The bioethics in the scene of the nursing
A Bioética no cenário da enfermagem
Anice de Fátima Ahmad Balduino1, Maria Eduarda Cavadinha Corrêa2, Liliana Maria Labronici3, Maria de Fátima Mantovani4.
1Mestranda Programa de Mestrado em Enfermagem, UFPR, PR, Brasil. 2Mestranda Programa de Mestrado em Enfermagem e Bolsista da CAPES, UFPR, PR, Brasil. 3Profª Doutora em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná, Brasil. 4Profª Doutora em Enfermagem da Universidade Federal do Paraná, Brasil.
ABSTRACT: The practical of the nursing is developed in multiple scenes that can be sources for the research with human beings. This practical must be based on the *196/96 Resolution of the National Counsel of Health of the Ministry of Health. The objective of this study is to identify the knowledge of the nurse about the *196/96 Resolution and analyze the contribution of the bioethics principles in the use of this resolution. In Ocober, 2006, 56 nurses, which work in a Public Institution of Health in Curitiba city, in the State of Paraná, have been interviewed. For the collection of the data, a questionnaire with closed qestions, processed manually was applied to the nurses. It was verified that 67.8% do not work with research; 66,1% do not receive protocols; 64,3% and 76.8% respectively do not have knowledge about the terms indemnity and compensation which are included in the resolution. 32.2% are also unaware of the fact that the Research Committee of Ethics (CEP) must be registered to the National Commission in Research of the Ministry of Health (CONEP/MS). The results have also demonstrated an incipient knowledge on the *196/96 Resolution, on the part of the nurses, demonstrating the necessity of permanent education.
KEY WORDS: Nursing, Bioethics, Ethics
RESUMO: A prática da enfermagem se desenvolve em múltiplos cenários que podem ser mananciais para a pesquisa com seres humanos. Contudo, essa prática deve ser fundamentada na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. O estudo em questão teve como objetivos identificar o conhecimento do enfermeiro a respeito da Resolução Nº 196/96 e analisar a contribuição dos princípios da Bioética na utilização dessa resolução. Durante o mês de outubro de 2006, foram investigados 56 enfermeiros que trabalham numa Instituição Pública de Saúde do município de Curitiba do Estado do Paraná. Para a coleta de dados foi utilizado um questionário contendo perguntas fechadas, que foram processados manualmente. Verificou-se que 67,8% não trabalham com pesquisa; 66,1% não recebem protocolos de pesquisa; ainda, 32,2% desconhecem que o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) deve estar registrado à Comissão Nacional em Pesquisa do Ministério da Saúde (CONEP/MS). Os resultados demonstraram um conhecimento ainda incipiente da Resolução Nº 196/96 por parte dos sujeitos, apontando para a necessidade de educação permanente.
PALAVRAS-CHAVE: Enfermagem, Bioética, Ética.
A prática cotidiana da enfermagem se desenvolve em múltiplos cenários, nos quais estão presentes a vida (Eros) e a morte (Thánatos), e são neles que emergem dilemas éticos que exigem do enfermeiro o conhecimento ético, bioético e estético, dentre outros.
Nesse contexto, o domínio dessas questões é crucial para que o enfermeiro seja capaz de refletir e tomar decisões que visem à promoção da dignidade humana e da qualidade de vida (1) tanto na prática do cuidado como na pesquisa. O conhecimento da Bioética e da Ética é essencial à profissão de Enfermagem, porque subsidia o embasamento teórico e propicia um fazer com resultados efetivos, de forma a proteger o ser humano (2).
