Gender and work ability among public workers: a cross-sectional study

Gênero e capacidade para o trabalho entre trabalhadores públicos: um estudo transversal

Maria Silvia Monteiro1, Frida Marina Fischer 2, Maiara Denardi de Barros3, Cinthia Mendes Rodrigues4

1,3,4Departamento de Enfermagem, Universidade Federal de São Carlos. 2 Departamento de Saúde Ambiental, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.

ABSTRACT. Objective: to assess demographic and lifestyles characteristics, working conditions and work ability among public workers looking at gender as a mediator factor. Methods: A cross-sectional study was carried out at a public health institution. A  questionnaire including individual, lifestyles, work characteristics, and the work ability index7,13,14 were answered by the studied population. Six hundred fifty one participants agreed to answer the questionnaire and were included in the study. This totalized 89.4% of the total population working in the institution. Females were 63.7% of all participants and the mean age was 43.1 for them and 49.0 for men. Results:  Descriptive analysis showed that women were younger than men (p<0.0077), had more years of education, had predominantly mixed (physical and mental) work demands, work at institution for shorter time and spent longer weekly time in household activities compared to their males colleagues (p<0.0001). More men than women were overweight and obese. Work ability index items showed differences in relation to mental work demands, work impairment, and mental resources (p<0.05): women were worse than men. A multiple logistic regression was carried out to identify variables associated to females. They were: the lower time of work at institution, to have a single job and to do household activities. Conclusion The results corroborate to the results of other Brazilian studies about gender and work ability: compared to men, women had their work ability decreased before, in relation to age.

Key words: gender and health; occupational health; epidemiology.

RESUMO. Objetivo Investigar as características sócio-demográficas, de trabalho, de estilo de vida e a capacidade para o trabalho entre trabalhadores públicos com foco no gênero. Métodos Um estudo transversal foi desenvolvido junto aos trabalhadores de uma instituição pública de saúde. Um questionário abrangendo características individuais, de trabalho, de estilo de vida e  capacidade para o trabalho7,13,14 foi respondido pela população de estudo. Seiscentos e cinquenta e um participantes aceitaram responder ao questionário e foram incluídos no estudo. Estes abrangeram 89.4% da população total da instituição. O gênero feminino era 63.7% de todos os participantes e a idade média foi de 43.1 anos para este e de 49.0 para o masculino.Resultados A análise descritiva mostrou que as mulheres eram mais jovens que os homens (p<0.0077), tinham mais anos de escolaridade, predominaram nas ocupações com demanda de trabalho mista (física e mental), tinham menos tempo de trabalho na instituição e dispendiam mais horas semanalmente no trabalho doméstico (p<0.0001) que seus colegas homens. Mais homens que mulheres tinham sobrepeso e obesidade. A análise dos itens do índice de capacidade para o trabalho mostrou diferenças entre os gêneros em relação às exigências mentais do trabalho, o impedimento estimado ao trabalho e aos recursos mentais (p<0.05): os homens tiveram desempenho melhor do que as mulheres. Foi desenvolvida uma análise de regressão logística múltipla para identificar as variáveis associadas ao gênero feminino. Estas foram: o menor número de anos de trabalho na instituição; não ter outro emprego; realizar atividades domésticas.Conclusão: Como em outros estudos realizados no país identificou-se que as mulheres, quando comparadas aos homens, apresentam uma capacidade para o trabalho reduzida em relação à idade.

Palavras-chave: gênero e saúde; saúde ocupacional; epidemiologia.

INTRODUCÃO

A temática gênero, trabalho e saúde tem recebido limitada atenção por parte dos pesquisadores brasileiros, como demonstrado por um autor1 em amplo levantamento realizado com o objetivo de conhecer a produção científica sobre gênero e saúde. A autora identificou cinco subgrupos no tema estudado, sendo um deles o de trabalho e saúde, e concluiu que a produção científica sobre este era escassa e estava concentrada em somente duas instituições.

Especificamente sobre capacidade para o trabalho, estudos vêm sendo realizados no Brasil desde o final dos anos 90, parte deles abordando aspectos relativos ao gênero e a capacidade para o trabalho.

Estes estudos têm demonstrado que a capacidade para o trabalho, avaliada pelo índice de capacidade para o trabalho-ICT7,13,14 e o gênero estão associados: as mulheres têm uma diminuição da capacidade antes dos homens em relação à idade.

