Equity and Resolution: Of Theory to Construction in the Daily of Health Professionals. A comprehensive study 

Equidade e Resolutividade: Da Teoria à Construção no Cotidiano de Profissionais de Saúde. Um estudo compreensivo.  

Equidad y Resolutividad: De la Teoría a la Construcción en el Cotidiano de los Profesionales de Salud. Un estudio comprensivo

 

Cláudia Maria de Mattos Penna1, Maria José Menezes Brito2, Fernanda Porto3. 

1, 2, 3 - Universidade Federal de Minas Gerais

 

Abstract. It is a qualitative study, based on the comprehensive sociology that aimed to understand the health workers' conceptions on fairness and resolutivity and how those principles are inserted in their daily practices. Interviews were accomplished with 16 health professionals from the Basic Units of Belo Horizonte-MG. The data were analyzed and structured in three categories: 1) Fairness: the attention to the health founded in the differences; 2) Resolutivity: small answers making the difference; and 3) Family’s Health Program as reinvention of the health care: reality or utopia? The conceptions of fairness go from the access subject, right to the service, but it should also be recognized the social differences. The data show that the professionals look for solutions for the problems and users' needs, and they believe that the resolutivity should happen starting from an interdisciplinary practice. It is noticed that the strategy of the family health is a process in construction, stuffed with contradictions, because the learning of a differentiated way of attending is happening in the daily routines of the services, without a previous preparation, however they are learning in that daily practice to make the “health of the population” happen.

Keywords: Equity; health public policy; health care 

Resumo. Trata-se de um estudo qualitativo, fundamentado na sociologia compreensiva que teve como objetivo compreender as concepções dos trabalhadores de saúde sobre equidade e resolutividade e como esses princípios se inserem em suas práticas cotidianas. Foram realizadas entrevistas com 16 profissionais de saúde inseridos em Unidades Básicas do município de Belo Horizonte-MG. Os dados foram analisados e organizados em três categorias: 1) Equidade: a atenção à saúde fundada nas diferenças; 2) Resolutividade: pequenas respostas fazendo a diferença; e 3) PSF como reinvenção do cuidado à saúde: realidade ou utopia? As concepções de equidade vão desde a questão do acesso, direito ao atendimento, mas devem-se reconhecer também as diferenças sociais. Os dados mostram que os profissionais buscam soluções para os problemas e necessidades dos usuários e acreditam que a resolutividade deve acontecer a partir de uma prática interdisciplinar. Nota-se que a estratégia da saúde da família é um processo em construção, repleta de contradições, pois o aprendizado de uma forma diferenciada de assistir está ocorrendo no cotidiano dos serviços, sem uma preparação prévia, porém eles estão aprendendo na prática diária fazer acontecer a “saúde da população”.

Palavras-chave: Equidade, políticas públicas de saúde, atenção à saúde. 

Resumen. Se trata de un estudio cualitativo, basado en la sociología comprensiva que tuvo por objetivo entender las concepciones de los trabajadores de salud sobre equidad y resolutividad y cómo esos principios están inseridos en sus prácticas cotidianas. Se realizaron entrevistas con 16 profesionales de salud de las Unidades Básicas del municipio de Belo Horizonte-MG. Los datos fueron analizados y organizados en tres categorías: 1) Equidad: la atención a la salud fundada en las diferencias; 2) Resolutividad: pequeñas respuestas que hacen la diferencia; y 3) Programa de Salud de la Familia como reinvención del cuidado de la salud: ¿realidad o utopía? Las concepciones de equidad van del asunto de acceso, directo a la atención, pero también debe reconocerse las diferencias sociales. Los datos muestran que los profesionales buscan las soluciones para los problemas y las necesidades de los usuarios, y ellos creen que la resolutividad debe acontecer empezando con una práctica interdisciplinaria. Se nota que la estrategia de salud de la familia es un proceso en construcción, pleno de contradicciones, puesto que el aprendizaje de una manera diferenciada de asistir está aconteciendo en el cotidiano de los servicios, sin una preparación precedente, que sin embargo ellos están aprendiendo en la práctica diaria a hacer que la “salud de la población” acontezca.

