The search for the accomplishment of the preventive examination of cancer cytology: a qualitative study
A procura pela realização do exame preventivo de citologia oncótica: um estudo clínico-qualitativo
Ana Carolina Bianchini da Silva Lucarini(1), Claudinei José Gomes Campos (2)
(1, 2)Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas- São Paulo-Brasil
Abstract. The examination of cancer cytology is an important tool in the prevention of the womb colon cancer. In this clinical-qualitative study it was objectified to identify and to analyze the psychosocial and cultural aspects that involve the search for the accomplishment of the examination of cancer cytology. Developed with users of a basic unit of health of the city of Campinas, between in the age range of the 20 to the 32 years. The analysis of the data became by means of the method of content analysis, using a process of categorize not prior . The following categories had been mentioned: social constructions between spoken and the lived one for the young adult women; motivation for accomplishment of the preventive examination; involved psychosocial and cultural aspects in the accomplishment and the expectation of the result of this examination; the professional link of the health and customer in the search for the prevention; level school and religion: its influence in the search for the prevention. We conclude that involved the psychosocial and cultural aspects in the accomplishment of this examination are innumerable, differing in accordance with its social insertion, level school, cultural taboos. Independent of the age range, the question of the sicken possibility functions as encourage factor for prevention, however the social construction between spoken and the lived one for these women are very conflicting when it mentions to the possibility of accomplishment and regularity of the preventive examination.
Key words: vaginal smears, women's health, primary prevention
Resumo. O exame de citologia oncótica é uma ferramenta importante na prevenção do câncer de colo de útero. Neste estudo clínico-qualitativo objetivou-se identificar e analisar os aspectos psicossociais e culturais que envolvem a procura pela realização do exame de citologia oncótica. Desenvolvido com usuárias de uma unidade básica de saúde do município de Campinas, inclusas na faixa etária dos 20 aos 32 anos. A análise dos dados fez-se por meio do método de análise de conteúdo, utilizando um processo de categorização não apriorística. Foram elencadas as seguintes categorias: construções sociais entre o falado e o vivido pelas mulheres adultas jovens; motivação para realização do exame preventivo; aspectos psicossociais e culturais envolvidas na realização e na expectativa do resultado desse exame; o elo profissional da saúde e cliente na busca pela prevenção; escolaridade e religião: sua influência na busca pela prevenção. Concluímos que os aspectos psicossociais e culturais envolvidos na realização desse exame são inúmeros, diferindo de acordo com sua inserção social, escolaridade, tabus culturais. Independente da faixa etária, a questão da possibilidade de adoecimento funciona como fator incentivador para prevenção, contudo a construção social entre o falado e o vivido por essas mulheres é muito conflitante quando se refere à possibilidade de realização e periodicidade do exame preventivo.
Descritores: esfregaço vaginal, saúde da mulher, prevenção primária.
I – Introdução
O câncer de colo de útero é um problema de saúde pública em várias regiões do mundo, embora exista a disponibilidade de recursos tecnológicos para o seu diagnóstico precoce há muitas décadas (1), sendo um deles o exame de citologia oncótica (Papanicolaou).
De modo geral, a realização do Papanicolaou está mais relacionada à oportunidade de sua oferta durante outras práticas assistenciais, como a realização do pré-natal, ou a presença de alguma sintomatologia (2). É importante investir em novas campanhas preventivas, que atuem sobre a população feminina de forma geral, desde as que já iniciaram vida sexual ativa até a população idosa, pois os extremos de faixa etária são os que menos realizam o exame preventivo. As campanhas normalmente realizadas no nosso contexto de saúde tendem a ser esporádicas e oportunistas, com pouco impacto na incidência do câncer de colo de útero (1).
A maioria dos casos de câncer do colo uterino pode ser evitada ou reduzida em até 80 %, por meio do rastreamento; desde que a qualidade, a cobertura e o seguimento sejam eficientes. Contudo, poucos são os países em desenvolvimento capazes de sustentar programas de rastreamento citológico efetivos (1), sendo estes esporádicos e de baixa qualidade (3). A proposta de um programa de rastreamento é de além de diagnosticar o câncer em estádios iniciais, detectar e remover lesões de alto grau, prevenindo sua potencial progressão para carcinoma (1). Isto porque apenas 30% das mulheres submetem-se ao exame de citologia oncótica pelo menos três vezes na vida, o que resulta em diagnósticos já em fase avançada, em 70% dos casos (4).