Em estudo desenvolvido entre servidores forenses na faixa etária de 21 a 70 anos e idade média de 36 anos pesquisadores3 identificaram entre o gênero feminino em comparação ao masculino maior chance de ter capacidade para o trabalho baixa ou moderada.

Em pesquisa desenvolvida junto a trabalhadores de um centro de pesquisa de uma empresa de alta tecnologia na faixa etária de 35 a 57 anos, autores8,9 identificaram um melhor desempenho no índice de capacidade para o trabalho e menos ausência no trabalho devido a doenças entre os homens.

O presente trabalho teve por objetivo investigar as características sócio-demográficas, de trabalho, de estilo de vida e a capacidade para o trabalho entre trabalhadores públicos com foco no gênero. 

METODOLOGIA

Foi desenvolvido um estudo transversal junto a trabalhadores de uma instituição pública de saúde, abrangendo toda a população trabalhadora. A taxa de participação  no estudo foi de 89.4%, com n=651.

Um questionário foi respondido pela população de estudo, abrangendo as características individuais, de trabalho e de estilo de vida e um instrumento para avaliação da capacidade para o trabalho, o índice de capacidade para o trabalho-ICT7,13,14,15.

O índice de capacidade para o trabalho é composto de 7 itens e foi desenvolvido por pesquisadores finlandeses com o objetivo de avaliar a capacidade para o trabalho. A pontuação varia de 7 a 49 pontos e com base nela a capacidade para o trabalho é classificada em baixa, moderada, boa ou ótima. Esta metodologia foi desenvolvida em estudo7,13,14,15 realizado durante 11 anos  com alguns milhares de trabalhadores finlandeses.

No presente estudo a idade variou de 20 a 69 anos.

Para a construção do banco de dados e a realização da análise descritiva foi utilizado o programa Epi-Info versão 6.04d. Foi realizada análise de regressão logística utilizando o programa SAS, versão 8.2. Esta teve como objetivo identificar os fatores discriminantes do gênero feminino em relação ao masculino.

O projeto seguiu as recomendações existentes em relação aos aspectos éticos aplicados a pesquisa e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UFSCar.

As características dos indivíduos que não participaram da pesquisa não diferiram das dos indivíduos que integraram o estudo.

O grupo de estudo também foi analisado quanto à capacidade para o trabalho, classificada em dois grupos: capacidade para o trabalho reduzida e capacidade para o trabalho adequada.

Considerou-se para isso o número de pontos no índice de capacidade para o trabalho-ICT, com a definição de ponto de corte de <37 pontos para capacidade para o trabalho reduzida.

Este ponto de corte foi escolhido porque aglutina as categorias de ICT baixa e moderada e  em estudo finlandês (n=6259) de seguimento de trabalhadores no período de 1981 a 1992 utilizando a metodologia ICT identificou-se que especialmente na categoria baixa capacidade, e também na categoria capacidade moderada para o trabalho, ocorreram mais aposentadorias por incapacidade e mortes do que entre os que tinham capacidade para o trabalho boa ou excelente no início do estudo.

Entre os que tinham baixa capacidade para o trabalho no início da pesquisa 62.2% tiveram aposentadoria por incapacidade, 11,6% morreram e somente 2.4% continuaram a trabalhar em tempo integral ao final de 11 anos15.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O gênero feminino era 63.7% de todos os participantes e a idade média foi de 43.1(10.6) anos para as mulheres e de 49.0(10.7) anos  para os homens.

A análise de variância segundo o gênero e os grupos de idade (tabela 1) identificou que a média de ICT teve maior redução no gênero feminino (p<0.0001).

Tabela 1. Média e desvio-padrão do índice de capacidade para o trabalho por grupo de idade e gênero. Análise de Variância.

 

Em estudo realizado no Brasil9 junto a trabalhadores de um centro de pesquisa e desenvolvimento  identificou-se que as mulheres eram mais jovens que os homens e alcançaram menor pontuação no ICT. Elas também tiveram afastamentos do trabalho devido a doenças por períodos mais longos do que os homens.

Em pesquisa desenvolvida junto a servidores forenses3 constatou-se que as mulheres tinham duas vezes mais chance de ter capacidade para o trabalho baixa ou moderada que os homens.

Na análise descritiva do presente estudo (tabela 2) identificou-se diferença significante (p<0.0.5) entre o gênero feminino e o grupo etário (mais jovens); a escolaridade (mais elevada); a classe de demanda de trabalho (predominantemente mista para este e física para o masculino); o tempo de trabalho na instituição (mais curto); ter outro emprego (menos freqüente); o hábito de fumar (menos comum); o índice de massa corpórea (menos sobrepeso e obesidade); a realização de atividade doméstica (mais freqüente e com maior duração).