Palabras-clave: equidad, politica publica de salud; atencion a la salud  

 

1. Introdução 

A Reforma Sanitária que se instaurou na década de setenta no Brasil, trouxe conceitos como descentralização, equidade, universalidade, resolutividade, integralidade para os discursos e documentos que se propõem a reformular as políticas públicas do setor saúde. Estes conceitos fundamentam o Sistema Único de Saúde (SUS), promulgado pela Constituição de 1988.

A descentralização que transferiu para o município o poder de gestão dos serviços centrados nos órgãos estaduais e federais sediados em seu território, com financiamento tripartite e a construção de um novo modelo de atenção à saúde¹, desvelou vieses que se mantinham ocultos. O fato de o planejamento ficar mais próximo da população atendida pode ter sido um dos motivos que reforçou desigualdades até então camufladas. Estas desigualdades desveladas, na verdade, são os reflexos da realidade social na qual está inserida a maioria da população brasileira. Tais desigualdades só poderão ser eliminadas por meio da justiça social e de uma política de inclusão aplicadas às questões de saúde.

Desta forma a equidade, como princípio normativo do SUS, vem reafirmar a justiça social, uma vez que na saúde, ela não pode se resumir apenas à questão de maior acesso ao atendimento por parte da população. Isto quer dizer que um aumento das unidades básicas de saúde (UBS) para atender a um maior número de pessoas de forma igualitária não resulta na diminuição da desigualdade, pois esta está diretamente relacionada com a organização do sistema de saúde como um todo. Enquanto um dos princípios básicos de políticas públicas de saúde, não só do Brasil, mas de qualquer país latino-americano que se propôs reformular o setor nas últimas décadas, a equidade ainda carece de compreensão, pois a interpretação mais comum é explicá-la como igualdade. Apesar de ser entendida como a disposição de reconhecer igualmente o direito de cada um, deve-se considerar, também, que a equidade fundamenta-se na alteridade, pois há diferenças entre as pessoas, suas necessidades e seus direitos.

Na concepção neoliberal de equidade, o que se leva em consideração é o acesso aos serviços de saúde. Nesta concepção baseiam-se os programas financiados pelo Banco Mundial para os paises em desenvolvimento, em que o governo assegura um conjunto de serviços básicos, denominados de cesta básica2.

Outro enfoque dado é da teoria igualitária, na qual acredita-se que a igualdade na distribuição de recursos leva ao bem-estar dos indivíduos por si só3. No caso das políticas de saúde, indivíduos com os mesmos problemas têm direitos iguais de assistência, independente de seu nível social e econômico, porém há aqueles que pagam mais para assegurar a assistência a todos, concepção presente na carta magna brasileira2.

Já a resolutividade é um princípio organizativo dos serviços de saúde, ligada à resposta que se dá ao indivíduo quando este procura tais serviços, mas precisa ser entendida além da questão do encaminhamento. É inegável que o acolhimento, por exemplo, enquanto estratégia  de ação para se resolver, de imediato, demandas espontâneas, tenha melhorado o atendimento. Mas sabe-se que na implantação dessa estratégia nas UBS de Belo Horizonte, o não – envolvimento dos profissionais foi uma das dificuldades encontradas, gerando conflitos entre a equipe4. Se o cotidiano dos serviços de saúde é permeado pelas relações sociais que os diversos atores mantêm entre si, é necessário que novas estratégias que amenizem e resolvam as desigualdades sociais, sejam compartilhadas tanto pela população com suas necessidades, como pelos trabalhadores, responsáveis diretos pela resolução dos problemas. Daí a importância do envolvimento destes enquanto “comissão de frente” na implantação de um novo modelo de assistência.

Nesses dezessete anos de implantação do SUS não se pode afirmar que as dicotomias foram superadas. Apesar do discurso e propostas de uma rede de atenção à saúde hierarquizada e complementar entre o público e privado; atendimento a uma demanda organizada, sem negligenciar necessidades individuais, prestado por uma equipe interdisciplinar, centrado na clientela; com a co-participação na busca de soluções para os problemas coletivos; parece que os princípios básicos da atual política pública não têm sido desenvolvidos no cotidiano de parte das UBS.