É interessante destacar que a Bioética é o estudo sistemático das dimensões morais, incluindo a visão, a decisão, a conduta e as normas, e as ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar (2). É uma nova sensibilidade que leva a cuidar e a zelar(3). Ela envolve a pesquisa na área de saúde a qual é evidenciada de forma peculiar para os profissionais de Enfermagem. Na sua essência, é a prestação de cuidado ao doente, mas também permite um estudo multidisciplinar da conduta humana, o qual tem como objeto a vida, em suas diversas dimensões, perpassando pela Medicina, Antropologia, Engenharia Genética, Sociologia, Filosofia, Direito e outras disciplinas da área do conhecimento. Nesse sentido, a Bioética difere da Ética, que é entendida pelos profissionais como compromisso social, profissional e científico para promover a melhoria da qualidade de vida da população (4).
Destarte, a Bioética, enquanto estudo sistemático da conduta humana na área da vida e dos cuidados da saúde (3), fundamenta-se em quatro princípios: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça (5). Esses princípios visam assegurar os direitos e deveres a respeito da comunidade científica aos sujeitos da pesquisa e ao Estado (6). Dessa maneira, torna-se fundamental o conhecimento do enfermeiro não apenas desses princípios que fundamentam a Bioética, mas também da Resolução nº 196/96 (7) . Só assim poderá ser garantido um agir permeado pelo entrelaçamento do conhecimento técnico, científico, ético, bioético e estético tanto na prática de cuidado, gerencial, pesquisa e ensino, que busca o equilíbrio entre a prudência e a ousadia.
Atualmente, com os desafios da Bioética, ou seja, da ética da vida, a enfermeira se depara com os dilemas no âmbito das ciências da vida e da saúde. Nesses casos, há necessidade de se buscar consensos éticos e diálogos com a equipe multidisciplinar; conseqüentemente utiliza-se a Resolução nº 196/96 (7) para se preservar os direitos do paciente, da família e da comunidade. Desse modo, dá-se ênfase ao consentimento livre e informado e aos quatro princípios da Bioética citados anteriormente: o respeito à autonomia, à beneficência, não maleficência e à justiça. Portanto, este estudo tem como objetivo identificar o nível de conhecimento do enfermeiro a respeito da Resolução nº 196/96 (7) e analisar a contribuição dos princípios da Bioética na utilização dessa resolução.
Trata-se de pesquisa exploratória, uma vez que se realiza em áreas e trata de fenômenos em que há escasso ou nenhum conhecimento acumulado e sistematizado, além de não partir de hipóteses . Porém, poderão surgir como produto final da pesquisa (8).
O cenário na qual a pesquisa em tela foi desenvolvida é um Hospital de Ensino Público do município de Curitiba/PR, cujo número de enfermeiros é de 221. A amostra foi composta de 56 enfermeiros assistenciais e gerentes de unidades funcionais de enfermagem dos serviços de internações da instituição de saúde, representando 25% do total de enfermeiros lotados na Coordenação de Enfermagem nessa instituição. Os enfermeiros atuavam em diferentes turnos de trabalho e aceitaram participar da pesquisa, após sorteio dos seus nomes que constavam em uma listagem fornecida pela direção de recursos humanos. Foram excluídos aqueles que não trabalhavam diretamente com o serviço de enfermagem (comissões e cargos diretivos).
Antes de iniciar a coleta de dados, os sujeitos foram esclarecidos sobre a pesquisa, que foi aprovada pelo Comitê de Ética da instituição (1287.135/2006-09). Leram e então assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) conforme preconiza a Resolução nº 196/96 (7). A coleta de dados deu-se mediante a aplicação de um questionário contendo perguntas fechadas (apêndice 1).
A análise dos dados foi realizada a partir dos pressupostos da Resolução nº 196/96 (7) e as questões foram computadas manualmente segundo a freqüência absoluta e relativa (porcentagem) (9).
RESULTADOS E COMENTÁRIOS
Entre os 56 enfermeiros participantes do estudo, 96,4% eram do sexo feminino e 3,6%, do sexo masculino; mesmo com a realização de sorteio, houve um maior número de mulheres no grupo visto que é uma das características dessa profissão prevalecerem profissionais do sexo feminino. No tocante ao tempo de conclusão do curso dos participantes, houve uma variação entre 1 a 29 anos, com uma média de 15 anos.
