PROTOCOLO DE REVISÃO
Boas práticas para prevenção e manejo dos maus-tratos infantis na atenção primária: um protocolo de revisão de escopo
Letícia de Assis Santos1, Fernanda Garcia Bezerra Góes1, Maithê de Carvalho e Lemos Goulart1, Victórya da Costa Barreto Pinto Pires1, Fernanda Maria Vieira Pereira-Ávila1, Aline Cerqueira Santos Santana da Silva1, Allana de Lacerda Uzeda1
1Universidade Federal Fluminense, Rio das Ostras, RJ, Brasil
RESUMO
Objetivo: Mapear as evidências científicas sobre as boas práticas relacionadas à prevenção e ao manejo dos maus-tratos contra a criança a serem aplicadas pelo enfermeiro na Atenção Primária à Saúde. Método: Este é um protocolo de revisão de escopo desenvolvido de acordo com a metodologia do Joanna Briggs Institute (JBI) mediante a questão de pesquisa: “Quais são as boas práticas relacionadas à prevenção e ao manejo dos maus-tratos contra a criança a ser aplicados pelo enfermeiro na Atenção Primária à Saúde?”. A busca será conduzida em oito recursos informacionais. Após a exclusão das duplicatas no software Endnote, os estudos serão exportados para o software Rayyan para a etapa de seleção. A pesquisa será reportada de acordo com Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses Extension for Scoping Review (PRISMA-ScR). Os dados serão apresentados em forma de quadros, tabelas e resumo descritivo que mostrará como os resultados se relacionam com o objetivo e com a pergunta da revisão.
Descritores: Criança; Maus-Tratos Infantis; Atenção Primária à Saúde.
INTRODUÇÃO
Os maus-tratos infantis incluem qualquer tipo de abuso e negligência voltados para indivíduos menores de 18 anos. Assim, constituem um desafio global à saúde pública que resulta em diversos prejuízos, tanto mensuráveis quanto imensuráveis, na vida da criança e do adolescente, seja de forma imediata ou ao longo do tempo(1).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de um bilhão de crianças e adolescentes, com idades entre 2 e 17 anos, foram vítimas de violência física, sexual ou psicológica em escala global em 2021. No cenário brasileiro, dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) mostram que foram registrados 362.303 casos de maus-tratos infantis(2-3) entre 2019 e 2021. Essas informações destacam a necessidade urgente de implementar medidas eficazes de prevenção e de intervenção nos maus-tratos infantis(4).
A atenção primária à saúde (APS) é a principal porta de entrada no sistema de saúde do Brasil, desempenhando um papel crucial nas iniciativas de promoção da saúde e prevenção de doenças. Esse papel é essencial, especialmente em temas urgentes que precisam ser enfrentados, como os maus-tratos infantis, que frequentemente são erroneamente aceitos culturalmente como método de disciplina para crianças(5-6).
Dessa forma, os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, que mantêm um vínculo estreito com os usuários, têm o potencial de agir de maneira assertiva junto a esse grupo e suas famílias para reduzir as taxas de violência contra crianças. No entanto, para que isso aconteça, é preciso identificar e aplicar as boas práticas em saúde diante desse cenário adverso e complexo(7).
A prevenção dos maus-tratos infantis envolve um conjunto de ações destinadas a reduzir ou mitigar a probabilidade de ocorrência da violência, independentemente da presença de fatores de risco. Por sua vez, o manejo dos maus-tratos infantis diz respeito às medidas adotadas para lidar com a situação quando essa forma de agravo ocorre. Portanto, as boas práticas para prevenção e manejo dos maus-tratos infantis podem ser vistas como a integração de conhecimentos teóricos e práticos existentes, oferecendo evidências que apontam para ações mais eficazes em favor da promoção da saúde(4,8).
Diante dessa situação, foi realizada uma busca preliminar em 23 de agosto de 2023 nas bases de dados Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE/PubMed), Cochrane Database of Systematic Reviews, Joanna Briggs Institute (JBI) Evidence Synthesis, International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO), Open Science Framework (OSF) e Biblioteca Virtual da Saúde (BVS). Não foram encontradas revisões sistemáticas recentes ou em andamento, nem revisões ou protocolos de escopo atuais ou em desenvolvimento sobre o assunto. No entanto, há estudos primários disponíveis sobre o tema, o que confirma a viabilidade desta revisão de escopo.
Assim, esta revisão tem como objetivo mapear as evidências científicas relacionadas às boas práticas de prevenção e manejo dos maus-tratos contra crianças que podem ser aplicadas pelo enfermeiro na APS.