Se considerarmos que a equidade nas condições de vida e de saúde; o acesso e utilização dos serviços; a atenção integral e resolutiva devem ser os pilares na construção de políticas públicas em saúde, não podemos negar que é imprescindível o envolvimento dos mais diversos atores do setor para sua efetivação.

Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo compreender as concepções dos trabalhadores de saúde sobre equidade e resolutividade e como esses princípios se inscrevem em suas práticas cotidianas.  

2. Metodologia

            A metodologia de escolha para realização deste estudo é qualitativa, fundamentada na sociologia compreensiva. Ao assumir um modo qualitativo, o pesquisador procura fazer o pesquisado reviver uma experiência, uma vez que sempre há uma relação entre o fenômeno que se mostra e o sujeito que o vivencia5. Por sua vez, “a sociologia compreensiva, em Weber, nos diz que as realidades sociais são construídas nos significados e através deles e só podem ser identificados na linguagem significativa da interação social. Por isso, a linguagem, as práticas, as coisas e os acontecimentos são inseparáveis”5:51.

A sociologia compreensiva permite descrever aquilo que se vivenciou, da maneira que a pessoa percebeu, “contentando assim, em discernir as visadas dos diferentes atores envolvidos”6:25.  Busca relativizar o dado social, que ocorre no aqui e agora e possui diversas interpretações, várias nuanças.

Os sujeitos da investigação foram dezesseis profissionais que atuam na Estratégia de Saúde da Família (ESF) em UBS de Belo Horizonte, interagem com a população assistida, construindo realidades sociais diferenciadas. Foram entrevistados médicos, enfermeiros, assistentes sociais, psicólogos, dentistas, auxiliares de enfermagem, trabalhadores de cinco unidades básicas de saúde de Belo Horizonte. O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG, protocolo número 0455/05.

O procedimento metodológico escolhido foi à entrevista, norteada por um roteiro prévio. Realizou-se análise de conteúdo dos dados, com leituras sistematizadas dos relatos, buscando detectar unidades de significados, que foram interpretadas e discutidas com a literatura, sendo organizadas em três categorias apresentadas a seguir.  

3. Análise e discussão dos dados

 

3.1.  Equidade: a atenção à saúde fundada nas diferenças

 

A equidade, enquanto principio, pressupõe a melhoria das condições de saúde da população e conseqüente redução das desigualdades em saúde tão evidentes no território nacional. Para os sujeitos desse estudo equidade é dar às pessoas sem distinção o direito de acesso, de uso dos serviços de saúde, mas reconhecendo as diferenças do indivíduo.

- É onde todos têm o mesmo direito, ao uso do serviço de saúde, dentro de sua necessidade,  cada um com suas diferenças. (P4)

 

 - Dar tratamento a todos respeitando suas diferenças. (AE3).

 

É necessário reconhecer que “cabe uma distinção entre equidade em saúde e equidade nos cuidados de saúde, à medida que suas determinações não são as mesmas”7:207. Equidade em saúde refere-se às necessidades socialmente determinadas e que “transcende o escopo das ações dos serviços da área, à medida que os cuidados em saúde são apenas um entre os inúmeros fatores que contribuem para as desigualdades em saúde”7:207. Ações isoladas nos serviços de saúde não resolvem as iniqüidades, podem apenas contribuir para reduzi-las.

A valorização das diferenças deve ser ressaltada e deve-se reconhecer que a “equidade implica que idealmente todos deveriam ter a justa oportunidade de obter seu pleno potencial de saúde e ninguém deveria ficar em desvantagem de alcançar o seu potencial se isso puder ser evitado”8:441.

Desta maneira, as formas para tratar as desigualdades, a partir dos diferentes perfis que são traçados diante das necessidades de cada grupo, deveriam ser diversificadas. Entretanto, não se pode desprezar um possível aumento de volume em cada serviço de saúde. Planejar políticas em saúde para a população é preocupar-se igualmente com a saúde de todos, entretanto deve-se  atentar para o fato de que o processo saúde - doença tem maior impacto nos grupos sociais mais vulneráveis, de forma diferenciada.

