REVISÃO

Conhecimento dos estudantes de enfermagem sobre medidas preventivas e controlo de infeção: scoping review

Mafalda Sofia Gomes Oliveira da Silva1,2, Maria Margarida Silva Vieira Ferreira1

1Instituto Piaget de Vila Nova de Gaia, Gulpilhares, Vila Nova de Gaia, Portugal

2Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal

RESUMO

Objetivo: Mapear o conhecimento dos estudantes de enfermagem relativo às medidas de prevenção e controlo de infeção associada aos cuidados de saúde. Método: Esta é uma scoping review baseada na metodologia de Joanna Briggs Institute (JBI). A busca foi realizada nas seguintes bases de dados: PubMed, CINAHL Plus with Full Text, Nursing & Allied Health Collection, Cochrane Plus Colletion e MedicLatina (via EBSCOhost). Foram considerados como critérios de inclusão os estudos escritos em português, inglês e espanhol, publicados nos últimos 5 anos e extraídos para a plataforma Qatar Computing Research Institute (Rayyan QCRI). Resultados: Foram identificados 11 estudos que revelaram a necessidade do envolvimento dos intervenientes no processo de ensino/aprendizagem para a consciencialização de estratégias de formação na prevenção e controlo de infeção associada aos cuidados de saúde. Conclusão: É necessário implementar programas estruturados que incluam o treino e desenvolvimento de  competências dos estudantes.

Descritores: Estudantes de Enfermagem; Precauções Universais; Controle de Infecções.

INTRODUÇÃO

No decurso das últimas décadas têm-se verificado uma exponencial preocupação com a segurança do doente, decorrente do elevado número de acontecimentos adversos sucedidos nas instituições de saúde.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)(1) ocorrem 134 milhões de eventos adversos anualmente devido aos cuidados pouco seguros, os quais contribuem para 2,6 milhões de mortes.

Nas últimas décadas, a segurança do doente é um tema fulcral a nível nacional, europeu e mundial, devido às condições de trabalho inadequadas, complexidade dos doentes, à rotação e retenção profissional, avanços tecnológicos e ao aumento da literacia dos doentes e famílias (PNSD).

A segurança do doente assume-se como uma componente estruturante e uma variável incontornável da exigência da qualidade em saúde tornando-se o foco de atenção das políticas de saúde. As políticas de saúde englobam um conjunto de estratégias e intervenções apropriadas, centradas no doente para prevenir e/ou reduzir ao mínimo razoável os riscos inerentes. Desta forma, torna-se essencial entender a gravidade dos danos causados aos doentes, com recurso à existência de um sistema de notificação de incidentes transparente que permita ao profissional de saúde aprender com o erro praticado(2).

De acordo com Joint Commission International(3) foram estabelecidas as seis metas internacionais para a segurança do doente, nomeadamente: identificação correta do doente; melhoria da eficácia da comunicação; melhoria da segurança do medicamento de alerta máximo; garantia da cirurgia certa e do doente certo, redução do risco de infeção associada aos cuidados de saúde e redução do risco de lesões resultante de quedas em doentes. Em paralelo, no plano nacional de segurança do doente (PNSD) 2021-2026 verifica-se que alguns dos seus pilares reforçam a importância de uma cultura de segurança, da comunicação efetiva e da prevenção e gestão de incidentes de segurança para promover cuidados de saúde seguros e de qualidade.

Mundialmente, as Precauções Universais (PU) foram definidas e implementadas no sentido de reduzir o risco de transmissão de microrganismos infeciosos durante a prestação de cuidados com a adoção de medidas preventivas e de controle de infeção nos serviços de saúde(4) para delimitar a disseminação de infeções associadas aos cuidados de saúde (IACS)(2). Estas diretivas foram adotadas por Portugal, intitulando-se de Precauções Básicas de Controlo de Infeção (PBCI)(5). As PBCI são um conjunto de procedimentos a implementar na prestação de cuidados visando a prevenção da transmissão cruzada de microrganismos multirresistentes de fonte conhecida ou desconhecida. Incluem a implementação de Feixes de Intervenção, procedimentos normativos, adoção de uma cultura de segurança, formação e sensibilização dos profissionais e a monitorização de práticas seguras (PNSD).

Neste sentido, as PBCI, contribuem para a segurança do doente, profissionais e de todos que estão em contacto com o doente, para a diminuição do tempo de internamento e para a minimização da morbilidade e mortalidade(6).