Este último resultado foi identificado também em outros estudos sobre gênero e trabalho realizados no Brasil. Em pesquisa com 794 professores2 da rede municipal de ensino  de Vitória da Conquista os autores identificaram que as mulheres tinham menor nível de escolaridade, estavam há mais tempo na docência, tinham maior carga horária semanal de trabalho e maior proporção de alta sobrecarga doméstica, entre outros.

Em investigação sobre o impacto do trabalho noturno sob o enfoque de gênero11 pesquisadores identificaram na análise cronobiológica do sono diurno uma redução da duração total do sono por dia entre as mulheres quando comparadas aos homens. As trabalhadoras que tem filhos dormem mais vezes ao dia quando comparadas às que não tem, com tendência para redução do sono matutino; entre os homens não foi identificado efeito significativo entre a presença de crianças e o sono.

Em interessante estudo sobre gênero, vida no trabalho e responsabilidades familiares realizado na Finlândia e na Estônia6, a autora identificou que os fatores estressores eram diferentes nos dois países: na Finlândia estes se relacionavam ao conteúdo e à organização  do trabalho e abrangiam ambos os sexos, enquanto na Estônia estes derivavam principalmente das responsabilidades familiares e recaiam sobre as mulheres. A autora concluiu que o Estado de bem-estar social finlandês provê serviços que tornaram mais fácil para as mulheres e mães trabalhadoras lidar com suas vidas cotidianas.

Para descrição das doenças mais prevalentes no presente estudo foram utilizadas as informações do item 3 do ICT-número de doenças diagnosticadas por médico. As doenças mais referidas pelas mulheres foram as músculo-esqueléticas (17.8%), as cardiovasculares (15.2%), as respiratórias (14.7%) e as mentais (11.8%). Entre os homens as doenças mais referidas com diagnóstico médico foram as músculo-esqueléticas (17.0%), as cardiovasculares (14.2%), as gastrointestinais (7.2%) e as mentais (6.8%).

Na pesquisa realizada na Finlândia com trabalhadores municipais na faixa de 44 a 58 anos pesquisadores12 identificaram entre os homens 35% de doenças músculo-esqueléticas, 19% de doenças cardiovasculares, 9% de doenças respiratórias e 4% de doenças mentais. Entre as mulheres as mesmas doenças prevaleceram, com respectivamente 38%, 15%, 10% e 4%.

Em investigação5 realizada com trabalhadores hospitalares de 16 unidades hospitalares de Belo Horizonte pesquisadoras identificaram que entre os trabalhadores com licença maior ou igual a 15 dias, a doença mais prevalente foi a do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo.

Em estudo4 sobre fatores associados à capacidade para o trabalho inadequada entre trabalhadores de saúde que trabalham em turnos pesquisadores identificaram que a doença mais prevalente foram as infecções respiratórias.

Em relação aos itens do índice de capacidade para o trabalho  (tabela 3) ocorreu diferença entre os gêneros  (p<0.05), com melhor desempenho do masculino,  na capacidade para o trabalho em relação às exigências mentais; na perda estimada ao trabalho em razão de doenças; nas faltas ao trabalho por doença no último ano e em duas questões do item recursos mentais.

Na análise de regressão logística univariada (tabela 4) foram identificadas as seguintes características que distinguem o gênero feminino em relação ao masculino: a escolaridade, o tempo de trabalho na instituição, a realização de atividade doméstica, a capacidade para o trabalho em relação às exigências mentais, o impedimento estimado ao trabalho devido à doenças, a capacidade de apreciar as atividades diárias, a capacidade de sentir-se ativo e alerta e a capacidade de sentir-se cheio de esperança para o futuro.

Tabela 2. Gênero e as características sócio-demográficas, de trabalho e de estilo de vida.

 
1
Em anos.  2 Os pontos de corte para as categorias foram: normal ≤24.9, sobrepeso >24.9 e ≤29.9 e obesidade >29.9, dados perdidos: 23. 3 Em horas semanais, dados perdidos: 86.

Tabela 3. Itens do índice de capacidade para o trabalho (ICT) segundo o gênero e o teste de qui quadrado.

  

 

Tabela 4. Análise de regressão logística univariada das características sócio-demográficas, de trabalho, de estilo de vida e dos itens do índice de capacidade para o trabalho em relação ao gênero- odds ratio (OR) e intervalo de confiança (95%IC).