Ao se trabalhar com equidade devem-se levar em consideração indicadores tais como: qualidade de vida, exposição específica aos riscos para a saúde, morbi-mortalidade por extratos da população, capacidade instalada e resolutividade da atenção básica à saúde e da atenção de média complexidade, grau de utilização desse serviço entre outras8. Diante dessa realidade é necessário realizar práticas diferenciadas de promoção, proteção e recuperação da saúde, baseadas nesses indicadores, enquanto determinantes e condicionantes da saúde, voltando-se assim para as reais necessidades das pessoas atendidas, olhando-as de forma integral9.

Os relatos mostram também a equidade como o direito de todos terem acesso ao atendimento de forma igualitária:

[...] Equidade é quando todos têm acesso, ao atendimento. (M2)

 

[...] Como direito das pessoas terem sua necessidade atendida.  (E1)

 

[...] È  terem um atendimento igual. (E3)

 

Destaca-se a idéia de que igualdade e equidade são sinônimos, o que condiz com a constituição brasileira, ao afirmar que “equidade é a igualdade no acesso aos serviços de saúde”².

O fato de tratar diferentes necessidades de forma igualitária, desconsiderando as características pessoais, sociais e econômicas, geradoras de “diferenças”, faz com que tal princípio não seja alcançado. Tal fato se justifica uma vez que essas diferenças influenciam a utilização dos serviços. Para compreender a equidade no uso dos serviços de saúde é importante considerar as necessidades de cada grupo social, entre outros fatores internos e externos ao setor que envolve tanto a oferta de serviços quanto às preferências e possibilidades do usuário7.

O perfil de necessidades varia quando relacionado às atividades cotidianas, à morbidade, às possibilidades de acesso ao cuidado, entre outros fatores que interferem nos recursos necessários para atender essas necessidades de forma eficiente10. A oportunidade de acesso e a utilização dos serviços estão intimamente relacionadas à distribuição de recursos financeiros, que de forma equânime, permite aumentar a oferta de serviços, ou seja, mais serviços onde às necessidades são maiores; investir na complexidade destes serviços favorecendo o acesso aos setores especializados.

O desconhecimento do que vem a ser equidade também é observado:

 [...] Eu não sei dizer o que seria. (O1).  

O desconhecimento deste princípio também influencia na questão das desigualdades em saúde. Reafirma-se que a equidade deve ser uma constante na prática profissional, pois é por meio desta prática que surge a oportunidade de operacionalizar e programar medidas a fim de reduzir as desigualdades, aumentar as oportunidades e melhorar as condições de saúde da população.

O acesso aliado à qualidade e eficácia dos cuidados pode ter um impacto positivo no uso dos serviços de saúde, porém equidade vai além do acesso. Deve-se reconhecer que há diferenças entre os sujeitos, que permitem a ele o pleno desenvolvimento de seu potencial de saúde. Pois, “a noção de igualdade só se completa se compartida à noção de equidade. Não basta um padrão universal se ele não comporta o direito à diferença”10:60.

Buscar diminuir as desigualdades em saúde não se baseia apenas em uma política equânime, ela deve ser também resolutiva, propor não só uma atenção integral ao usuário, mas permitir que, junto com outros setores, suas necessidades sejam atendidas.

 

3.2. Resolutividade: pequenas respostas fazendo a diferença

 

Apesar de ser um princípio que norteia a organização dos serviços e ações de saúde, muitas são as maneiras encontradas pelos profissionais entrevistados de relatar como a resolutividade transforma-se em estratégias utilizadas no processo de trabalho cotidiano das UBS.

Há de certa forma, um consenso, entre os entrevistados no que se refere à essência do que seja resolutividade, a qual, para eles, significa dar alguma solução ao problema que lhes é apresentado. A Lei Orgânica de Saúde afirma que os serviços de saúde públicos e privados, contratados e/ou conveniados, assim como as ações que integram o SUS devem ter a capacidade de resolução em todos os níveis de assistência11. Reafirma-se, então, que o serviço ou a ação de saúde é resolutivo quando solucionam os problemas apresentados pelo usuário, seja por meio de uma medicação ou de uma prescrição terapêutica, indicação de cirurgia, ou a recomendação de mudanças de hábitos de vida12. Assim a noção de resolutividade,  

[...] vem de resolução [...] é você tentar resolver aquele problema da melhor forma possível. Nem todo problema você consegue resolver totalmente, mas pelo menos você dá um encaminhamento, e daquele encaminhamento ele tem uma resolução até lá na frente, mas aquele, naquele momento, você conseguiu resolver dentro da sua condição, até da sua situação de resolutividade. (E2) 