O câncer de colo do útero apresenta um dos mais altos potenciais de prevenção e cura, quando diagnosticado precocemente. A incidência máxima dessa neoplasia situa-se entre 40 e 60 anos de idade, e apenas, uma pequena porcentagem ocorre antes dos 30 anos (4). Com isso a necessidade de investigar a realização desse exame entre as mulheres mais jovens, como forma de prevenção e de incentivo a adoção de uma cultura de realização de práticas preventivas desde cedo, no auge da idade reprodutiva.
Esse tipo de câncer é o segundo mais comum entre mulheres no mundo, sendo responsável anualmente, por cerca de 471 mil casos novos e pelo óbito de 230 mil mulheres por ano (5). Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, a partir de 2020 estima-se, no mundo, o diagnóstico de 15 milhões de novos casos de câncer ao ano (6) . A incidência para 2005 foi de 20.660 casos novos no Brasil. Já para 2006 a estimativa de incidência de novos casos demonstra uma queda, sendo esperado 19.260 casos, com risco estimado de 20 casos a cada 100 mil mulheres (5).
Segundo estudo realizado, a desmotivação, vergonha, profissionais de saúde que enfocam a coleta e não realizam um exame clínico mais detalhado, longo tempo de espera nas filas para as consultas, a maior idade, baixa escolaridade, além de dificuldades sociais e econômicas, estão relacionados com a adesão das mulheres ao exame, sendo utilizados como justificativa para a não realização periódica do mesmo (7).
O início da atividade sexual em idade precoce, multiplicidade de parceiros sexuais, freqüência do coito e a multiparidade são considerados fatores de risco preponderantes para o câncer de colo de útero, sendo a Doença Sexualmente Transmissível (DST), em particular o papilomavírus humanos (HPV), como fator de risco adicional ao desenvolvimento do câncer de colo de útero, não se esquecendo, também, das dificuldades de acesso aos serviços de saúde (8, 9).
Com esse estudo buscamos identificar e analisar os aspectos psicossociais e culturais que envolvem a procura pela realização do exame de citologia oncótica, numa população de faixa etária adulta jovem (20 a 32 anos). Contribuindo na elaboração de futuras campanhas preventivas, que sejam mais efetivas e que respeitem a individualidade dessas mulheres, atingindo um número maior de realizações do exame preventivo e modificando as estatísticas de incidência atual para esse tipo de câncer.
Utilizamos o método qualitativo que se preocupa com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes (10), numa abordagem clínico-qualitativa.
A abordagem clínico-qualitativa é o estudo dos limites epistemiológicos de certo método qualitativo particularizado no settings da saúde, bem como abraça a discussão sobre o conjunto de técnicas e procedimentos adequados para descrever e compreender as relações de sentidos e significados dos fenômenos humanos referidos neste campo (11; 33).
Usou-se este método na tentativa de entender o valor que essas mulheres, na faixa etária adulta jovem, pertencentes ou não ao grupo de risco para o câncer colo de útero, atribuem à realização da citologia oncótica, que se torna um veio a ser explorado, como ponto essencial para compreensão do fenômeno, avaliando as repercussões para as mesmas durante toda a sua vida reprodutiva.
O estudo realizou-se numa unidade básica de saúde do município de Campinas-SP, com onze mulheres usuárias do serviço, na faixa etária adulta jovem, mais especificamente entre 20 a 32 anos, que de alguma forma puderam contribuir para pesquisa. Embora nessa faixa etária a incidência de mortes seja escassa é necessária uma prevenção precoce. Utilizando o critério de saturação dos dados como fator delimitante da amostra.
Para coleta dos dados, utilizou-se um roteiro de entrevista semi-estruturado contendo perguntas relacionadas aos dados sócio-culturais da população estudada, motivações que as levaram a buscar o serviço de saúde para a realização da citologia oncótica, sua experiência quanto à realização do preventivo, a periodicidade para a realização do mesmo, as percepções sobre os profissionais da saúde, influência religiosa e da escolaridade na realização desse exame.
Nas investigações qualitativas as entrevistas podem ser de vários tipos, constituindo um espectro variável desde uma conversa informal até um roteiro padronizado. O grau de formalidade deve ser definido conforme os objetivos da pesquisa, de acordo com o tema a ser tratado e, sobretudo, tendo em vista o que é apropriado culturalmente para o grupo pesquisado (12). Escolheu-se a entrevista semi-estruturada pela possibilidade de se estabelecer com a entrevistada a liberdade e espontaneidade necessárias para o enriquecimento da investigação sem, entretanto, desvincular-se dos objetivos propostos anteriormente, de acordo com informações, propósitos e interrogativos previamente elaborados pelos investigadores (13).
