PROTOCOLO DE REVISÃO
Tecnologias educacionais em saúde para autocuidado de crianças e adolescentes com câncer: um protocolo de revisão de escopo
Vanessa Ramos Martins1, Fernanda Garcia Bezerra Góes2, Aline Cerqueira Santos Santana da Silva2, Gabrielle Borges da Silva3, Laura Johanson da Silva1, Liliane Faria da Silva2
1Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil
3Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
Objetivo: Mapear as tecnologias educacionais em saúde direcionadas ao autocuidado de crianças e adolescentes com câncer. Método: Protocolo de revisão de escopo segundo as orientações do JBI Manual for Evidence Synthesis. O protocolo está registrado na Open Science Framework. A questão norteadora foi elaborada com base no mnemônico PCC: População (crianças e adolescentes com câncer), Conceito (tecnologias educacionais em saúde), Contexto (autocuidado). A pesquisa será realizada em sete bases de dados. Após a exclusão das duplicatas no software EndNote, os estudos serão exportados para o software Rayyan para a etapa de seleção, obedecendo aos critérios de elegibilidade. A pesquisa será reportada de acordo com o Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses — Extension for Scoping Review (PRISMA-ScR). Os dados serão apresentados na forma de quadros e tabelas, acompanhados de uma análise descritiva que sintetizará os dados extraídos.
Descritores: Criança; Adolescente; Autocuidado; Neoplasias; Tecnologia Educacional.
INTRODUÇÃO
O crescente percentual de vítimas de câncer afeta decisivamente a população infanto-juvenil. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA), os diagnósticos de câncer estão no topo da lista de causas de morte por doenças na faixa etária de um a 19 anos, correspondendo a 8% do total. Anualmente, são registrados aproximadamente 12.500 novos casos de câncer em menores de 15 anos no Brasil(1). Entre crianças e adolescentes, os diagnósticos mais frequentes são de leucemias, com uma taxa de incidência de 44,8 por milhão de casos, seguidos pelos tumores do sistema nervoso central, com 29,8 por milhão, e linfomas, com 15,5 por milhão(2-3).
Após o início do tratamento, crianças e adolescentes com câncer enfrentam mudanças e novas experiências decorrentes da toxicidade do tratamento, como náuseas, vômitos, diarreia, constipação e mucosite. Esses efeitos colaterais exigem cuidados alimentares, medicamentosos e higiênicos específicos para sua melhora, o que implica na necessidade de práticas de autocuidado adequadas à idade e ao desenvolvimento do paciente(4). Portanto, esse grupo populacional precisa de orientações claras e assertivas para se tornarem protagonistas do seu próprio cuidado. Isso é fundamental para garantir melhor adesão ao tratamento, manejo dos sintomas e segurança, visando manter a qualidade de vida e o bem-estar.
No contexto da promoção e educação em saúde, tem-se observado um aumento significativo na criação e utilização de tecnologias educacionais. Essas ferramentas têm demonstrado eficácia ao atuarem como facilitadoras no estabelecimento de uma comunicação efetiva entre profissionais de saúde, familiares e pacientes. Elas utilizam uma linguagem apropriada para a população-alvo e incorporam recursos visuais, design/layout e considerações culturais pertinentes. Além disso, essas tecnologias estimulam a motivação para a aprendizagem(5). Ao compartilhar recursos e informações de forma acessível e culturalmente adequada, essas tecnologias se tornam aliadas essenciais no autocuidado de pacientes com câncer, contribuindo para uma melhor qualidade de vida e resultados positivos no enfrentamento da doença.
As tecnologias, quando apropriadas, gerenciadas e aplicadas de forma inteligente, podem beneficiar significativamente o ser humano e seu autocuidado. As tecnologias educacionais, também conhecidas como tecnologias em saúde, envolvem diversos princípios éticos, filosóficos e metodológicos que visam melhorar os serviços prestados pela equipe de enfermagem aos pacientes, favorecendo a construção do conhecimento(6). As inovações no campo da saúde digital proporcionam um caminho para a melhoria da qualidade de vida e estão inseridas na Estratégia Global de Saúde Digital 2020-2025, proposta pela Organização Mundial da Saúde, e na Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028(7-8).