            Solucionar o problema apresentado pelo usuário muitas vezes implica em fazer uso do encaminhamento para outro profissional que tenha competência, aqui entendido não só como a capacidade técnica, mas também a responsabilidade legal e o conhecimento que estão implícitos em cada prática profissional. Pode-se afirmar que, o serviço procurado pelo usuário pode não possuir a capacidade de resolver seu problema, mas ao encaminhá-lo para outro, acredita-se que ele será resolutivo12. Tal afirmação nos remete a outro aspecto importante que possibilita a resolutividade, que é a intersetorialidade, reconhecida da seguinte forma:  

[...] A resolutividade não depende só de um profissional, ela depende de toda uma rede funcionando bem. (E1)

 

A intersetorialidade consiste em fazer uso de setores que estão envolvidos na saúde, além dos demais níveis de atenção - secundário e terciário. Para que isso seja uma realidade, tantos os profissionais quanto os setores e níveis de atenção devem trabalhar repensando o processo de trabalho, como uma rede de atenção a saúde.

As respostas aos problemas e necessidades de saúde não devem ser de responsabilidade de uma única pessoa. Considera-se a resolutividade como resultado da ação conjunta do usuário e dos diversos setores envolvidos na produção da saúde e, mais ainda, é fazer uso da interdisciplinaridade para dar solução aos problemas da população. Ressalta-se que a interdisciplinaridade refere-se à ação de troca que perpassa as áreas de conhecimento quando se há um fim comum. Para tanto é necessário um inconformismo mediante a realidade, um movimento de dinamicidade, uma atitude de questionar e ser questionado. Não é algo que se ensina ou se aprende; é algo que se vive e se exerce. O que caracteriza a prática da interdisciplinaridade é o fator intencional que ela carrega, pois se não há intenção consciente, objetiva e clara por parte dos envolvidos a mesma não existe. Ela é marcada pela responsabilidade individual, a qual está impregnada do envolvimento com as pessoas13, capazes de dar respostas coerentes para a resolução dos problemas.

Outro fator que contribui para agravar esta situação diz respeito aos serviços de referência. Tais serviços foram criados ou reestruturados com o objetivo de serem um ponto de apoio para as UBS, mas isso não tem acontecido:

[...] Nosso campo de trabalho aqui no posto fica muito reduzido, e nós temos o que eles chamam de atenção secundária, as especialidades da nossa área, e que infelizmente é muito reduzido. Então, forma-se um gargalo, os postos de saúde vão enviando os pacientes pra lá e eles ficam numa fila de espera muito grande. (O1) 

 [...] Os recursos usados muitas vezes não são suficientes para a demanda que chega. (P5) 

O processo de trabalho em saúde exige o conhecimento interdisciplinar com o intuito de estimular a mobilização popular, para que a população seja sujeito do processo de mudança e também co-responsável pelos resultados obtidos com as ações de saúde14. Entretanto, os relatos não refletem a interdisciplinaridade como uma prática comum entre os profissionais. Ademais, revelam que as respostas aos problemas nem sempre são compartilhadas:

[...] Resolutividade é procurar aquilo que eu vou resolver em função daquilo que me apresentar. (E1)

[...] A rapidez com que consegue resolver um problema do paciente. (D1).  

Solucionar o problema dependendo exclusivamente de um único profissional e de sua agilidade para resolvê-lo reduz a resolutividade ao aspecto quantitativo, ou seja, ao número de respostas oferecidas ao usuário, independente de sua qualidade, o que nos remete a uma reflexão sobre o trabalho em equipe.

A estruturação de equipes deve ser a base do processo de trabalho, no qual as ações são executadas por diferentes trabalhadores que contribuem com seus conhecimentos específicos e com suas diferentes abordagens em busca da totalidade e da interdisciplinaridade13. No entanto, o que se tem observado na prática é que o trabalho em equipe tem sido uma simples reunião de pessoas para realização de uma tarefa, na maior parte das vezes desarticuladas. Ele é um instrumento de ação que permite ampliar a resolutividade, já que a busca da solução não é individual, mas estabelece-se nas possíveis trocas de conhecimento, com possibilidades de novas construções. Reafirma-se, portanto, a idéia que, para o trabalho em equipe ser integral, “a individualidade profissional terá outro local na prática interdisciplinar. É diferente a troca de saberes em busca de um crescimento comum que se converta no cuidado integral aos sujeitos atendidos”15.