Concluídas as entrevistas realizou-se a transcrição literal dos relatos. Buscando proporcionar um olhar multifacetado sobre a totalidade dos dados recolhidos nas entrevistas, foi realizada uma análise de pré-exploração do material, feito à seleção das unidades por análise temática, que em seguida foram reagrupadas em categorias, que ajudaram na análise de conteúdo e nas posteriores inferências que melhor caracterizaram os aspectos psicossociais e culturais que norteiam a população feminina adulta jovem.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, conforme prevê a Resolução 196/96 sobre o trabalho envolvendo humanos, sob protocolo 172/2005. Os sujeitos de pesquisa assinaram instrumento de participação e aceite pós-informado.
III - Análise e Discussão dos Dados
Caracterização sociocultural dos sujeitos da pesquisa:
A amostra apresentou indivíduos com idades que variaram entre vinte (20) e trinta e dois (32) anos, sendo que quatro (4) estão inseridas na faixa etária dos 20 aos 24 anos, cinco (5) na faixa dos 25 aos 29 anos e as demais na faixa entre 30 a 32 anos. Sendo que cinco (5) são solteiras, três (3) casadas, demais divorciadas e amasiadas; quanto à variação do grau de instrução prevaleceu o segundo grau completo. Em relação à opção de religiosidade, sete (7) delas se declararam católicas e as demais se distribuem entre evangélicas/protestantes/espíritas. Dentre as profissões/ocupações, a maioria é estudante (4), seguidos por auxiliar administrativa (3), sendo as demais respectivamente: do lar e técnica de enfermagem. Apenas uma pessoa declarou ter concluído o 3º grau completo, sendo professora.
Categorias:
- Construções sociais entre o falado e o vivido pelas mulheres adultas jovens
Embora a grande maioria relate que realiza o exame de citologia oncótica (Papanicolaou) uma vez por ano, algumas o realizam com periodicidade bienal ou semestral. Entretanto, essas se contradizem, quando revelam a última vez que realmente realizaram o exame, que na maioria das vezes, não correspondem à periodicidade relatada, ou seja, por estar atrasado, ter esquecido a data marcada para realização do exame, por falta de tempo, pelas agendas saturadas dos Centros de Saúde, dentre outras justificativas. Deixando claro que sabem da importância da realização periódica do preventivo, mas isso ainda não está inserido em seus cotidianos, denotando um grande conflito entre o falado e o vivido.
Estudos recentes sugerem que o rastreamento deva ser mais freqüente em grupo de mulheres jovens, em função do aumento na incidência de lesões de alto grau nas pacientes entre 20 a 34 anos de idade (faixa etária abordada nesse estudo), sendo que na Suíça foi observado aumento do número de adenocarcinomas do colo nas mulheres com idade de 25 a 39 anos (6). Desta forma, é justificável o incentivo a essas mulheres a realizarem o exame com periodicidade controlada.
Nos discursos sobre a periodicidade encontrou-se:
“Ah! Acho que faço uma vez por ano ou uma vez a cada dois anos, mas ou menos isso (...)”.(E-3)
“Exatamente de seis em seis meses, isso após ter descoberto o cisto no ovário há dois anos (....)”.(E-4)
“É, geralmente faço uma vez por ano, às vezes passa alguns meses a mais e já era para ter feito (...), mais ou menos de um ano em um ano”.(E-5)
Já quanto ao último exame preventivo realizado, demonstra que a periodicidade não confere:
“Foi o ano passado (...) foi (...) deixa eu ver (...).”(E-1)
“Não lembro muito bem (...) mas acho que foi no começo do ano.”(E-10)
Algumas mulheres sabem da necessidade de realizar o exame preventivo, periodicamente, mesmo que não o façam, mas uma grande maioria realiza o exame como parte de um procedimento médico sem entender o porquê da necessidade de realizá-lo regularmente (7).
De acordo com modelo clássico de rastreamento de neoplasia cervical, vigente nos Estados Unidos da América, as mulheres devem se submeter ao exame citológico desde o inicio da atividade sexual, repetindo-o anualmente. No Canadá, recomenda-se a repetição a cada três anos, e na Finlândia, a cada cinco anos por todo seu tempo de vida (6), esses parâmetros se baseiam na experiência de cada país. No entanto, no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA), recomenda-se que o exame seja realizado anualmente e após dois resultados negativos para neoplasia, com intervalo de um ano entre eles, o mesmo deve ser realizado há cada três anos (5).