Nessa perspectiva, as tecnologias educacionais são ferramentas essenciais para a promoção e educação em saúde, bem como para a manutenção da qualidade de vida de crianças e adolescentes com câncer. Por isso, é fundamental que sejam desenvolvidas e aplicadas com foco no autocuidado(7). No entanto, é crucial investigar quais tecnologias educacionais em saúde têm sido produzidas e utilizadas especificamente para o autocuidado dessa população infanto-juvenil com câncer. Atualmente, as informações sobre esse tema estão dispersas na literatura, dificultando uma compreensão abrangente e organizada do estado atual do conhecimento. Portanto, uma revisão de escopo é necessária para mapear e sintetizar as evidências disponíveis, preenchendo essa lacuna e fornecendo uma base sólida para futuras pesquisas e intervenções clínicas nesse importante campo.
Diante disso, foi realizada uma pesquisa preliminar em 1º de setembro de 2023 nos seguintes recursos informacionais: Open Science Framework (OSF), Biblioteca Virtual da Saúde (BVS) e Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN). Além disso, foram feitas buscas na International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed) e Cochrane Database of Systematic Reviews. Apesar da proximidade de alguns estudos com o tema, em todas as buscas realizadas, não foram identificadas revisões sistemáticas atuais ou em andamento, nem revisões de escopo e/ou protocolos especificamente sobre o assunto. Portanto, torna-se relevante a realização deste estudo. A presença de estudos primários sobre o tema garante a viabilidade desta revisão.
Assim, o objetivo desta revisão de escopo é mapear as tecnologias educacionais em saúde voltadas para o autocuidado de crianças e adolescentes com câncer.
MÉTODO
A revisão de escopo será desenvolvida com base nas orientações do JBI Manual for Evidence Synthesis, seguindo as nove etapas propostas pelo método: 1ª - Determinar e alinhar o objetivo e a pergunta; 2ª - Elaborar e alinhar os critérios de inclusão com o objetivo e a pergunta; 3ª - Especificar a estratégia planejada para busca, seleção, extração de dados e apresentação de evidências; 4ª - Procurar as evidências; 5ª - Escolher as evidências; 6ª - Extrair as evidências; 7ª - Analisar as evidências; 8ª - Apresentar os resultados; 9ª - Sintetizar as evidências vinculadas ao objetivo do estudo, destacando as conclusões e as implicações dos achados(9).
O estudo será relatado conforme as indicações do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analys — Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR). Este protocolo encontra-se registrado na OSF através do DOI 10.17605/OSF.IO/QVWEM.
Pergunta de revisão
A partir do mnemônico PCC (população: crianças e adolescentes com câncer; conceito: tecnologias educacionais em saúde; contexto: autocuidado), foi elaborada a seguinte pergunta para a revisão: “Quais tecnologias educacionais em saúde direcionadas ao autocuidado de crianças e adolescentes com câncer podem ser identificadas na literatura científica?”.
Critérios de elegibilidade
População
Para a população, serão incluídos estudos direcionados a indivíduos de dois a 18 anos com câncer, sem distinção de sexo ou etnia. Serão excluídas pesquisas que incluam também adultos na população-alvo, para garantir que as tecnologias educacionais em saúde identificadas sejam especificamente produzidas para crianças e adolescentes em tratamento oncológico.
Conceito
Os estudos incluídos deverão abordar tecnologias educacionais em saúde, compreendendo produtos e ferramentas utilizados para aprimorar o conhecimento e adquirir novas habilidades por parte da população-alvo(10). Isso pode incluir, mas não se limita a, aplicativos móveis, vídeos educativos, jogos educacionais, plataformas online, realidade virtual, cartilhas virtuais ou impressas, entre outros recursos tecnológicos projetados para promover o autocuidado de crianças e adolescentes com câncer. As tecnologias podem ter passado ou não por processos de validação ou avaliação. Serão excluídas pesquisas sobre tecnologias educacionais em saúde direcionadas unicamente à orientação de acadêmicos, profissionais ou famílias, a menos que contenham elementos específicos que apoiem diretamente o autocuidado da população infanto-juvenil.
Contexto
Os estudos devem contextualizar o autocuidado da própria criança e/ou adolescente para o manejo dos sintomas relacionados à doença e ao tratamento, bem como a maior adesão e segurança ao tratamento do câncer em qualquer ambiente(5). Serão excluídos os estudos que não envolvam o contexto de cuidados relacionados ao percurso de tratamento e à manutenção da qualidade de vida de crianças e adolescentes com câncer.