A capacidade de resolutividade de um serviço de saúde está embasada em dois aspectos: o aspecto quantitativo ou acesso, que consiste na capacidade do serviço na absorção do número de atendimentos solicitados; e o aspecto qualitativo que se refere à capacidade do serviço em solucionar a maior parte dos problemas que lhes são apresentados16.

            Ao questionarmos os profissionais sobre a forma como os princípios da equidade e da resolutividade têm sido empregados, nos deparamos com algumas dificuldades enfrentadas na prática cotidiana:

 [...] Não é uma prática real, tem vários empecilhos. (O1)

 

 [...] A gente lida muito é com os dois modelos, nós não estamos trabalhando especificamente dentro dos critérios do PSF. Quando começou na prefeitura foi aquela coisa, não houve uma preparação, não houve uma reestruturação de material, de pessoal. Não é só, tem que ter perfil de PSF, e o pessoal está entrando e agora que os problemas estão surgindo, é questão de relacionamento, de pessoas que não sabem nem o que o PSF tem buscado. (E1).

 

Os entrevistados referem-se à falta de preparo para a mudança do processo de trabalho proposto pela atual política de saúde. O discurso propõe uma prática calcada na integralidade das ações em saúde, com um trabalho interdisciplinar, focado no usuário, em detrimento a uma prática curativa, voltada para atenção à doença. Mesmo depois da mudança do paradigma a maior parte das instituições formadoras enfatiza aspectos referentes à doença em detrimento da prevenção e promoção da saúde. Isso faz com que os profissionais dêem mais importância à especialização do que ao acompanhamento do comum prevalente em uma determinada região ou à evolução inteira da maioria dos casos que lhes são apresentados17.

De forma semelhante, a população não foi preparada para a mudança, o que se observa na prática, quando o usuário procura a UBS com o objetivo de encontrar o médico para prescrever um medicamento. Tal atitude, nem sempre explícita, reflete a falta de conhecimento da população acerca da equipe interdisciplinar e, ainda, a ausência de clareza sobre sua saúde.

Esta situação gera uma insatisfação da equipe e da população, uma vez que procedimentos simples não estão sendo realizados devido à falta de recursos. Por outro lado, esta situação faz com que a equipe profissional procure outros caminhos para que a resolutividade aconteça: 

[...] A gente está escutando, encaminhando, tentando resolver, mas nem todos os problemas são resolvidos. A gente está tentando ajudar, mas não consegue por problemas: falta de recursos. Em relação à equipe multiprofissional, depois da implantação do PSF isso está sendo bem integrado, a gente procura, sabe? A gente faz muita coisa em conjunto mesmo e isso tem ajudado muito na questão de resolutividade.  (AS2). 

O fragmento acima reafirma que a resolução dos problemas apresentados no dia a dia do trabalho em saúde fundamenta-se na integração dos saberes de cada ator envolvido no cuidado. O trabalho compartilhado é um caminho para a resolutividade, apesar de uma escassez de recursos, a qual muitas vezes é empecilho para a resolução dos problemas. Parece que os trabalhadores da saúde aprendem, dia após dia, buscar estratégias para superar e gerenciar a falta18.

Para compreender este princípio na prática dos profissionais é necessário entender como a  ESF tem se configurado no cotidiano dos trabalhadores, que mudanças esta estratégia proporcionou e como tem contribuído na redução das desigualdades em saúde existentes. 

3.3. PSF como reinvenção do cuidado à saúde: realidade ou utopia? 

Ao analisar o contexto da saúde e buscar reorientar o modelo assistencial brasileiro, o Ministério da Saúde assumiu, a partir de 1994, a implantação do Programa de Saúde da Família. Ao priorizar a atenção básica, o PSF não constitui peça isolada do sistema de saúde, mas apresenta-se como um componente articulado com todos os níveis. Por meio do conhecimento do usuário e do acompanhamento contínuo dos casos, o programa possibilita a ordenação dos encaminhamentos e a racionalização do uso de tecnologias e de recursos terapêuticos mais onerosos.