Aumentar os níveis de literacia em saúde e a participação dos vários intervenientes na prestação de cuidados é essencial na prevenção de IACS, proteção dos doentes profissionais e famílias na exposição a agentes infeciosos(4). Constata-se a necessidade de investir na formação dos estudantes de enfermagem do 1º ciclo de estudos, enquanto futuros profissionais de saúde(4). Um estudo realizado com o intuito de identificar as repercurssões psicoemocionais e as estratégias adotadas pelos estudantes de enfermagem durante a pandemia da Covid-19 demonstra a necessidade de ampliar conhecimentos de promoção da saúde e prevenção da infeção(7).  

Este estudo pretende dar resposta ao seguinte objetivo: mapear o conhecimento dos estudantes de enfermagem relativo às medidas de prevenção e controlo de infeção associada aos cuidados de saúde. Formulou-se à seguinte questão norteadora com base na estratégia de participantes/população, contexto e conceito (PCC) (Figura 1): Quais os conhecimentos dos estudantes de enfermagem relativo às precauções universais no controle de infeção associada aos cuidados de saúde?

Figura 1 - Acrónimo PCC. Porto, PT, Portugal, 2024

MÉTODO

Tipo de estudo

Realizou-se uma scoping review orientada pela metodologia proposta pelo Joanna Briggs Institute (JBI)(8), obedecendo às nove etapas: 1) título, 2) desenvolvimento do título e da pergunta, 3) introdução, 4) critérios de inclusão, 5) estratégia de pesquisa, 6) seleção das fontes de evidência, 7) extração dos dados, 8) análise das evidências e 9) apresentação dos resultados. Este tipo de estudo permite mapear evidências implícitas à temática em estudo, possibilitando o reconhecimento de lacunas(9).

Protocolo e registo

Para garantir o rigor metodológico no desenvolvimento do estudo, adotou-se os princípios adotados pelo Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR)(10). O protocolo desta scoping review foi registado na plataforma no Open Science Framework (OSF) HOME (DOI 10.17605/OSF.IO/59GAV) e pode ser consultado através do link: https://osf.io/59gav/.

Critérios de elegibilidade

A estratégia de scoping review baseia-se numa revisão exploratória, de forma a conhecer o estado da arte sob determinado contexto e as lacunas identificadas nos estudos já realizados(4).

Os critérios de inclusão foram os estudos publicados nos últimos cinco anos (2017-2022), sem restrição de desenho e que abordassem estudantes de enfermagem de qualquer país e instituição de ensino superior. Decidimos que a busca por estudos publicados nos últimos cinco anos era o método mais adequado devido à quantidade significativa de informações primárias existentes. Também foi importante incluir os estudos mais recentes, porque refletem o estado da arte atual. As revisões de escopo desempenham um papel importante na articulação entre os resultados da pesquisa com a tomada de decisões em saúde baseada em evidências. Para serem confiáveis, essas revisões devem usar métodos confiáveis ​​e incluir todos os resultados obtidos de pesquisas relevantes(11).

Foram verificadas as listas de referências da literatura para se identificarem estudos complementares. A busca foi realizada por dois investigadores independentes, em português, inglês e espanhol, disponíveis em free full text.

Fontes de informação

A pesquisa foi realizada em Março de 2022, nas bases de dados: PubMed, CINAHL Plus with Full Text, Nursing & Allied Health Collection, Cochrane Plus Colletion, MedicLatina (via EBSCOhost). De referir que não foram encontradas evidências do tipo revisão scoping sobre esta temática. Para a pesquisa de informação foram utilizados os descritores nos idiomas inglês, espanhol e português conforme a Figura 2.

Figura 2 - Descritores para pesquisa. Porto, PT, Portugal, 2024

Estratégia de busca

Foram utilizados os descritores em Ciências da Saúde (Decs) e Medical Subject Headings (MeSH). Para as combinações entre os descritores foram utilizados os operadores boleanos “AND” e “OR”, sendo “AND” usado para localizar estudos entre os temas e “OR” para sinónimo(9) conforme a Figura 3.