É essencial entender quais os motivos que levam as mulheres a realizarem o exame preventivo, levando-se em consideração sua inserção cotidiana e cultural. Alguns pré-conceitos já estão arraigados na população de uma forma global, como o medo de ser acometido pelo câncer, seja benigno ou maligno, que é envolto em crendices e valores próprios do coletivo, denotando aspectos psicossociais e culturais repletos de singularidade.
Embora a maioria das mulheres revele que a grande motivação para a realização do exame, seja a busca pela prevenção do câncer, poucas vezes se referem as demais doenças de uma forma geral. Quanto à prevenção das DST, apenas em uma entrevista foi relatada, levando-se em consideração que a população foco seja mais jovem e sexualmente ativa.
“Para ver se está tudo certinho, medo da doença (...) ter alguma coisa (...) e quando ver já ser tarde demais e não ter cura. Além de todas as doenças em geral”.(E-1)
“Para prevenção de DST, se bem que depois que separe (...) mas já tive problemas ginecológicos (...).”(E-9)
Dentre outras justificativas surgem: prevenção, a proximidade ao Centro de Saúde, preocupação com sua saúde e principalmente por denominá-lo com um exame de rotina, sendo que esta última justificativa aparece em quase todos os relatos.
“Porque o Centro de Saúde é perto da minha casa (...) por medo de ter câncer (...) exame de rotina”.(E-2)
“Realmente para prevenção (...) eu sou muito medrosa (...) depois que você conhece a doença vai ficando mais atenta, (...) é mulher, vida sexual ativa”.(E-4)
Bem, fui fazer o exame porque a gente sabe que é importante fazer, prevenção (...) é um exame de rotina, então, eu faço sempre”.(E-5)
Tais motivos levantados para justificar a realização do exame preventivo como: medo da doença, procura por prevenção, preocupação com familiares, também foi relatado por um estudo realizado em mulheres de países com culturas diversas (14).
Torna-se necessário investir na medicina preventiva que requer a focalização na saúde e doença em uma dimensão sócio-econômica e cultural, utilizando seus conhecimentos e consciência crítica para intervir na formação de hábitos individuais e coletivos de promoção da saúde (15). São escassos os estudos que investiguem os motivos abordados pelas mulheres para realização do teste de Papanicolaou e qual o significado que assumem na prática de assistência a essa população (2).
– Aspectos psicossociais e culturais envolvidos na realização e no resultado desse exame
Os significados que envolvem o exame de citologia oncótica são muito diversificados, diferem dentro da mesma população e faixa etária, tendo grande influência das características culturais, inserção biopsicossocial de cada indivíduo, além dos tabus muito arraigados na sociedade. Nesse estudo identificou-se que o fato de ser um exame desagradável, que invade a privacidade das mulheres e ainda por ser realizado por profissionais de saúde, de ambos os sexos, criando em algumas mulheres uma sensação de constrangimento, desta forma funcionando como um elemento que dificulta a sua procura.
Ainda, não podemos esquecer dos quesitos dor, desconforto, vergonha e outros mais, singulares para cada mulher e que na maioria das vezes não são respeitados, é apenas mais uma mulher dentre várias e não “uma mulher”, que merece ser atendida com ética e respeito, de acordo com sua inserção cultural. Estudo realizado mostra que o interesse pelo exame diminui quando a mulher se sente jovem e bem de saúde para ter câncer, diante do sentimento de vergonha de fazer o exame, medo do resultado, invasão da privacidade da mulher e sentimento de estranheza dos profissionais da saúde, que muito se assemelham ao encontrado neste estudo (14).
“Desagradável, desconfortável (...) porque é homem, porque é médico (...) a última vez a minha perna ficou tremendo, e nada de acalmar (...) mesmo com o médico pedindo (...)”.(E-1)
“O exame de Papanicolaou é horrível, não gosto de fazer, é desagradável (...)”.(E-3)
“O exame não é muito bom, às vezes dói, mas tem que fazer, né”.(E-5)
Mas há outros fatores a serem analisados, o fato da preferência por um sexo e ter que se modificar para adequar-se às atitudes de ciúmes e poder de seus companheiros.