O programa representa uma estratégia, caracterizado como tal, para reescrever o cuidado em saúde, reorganizar a assistência, respondendo a uma nova concepção de saúde não mais centrada na doença, mas, sobretudo, na promoção da qualidade de vida e intervenção nos fatores que a colocam em risco; pela incorporação das ações programadas que são mais abrangentes e do desenvolvimento de ações intersetoriais. Caracteriza-se ainda pela sintonia com os princípios da universalidade, eqüidade da atenção e integralidade das ações. Assim, ele se estrutura na lógica básica de atenção à saúde, gerando novas práticas e associando ainda mais os trabalhos clínicos e a promoção da saúde.

Pode-se considerar que a implantação da Estratégia da Saúde da Família (ESF) vem contribuindo para a consolidação de uma gestão descentralizada e participativa do sistema e da política de saúde, e para maior garantia do direito à saúde, mas “tais mudanças não resultaram em redução substantivas das desigualdades em saúde no país”8:308. Há dados que mostram iniqüidades na distribuição da oferta de recursos, ao acesso e utilização dos serviços, a qualidade da atenção recebida e as condições de vida e saúde da população.

Alguns entrevistados mostram não acreditar que o ESF tenha reduzido as desigualdades em saúde:

[...] Essa desigualdade, ela existe e muito, o investimento tem que ser maior. (AE1)  

[...] Não mudou pro povo, pra eles terem um investimento tem que ser mais bem atendido.  (M2) 

[...] O PSF é uma ilusão, não há atenção de fato, continua sem acesso a uma consulta especializada, não há resolutividade. (E1) 

Os depoimentos mostram que a ESF não resultou em diminuição das diferenças existentes na distribuição e utilização dos serviços de saúde entre as diferentes classes sociais e diferentes espaços locais. A situação se reflete quando os entrevistados se referem à assistência de qualidade, à dificuldade de acesso aos serviços especializados, culminando em baixa resolutividade. Nota-se que o modelo biomédico ainda está arraigado na atenção prestada à população, pois a resolutividade irá se concretizar mediante o aumento de acesso a especialistas, contrariando a proposta de reordenação do modelo assistencial.  

O que se observa no sistema de saúde é que a oferta de serviços básicos tem conseguido, mesmo que de forma precária, responder às necessidades da população; mas quanto aos serviços de maior complexidade, o que se pode observar é a baixa eficácia do sistema em resolver estes problemas. A demanda é maior que a oferta de serviços oferecidos.

Entretanto, para outros a ESF tem proporcionado melhores condições de saúde para a população, porque tem permitido o acesso aos serviços e a igualdade de atendimento a todos:

[...] O PSF melhorou as desigualdades de atendimento, porque antes eles tinham que vir de madrugada, agora cada equipe vem no seu horário.  (E2) 

[...] Eu vejo que o acesso ao centro de saúde tem melhorado... na parte do usuário procurar a unidade melhorou. (AE1)  

[...] A gente só podia falar assim, que centro de saúde era só pra pobre... então eu acho que agora isso tem mudado... o atendimento tem acontecido igual.  (AE3) 

O princípio da universalidade assegura o acesso do usuário no serviço de saúde reafirmando seu direito do cidadão. A demanda vem sendo atendida independente da condição socioeconômica do usuário, no entanto os mais favorecidos continuam com maior garantia à saúde por dispor de serviços privados¹. A esse respeito é questionável a qualidade do serviço prestado e a própria filosofia do serviço, uma vez que frequentemente observa-se o predomínio do modelo biomédico em detrimento de práticas voltadas para a integralidade em sua concepção mais abrangente. Nessa perspectiva afirma-se que a facilidade de acesso aos serviços de saúde é condição importante, porém não suficiente para reduzir as desigualdades em saúde ². É necessário um repensar e reforçar uma prática de saúde diferenciada, integral, que atenda as reais necessidades da população, privilegiando vínculo, escuta e promoção da saúde9

Constata-se, portanto, que a ESF ainda está em construção e por isso mesmo apresenta-se plena de contradições. Para uns, ainda uma utopia, que possivelmente não dá respostas satisfatórias, pela ausência de um número suficiente de consultas, pois ainda se possui o olhar voltado para a doença. Para outros, uma realidade ainda em construção, que apresenta possibilidades, mesmo que ainda  seja só de acesso, mas mostra nuanças da equidade e de resolutividade.    