 

Foi realizada também uma análise de regressão logística múltipla para identificar as variáveis associadas ao gênero feminino. Estas foram: o menor número de anos de trabalho na instituição,  não ter outro emprego e realizar atividades domésticas.

A análise descritiva da capacidade para o trabalho em relação ao gênero e às características sócio-demográficas, de trabalho e de estilo de vida (tabela 5), mostrou que a capacidade para o trabalho  reduzida foi mais comum nas mulheres mais jovens que nos homens.

Quanto à escolaridade, a capacidade para o trabalho reduzida foi mais freqüente entre os homens com baixa escolaridade.

Em relação à classe de demanda de trabalho a capacidade para  o trabalho reduzida no gênero feminino foi mais freqüente na física, seguida da  mista; o mesmo ocorreu entre os homens, mas em maior proporção.

Na duração do tempo de trabalho identificou-se que no período de 1 a 10 anos havia mais de 7 vezes a proporção de mulheres com capacidade para o trabalho reduzida em relação aos homens.

Quanto a ter outro emprego, havia quase o dobro de homens com capacidade para o trabalho boa entre aqueles que o exerciam em relação às mulheres. Apesar de os homens terem com mais frequência um segundo emprego, entre as mulheres que o tem a redução na capacidade para o trabalho é maior.

Tabela 5. Gênero, categoria da capacidade para o trabalho (CT) e as características sócio-demográficas, de trabalho e de estilo de vida, teste de qui-quadrado.

 
1 Os pontos de corte para as categorias foram: normal ≤24.9, sobrepeso >24.9 e ≤29.9 e obesidade >29.9, dados perdidos: 23. 2 Em horas semanais, dados perdidos: 86.

 Em relação ao índice de massa corpórea as mulheres com obesidade tiveram maior proporção de indivíduos com capacidade para o trabalho reduzida.

Entre as mulheres que realizavam atividade doméstica houve maior proporção de indivíduos com capacidade para o trabalho reduzida em relação aos homens. E também entre aqueles que tinham maior duração da atividade doméstica.

Quanto à presença do hábito de fumar, o gênero masculino apresentou maior proporção de indivíduos com capacidade para o trabalho reduzida.

Entre os que não praticavam atividade física identificou-se maior proporção de indivíduos com capacidade para o trabalho reduzida em ambos os gêneros.

CONCLUSÃO

Neste estudo, como em outros estudos que utilizaram a mesma metodologia para a avaliação da capacidade para o trabalho realizados no Brasil, identificou-se uma associação entre o gênero feminino e uma capacidade para o trabalho reduzida em relação à idade, quando comparadas aos homens.

Na perspectiva de gênero foram identificados dois aspectos que podem contribuir para a ocorrência de uma redução  precoce da capacidade para o trabalho: a realização de tarefas domésticas com mais freqüência e com maior carga horária semanal pelas mulheres e também a existência de um segundo emprego.

Apesar de menos mulheres terem um segundo emprego, entre as que os tem existe metade de indivíduos com boa capacidade para o trabalho em relação aos homens.

Num contexto em que vêm aumentando o número de mulheres que são chefes de família, novas investigações sobre a capacidade para o trabalho e o gênero devem levar em conta a questão do duplo emprego.

Também os aspectos relativos às responsabilidades familiares e atividades domésticas devem ser investigados em sua relação com a capacidade para o trabalho.

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13.Tuomi K, Ilmarinen J, Jahkola A, Katajarinne L, Tulkki A. Índice de capacidade para o trabalho. São Carlos: EdUFSCar; 2005.

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Contribuição dos autores: -Concepção e desenho: 1 ; -Análise e interpretação: 1,3,4; -Escrita do artigo: 1,3; -Revisão crítica do artigo: 1,2 ; Aprovação final do artigo: 1,2,3,4; -Colheita de dados: 1; -Obtenção de suporte financeiro: 1; -Pesquisa bibliográfica: 1,3.

Endereço para Correspondência:  Maria Silvia Monteiro,Departamento de Enfermagem, UFSCar, caixa postal 676, São Carlos SP, 13565-905.

Apoio financeiro: A FAPESP concedeu o auxílio à pesquisa, processo 04/07243-7.

O CNPq concedeu o auxílio à pesquisa inicial do qual este estudo derivou, processo 475058-01-1.

MD Barros teve bolsa de iniciação científica CNPq-PIBIC-UFSCar