Tipos de fontes de evidência
Esta revisão de escopo incluirá artigos com dados primários qualitativos, quantitativos ou mistos, incluindo estudos experimentais e quase-experimentais, ensaios clínicos (randomizados ou não), estudos antes e depois, séries temporais, estudos epidemiológicos, observacionais, transversais, descritivos, analíticos, de coorte prospectiva ou retrospectiva, séries de casos, relatos de casos individuais, além de revisões sistemáticas.
Não serão utilizadas literaturas cinzentas, pois a qualidade, validade e reprodutibilidade dos dados não revisados por pares não podem ser garantidas. Além disso, a inclusão dessas fontes pode aumentar a heterogeneidade e o viés na análise dos resultados, comprometendo a integridade e a confiabilidade da revisão, especialmente em um contexto tão sensível quanto o das tecnologias educacionais em saúde para o autocuidado de crianças e adolescentes com câncer.
Serão incluídos estudos realizados nos últimos 10 anos, uma vez que esta revisão de escopo aborda tecnologia educacional em saúde e requer atualização para acompanhar o desenvolvimento tecnológico global. Publicações como cartas, comentários, editoriais, revisões integrativas, artigos de opinião de especialistas ou estudos ainda em andamento sem resultados serão excluídas, pois essas fontes não são adequadas para atender ao objetivo da revisão.
Estratégia de pesquisa
As buscas serão realizadas no primeiro semestre de 2024 nos recursos informacionais: Base de Dados da Enfermagem (BDENF); Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL); Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed); Scientific Electronic Library Online (SCIELO); Scopus; Web of Science. A estratégia de busca para encontrar os estudos publicados foi definida utilizando-se Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH) com operador booleano AND e OR, adaptando-os às singularidades de cada recurso. Na Figura 1 é apresentada uma estratégia de pesquisa completa de uma base de dados importante (MEDLINE/PubMed), conforme recomenda o JBI Manual for Evidence Synthesis, que será adaptada para cada base de dados.
CHAVE DE BUSCA |
|
MEDLINE/PubMed |
(((Children[MeSH Terms] OR Adolescent[MeSH Terms]) AND (Neoplasms[MeSH Terms]) AND (Educational technology[MeSH Terms])) OR ((Children[MeSH Terms] OR Adolescent[MeSH Terms]) AND (Neoplasms[MeSH Terms]) AND (Self care[MeSH Terms]))) |
Figura 1 – Modelo da estratégia de busca para recuperação de documentos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2024
Seleção da fonte de evidência
A pesquisa será realizada nos recursos informacionais supracitados, com a leitura dos títulos e resumos avaliados por dois revisores de forma independente, de acordo com os critérios de inclusão e exclusão definidos. Após esta etapa, todos os estudos identificados serão recuperados e exportados para o software EndNote Web, onde as duplicatas serão excluídas. Posteriormente, os estudos serão exportados para o software Rayyan (Qatar Computing Research Institute, Doha, Qatar), uma ferramenta de apoio à seleção de referências. Os estudos selecionados serão lidos na íntegra para excluir aqueles que, por algum motivo, não responderem à questão da revisão.
Vale ressaltar que os motivos de exclusão de fontes de evidência que não atenderem aos critérios de inclusão serão relatados na revisão de escopo. Em caso de divergência entre os revisores, será acionado um terceiro revisor para discutir e resolver o problema. Os resultados da busca e do processo de inclusão dos estudos serão relatados na íntegra na revisão e apresentados conforme o PRISMA-ScR(11).
Extração de dados
Os dados serão extraídos e organizados em um instrumento para mapeamento descritivo das variáveis, elaborado no Microsoft Office Excel 365/2022 pelos autores, com base nas recomendações do JBI Manual for Evidence Synthesis, conforme apresentado na Figura 2. Modificações necessárias no formulário durante a extração dos dados serão destacadas e descritas na versão final da revisão. Conforme a Figura 2, os dados extraídos incluirão: título, autoria, ano de publicação, país de desenvolvimento, tipo de estudo, objetivos, população e amostra, tecnologia educacional em saúde utilizada, e principais resultados e conclusões.