4. Reflexões Finais

 

Percebe-se a partir dos resultados analisados que os profissionais entrevistados, em sua maioria, desconhecem o significado do princípio da equidade. Eles concebem-na como sinônimo de igualdade, porém pensar a equidade é ressaltar as diferenças, necessárias para melhor resolutividade  no cotidiano do setor saúde. Conclui-se também, que tal fato impede o reconhecimento de que na prática diária dos profissionais a equidade seja uma realidade e contribua para redução das desigualdades em saúde.

Quanto à resolutividade, os profissionais demonstram compreender seu significado e buscam soluções para as demandas apresentadas, embora reconheçam que as soluções não podem ser dadas por ações individuais, pois isto limita a capacidade de resolutividade de serviço. O trabalho em equipe, interdisciplinar, com a construção de uma rede de atenção, intersetorial é o caminho para que as respostas dadas aos usuários sejam de fato resolutivas, pois assim conseguem até a superar os escassos recursos do serviço.  

A implantação do PSF trouxe ganhos para a saúde. Sua implantação permitiu que os problemas de saúde de uma comunidade se tornassem conhecidos, não só pelos profissionais de saúde, mas também à comunidade, e que esses atores se interagissem na busca da solução conjuntas para seus problemas.

O atendimento nas unidades básicas de saúde tem conseguido atender as comunidades, mas isto não tem levado a redução das desigualdades em saúde. A qualidade da assistência; as oportunidades à saúde, incluindo aí o acesso aos serviços especializados, e uma resolução mais precisa dos problemas ressaltam certa dificuldade dos profissionais em praticar aquilo que eles acreditam ser equidade e resolutividade. Algumas vezes, fica a impressão, que tais princípios ainda não são significativos no cotidiano do trabalhador, ou seja, são apenas conceitos que lhes são impostos com o objetivo de melhorar a qualidade da assistência prestada por eles.

Desta forma, para que a assistência seja realmente de qualidade, os profissionais precisam acreditar em seu trabalho e faça que aquilo que praticam, tenha um real significado. Caso contrário, os princípios estudados serão apenas meras reproduções de algo incompreendido e, por isso, provavelmente, nunca chegarão a ser uma prática integral.

Esta pesquisa permitiu conhecer um pouco da realidade dos profissionais em seu fazer diário, e notar que, as mudanças estão ocorrendo, não na rapidez necessária para a população ou pelas exigências dos gestores. Reconhece-se que os profissionais estão implantando um “novo” modelo de atenção à saúde, que de certa forma foi-lhes imposto, buscando mudar o instituído, com escassa preparação anterior, ou seja, eles estão aprendendo na prática diária fazer acontecer a “saúde da população”.

É preciso entender que nem sempre é fácil transformar as concepções em práticas, mas também acreditar que é possível fazer o melhor dentro da realidade vivida, com os meios que possui, em um trabalho conjunto, compartilhado, co-responsável, é fazer da utopia uma realidade. 

 

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Contribuição dos autores: Concepção e desenho: Penna CMM. Brito MJMAnálise e interpretação: Penna CMM. Brito MJM. Porto, F.Escrita do artigo: Penna CMM. Brito MJM. Porto, F.Revisão crítica do artigo: Penna CMM. Aprovação final do artigo: Penna CMM. Brito MJMColheita de dados: Porto, F.Obtenção de suporte financeiro: Penna CMM. Pesquisa bibliográfica: Penna CMM. Brito MJM. Porto, F.Suporte administrativo, logístico e técnico: Penna CMM. Brito MJM. Porto, F.

Endereço para correspondência: Penna CMM. Rua Paulo Piedade Campos, 664 / 203 – Estoril – Cep: 30455 – 250 – Belo Horizonte MG. cmpenna@enf.ufmg.br

Financiamento: CNPq

Received Aug 16th, 2007
Revised Sep11th, 2007
Accepted Oct 17th, 2007