MÉTODO
Trata-se de um protocolo para revisão de escopo com base no modelo metodológico proposto pelo JBI mediante nove etapas: (1) Estabelecer o objetivo e a pergunta; (2) Elaborar os critérios de inclusão de acordo com o objetivo e a pergunta; (3) Apresentar detalhadamente sua estratégia de busca, escolha, obtenção de informação e exposição das evidências; (4) Buscar a evidência; (5) Eleger a evidência; (6) Retirar a evidência; (7) Avaliar a evidência; (8) Apresentar os achados; (9) Sintetizar os achados conforme o objetivo desta revisão, realizando inferências e observando os efeitos das descobertas(9).
Ressalta-se que o protocolo foi registrado no OSF (https://osf.io) sob o DOI 10.17605/OSF.IO/PE85J.
Pergunta da revisão
A partir do mnemônico PCC (População [Criança], Conceito [Maus-tratos infantis], Contexto [APS]), foi elaborada a seguinte pergunta para a revisão: “Quais são as boas práticas relacionadas à prevenção e ao manejo dos maus-tratos contra a criança a serem aplicadas pelo enfermeiro na atenção primária à saúde?”.
Critérios de elegibilidade
Serão incluídos estudos primários ou secundários relacionados às crianças de até 12 anos de idade, conforme o critério de idade adotado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente(10), que abordem as boas práticas vinculadas ao contexto da APS para a prevenção e o manejo dos maus-tratos infantis em seus diferentes tipos, incluindo violência física, sexual, psicológica, emocional, abandono, negligência e exploração comercial(1). Considera-se como boas práticas as ações essenciais e fundamentadas capazes de transformar um padrão ou contexto, demonstrando benefícios para a saúde(8).
Serão excluídas publicações que abordem a assistência secundária ou terciária, uma vez que essas fontes não seriam adequadas para alcançar o objetivo da revisão. Não será imposta restrição quanto ao idioma, ano ou país dos estudos. Artigos duplicados serão contados apenas uma vez.
Tipos de fontes de evidência
Serão incluídos desenhos de estudos experimentais e quase-experimentais, ensaios clínicos (randomizados ou não), séries temporais, estudos epidemiológicos, observacionais, transversais, analíticos, de coorte prospectivos ou retrospectivos, séries de casos, relatos de casos individuais e literatura cinzenta relevante, como diretrizes clínicas, manuais e documentos de organizações. Também serão abrangidas pesquisas qualitativas e revisões sistemáticas.
Serão excluídos estudos do tipo carta, comentários, editoriais, artigos de opinião de especialistas e resumos de eventos. Espera-se obter uma variedade de materiais e evidências para elaborar o escopo relacionado ao tema.
Estratégias de busca
As buscas serão conduzidas nas bases de dados MEDLINE/PubMed, Web of Science, Scopus, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), Scientific Electronic Library Online (SCIELO), Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Base de Dados da Área da Enfermagem (BDENF) e Google Scholar.
A estratégia de busca para localizar os estudos foi elaborada utilizando Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e Medical Subject Headings (MeSH), com operadores booleanos AND e OR, levando em conta as particularidades de cada recurso informacional. A estratégia de busca será ajustada para cada base de dados e não serão utilizados filtros (Figura 1).
BASE |
CHAVE DE BUSCA |
MEDLINE |
((Child[MeSH Terms]) AND ("Child abuse" OR violence[MeSH Terms])) AND ("Primary Health Care"[MeSH Terms]) |
Figura 1 – Modelo da estratégia de busca para recuperação dos documentos. Rio das Ostras, RJ, Brasil, 2023
Seleção da fonte de evidências
Após a busca, todos os estudos identificados serão recuperados e exportados para o EndNote Web, e os duplicados serão removidos. Em seguida, os estudos serão exportados para o software Rayyan, utilizado na etapa de seleção. Destaca-se que, inicialmente, os títulos e resumos serão lidos e avaliados de forma independente por dois revisores, com cegamento duplo, em computadores diferentes, conforme os critérios de inclusão e exclusão da revisão. Em caso de discordância, a seleção será resolvida por consenso ou por um terceiro revisor. Os estudos selecionados serão lidos na íntegra para excluir aqueles que, por algum motivo, não atenderem à pergunta da revisão.
É importante ressaltar que os motivos de exclusão das fontes de evidência cujos textos completos não se alinharem aos critérios pré-estabelecidos serão detalhadamente descritos na revisão de escopo. Em caso de discordância entre os revisores, uma reunião será realizada para discussão e consenso do assunto, contando com a participação de um terceiro revisor independente. A revisão de escopo final incluirá a descrição completa da busca realizada, das etapas de inclusão dos estudos e será apresentada no diagrama de fluxo Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses Extension for Scoping Review (PRISMA-ScR)(11).