“Faço desde os 16 anos, no passado achava que era invasão da minha privacidade (...) agora acho super comum o exame. A posição é desconfortável, outra pessoa te olhando. Acho os médicos mais sensíveis para fazer o exame, mas minha médica atual é mulher. Passei a fazer com mulher por pressão do meu noivo, ciúmes (...)”.(E-4)
Quanto ao resultado dos exames, os aspectos psicossociais e culturais são inúmeros, mas o fator mais forte é o medo da doença ser diagnosticada e para isso utilizam vários meios evasivos, como atrasos para consultas, não querer ir ver o resultado, pensamentos positivos quanto à doença versus o medo da realidade, conseqüências no futuro, preocupação com sua posição mantenedora frente aos familiares e a importância da sua presença. E ainda, para contribuir com esses sentimentos de impotência das mulheres, existe o quesito tempo, sendo que nesse Centro de Saúde como na maioria dos serviços, o resultado demora muito a chegar, em média 30 a 45 dias.
“Ah! É estranho! Não sei por que eu sempre tenho medo (...) cada vez tem uma coisa nova (...) penso no que vai acontecer lá no futuro”.(E-1)
“Quanto ao resultado (...) demora muito a ficar pronto”.(E-10).
“Resultado, sempre uma expectativa muito grande, medo de descobrir alguma coisa, pode acontecer qualquer coisa e aí é tarde”.(E-4)
De acordo, com pesquisa realizada também em uma unidade básica de saúde, no Ceará, envolvendo a análise da questão dos resultados do Papanicolaou, relatou-se a situação de trabalho da mulher, as dificuldades financeiras e de locomoção, as orientações adequadas por parte dos profissionais sobre a necessidade do retorno, dificuldades na transferência da data do retorno, além de longa espera para marcação de consulta, recursos materiais e humanos reduzidos, como fatores influenciadores na adesão das mulheres para o retorno para verificação do resultado do exame, o que inviabiliza a continuidade do processo em busca de práticas preventivas (16).
Embora o nosso enfoque tenha sido mais quanto às expectativas das mulheres em relação ao resultado, alguns dos citados acima aparecem em nos discursos das entrevistadas. Contudo, é necessário analisar a busca por práticas preventivas, respeitando os valores e prioridades que envolvem o cotidiano das mulheres, realizando uma análise mais singular a respeito, implementando ações que favoreçam o acesso da mulher ao serviço e reavaliação constante do atendimento oferecido (16).
É preciso investir numa abordagem mais humanizada para a realização do exame preventivo, de forma a esclarecer melhor as mulheres, sobre o processo como um todo, desde a pré-consulta, a coleta do material até as orientações finais. A explicação sobre o exame de uma forma mais singular facilita o melhor entendimento do processo, sem que surjam indagações sobre ser um procedimento doloroso, muito rápido ou que nem mesmo as mulheres compreendam o que está ocorrendo (7). Por não entender esse processo, muitas mulheres não realizam o exame preventivo, periodicamente. Contudo, muitas delas confiam na competência dos profissionais de saúde e na fidedignidade das informações recebidas e esperam ser respeitadas e tratadas em sua singularidade.
“Acho o papel deles muito importante (...) na saúde da mulher, pois o exame de Papanicolaou é terrível”.(E-4)
“Eu acho que os profissionais (...) tem que ter competência, saber realizar o exame, estar preparado”.(E-5)
“Os profissionais da saúde devem ser capacitados para realização de tal exame (...) para dar segurança a cliente e favorecer a realização do exame”.(E-9)
São essenciais na relação profissional da saúde-paciente para que a mensagem educativa seja melhor absorvida, a comunicação emocional, a empatia, abordagem explicativa numa linguagem adequada, ética profissional (17). Como elucida as citações abaixo:
“Ah! São bons (...) conversa detalhada, perguntas (...) já outros vão direto ao assunto”.(E-1)
“O médico é atencioso, tira dúvidas e explica tudo (...)”.(E-8)
A realização da citologia oncótica está associada ao desempenho dos profissionais da saúde envolvidos (1), sendo muito importante o elo profissional da saúde-paciente, que respeite sua individualidade, começando por ouvir o que essa tem a dizer (17), deixá-la se expressar e não apenas direcionar toda a consulta, pois os profissionais da saúde como terapeutas devem cuidar de pessoas de maneira humanizada e não apenas de um indivíduo como se fosse um objeto.