Figura 3 – Descritores e sinónimos utilizados nas bases de dados. Porto, PT, Portugal, 2024

Seleção dos estudos

Os artigos identificados segundo os critérios de elegibilidade foram organizados na plataforma Qatar Computing Research Institute (Rayyan QCRI®). De seguida, procedeu-se à leitura pelo título e resumo e posteriormente à leitura na íntegra dos estudos identificados. Os resultados da pesquisa foram redigidos de acordo com o PRISMA-ScR®(10) conforme Figura 4, considerando os critérios predefinidos de inclusão e exclusão.

Fonte: PRISMA Flow Diagram adaptado de Page et al., 2024.

Figura 4 -  Fluxograma do processo de seleção dos estudos. Porto, PT, Portugal, 2024

Extração de dados

Para auxiliar na extração dos dados foi elaborada pelos investigadores, uma tabela de evidências composta pelos itens: título, tipo e desenho do estudo, autor(es)/ano, objetivos, população estudada, contexto e os principais resultados, conforme a Figura 5. Os dados foram extraídos e analisados por dois investigadores de forma independente, recorrendo-se a um terceiro revisor em caso de discordância que decidirá sobre a inclusão ou exclusão do artigo.

RESULTADOS

Foram encontrados 91 artigos na base PubMed e 41 artigos da EBSCO tendo sido incluídos 11 artigos, de acordo com os critérios definidos. Dos artigos analisados verificou-se que quanto ao tipo de estudo maioritariamente são estudos quantitativos, transversais e descritivos (54,5%), quase experimental (36,4%) e qualitativo (9,1%) conforme a Figura 5. A população em estudo variou entre 7 e 829, perfazendo o total de 1772 estudantes de enfermagem. Os estudos revelam a necessidade do envolvimento dos estudante/docentes e tutores na consciencialização de estratégias de ensino/formação na área de prevenção e controlo de infeção associada aos cuidados de saúde conforme a Figura 6.

Figura 5 - Tabela de extração de dados de scoping review. Porto, PT, Portugal, 2024

Figura 6 - Conhecimentos dos estudantes de enfermagem relativo às precauções universais no controle de infeção. Porto, PT, Portugal, 2024

DISCUSSÃO

O conhecimento sobre a prevenção e controle de infeção em estudantes de enfermagem é uma área que tem sido pouco explorada. Os estudantes de enfermagem em ensino clínico prestam cuidados de enfermagem a diversos doentes, interagem com profissionais de saúde e docentes representando um papel crítico na propagação de microrganismos patogénicos(23-24).

Com as mudanças tecnológicas e os avanços científicos, as responsabilidades dos profissionais de saúde e dos estudantes aumentam em contextos complexos de prestação de cuidados, uma vez que são considerados um grupo vulnerável face à exposição a microrganismos(19).

Ao longo dos ensinos clínicos é expectável que os estudantes demonstrem conhecimentos e habilidades em diferentes áreas, em particular, em controlo de infeção, no entanto, estudos realizados(25-26) demonstram baixos níveis de literacia e inconsistência ou mesmo omissão na adoção de comportamentos em conformidade com as diretrizes nacionais e internacionais.

A articulação entre o ensino sobre as boas práticas de prevenção e o controle de infeção são de elevada importância no processo formativo dos estudantes. Neste sentido, verifica-se a necessidade de investir na prevenção e controle de IACS, de uma forma estruturada e articulada entre os conteúdos lecionados, os recursos inovadores, as abordagens pedagógicas e a coordenação entre os docentes e tutores(25,27).

Cabe aos tutores orientarem e corrigirem os estudantes para a correta utilização das medidas preventivas articulando a prática clínica de controlo de infeção com os conhecimentos adquiridos em sala de aula. O tutor deve ser um facilitador no processo de aprendizagem do estudante demonstrando conhecimentos atualizados, interesse e disponibilidade para acompanhar e orientar.

A integração de programas de mentoria contínua por pares no ensino de enfermagem, com foco no estudante, com oficinas e seminários devem ser incluídos nos planos de estudos, de forma a promover o pensamento crítico-reflexivo, a promoção da autonomia e a responsabilidade do futuro profissional(12). Os programas de mentoria constituem uma estratégia que permite ao estudante melhorar a sua aprendizagem e desempenho académico, potenciando o desenvolvimento de competências, nomeadamente, o trabalho em equipa, as relações interpessoais, a motivação e desenvolvimento pessoal e profissional(28).