Com relação à função do enfermeiro na instituição, a predominância foi de enfermeiros assistenciais (85,7%), e os enfermeiros gerentes de unidades funcionais representaram apenas 14,3% da amostra. Da população em estudo, 67,8% afirmaram não trabalhar com pesquisa e 66,1% declararam não receber protocolos.
No entanto, 64,3% relataram não ter conhecimento sobre o termo “indenização”, que consta na Resolução nº 196/96 (7) como cobertura de material em reparação a dano imediato ou tardio causado pela pesquisa ao ser humano a ela submetida. Já quanto ao termo “ressarcimento”, a idéia é de que significa cobertura e compensação, exclusiva de despesas decorrentes da participação do sujeito (7) Entretanto, 76,8% dos respondentes afirmaram não ter conhecimento do termo.
Os sujeitos do estudo que responderam não haver risco e benefícios nas pesquisas com seres humanos totalizaram 19,6%. Esse fato nos leva a uma reflexão sobre os princípios da não maleficência, beneficência, autonomia e justiça, pois, segundo a resolução nº 196/96 (7), estes devem estar presentes nessas pesquisas porque um dano eventual poderá ser imediato ou tardio.
Quando os sujeitos foram questionados a respeito do conhecimento da função do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), ou seja, se eles se inteiravam dela, 60,8% responderam afirmativamente, porém 39,2% não souberam responder. Dos 31 enfermeiros que relataram ser conhecedores das funções do comitê, 18 (58,1%) declararam que o comitê desenvolve ações avaliativas de pesquisa; 10 (32,3%) relataram que ele tem função de aprovação, e somente 3 (9,6%) referiram-se à função do comitê de preservar a integridade do sujeito da pesquisa.
Nesse caso, observa-se uma visão restrita por parte dos sujeitos, visto que a Resolução nº 196/96 (7) preconiza atribuições básicas do CEP como: revisar todos os protocolos de pesquisa envolvendo seres humanos; emitir parecer por escrito no prazo de 30 dias; garantir a confidencialidade de todos os dados referentes ao protocolo de pesquisa analisado; acompanhar o andamento dos projetos; desenvolver papéis consultivos, deliberativos e promover discussões e reflexões sobre a ética na ciência; receber dos sujeitos de pesquisa e de qualquer lugar, denúncias de abusos ou notificações referentes a fatos relativos ao curso da pesquisa, tendo autonomia para decidir sobre sua continuidade ou suspensão; requerer sindicância à direção da instituição responsável pela pesquisa e, em caso de comprovação de denúncia de irregularidades, comunicar o ocorrido à Comissão Nacional de Ética e Pesquisa (CONEP) (1).
Foi constatado que 67,8% dos pesquisados sabem que a CONEP é um colegiado de natureza consultiva, deliberativa, normativa, educativa, independente e vinculado ao Conselho Nacional de Saúde. Eles também têm conhecimento de que a competência do colegiado é examinar os aspectos éticos da pesquisa envolvendo seres humanos, adequar e atualizar as normas referentes (5) e garantir que todos os CEPs devem ser registrados na CONEP. Porém, chamou a atenção o fato de que 32,2% dos respondentes desconhecem tais atribuições.
Os grupos vulneráveis de pesquisa apontados pelos entrevistados foram evidenciados na tabela1.
Tabela 1 – Grupos vulneráveis de pesquisa apontados pelos enfermeiros - Curitba, 2006.
Na tabela, ficou evidenciado que 12,5% não souberam responder quais são os indivíduos que fazem parte dos grupos vulneráveis referenciaram como: os menores de 1 ano (16,1%); portadores de incapacidade mental (15,6%); portadores de HIV (15,0%); adultos com doenças crônicas (12,2%); gestantes (10,0); adultos conscientes (8,9%); adolescentes de 13 a 18 anos (8,3%); idosos (7,8%); funcionários (6,1%). Percebe-se um desconhecimento acerca do conceito de vulnerabilidade por parte dos sujeitos.