Dados bibliográficos |
Detalhes |
Título |
Título original de publicação |
Autores |
Sobrenome dos autores e iniciais do nome |
Ano |
Ano de publicação |
País |
País onde o estudo foi realizado |
Tipo de estudo |
Tipo de pesquisa desenvolvida com dados primários qualitativos, quantitativos ou mistos |
Mapear características |
Detalhes |
Objetivos |
Descrever os objetivos do estudo |
População/Amostra |
Descrever os principais resultados do estudo |
Tecnologia educacional em saúde |
Indicar o tipo e o tema da tecnologia educacional em saúde utilizada e o processo de validação e/ou avaliação |
Resultados principais |
Descrever resultados identificados com a aplicabilidade da tecnologia educacional em saúde |
Conclusões do estudo |
Descrever as conclusões do estudo |
Figura 2 – Instrumento para extração de dados. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 2024
Análise e apresentação de dados
Os dados serão apresentados na forma de quadros e tabelas, acompanhados de uma análise descritiva que sintetizará as informações extraídas. Esses dados serão organizados e categorizados de acordo com as principais categorias analíticas identificadas, como tipo de tecnologia educacional em saúde, aspectos do autocuidado abordados pela tecnologia, e impacto na adesão ao tratamento e na qualidade de vida. O resumo descritivo também destacará as principais tendências, lacunas na literatura e implicações para a prática e pesquisas futuras. Os resultados completos serão apresentados na revisão de escopo final, seguindo as diretrizes da metodologia PRISMA-ScR.
REFERÊNCIAS
1. Cancer Institute - Ministry of Health. Child and adolescent cancer: early diagnosis enables cure in 80% of cases [Internet]; 2022 [cited 01 Sep 2023]. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/fevereiro/cancer-infantojuvenil-diagnostico-precoce-possibilita-cura-em-80-dos-casos
2. American Cancer Society. Childhood and adolescent cancer [Internet]; 2022 [cited 01 Sep 2023]. Available from: https://cancerstatisticscenter.cancer.org/#!/childhood-cancer
3. Feliciano SVM, Santos MO, Pombo-de-Oliveira MS. Incidence and mortality of cancer among children and adolescents: a narrative review. Rev Bras Cancerol. 2018:64(3): 389-96. https://doi.org/10.32635/2176-9745.RBC.2018v64n3.45
4. Ringwald-Smith K, Hillman H, Gibbons K, Epperly R. Nutrition management of pediatric patients undergoing hematopoietic stem cell transplantation: guidelines, gaps, and research. Nutr Clin Pract. 2023;38(4):731-47. https://doi.org/10.1002/ncp.11018
5. Rodrigues IP, Pinheiro PN, Mondragón-Sánchez EJ, Costa MI, Paula PH, Sales JM, Brito LL, Queiroz MV. Educational technology for infants’ families to identify
warning signs: a validation study. Rev Bras Enferm. 2022;75(5): e20210964. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0964pt
6. Góes FGB, Nunes NGF, Borges JO, Souza AN, Soares IAA, Lucchese I. Transmedia in pediatric nursing for guidance to family members in coping with COVID-19: experience report. Rev Enferm UFSM. 2023;13:1-20. https://doi.org/10.5902/2179769271376
7. World Health Organization. Global strategy on digital health 2020-2025 [Internet]. WHO; 2021 [cited 2023 May 26]; Available from: https://www.who.int/docs/default-source/documents/gs4dhdaa2a9f352b0445bafbc79ca799dce4d.pdf
8. Ministério da Saúde (BR). Estratégia de Saúde Digital para o Brasil 2020-2028 [Internet]. Secretaria-Executiva: Departamento de Informática do SUS; 2020 [citado 2023 Set 10]. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/estrategia_saude_digital_Brasil.pdf
9. Peters MDJ, Godfrey C, McInerney P, Munn Z, Tricco AC, Khalil, H. Scoping Reviews (2020). In: Aromataris E, Lockwood C, Porritt K, Pilla B, Jordan Z, editors. JBI Manual for Evidence Synthesis. JBI; 2024. https://doi.org/10.46658/JBIMES-24-09
10. Caetano DM, Silva FH, Urnauer S, Melo EV. Educational technologies and teacher training in the context of professional and technological education. Rev Bras Educ Prof Tecnol. 2019; 16(1):e8022. https://doi.org/10.15628/rbept.2019.8022
11. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. Prisma extension for scoping reviews (PRISMA-ScR):checklist and explanation. Ann Intern Med.2018;169(7):467-73. https://doi.org/10.7326/M18-0850
Submissão: 26-Oct-2023
Aprovado: 28-Jul-2024