Quanto aos quesitos escolaridade e religião são bastante conflitantes. Algumas mulheres defendem a vertente de que quanto maior a escolaridade, maior a facilidade de acesso à informação, outras consideram que a falta de informação provoca o medo e a vergonha de realizar o exame preventivo. Contudo, em outra vertente há mulheres que defendem que independente da escolaridade e da crença religiosa, é a mulher a responsável por buscar por informações, já que diante de toda tecnologia há inúmeros meios para se ter acesso à informação, o que não se justificaria pela baixa escolaridade e sim pelo desinteresse, medo, vergonha e outros fatores que influenciam culturalmente em suas atitudes preventivas. Muitas, mesmo diante da doença não procuram precocemente por atendimento médico e permitem a evolução da doença, procurando por atendimento quando os sintomas já estão presentes e bastante exacerbados. Ainda há muitos tabus a serem desmistificados para que a ação preventiva em suas diferentes vertentes sejam melhor disseminadas.
“Assim (...) tem bastante gente desinformada (...) tem meios para você saber, não tem como a pessoa dizer que não está doente (...) mas só procura saber quando chega nela”.(E-1)
“É, acredito que (...) a escolaridade pode influenciar na realização do exame (...) porque quanto mais esclarecido melhor”.(E-5)
Portanto, a informação sobre o câncer de colo de útero, suas conseqüências à saúde da mulher e o conhecimento de que pode acometer desde mulheres jovens até aquelas com idade mais avançada, independente do nível de escolaridade são importantes aliados no incentivo ao exame preventivo (14).
Quanto à religião a disparidade é contínua, pois algumas mulheres confiam fielmente nas influências da religião, em suas atitudes preventivas e em sua privacidade, sendo que algumas designam o que deva ou não ser feito pelas mulheres, no constante conflito entre a prevenção e atividade sexual ativa apenas para manutenção da espécie e da família. De outro lado, há as mulheres que acreditam que as práticas preventivas dependem da consciência de cada mulher, sendo ela a grande responsável por procurar por atendimento em saúde. É necessário investir na prevenção em seu cotidiano, responsabilizando as mulheres por grande parte dos acontecimentos em sua vida, já que muitas doenças são podem ser prevenidas, como o câncer de colo uterino.
“Tem religião que influencia o não fazer (...) mas vai das mulheres (...) Deus é um só! Já deixou os médicos, vai da mulher procurar (...) não adianta quando está ruim reclamar”.(E-11)
“A religião acho que influencia muito nossa privacidade”.(E-4)
“Minha religião também preza pelo cuidado a saúde e prevenção (...)”.(E-7)
No cotidiano das mulheres no percurso pela cura é comum encontrar situações em que o primeiro passo é dado em direção à via religiosa que, sem prescindir de suas formas típicas de tratamento, também encaminha o paciente à medicina oficial (15). Que acredita muitas vezes, na solução dos problemas da saúde-doença num campo que engloba a dimensão sobrenatural, diante da construção social da realidade, que mascara o processo saúde-doença como a vontade divina (18).
IV – Conclusões
Concluímos que independente da faixa etária a questão da possibilidade de adoecer como fator incentivador para prevenção tem um potencial decisivo. Contudo, a construção social do falado e do vivido pelas mulheres da faixa etária adulta jovem, ainda é muito conflitante, fazer ou não fazer o exame preventivo?, qual periodicidade? Questões ainda bastante confusas na população estudada. Os aspectos psicossociais e culturais envolvidas na realização desse exame são inúmeros, diferindo de acordo com sua inserção social, escolaridade, tabus culturais; sendo muito forte as justificativas para a realização do mesmo como meio de prevenção, como exame de rotina, por medo as doenças em geral, referindo-se tanto ao câncer como as DST, já que essas estão inseridas em um faixa etária, em que são consideradas sexualmente mais ativas.
É considerado como um exame doloroso, desconfortável, que invade a privacidade das mulheres, principalmente, quando se considera o fato de ser realizado por profissionais de ambos os gêneros, o que justifica a necessidade da importância do elo profissional-paciente, numa abordagem ética e respeitando a individualidade das mulheres. Deve haver incentivos a realização do exame preventivo, e os desconfortos gerados pelo mesmo devem ser desmistificados para que não funcionem como um meio evasivo para a busca de práticas preventivas em saúde.
Há também a questão da diversidade de opiniões sobre as influências da religião e da escolaridade na realização do exame preventivo, sendo estas bastante conflitantes entre os sujeitos do estudo, que defendem que a prevenção independe da escolaridade e da religião, em outra vertente acredita-se que tanto a religião como a escolaridade influencia na busca pelas práticas preventivas, algo que carece de estudos mais específicos e abrangentes.
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Recebido : Nov 9th, 2006
Revisado : Nov 17th, 2006
Aceito : Nov 24th, 2006