Extração de dados
Os dados serão extraídos dos artigos incluídos na revisão de escopo utilizando uma ferramenta de extração de dados (planilha no Excel) elaborada pelos autores, com base no JBI Manual for Evidence Synthesis. Os dados coletados incluirão: autores; ano da publicação; país; objetivos; população e amostra; tipo de estudo; boas práticas recomendadas (técnicas, processos e/ou atividades fundamentadas em evidências científicas); e principais resultados e conclusões (Figura 2). A extração de dados será realizada por dois revisores, que receberão o mesmo número de artigos para coleta de dados, com a intervenção de um terceiro revisor em caso de discordância. É importante destacar que serão consideradas boas práticas apenas as abordagens cujos estudos apresentem resultados embasados em ações benéficas e eficazes para a prevenção e manejo dos maus-tratos infantis no contexto da pesquisa selecionada.
Dados bibliográficos |
Detalhes |
Título |
Título original de publicação |
Autores |
Sobrenome dos autores e iniciais do nome |
Ano |
Ano de publicação |
País |
País onde o estudo foi realizado |
Tipo de estudo |
Teses, dissertações, artigos, estudos primários |
Mapear características |
Detalhes |
Objetivos |
Descrever os objetivos do estudo |
População/Amostra |
Descrever os principais resultados do estudo |
Boas Práticas |
Tipo de boas práticas utilizadas |
Resultados principais |
Resultados sobre prevenção e manejo das boas práticas |
Conclusões do estudo |
Descrever as conclusões do estudo |
Figura 2 - Instrumento para extração de dados. Rio das Ostras, RJ, Brasil, 2023
Análise e apresentação das evidências
Os dados serão apresentados em forma de quadros e tabelas, complementados por um resumo descritivo que demonstrará como os resultados se relacionam com o objetivo e a pergunta da revisão.
Os autores declaram não haver conflito de interesses.
REFERÊNCIAS
1. World Health Organization. Child maltreatment [Internet]. Geneva (CH): WHO; 2022 [citado 2023 Maio 12]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/child-maltreatment
2. World Health Organization. Violence against children [Internet]. Geneva (CH): WHO; 2022 [citado 2023 Maio 12]. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/violence-against-children
3. Ministério da Saúde (BR), Superintendência de Vigilância em Saúde. Datasus - Tabnet. Violência interpessoal/autoprovocada - Brasil [Internet]. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2021 [citado 2023 Maio 13]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/deftohtm.exe?sinannet/cnv/violebr.def
4. Faraj SP, Siqueira AC. Adaptação de um programa de prevenção à violência contra criança para versão remota. Estud Interdiscip Psicol. 2023;13:01-24. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2022.v13.46959
5. Azevedo RN, Bazon MR. Pais/Cuidadores com e sem histórico de abuso: punições corporais e características psicológicas. Psicol Cienc Prof. 2021;41(3):e207756:1-166. https://doi.org/10.1590/1982-3703003207756
6. Platt VB, Guedert JM, Coelho EBS. Violence against children and adolescents: notification and alert in times of pandemic. Rev Paul Pediatr. 2021;39:e2020267. https://doi.org/10.1590/1984-0462/2021/39/2020267
7. Sinhorinho SM, Moura ATMS de. Uso de disciplina violenta na infância- percepções e práticas na Estratégia Saúde da Família. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2022;17(44):2835. https://doi.org/10.5712/rbmfc17(44)2835
8. Brandão MAG, Barros ALBL de, Primo CC, Bispo GS, Lopes ROP. Nursing theories in the conceptual expansion of nursing practices. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):577-81. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0395
9. Peters MDJ, Godfrey C, McInerney P, Munn Z, Tricco AC, Khalil H. Chapter 11: Scoping reviews (2020 version). In: Aromataris E, Munn Z, editores. JBI Manual for Evidence Synthesis [Internet]. Adelaide (AUS): JBI; 2020 [citado 2023 Set 13]. Disponível em: https://synthesismanual.jbi.global/
10. Brasil. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências [Internet]. Brasília (DF): Presidência da República; 1990 [citado 2023 Ago 31]. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#
11. Tricco AC, Lillie E, Zarin W, O’Brien KK, Colquhoun H, Levac D, et al. Prisma extension for scoping reviews (PRISMA-ScR):checklist and explanation. Ann Intern Med. 2018;169(7):467-73. https://doi.org/10.7326/M18-0850
Submissão: 22-Nov-2023
Aprovado: 11-Abr-2024
Concepção do projeto: Santos L de A, Góes FGB Obtenção de dados: Santos L de A, Góes FGB, Goulart M de C e L Análise e interpretação dos dados: Santos L de A, Góes FGB, Goulart M de C e L Redação textual e/ou revisão crítica do conteúdo intelectual: Santos L de A, Góes FGB, Goulart M de C e L, Pires V da CBP, Pereira-Ávila FMV, Silva ACSS da, Uzeda A de L Aprovação final do texto a ser publicada: Santos L de A, Góes FGB, Goulart M de C e L, Pires V da CBP, Pereira-Ávila FMV, Silva ACSS da, Uzeda A de L Responsabilidade pelo texto na garantia da exatidão e integridade de qualquer parte da obra: Santos L de A, Góes FGB, Goulart M de C e L |