Interacionismo simbólico, teoria fundamentada e saúde de crianças e adolescentes: um protocolo de revisão de escopo


Marimeire Morais da Conceição1, Climene Laura de Camargo1, Maria Ribeiro Lacerda2, Maria Carolina Witalker Ortiz1, Kamylla Santos da Cunha3, Nildete Pereira Gomes1, Eliana Rosa da Fonseca4, Cristiane Cardoso de Paula5


1Universidade Federal da Bahia, Salvador, BA, Brasil

2Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR, Brasil

3Secretaria Municipal de Saúde de Biguaçu, Biguaçu, SC, Brasil

4Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

5Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil


RESUMO

Objetivo: mapear a aplicação teórico-metodológica do Interacionismo Simbólico e da Teoria Fundamentada nos Dados nas pesquisas sobre cuidados à saúde de crianças/adolescentes. Método: nos estudos, serão considerados: participantes: crianças, adolescentes e seus cuidadores (profissionais e não profissionais); conceitos: interacionismo simbólico e teoria fundamentada; e contexto: qualquer ambiente onde seja promovido o cuidado às crianças e adolescentes. A estratégia de busca será utilizada em 12 fontes de dados eletrônicas e seguirá o método do Joanna Briggs Institute (JBI). Serão critérios de inclusão: artigos nacionais e internacionais, independente da abordagem de pesquisa, sem restrição idiomática ou recorte temporal. Não foram constituídos critérios de exclusão. Os processos de seleção e síntese dos estudos serão realizados com o suporte dos softwares Rayyan e NVivo versão 13, respectivamente. Protocolo registrado na Open Science Framework (OSF): https://doi.org/10.17605/OSF.IO/BKTMJ.


Descritores: Interacionismo Simbólico; Teoria Fundamentada; Saúde da Criança; Adolescente.


INTRODUÇÃO

O interacionismo simbólico (IS) surgiu no final do século XVIII. Neste período, os teóricos visavam apresentar sua versão acerca da relação entre indivíduo e sociedade, bem como das suas implicações e reflexos no psiquismo humano. Logo, o IS visa, por meio dos seus pressupostos, colaborar para o debate sobre a conceituação do ser social e tem como referências os sociólogos George Herbert Mead, Herbert Blumer e Anselm Strauss(1). Strauss se formou pela Universidade de Chicago e recebeu influências do IS. Por outro lado, seu parceiro, o sociólogo Barney Glaser, seguia a linha do pensamento positivista por ter suas raízes teóricas na pesquisa quantitativa, embora ambos sejam reconhecidos como precursores da teoria fundamentada nos dados (TFD)(1-3).

A TFD consiste em um método de pesquisa que objetiva evidenciar estratégias desenvolvidas por pessoas diante de situações vivenciadas no seu contexto social(2-3). Assim, Strauss acrescentou para a TFD formas de interpretação e análise que dialogam com o IS(3), o que lhe atribuiu êxito na aplicação de pesquisas que objetivam gerar teorias voltadas para a área da saúde. Estudiosos consideram o IS essencial para o cuidado em saúde(4) quando admitem que, para haver cuidado, é indispensável que haja interação entre os envolvidos.

Portanto, torna-se relevante centrar esta aplicação teórico-metodológica do IS e da TFD nas investigações científicas sobre a saúde, posto que ambos favorecem o desvelar de relações entre os indivíduos, fenômenos que são específicos e genuínos nas ações de cuidado, que ocorrem mediante as interações. Sabe-se que, entre os seres humanos, na maioria das vezes, tais relações e interações iniciam-se com o cuidado promovido pelos genitores, fase que se estende da gestação até para além do nascimento(5-7).

Cabe salientar que, a primeira experiência de cuidado humano vem da família, instituição reconhecida como base para a rede de apoio social que o indivíduo necessita para se desenvolver(5-9). Portanto, a família é o cerne da proteção voltada para pessoas na infância e adolescência, legalizados pelo poder familiar e que inclui o dever de cuidar da saúde. Esse prazo se estende quando há alguma deficiência física e/ou cognitiva(5-6,9-10).

