mim, faço exercício na mão com uma bolinha e não como salgado nem gordura. (P.6)

Hoje em dia, faço regime, né, evito o sal, a gordura e o açúcar. Faço sempre uma caminhadazinha e tomo os remédios, tudo na hora certa. (P.7)

Não vou pra clínica (fisioterapia), então faço uns exercícios em casa só e com minha irmã, no meu braço e na minha perna. A doutora foi quem me ensinou. Eles têm me melhorado muito, fora isso, não faço nada. Só mesmo na comida, que é insossa, sem gordura e suco, essa coisa é tudo salobim. (P.9) 

Os depoimentos atestam que as mudanças introduzidas no cotidiano após o AVC se limitam à tomada de medicamentos, fisioterapia, atividade física, como caminhar e andar de bicicleta, e alimentação. A sensibilização e execução dessas medidas são fundamentais para um reabilitar de qualidade, mas as atividades pós-AVC exigirão interesse e motivação da pessoa em reabilitação. Estas atividades têm por objetivo melhorar o condicionamento físico geral, reduzir os fatores de risco do AVC e proporcionar vivência e experiência em atividades em grupo, favorecendo a reinserção social.

            Os benefícios obtidos pelos indivíduos com seqüelas de AVC, caso adotem uma rotina de exercícios, são inquestionáveis. Estes são os que apresentam menos limitações funcionais, revertendo quadros de incontinência urinária, insuficiência cardiorrespiratória e ainda problemas sociais, como depressão, ansiedade e a baixa auto-estima17.

Portanto, a terapia de reabilitação é imprescindível na vida de alguém que sofre um AVC, pois proporciona melhorias em todo o seu organismo, além de evitar quaisquer complicações. Como medidas essenciais mencionam-se o controle da hipertensão arterial e do diabetes, bem como do colesterol e do peso, a eliminação do tabagismo e da vida sedentária e o combate contínuo ao estresse. Muitas vezes, há necessidade de orientação quanto à dieta apropriada e ao uso de medicamentos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A investigação ora realizada possibilitou conhecer o processo de reabilitação dos sujeitos acometidos por AVC e identificar as dificuldades advindas desse processo. Conforme constatou-se, a falta tanto de infra-estrutura da parte dos serviços de saúde como de recursos financeiros da parte dos pacientes e familiares são fatores que interferem na reabilitação.

            A partir da realidade evidenciada, os profissionais de saúde têm diante de si inúmeros desafios. Para superá-los, eles podem começar, em sentido mais amplo, pelo engajamento em lutas pela implantação de políticas públicas de saúde que beneficiem os que enfrentam transtornos com o processo de reabilitação, uma vez que as dificuldades encontradas na época ainda persistem.

            Em sentido mais restrito, com vistas à prevenção de novos casos de AVC, os enfermeiros devem centrar sua atuação na educação para a saúde, de modo a levar os indivíduos a modificar os fatores de risco. Ainda, na qualidade de participantes do Programa Saúde da Família, faz-se necessária a implantação, nos domicílios, de uma assistência sistematizada de enfermagem extensiva também aos familiares, pois tal assistência propiciará identificar os problemas de maneira individualizada e, ao mesmo tempo, planejar, implementar e avaliar o atendimento a cada situação.

Dessa forma, as dificuldades com o processo de reabilitação após o AVC poderão ser minimizadas, o que favorecerá a adaptação às seqüelas e incapacidades provocadas pela doença e, conseqüentemente, a melhoria da qualidade de vida.

REFERÊNCIAS

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Contribuição dos autores:
-Concepção e desenho:
Joselany Afio Caetano, Marta Maria Coelho Damasceno, Enedina Soares, Ana Virgínia Melo Fialho.
-Análise e interpretação: Joselany Afio Caetano, Marta Maria Coelho Damasceno
-Escrita do artigo:
Joselany Afio Caetano, Marta Maria Coelho Damasceno, Enedina Soares, Ana Virgínia Melo Fialho
-Revisão crítica do artigo:
Joselany Afio Caetano, Marta Maria Coelho Damasceno, Enedina Soares
-Aprovação final do artigo: Joselany Afio Caetano, Marta Maria Coelho Damasceno
-Colheita de dados:
Joselany Afio Caetano
-Provisão de pacientes, materiais ou recursos:
não se aplica
-Expertise em Estatística:
não se aplica (estudo qualitativo)
-Obtenção de suporte financeiro:
auto-financiado
-Pesquisa bibliográfica:
Joselany Afio Caetano, Marta Maria Coelho Damasceno, Ana Virgínia Melo Fialho
-Suporte administrativo, logístico e técnico: não se aplica

Endereço para correspondência: Rua Aécio Cabral n. 300 casa 400. Cocó. Cep: 60135480. Fortaleza/Ce-Brasil

 

Received Jan 31st , 2007
Revised Feb 2nd , 2007
Accepted Jul 24th , 2007