Ainda, conforme a resolução nº 196/96 (7), fazem parte dos grupos vulneráveis as crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença mental, além daqueles sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos ou à influência de autoridade, especialmente estudantes, militares, empregados, presidiários, internos em centros de readaptação, casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes. O pesquisador deve assegurar-lhes a inteira liberdade de participar ou não da pesquisa, sem quaisquer represálias. Isso significa respeitar um dos princípios da Bioética: a autonomia. Ainda cabe salientar que o desconhecimento dos grupos vulneráveis pode causar problemas no que se refere ao termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (7), pois no caso de falta de autonomia do sujeito da pesquisa, este deve ser encaminhado ao responsável.
Quando os sujeitos do estudo foram interrogados sobre o Consentimento Livre e Esclarecido, 83,9% mencionaram ter conhecimento desse tópico, que esses enfermeiros trabalham em um hospital de ensino, pesquisa e extensão, e encontram-se em uma posição privilegiada para atuar na troca de informações que integram o processo de consentimento, além de manterem contato mais contínuo, prolongado e intenso com os usuários dos Serviços de Saúde (9).
Apesar de muitos dados apontarem para um desconhecimento acerca da Resolução nº 196/96(7), 87,5% responderam corretamente às questões referentes aos aspectos éticos, os quais deverá ser adequado aos princípios científicos que o justifiquem, com possibilidades concretas de responder a incertezas. Também devem estar fundamentados na experiência prévia realizada, somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser conseguido por outro meio (5:174). Por si só não basta, essa aproximação é necessário criar espaços, para que se coloquem em comum os valores e a compreensão do bem-estar de todos os envolvidos na atenção à saúde (9).
Os resultados mostram que o conhecimento dos enfermeiros acerca da Resolução nº 196/96 (7) ainda é incipiente, bem como o das funções do Comitê de Ética. Nesse sentido, entendemos ser fundamental um trabalho educativo por parte desse Comitê, a fim de proporcionar debates e reflexões sobre as questões éticas e bioéticas presentes no cotidiano das pesquisas relacionadas com seres humanos e desenvolvidas nas instituições de saúde. Apesar da resolução ter mais de 10 anos e a média de formação dos entrevistados ser de 15 anos, sem esse trabalho, o desconhecimento da Resolução 196/96(7) passa a ter um caráter de normalidade, isto é, sem que se busquem as necessárias explicações sobre quais são as condutas e experimentos que estão sendo realizados no local.
Sugere-se que outros estudos sejam realizados no sentido de aguçar o interesse para esse campo do conhecimento e que as instituições de ensino enfatizem a importância do respeito aos princípios da bioética e da ética nos seus futuros pesquisadores. Assim, os sujeitos das pesquisas poderão ser devidamente informados sobre todos os procedimentos inerentes a esses princípios e terão os seus direitos salvaguardados.
Destarte, concluímos que, se há desconhecimento dos aspectos importantes da Resolução nº 196/96(7), o mesmo ocorre em relação aos princípios da bioética (autonomia, não maleficência, beneficência e justiça), fundamentais para o desenvolvimento de pesquisas com seres humanos no cenário da saúde. Cabe, pois, ao enfermeiro acompanhar os avanços científicos sem ferir a dignidade do paciente. Como bem disse Tolstoi (11:1), “de todas as ciências que o homem pode e deve saber, a principal é a ciência do viver fazendo o mínimo de mal e o máximo possível de bem”.
1.
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Online
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11. Barchifontaine CP. Bioética, cidadania e controle social. O Mundo da Saúde 2004; 28(3): 1
Endereço para correspondência: Rua Urbano Lopes, nº 152, ap.1702. Edifício Tom Jobim. Bairro Cristo Rei. Curitiba-Paraná. CEP: 80050-520.
Received
Dec 4th, 2006
Revised Jan 26th, 2007
Accept Mar 13th, 2007