Em suma, crianças e adolescentes ao longo do processo de cuidar, que acompanha seu crescimento e desenvolvimento, estão sujeitos a estabelecer interações não somente com familiares, mas também com profissionais da saúde(5,11-12). Neste contexto, as interações são importante instrumento relacional porque é por meio da linguagem (i.e., escrita, falada, gesticulada, comportamental ou atitudinal)(1,3,5) que há troca de informações e se estabelecem ações que são alicerces no cuidado ao outro, fato que ocorre em qualquer nível da assistência à saúde(1,5,7,11-12).

A área da saúde da criança e do adolescente requer estudos científicos específicos devido às peculiaridades desse período da vida humana. Recomenda-se que estes estudos sejam voltados para atender às demandas de saúde deste público, não somente pela fase do crescimento e desenvolvimento, que podem expor a criança/adolescente a maiores vulnerabilidades em saúde(13-14), mas por se tratar de uma etapa na qual as experiências sociais vivenciadas, sobretudo as de cuidado à saúde, podem refletir ao longo de toda a vida(5,10,15).

Contudo, apesar de ser baseadas nas necessidades em saúde, muitas vezes, a participação da criança/adolescente no cuidado ainda é adultocentrada e a responsabilidade restrita à genitora(10,14), quando deveria ser partilhada entre os familiares(16), ser protagonizada pela criança/adolescente(9,14) e amenizadas a partir das orientações fornecidas por profissionais, como prediz o Estatuto da Criança e do Adolescente(9). Tais evidências precisam ser destacadas e compiladas para ensejar esforços a ponto de dirimir esses problemas que repercutem negativamente no cuidado à saúde de crianças/adolescentes.

Destarte, este protocolo destina-se à realização de uma revisão de escopo. Este método científico-investigativo tem destaque na área da saúde por permitir a síntese de evidências e o mapeamento da literatura de forma ampla e endereçados a um determinado campo de interesse(17-18).

Até o presente momento, nenhum estudo foi encontrado com objetivo igual ou semelhante, o que foi constatado mediante busca preliminar na Open Science Framework (OSF), no International Prospective Register of Systematic Reviews (PROSPERO), na Cochrane Database of Systematic Reviews (CDCR), no Joanna Briggs Institute (JBI) e no Online Brazilian Journal of Nursing (OBJN), revista que publica protocolos desde 2021(19). Por outro lado, na Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e na Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) identificamos 127 estudos, publicados entre os anos de 1996 e 2022, o que aponta a exequibilidade do estudo, pois mostra que há potenciais artigos que respondem à pergunta de revisão.

Por exemplo, dois estudos nacionais buscaram compreender significados acerca dos cuidados com crianças/adolescentes com mielomeningocele(16) e doenças crônicas(20); ambos os estudos utilizam o IS e a TFD. Esses estudos foram conduzidos por profissionais da psicologia e enfermagem que investigam as perspectivas de familiares das crianças e usam como referencial metodológico a obra publicada em 1978 por Glaser e Strauss(16) e em 2008 por Charmaz(20). Outro estudo, que utilizou a vertente Charmaziana, aborda a vivência da sobrecarga materna no cuidado ao filho com câncer na perspectiva da mãe(10).

Esses textos apresentam imagens representativas dos fenômenos investigados na TFD denominadas pelos autores como “modelo teórico”(16) e “representação esquemática(10). Embora as pesquisas tenham sido realizadas no Brasil(10,16,20), um dos artigos está publicado somente em inglês(20). Apesar de citar o uso de “notas de campo”(16) e memorandos(10), nenhum dos textos apresenta os memos (i.e., memorandos) construídos durante a pesquisa, os quais são recomendados o uso como recurso metodológico(2-3) em qualquer corrente da TFD(21).

Por fim, nenhum texto de revisão de literatura sobre este objeto foi indicado pelas bases visitadas, o que reitera seu ineditismo. Além disso, há potencial em enunciar lacunas que pavimentarão novas propostas de pesquisas voltadas para a atenção a crianças/adolescentes no intuito de sanar possíveis abismos científicos. Ademais, este protocolo colabora para a alta qualidade metodológica, característica fundamental em revisões de escopo(18), pois sua publicação possibilitará a réplica desta condução metodológica em outros campos do conhecimento, seja na saúde ou em áreas afins. Portanto, objetiva-se mapear a aplicação teórico-metodológica do IS e da TFD nas pesquisas sobre cuidados à saúde de crianças/adolescentes.