Estudos desenvolvidos permitem inferir uma baixa adesão às PBCI pelos estudantes de enfermagem, escassos conhecimentos quanto aos aspetos mais específicos como a origem dos microrganismos que causam essas infeções ou o uso adequado de luvas, no entanto, demonstram conhecimentos gerais relacionados com as infeções nos cuidados de saúde(12,16).

Outro estudo alude à importância de investigar a adesão às PBCI e identificar os seus preditores entre os estudantes relatando que estes apresentam maior adesão ao uso de equipamento de proteção individual, descorando o uso correto dos contentores corto-perfurantes, uso de óculos de proteção e o recapsular de agulhas(17).

Neste contexto, evidencia-se a necessidade de implementar programas de formação e treino contínuo para melhorar o conhecimento dos estudantes para a adoção de boas práticas nos cuidados de saúde(12-13). Torna-se necessário avaliar a eficácia dos programas de formação estruturados para melhorar a adesão às práticas de controlo de infeção conforme estudo desenvolvido(14). Para garantir a segurança do doente e futuros profissionais de saúde, os estudantes devem ser agentes ativos de mudança na prestação de cuidados. Para tal, a Organização Mundial de Saúde preconizou a inclusão de conteúdos formais sobre a temática de prevenção e controlo de infeção nos planos curriculares das instituições de ensino superior(30).

A melhoria dos comportamentos e a motivação pessoal dos estudantes tende a aumentar quando a aprendizagem junta diversos tipos de metodologias, nomeadamente, recursos a aulas teórico-práticas, laboratoriais e cenários de simulação constituindo estratégias pedagógicas imprescindíveis para melhorar a autoeficácia e a conscientização dos estudantes na prevenção e controle de infeção(28). O estudante tem a oportunidade de desenvolver procedimentos técnicos em ambiente colaborativo e de aprendizagem o qual o ajuda a adquirir progressivamente maior confiança facilitando o desenvolvimento de competências práticas e comunicacionais(28).

Durante a pandemia de COVID-19 acentuou-se a necessidade na realização de cursos direcionados para o conhecimento e atitudes dos estudantes de enfermagem na prevenção e controle de infeção. Nesta fase, o ambiente de aprendizagem influenciado pela pandemia mudou, com a integração de novas metodologias de ensino  de enfermagem com enfase num modelo virtual despoletando novos desafios, oportunidades de desenvolvimento de competências no estudante(24-25,30).

O estudo realizado(12) aponta para a necessidade de melhorar os programas educacionais para profissionais de saúde, particularmente em instituições educacionais e nos locais de trabalho.

As contribuições deste estudo referem-se ao conhecimento dos estudantes de enfermagem sobre medidas preventivas e de controlo de infeção. Constata-se que são necessários novos estudos para avaliar a atitude, a implementação e o cumprimento das medidas preventivas de controlo de infeção pelos estudantes de enfermagem. Neste sentido, a introdução de programas formativos estruturados, sistematizados com a inclusão do treino de competências é essencial para a segurança do utente, do estudante e de todos os envolvidos na prestação de cuidados. Para tal, requer uma articulação de proximidade entre as instituições de saúde e de ensino superior, entre docente, aluno e tutor.

Limitações do estudo

A principal limitação do estudo refere-se ao número reduzido de estudos disponíveis sobre a temática em estudo.

CONCLUSÃO

Este estudo possibilitou a análise e sistematização do conhecimento dos estudantes de enfermagem sobre medidas preventivas e de controlo de infeção associada aos cuidados de saúde e reforçou o papel da tutoria por pares em contexto clínico. Para prestar cuidados de saúde mais seguros é necessário adotar metodologias de ensino/aprendizagem inovadoras, centradas no estudante, que premeiam a aquisição de conhecimentos teóricos através da formação contínua e do treino de competências práticas no âmbito das PBCI.

Ao longo do processo de aprendizagem a articulação entre as escolas e as instituições de saúde, assim como, dos docentes e tutores é essencial para promover a obtenção de conhecimento, motivação e autoeficácia dos estudantes de enfermagem para a prevenção e controle de infeção. É inevitável a realização de mais estudos nesta área e que contribuam para a prestação de cuidados de saúde de qualidade e em ambientes de trabalho favoráveis.

CONFLITO DE INTERESSES

Os autores declaram não haver conflito de interesses.

REFERÊNCIAS

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Submissão: 16-Nov-2022

Aprovado: 22-Fev-2024