MÉTODO

Trata-se de uma revisão de escopo guiada pelo método JBI(18), segue as recomendações para redação do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)(18,22). As buscas serão realizadas no mês de maio de 2024. O protocolo foi elaborado e registrado prospectivamente no OSF: https://doi.org/10.17605/OSF.IO/BKTMJ.


Questões de revisão

Será usada a questão de revisão: como são aplicados teórico-metodologicamente o IS e a TFD nas pesquisas sobre cuidados à saúde de crianças/adolescentes? E questões secundárias: Quais os grupos amostrais interagem no cuidado à criança/adolescente nestes estudos? Quais ferramentas analíticas e metodológicas são utilizadas nestas produções do conhecimento?


Critérios de elegibilidade

Além da questão de pesquisa, os critérios de elegibilidade baseiam-se no acrônimo PCC(18) (onde P = participantes, C = conceito e C = contexto).


Participantes

Serão incluídos estudos que envolvam: 1) crianças/adolescentes: idade de dois a 19 anos incompletos, como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS)(22); 2) cuidadores familiares: pessoas que detém o poder familiar sobre a criança e/ou adolescente(6,9) e/ou que mantém (ou não) parentesco com a criança/adolescente como: pai/mãe, padrasto/madrasta, avô(ó), tio(a), irmão(ã), primo(a)(23); 3) cuidadores não-familiares: pessoas que cuidam de crianças/adolescentes embora não sejam membros da família, nem profissionais da saúde como: babás, professores(as), supervisores(as), treinadores(as)(23); e 4) profissionais da saúde: indivíduos com formação na área da saúde como: médico(a), equipe de enfermagem, nutricionista, psicólogo(a), fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo(a), assistente social(24), Agentes Comunitários de Saúde (ACS)(25).


Conceito

Serão incluídos estudos cuja aplicação teórico-metodológica foram desenvolvidas com base no IS e na TFD. O IS afirma que os indivíduos reagem aos símbolos (ações, objetos, pessoas, falas), adverte que estas reações são moldadas pela interação do indivíduo com a sociedade e do indivíduo consigo mesmo, podendo sofrer alterações de acordo com as interpretações e com as experiências individuais e/ou coletivas. Logo, o IS possibilita ao pesquisador entender como as pessoas compreendem outras pessoas e como a sociedade serve de orientação para o comportamento humano em situações diversas(1).

A TFD é um método científico que possibilita a geração de uma teoria por meio da análise sistematizada e rigorosa de dados, para integração de conceitos que se relacionam entre si e no entorno de uma questão central. A teoria que surge justifica e explica os motivos pelos quais os indivíduos experimentam e reagem a determinados acontecimentos com os quais se deparam(2-3,21).


Contexto

Serão apreciados estudos em quaisquer níveis de atenção à saúde (nacional e internacional) no domicílio, escolar, comunidade, em creches, ou seja, em qualquer cenário onde o cuidado à saúde seja desenvolvido.

Tipo de estudos

Serão investigados e incluídos estudos empíricos, de abordagem qualitativa, quantitativa, mista ou quanti-qualitativa.


Critérios de exclusão

Não foram estabelecidos critérios de exclusão.


Estratégia de busca

A estratégia de busca foi elaborada pela bibliotecária que integra a equipe. A partir do acrônimo identificou-se os termos de busca nos vocabulários controlados - Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), Medical Subject Heading (MeSH) e Embase subject headings (Emtree) - e realizadas as duas buscas preliminares. Após a definição da estratégia de busca (Figura 1), esta foi adaptada a cada base de dados.


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Figura 1 - Estratégia de busca aplicada à MEDLINE em 08 de fevereiro de 2023. Salvador, BA, Brasil, 2023

Como citar: Conceição MM da, Camargo CL de, Lacerda MR, Ortiz MCW, Cunha KS da, Gomes NP, et al. Symbolic interactionism, grounded theory, and child and adolescent health: a scoping review protocol. Online Braz J Nurs. 2024;23 Suppl 1:e20246743. https://doi.org/10.17665/1676-4285.20246743